segunda-feira, 25 de outubro de 2010

EDUCAÇÃO COMO FATOR DE CONSTRUÇÃO DO HOMEM

Salomão Ferreira de Souza*

O tema do artigo em apreço tem como objetivo fazer compreender melhor a que veio a educação no processo de construção das sociedades, mais do que propriamente o que ela significa. Aqui não importa tanto o objeto, mas as direções que toma o homem quando dele se arma e com ele se apresenta ao mundo.

Segundo Verner Jaeger (2001), “Todo povo que atinge um certo grau de desenvolvimento sente-se naturalmente inclinado à prática da educação”. Como desafio vamos pensar o inverso: todo povo, ao se educar, consegue um certo grau de desenvolvimento. Tomando essa questão pelo avesso, pretendo mostrar que a educação antecede o humano e que esse só se faz por meio dela. A educação é, assim, uma construção de humanidade inventada por esse animal bípede, que, desprovido de recursos materiais para o enfrentamento do mundo, se armou das idéias e fabricou as mais diversas próteses. Em Jaeger (2001), lemos que “A educação é uma função tão natural da comunidade humana, que, pela sua própria evidência, leva muito tempo a atingir aqueles que a recebem e a praticam, sendo, por isso, relativamente tardia na tradição literária”. Novamente Jaeger nos leva a pensar que, antes de perceber e traduzir, pela literatura, os conceitos e idéias, a educação já aconteceu. Ela precede a literatura que a expressa.

Para iluminar melhor essa idéia, vamos considerar um recorte histórico que compreende, primeiramente os séculos XVII e início do XVIII, depois um período que vai da segunda metade do século XVIII ao final do século XIX quando se processa as grandes transformações científicas e, finalmente, o século XX até o momento atual, quando o mito das ciências é deposto pelas questões epistemológicas que surgem pelas crises de humanidade do referido século.

No primeiro período situado acima os demógrafos europeus apontavam grande taxa de mortalidade infantil decorrente do descaso que as famílias faziam de seus filhos pequenos. Somente a partir da segunda metade do século XVIII, a sorte das crianças começou a melhorar criando, então, um ambiente onde os pequeninos passaram a ter maior chance de sobreviver. Isto não foi conseguido por meio de campanhas de saneamento, mas por uma educação sistematizada que tinha por objetivo conscientizar as mulheres da importância de seus filhos como riqueza para o estado. O estado exige que as mães cuidem bem de sua prole porque só assim ele poderia produzir as riquezas que, pela mesma via da melhoria das condições do estado, levariam esses benefícios àquelas mães. De acordo com Bantinter (1985, p. 128), “(...) a Academia de Holanda ofereceu um prêmio a quem descrevesse o melhor método para conservar crianças (...)” e conclui: “Foi um compatriota de Rousseau que o ganhou.".

Foi necessário fazer as citações acima para que possamos entender aquela sociedade nos dois momentos históricos: enquanto seus filhos podiam morrer sem fazer muita falta ao sistema de produção, num primeiro momento e quando essa mesma sociedade percebe que precisam das crianças (não como pessoas mas como números - produtores e consumidores - na visão fisiocrática) ou como humanidade (na visão de Montesquieu e Rouseau), para que o estado ou o homem aconteça em sua plenitude. Já no final do século XVIII algumas mães se sentem valorizadas ao apresentar os retornos que a sociedade cobrava. Em consequência da valorização dos filhos como produtos importantes para o capital e o Estado ou simplesmente como homens, as mães se sentem realizadas e começam a mudar seus papéis no lar. É por essa via torta que as mulheres começam a conquistar espaços na sociedade moderna e é também por ela que, já de forma mais direta, a criança se torna o centro das atenções do estado e dos homens adultos. Isso torna visível na Europa do final do século XVIII e início do século XIX.

Considerando que as mudanças surgidas naquela época só foram possíveis pelos “... gritos de alarme de Montesquieu, Rousseau e dos fisiocratas...” (Bantinter, 1985, p. 127), devemos lembrar que por traz das boas intenções com as crianças existiam as necessidades do estado e do sistema de acumulação. Em oposição aos fisiocratas, Montesquieu e Rousseau propunham mudanças não em número de indivíduos, mas na qualidade deles. Por isso Rousseau é, indiscutivelmente, o grande precursor da Escola Nova que surgiu cem anos depois.

Reparem que a criança, que era desprezível e estava entregue à sua própria sorte, passa, por vias daquele movimento, a ser o centro das atenções do estado e dos adultos; suas mães, já com a nobre tarefa de cuidar dos filhos ganham, por conseguinte, uma certa importância.

Penso que a educação é a grande responsável por estes movimentos quando tira do homem adulto o centro das preocupações, o transporta para os pequeninos e, como afirmado anteriormente, por vias tortuosas, à suas mães, em sacrifício do quase ócio improdutivo e de sua condição de empregada da casa, canalizando suas energias para o cuidado com a prole. Esse ócio das boas mães, agora produtivo, possibilita melhor educar os filhos, não sem um melhor preparo destas. É importante observar que o espaço conquistado no lar e na escola daquele período acaba por ser objeto das preocupações dos educadores e do estado até os dias atuais. Isso se dá com as crianças e com as mulheres, embora em ambos os casos existam outros fatos a serem considerados, como, no caso das mulheres, os movimentos dos anos 60 do século XX, mas esse é outro movimento que não cabe ao presente estudo.

A educação é um movimento que passa pelas mais diversas sociedades, nos mais diversos períodos históricos, com um fim previsível ou não. Talvez se os homens da segunda metade do século XVIII soubessem das conquistas futuras de seus filhos e de suas esposas, não teriam desprendido tão grande esforço para as mudanças da época. Felizmente a nossa vida é curta e a sociedade é um organismo em movimento: não podemos testemunhar todos os resultados da educação que aplicamos hoje. Só podemos percebê-los em nossa imaginação. Os desdobramentos da educação de uma sociedade, num determinado tempo histórico, só podem ser objetos de especulação de seus idealizadores. Como na tradução da palavra latina textum (texto, tecido), o educador é apenas um fio que, entrelaçado a outros tantos, tece uma rede chamada humanidade.

Para concluir e como uma provocação ao leitor, vou reproduzir uma fala de Guimarães Rosa (2001): “Vida é noção que a gente completa, seguida assim, mas só por meio de uma idéia falsa. Cada dia é um dia.”.

Referências:


BADINTER, Elisabeth. Um Amor conquistado: o mito do amor materno. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.

JAEGER, Werner. Paidéia: A formação do homem grego. São Paulo: Ed. Martins Fontes, 2001.

ROSA, Guimarães. Grandes Sertões Veredas. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001.



* - Salomão Ferreira de Souza - é escritor e graduando em pedagogia na FAE (Faculdade de Educação) - BH - UEMG (Universidade do Estado de Minas Gerais)

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