terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Governo define piso nacional de R$ 1.451 para a educação

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Por Rafael Rocha
Quase três meses após o início do ano, ontem o Ministério da Educação (MEC) definiu em R$ 1.451 o valor do piso nacional dos professores com carga horária semanal de 40 horas para 2012, um aumento de 22,22% em relação a 2011. Pela legislação aprovada em 2008, o valor mínimo a ser pago a um professor da rede pública deve ser reajustado anualmente em janeiro. Docentes com jornadas diferentes devem receber valor proporcional. O governo mineiro, no entanto, não irá aplicar o reajuste, já que, proporcionalmente, o Estado alega pagar atualmente 51,61% a mais que o previsto na lei nacional.

A decisão do MEC contraria a política defendida por alguns governadores, incluindo Antonio Anastasia (PSDB), que trabalham para que o reajuste dos salários dos professores seja vinculado à inflação, causando menor impacto nas folhas de pagamento. Atualmente, o reajuste é proporcional ao investimento mínimo por aluno definido pelo Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb). De qualquer maneira, o novo piso anunciado nessa segunda não deve atingir os professores mineiros. Ontem, o governo de Minas sinalizou que não irá alterar a política salarial dos servidores da educação. Por meio de nota, a Secretaria de Governo informou que os docentes do Estado têm salário superior ao novo piso da categoria e, portanto, não haverá nenhum reajuste além do já estabelecido. O único aumento previsto neste ano é de 5%, em abril, conforme negociado no ano passado.

Em Minas, após o modelo de remuneração unificada aprovado no fim de 2011, a remuneração inicial da carreira para um profissional de nível superior passou para R$ 1.320 - jornada de trabalho de 24 horas semanais - e para R$ 1.122 - servidores de nível médio. Levando em conta o aumento definido ontem, o valor mínimo do salário deveria ser de R$ 870,60 para os professores com formação superior. Mesmo sem nenhum impacto imediato no contracheque dos professores em Minas, o sindicato da categoria considerou um avanço o índice divulgado ontem. "O MEC fez a parte dele. Isso só vem fortalecer a nossa luta", disse a coordenadora do Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação (Sind-UTE), Beatriz Cerqueira. O modelo de remuneração unificada aprovado na Assembleia Legislativa é contestado judicialmente pela entidade, que aguarda decisão.

Uma assembleia geral que será realizada no próximo dia 15, na capital, também irá servir de protesto diante da postura do governo mineiro. A Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) também convocou paralisação nacional para os dias 14,15 e 16. (Com agências)
 
Contas públicas
Capacidade de pagar é dúvida
Levantamento divulgado pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM) demonstra o tamanho do impacto que o reajuste irá causar na folha de pagamento dos municípios. Com o valor do piso passando de R$ 1.187 para R$ 1.451, para professores com carga horária de 40 horas semanais, o custo adicional será de R$ 5,4 bilhões, por ano, no país. Para o presidente da entidade, Paulo Ziulkoski, os municípios não têm como pagar. "O piso salarial é uma justa reivindicação, mas pode causar desequilíbrio nas contas. A favor do piso todo mundo é, só que fizeram essa fórmula de reajuste que vai acabar diminuindo a qualidade. Para cumprir a lei, vamos ter que tirar dinheiro das escolas, da merenda, do transporte", afirmou.

Apesar de ser uma lei federal, o piso para professores ainda é desrespeitado por muitos Estados e municípios. "Na verdade, a lei completa não é cumprida em praticamente nenhum lugar", disse o presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), Roberto Franklin de Leão. O Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), que reúne os titulares das secretarias estaduais, admitiu que a maioria das 27 unidades da federação enfrenta dificuldades para cumprir a legislação. A paralisação nacional programada para março irá questionar a intenção de governadores em atrelar os reajustes salariais dos professores à inflação. Um projeto de lei nesse sentido tramita no Congresso. (RRo).
Fonte: O TEMPO (MG)

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Betim, Contagem e Neves são líderes em mortes de jovens

Por Joemir Tavares (O Tempo - MG)

O envolvimento cada vez mais precoce no tráfico de drogas, as dívidas por causa da dependência química e as brigas de gangues estão por trás do alto número de mortes de adolescentes nas três cidades de Minas Gerais que aparecem na lista dos 20 municípios brasileiros com maiores taxas de mortalidade de jovens por violência entre 12 e 18 anos. Betim (12º lugar), Contagem (13º) e Ribeirão das Neves (17º), todas na região metropolitana de Belo Horizonte, devem ter, juntas, 915 mortes nessa faixa etária no período entre 2008 e 2014.

Os números alarmantes, apresentados pela ONG Observatório de Favelas em dezembro, foram levantados a partir do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde, referentes a 2008, último ano sobre o qual há informações disponíveis. A expectativa é que 32 mil adolescentes sejam mortos por violência letal (homicídios, suicídios e acidentes) nos municípios brasileiros com mais de 100 mil moradores se as condições que prevaleciam em 2008 não melhorarem.

Em Betim, que tem a situação mais crítica entre as cidades mineiras acima de 200 mil habitantes (veja detalhes ao lado), pelo menos 308 jovens não chegarão a completar 19 anos até 2014. O índice de 4,8 homicídios a cada mil habitantes entre 12 e 18 anos ultrapassa a taxa tolerável, que deveria ser inferior a um. No país, as mortes por homicídio representam 44% dos óbitos entre os adolescentes e só 6% na população total.

Há pouco mais de 15 dias, a execução de um menor de 16 anos com cinco tiros em uma rua de Betim contribuiu para a cidade se aproximar do número de óbitos estimado pela pesquisa. O adolescente teria sido morto por participação no tráfico. Com medo de represálias, a família teme falar. Parentes ouviram os disparos que mataram o jovem, na rua de trás da casa onde ele morava, em plena luz do dia. "Ele parou de estudar na 7ª série e ajudava o tio em uma oficina. Dava problema desde os 12 anos e já tinha sido pego pela polícia", disse uma familiar, que pediu para não ter o nome divulgado.

Combate. Para uma das autoras do estudo, a psicóloga Raquel Willadino, faltam políticas públicas para evitar a entrada de jovens no crime. "Além dos benefícios materiais obtidos em atividades ilícitas, também há dimensões subjetivas e simbólicas, como a busca de pertencimento, prestígio, poder e visibilidade social".

Sobre os resultados da pesquisa do Observatório de Favelas, a Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds), que cuida da segurança pública em Minas, declarou, por meio de nota, que desenvolve ações preventivas nas três cidades, como os programas Fica Vivo, Central de Acompanhamento de Penas e Medidas Alternativas (Ceapa/MG) e Programa Educacional de Resistência às Drogas (Proerd) - este funciona em 543 municípios mineiros.

Comparação

Índice. Em relação a 2007, Betim e Contagem pioraram no ranking do IHA. A primeira subiu do 16º para o 12º lugar; a segunda foi do 19º para o 13º. Ribeirão das Neves teve melhora: caiu do 13º para o 17º lugar.
Riscos
Rapazes negros são principais vítimas
A análise dos riscos relativos para os jovens em Minas Gerais revela que a chance de um homem ser morto é 17 vezes maior que a de uma mulher - acima da média nacional, que é de 14 vezes. Já a possibilidade de um negro ser assassinado é 3,7 mais elevada que a de um branco - próximo da média brasileira, de 4. "Isso reflete um processo de estigmatização e criminalização dos jovens negros moradores de favelas e periferias. Há uma banalização do valor da vida da juventude negra que faz com que boa parte da sociedade se silencie diante dessas mortes", afirma Raquel Willadino, coordenadora da pesquisa. Minas apresenta risco de homicídio por arma de fogo 8,9 vezes maior do que por outros meios - seis é a média nacional.

Disseminação. Além de Betim, Contagem e Ribeirão das Neves, outras três cidades da região metropolitana (Sabará, Ibirité e Santa Luzia) estão entre as dez mais perigosas para os jovens em Minas, situação semelhante à encontrada no entorno de outras capitais. Governador Valadares, no Vale do Rio Doce, quarta colocada no ranking estadual, exemplifica a disseminação da criminalidade para o interior. (JT)
Belo Horizonte é oitava colocada entre capitais
Com Índice de Homicídios na Adolescência (IHA) de 3,45 óbitos a cada 100 mil habitantes entre 12 e 18 anos, Belo Horizonte ocupa a oitava colocação no ranking das capitais brasileiras, à frente, por exemplo, do Rio de Janeiro (3,34) e de São Paulo (0,9). Na lista anterior, de 2007, a capital mineira tinha índice 5,6.

O ranking de 2008 é encabeçado por Maceió, em Alagoas, com taxa de 7,29 e expectativa de 1.001 homicídios até 2014. Na capital mineira, são esperadas 1.089 mortes. Maceió tem uma população de 137.248 pessoas de 12 a 18 anos, enquanto Belo Horizonte possui 315.141. (JT)
 
Redução
Fica Vivo fracassa na prevenção
Estagnação no número de equipes e locais beneficiados é um dos problemas
A taxa de homicídios de adolescentes entre 12 e 18 anos em Minas Gerais poderia estar menor se o programa Fica Vivo, criado pelo governo do Estado em 2003, tivesse sido ampliado. Mas o que se viu nos últimos dois anos é o contrário. O número de jovens atendidos, que era de 14.638 em janeiro de 2010, caiu para 13.857 em dezembro do ano passado – uma diferença de 781 participantes. Presente em 12 cidades – cinco delas no interior –, o projeto está paralisado, segundo especialistas em segurança pública. A Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds), responsável pela iniciativa, defende-se, afirmando que abriu 24 oficinas no ano passado e investiu, entre 2003 e 2011, cerca de R$ 60 milhões no programa, que oferece oficinas culturais, esportivas e profissionais para jovens de 12 a 24 anos em 38 unidades, em favelas e bairros violentos. No entanto, para o sociólogo e ex-secretário adjunto de Defesa Social Luis Flávio Sapori, que trabalhava na pasta na época da fundação do Fica Vivo e acompanhou sua implementação, o programa já deveria ter unidades em pelo menos 50 cidades e atender a mais de 50 mil jovens. "Os homicídios crescem ainda mais nas áreas onde o Fica Vivo não existe", afirma.

A secretaria atribui a queda no número de participantes à inserção dos jovens no mercado de trabalho ou ao atendimento por outra política pública. "O programa continua presente nas mesmas áreas de abrangência e é natural que, após um tempo de participação, os jovens encerrem suas atividades. Esse é um propósito da política de prevenção", informou a Seds, por meio de nota.

A justificativa, na opinião de Sapori, não convence. Ele lamenta que a readequação prevista para ser feita em 2007 tenha sido ignorada, o que tornou o programa "obsoleto" e pouco atraente. "Todo bom projeto tem que passar por ajustes. O comportamento dos jovens mudou muito nos últimos anos. Sem falar que, nesse período, houve a popularização do crack, que alterou bastante o cenário da segurança pública".

Problemas. Os números de jovens atendidos pelo Fica Vivo (veja detalhes abaixo) foram obtidos pela reportagem nos relatórios trimestrais que o Instituto Elo – entidade parceira da Seds – publica em seu site. Em 2011, segundo a entidade, o programa atingiu 88% da meta estabelecida para o ano. Na avaliação mais recente, referente aos meses de outubro a dezembro, o instituto declara que o cumprimento parcial do objetivo se deve a fatores como "a não ampliação do número de equipes técnicas e localidades atendidas e a suspensão de eventos estruturais que divulgam, articulam e dão visibilidade às ações cotidianas, como as Olimpíadas". O torneio esportivo teria sido cancelado por falta de recursos.

Já o documento dos meses de abril a junho do ano passado denuncia problemas como "suspensão, cancelamento ou exclusão" de oficinas – o número diminuiu de 671 para 639, entre junho de 2010 e junho de 2011, conforme o Elo. Além disso, o relatório aponta que a criminalidade em alguns locais onde as unidades estão instaladas prejudicou a circulação de pessoas e acabou reduzindo a frequência nas atividades.

Limitações
Estudo denuncia pontos falhos
Um relatório sobre o Fica Vivo produzido pelo Programa de Redução da Violência Letal contra Adolescentes e Jovens (PRVL) critica a desconexão entre as oficinas do projeto e a vontade dos jovens atendidos, a ausência de metodologia nas atividades e a falta de apoio da polícia.

"As virtudes e estratégias de prevenção do governo mineiro são desafiadas pela persistência de altos índices de violência letal que têm tornado o Estado menos eficaz do que outros centros brasileiros que lidam com magnitudes semelhantes desse fenômeno", afirma o documento, divulgado em dezembro. O PRVL é mantido pela ONG Observatório de Favelas, Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente e Fundo das Nações Unidas para a Infância.

O estudo avaliou a unidade da favela Pedreira Prado Lopes, na região Noroeste de Belo Horizonte, entre 2009 e 2010. "O Fica Vivo só realiza oficinas. Acho que é uma ação muito pontual, que não serve para impedir os assassinatos dos jovens daqui", disse, em entrevista aos pesquisadores, uma gestora do programa, que não teve o nome revelado[PPL]. Quando a iniciativa foi lançada, em 2003, estava prevista a oferta de outras atividades nos anos seguintes, que não ficassem limitadas às oficinas.

Análise. O pesquisador Luís Felipe Zilli, do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública da UFMG (Crisp), diz que a diminuição do impacto do Fica Vivo no controle de homicídios é sinal de que é necessário melhorar a gestão do programa. Para ele, também é urgente "reinventar" a vertente repressiva do programa nas comunidades, a cargo das polícias Militar a Civil. "A metodologia é inteligente. O problema é que o projeto caiu em uma rotina que o estagnou", declara. (JT)
Instalação
2004 foi o ano em que o Fica Vivo chegou à Pedreira Prado Lopes.
RANKING DE MORTES
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JOVENS ATENDIDOS PELO FICA VIVO

sábado, 25 de fevereiro de 2012

Professores param em março

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Por Juana Suarez
Com o fim do Carnaval, o que se espera das escolas é acelerar o ritmo dos estudos, mas na rede pública de ensino, já estão programadas paralisações. Nos dias 14, 15 e 16 do mês que vem, servidores da educação em todo o país vão cruzar os braços contra a redução do índice de reajuste do piso salarial nacional dos professores.

O protesto é um recado direto ao grupo de governadores, incluindo o de Minas, Antonio Anastasia, que quer barrar o aumento de 22% no piso e limitá-lo a 6,5%. Atualmente, a Lei Federal nº 11.738/08 estabelece o piso nacional de R$ 1.187 para professores de nível médio (com jornada de até 40 horas semanais). E esse salário deve ser reajustado anualmente, conforme o investimento mínimo por aluno definido pelo Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb).

Para 2012, o índice de reajuste previsto é de 22%, o que elevaria a remuneração básica para R$ 1.448. O Ministério da Educação (MEC) informou que aguarda um parecer do Tesouro Nacional para aprovar o aumento, que deve sair até o próximo mês.

Enquanto isso, o grupo de governadores tenta acelerar a votação na Câmara dos Deputados do projeto que vincula o reajuste anual à inflação. No ano passado, o índice foi de 6,5%.

A assessoria de imprensa do governo de Minas confirmou que Antonio Anastasia (PSDB) - juntamente com os governadores do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral (PMDB); da Bahia, Jacques Wagner (PT); do Espírito Santo, Renato Casagrande (PSB); e do Ceará, Cid Gomes (PSB) - pediu ao presidente da Câmara, Marco Maia (PT), para providenciar a votação do projeto. Os chefes de governo alegam que as condições financeiras atuais não permitem um aumento maior.

Segundo a Secretaria de Governo de Minas, o reajuste de 22% não teria impacto no novo modelo de remuneração adotado pelo Estado, o subsídio, que tem como base R$ 1.122 para profissionais de nível médio com carga horária de 24 horas por semana. Proporcionalmente, o Estado alega pagar 57% mais. Se o piso nacional for reajustado em 22%, Minas continuaria pagando mais. Portanto, não seria preciso reajustar o salário dos professores. Porém, a longo prazo, o reajuste baseado no Fundeb pode vir a ultrapassar a remuneração em Minas. Em abril, está previsto um reajuste de 5% para todos os servidores do Estado.

O Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação (Sind-UTE) diz que o subsídio - que incorporou os benefícios da categoria ao salário base - congelou a carreira, não permitindo que a remuneração mineira acompanhe o reajuste nacional.
Confederação
Categoria tenta barrar projeto
A Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) tem uma audiência pré-agendada com o presidente da Câmara dos Deputados, Marco Maia (PT), para o próximo dia 1º de março. Segundo o presidente da CNTE, Roberto Franklin Leão, o objetivo é barrar a tramitação do projeto de lei nº 3.776/08, que está pronto para votação em plenário e vincula o reajuste do piso nacional do magistério ao índice da inflação.

"É uma vergonha a falta de compromisso desses governadores com a educação brasileira. Em vez de cumprir a lei, eles se articulam para congelar o piso".

Para a coordenadora do Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação (Sind-UTE), Beatriz Cerqueira, o reajuste defendido pelos governadores vai apenas recompor a inflação e não terá ganho real. "Eles querem mudar a lógica de um piso que valoriza a educação, através do investimento no professor", disse.

De acordo com a lei em vigor, o reajuste do piso varia de acordo com os investimentos nos estudantes. Quanto mais se investe no aluno, maior é o aumento do salário dos professores. O projeto que visa a derrubar esse cálculo tramita na Câmara desde 2008, quando foi sancionada a lei nacional do piso. Na época, o próprio governo federal enviou a proposta para modificar o reajuste porque os custos com os salários poderiam comprometer o orçamento da educação a longo prazo. O projeto chegou a ser aprovado na Câmara, mas foi rejeitado no Senado, por pressão da categoria, e voltou às mãos dos deputados. (JS)

Fonte: Jornal O TEMPO (MG)

Grupo de estudantes é apreendido por roubos

Ricardo Vasconcelos

Depois de uma série de arrombamentos e vandalismos contra a Escola Municipal Maria Silva Lucas, também conhecida como Caic Laguna, em Contagem, na região metropolitana de Belo Horizonte, os moradores da comunidade se revoltaram e denunciaram os responsáveis. Ontem, eles foram apreendidos pela Polícia Militar. Tratam-se de seis adolescentes, sendo três alunos da instituição.

"Sinto uma vergonha muito grande. Eu trabalho, temos tudo em casa e não há motivo para o que ele fez", disse, com os olhos cobertos de lágrimas, uma dona de casa, que se identificou apenas como Rosimeire, 45. A mulher é mãe de um adolescente de 16 anos, ex-aluno da escola.

Entre os envolvidos, o que mais chamou a atenção da polícia foi um garoto de apenas 12 anos, com pouco mais de 1 m de altura. "Ele entrava por frestas e janelas e, depois, abria as portas para os comparsas", explicou o cabo Flávio Corsino, da 131ª Companhia. De acordo com a Polícia Militar, durante o Carnaval, a escola foi arrombada por quatro dias seguidos. Muros foram pichados e alimentos e equipamentos foram destruídos. A direção da escola não foi encontrada pela reportagem para falar sobre qual tipo de punição irá aplicar aos alunos envolvidos.

Fonte: O Tempo (MG)

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

O fascismo dos "meninos do Rio"

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Por Gilson Caroni Filho *
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O que há em comum entre uma moradora de rua agredida a socos e pontapés no Leblon, zona sul do Rio de Janeiro, por três homens de classe média que a acusam de quebrar o retrovisor do carro, e Vítor Suarez da Cunha, jovem estudante brutalmente espancado ao tentar proteger um mendigo que apanhava de cinco delinquentes no bairro Jardim Guanabara, na Ilha do Governador? Ambos foram vítimas de um estrato social que tem como traço ideológico funesto a recusa da cidadania.
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Em menos de uma semana, a violência de um segmento incapaz de distinguir o público e o privado, que tem na venalidade uma de suas marcas, que trata a rua como prolongamento da casa e do quintal, desconhece direitos sociais e políticos, menospreza a condição humana dos que não pertencem à sua geografia social, reiterou, em pontos do estado do Rio de Janeiro, o caráter fascista que lhe é inerente.
Para eles, a liberdade se reduz ao ato de escolher entre várias marcas do mesmo produto, e a felicidade é o fim de semana em família esvaziando shopping centers, o consumo do Natal e o Réveillon em uma boate "superluxo". A protegê-los, vigias, olhos eletrônicos, cães de guarda, grupos de extermínio e a polícia violenta que conhecemos, protetora de “gente de bem”. Quando se lançam em busca das ilusões perdidas, dão início a uma busca feroz, mostrando uma força ideológica assustadora.
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Num tempo em que pessoas têm sua condição humana aviltada, morrendo como moscas, fatos como estes não podem, após algum tempo de exposição midiática, provocar, no máximo, apenas bocejos. É preciso deixar de contentarmo-nos em sobreviver, de acreditar que "com a gente não acontece" ou, o que é pior, fazer da vítima o culpado. Recusar a indiferença, persistindo em chamar de acidente uma rotina de mortes e de mutilações, conhecida, anunciada e burocraticamente executada cotidianamente. Nas ruas do Leblon e do Jardim Guanabara, o que aconteceu foi um fato político. E como tal precisa ser combatido.
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Como classificar o comportamento dos fascistas de "boa aparência”? Perversão? É pouco. Isto é sordidez, abjeção, cegueira de valores. Mais ainda: é sintoma de uma cultura que faz da sarjeta sua medida moral e que, pouco a pouco, destrói um legado histórico, construído com sacrifício de homens, de povos e de nações. O que está em jogo é a consciência de que a vida é um bem, cuja posse não temos o direito de negar a quem quer que seja. O que estamos esperando? Que a lei da oferta e da procura regule o mercado de massacres e extermínios?
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A punição exemplar dos agressores, "gente de boa cepa", é fundamental para que não continuemos a ser uma sociedade moralmente idiotizada. A barbárie não pode continuar satisfazendo o apetite de quem faz do riso cínico a única saída para a impotência e a covardia. Os fascistas têm que saber que já não contam com o "jeitinho brasileiro" de lidar com o direito à vida e a dignidade física e moral de cada um. Do contrário, a certeza da impunidade continuará ampliando a lista de vítimas. Em um país democrático, não se confunde desejo de justiça com direito de vingança.
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Vítor Suarez da Cunha, o jovem de 21 anos, que teve 63 pinos implantados no rosto, deu uma magnífica lição de vida, de solidariedade humana. Muitos escreverão sobre sua atitude, mas nenhum texto será capaz de traduzir sua coragem, seu amor ao próximo, sua consciência de cidadania. Ao afirmar que "faria tudo de novo se preciso fosse", torna-se um símbolo de que a luta política não só é possível como conta com bons combatentes.
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* Gilson Caroni Filho, professor, é sociólogo. - Gilson.filhobr@terra.com.br
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Fonte: Jornal do Brasil

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Pesquisador que só ‘Lattes’ não ‘morde’



07/02/2012

O título do texto é, naturalmente, bastante provocador. Talvez tão provocador quanto julgo aberrante essa lógica da produção industrial e narcisisticamente compulsiva que ronda a academia e que quase que obrigatoriamente acaba sugando aqueles que de alguma forma se envolvem com ela. É a tal produção pela produção. Ou melhor, a produção para a produção de um ‘bom’ currículo – gordinho, recheado, robusto – para o pesquisador. O compromisso com o conhecimento, nesse caso, muitas vezes vai pro ‘beleléu’. Aí vira essa guerra de quem publica mais, em quais revistas que possuem quais pontuações, em parceria com quais ‘top-tops’ etc. E da guerra, infelizmente, se faz a mercantilização, o comércio. Isso mesmo. Um comércio antiético, onde a única lei que importa é a da quantidade pela quantidade, da infinita acumulação de capital; em suma, uma prática extremamente ‘antiacadêmica’, se levarmos em conta o que a academia deveria ser (para quê ela nasceu) e o que ela se tornou de verdade (como ela está sendo ‘enterrada’).
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Não que eu esteja colocando a ‘culpa’ de tal lógica inteiramente no capitalismo – assim eu acabaria dando espaço para me chamarem de paranoico, raso e imprudente. No entanto, é a ele que, em última instância, esse sistema serve atualmente – quem ele imita e por quem ele, por tabela, se limita –, e isso considero ser razoavelmente difícil de negar. Hannah Arendt fez um comentário bastante interessante sobre a origem da academia na Grécia Antiga e o seu princípio motivador: “assim como a libertação do trabalho e das preocupações com a vida eram pressupostos necessários para a liberdade da coisa política, a libertação da política tornou-se pressuposto necessário para a liberdade da coisa acadêmica” (O que é política, p. 63); neste caso, “ao mundo das opiniões mentirosas e do falar enganador devia ser oposto um mundo contrário da verdade e do falar adequado à verdade; à arte da retórica, a ciência da dialética” (pp. 64-65). Mas aqui nesse ponto eu me pergunto: será que alguma vez a academia conseguiu ser isso que ela tanto quis ser? Acredito que não. Pelo menos, não nesses termos.
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O fato é que de uma forma ou de outra a ‘ciência’ – de maneira bem geral – sempre esteve atrelada a algum poder específico – religioso, político etc. – até se tornar, ela mesma, um poder próprio por excelência, o poder da ‘verdade’ – a verdade que leva o carimbo de ‘cientificamente comprovada’, a verdade revelada por aqueles que compreendem o mundo muito melhor do que os meros mortais que se deliciam com ‘as opiniões mentirosas’ que rondam por aí e que contaminam o mundo. Mas será que já conseguimos mesmo nos desvincular totalmente da ‘arte da retórica’ para enfim chegar a uma verdadeira ‘ciência da dialética’, por exemplo? Sinceramente, acho que não – ou melhor, quando isso acontece, é meio que contra nossa vontade, quase um ‘erro de cálculo’ nos termos de Rancière. Bakhtin já dizia que todo conhecimento já nasce para ser superado, e que, por isso, é sempre mais interessante (dialeticamente produtivo, digamos) possuir adversários qualificados do que estar rodeado de ‘aliados’ medíocres – nada mais coerente.
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Mas o que dizer do evidente controle político que determinados grupos (‘correntes de pensamento’) fazem dos seus respectivos programas para engessar a ‘batalha dialética’ e, assim – ao boicotar ao máximo as visões contrárias às suas –, estabelecer a sua verdade como hegemônica? O que dizer dessa aberração que transforma a ciência em dogma, em fé? Será que essa prática está realmente preocupada com o conhecimento em si, ou apenas com o ego dos que obtêm o controle político da ‘verdade’ naquele determinado espaço? Outro dia ouvi um relato sobre uma professora que em plena sala de aula (numa pós-graduação!) soltou a seguinte pérola: “eu não sei o que é que os anarquistas e os pós-modernos ainda estão fazendo na academia; já que eles a criticam tanto, não deveriam estar lá”. É mole? Seria cômico se não fosse trágico. E o pior é que está cheio de gente por aí que pensa de modo parecido, por mais que poucos tenham coragem de falar tal aberração em público.
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A capitalização do conhecimento
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E é aqui nesse ponto que a aberração política é complementada pela aberração mercadológica. Afinal, sinceramente, qual é a motivação principal de um pesquisador quando faz (e publica) um artigo, por exemplo? Idealmente, não temos dúvida de que deveria ser o compromisso com o conhecimento, a crença de que aquilo de alguma forma trará uma contribuição clara e efetiva para as discussões daquele campo. Mas infelizmente sabemos que muitas vezes não é exatamente isso que acontece. Normalmente publicamos porque temos que publicar: porque o programa ao qual estamos vinculados nos cobra (e ele quer e precisa pontuar cada vez mais porque o governo e suas agências de financiamento também lhe cobra isso); porque queremos e precisamos ‘fazer’, rechear, nosso currículo para podermos ter uma boa vitrine de pesquisador quando formos concorrer a uma vaga num concurso, por exemplo – ou para manter nossa posição intocada em alguma instituição; e porque, claro, também é bom para o ego saber que publicamos tantos artigos em tempo recorde nas melhores revistas do Brasil e do mundo na nossa área – o que rapidamente fará de nós uma ‘referência’ naquele campo do conhecimento. E é aqui que a lógica do quê se publica se transforma na do quanto se publica; é aqui que a qualidade acaba se vendendo ao mero aspecto quantitativo, o que proporciona a formação de um grande mercado (às vezes, máfia mesmo) de publicação.
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Não estou aqui criticando simplisticamente o fato de se publicar. Muito longe disso. Afinal, como dizia Sérgio Sampaio, “um livro de poesia na gaveta não adianta nada; lugar de poesia é na calçada”; da mesma forma, lugar de artigos, de ideias, de descobertas científicas é nos livros, nas revistas, e, mais ainda, idealmente, na calçada também. O problema abordado é o como e o para quem se publica. No primeiro caso, o grande contrassenso é justamente a ‘máfia’ inescrupulosa que muitas vezes se cria para poder publicar cada vez mais. E minha crítica, naturalmente, está direcionada a esses casos (absolutamente reais). Um exemplo são as panelinhas do tipo “pô, bicho, bote meu nome aí no seu artigo, que quando eu fizer o meu eu coloco seu nome também”. Ou então quando o cara publica o mesmo artigo várias vezes mudando apenas algumas palavras em um ou outro parágrafo. Ou ainda quando o cidadão se aproveita do seu título acadêmico (de doutor, mais comumente) e apenas ‘assina’ artigos de/com outros (que não possuem aquela qualificação exigida por tal ou qual revista) para que o artigo possa ser aceito e publicado – muitas vezes o cara não sabe nem o que está escrito no ‘seu’ próprio texto.
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Ou também quando o professor dá uma disciplina na faculdade, pede que cada aluno escreva um artigo (publicável, claro) como avaliação e no final ele ‘corrige’, assina junto com os estudantes e engorda seu Lattes em uns 30 ou 40 quilos numa garfada só. Aí depois – o que é ainda mais bizarro – esse cidadão vai para o MSN (hoje em dia, Facebook e Twitter) e estampa o resultado do seu ‘sucesso’: “30 artigos publicados em 2011”. Parabéns para você, meu caro. Mas realmente não é nesse tipo de ciência que eu, particularmente, acredito. Só que o governo e as universidades parecem crer e estimular isso mais que ninguém, e de maneira extremamente superficial. Aí, no fim das contas, acabam ‘punindo’ e ridicularizando aqueles que não seguem tanto essa lógica, colocando-lhe uma estampa pública de ‘produção insuficiente’. Nesse caso, não importa mais nada – rendimento em sala de aula, projetos paralelos (de extensão, inclusive), repercussão de publicações anteriores –, pois os números falam por si: e assim o mercado é fortalecido – capitalismo selvagem.
No que diz respeito ao ‘para quem’ se publica, o problema não é menos grave, já que poucas pesquisas conseguem de fato chegar às ‘calçadas’. Ao contrário, as discussões são extremamente elitizadas, fechadas em si mesmas, e para os mesmos poucos que debatem num ambiente quase que privado, seleto. Até porque, a nossa grande crença (arrogância) na academia é achar que ‘intelectual’ só pode falar com/para ‘intelectual’; que ‘especialista’ só consegue ser compreendido devidamente por outros ‘especialistas’ – afinal, quem de nós quer perder tempo explicando nossas teorias mirabolantes para pessoas tão mediocremente educadas? E ponto final.
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Mas aí você vai num congresso que te cobra R$ 400 de inscrição – porque nesses eventos o que vale mais é a sua fama e o seu apelo, assim como quem determina o preço de uma roupa é o simbolismo da marca e não a qualidade do produto em si – e sai de lá com a sensação de que (pensando mercadologicamente) as discussões não valeram mais do que R$ 50, dado o grau de repetitividade e as apresentações em escala industrial, com pouco filtro de qualidade e quase nenhum tempo disponível para um debate realmente qualificado – sem falar que, como o que vale mesmo é apenas apresentar e publicar, muitas vezes o cidadão espera a sua vez, fala o que tem que falar no seu GT e vai embora; e as coisas morrem ali mesmo; afinal, pontuar no Lattes é o que importa. E é dessa forma, dada a grande demanda (pois cada vez mais gente entra no ‘mercado acadêmico’), que o negócio de congressos, colóquios e afins está em constante crescimento, devido ao seu alto grau de lucratividade – financeira e, claro, ‘lattesiana’, já que organizar eventos também é uma ótima forma de ‘pontuar’.
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É por isso que, na minha mera opinião, pesquisador que ‘Lattes’ não ‘morde’ – ele apenas ‘engole’ e ‘vomita’ essa lógica. Não morde porque já foi mordido por um sistema (perverso) que faz com que em muitos casos o autor visto pela vitrine do Lattes pareça muito mais competente do que o que ele é de verdade; que pareça contribuir mais para o seu campo de estudo do que de fato contribui. Não morde, em suma, porque suas pesquisas são meramente funcionais, feitas apenas para seu próprio benefício, o de ter um currículo ‘invejável’, e não para de alguma forma ajudar a melhorar o mundo, sei lá, ou por qualquer outra motivação menos narcísica. E esse é um dos grandes problemas da academia atualmente: em vez de estimular a qualidade das produções através do pensamento crítico, por conta dessa lógica ela acaba contrariamente contribuindo para o conformismo, fazendo com que o indivíduo que entra na universidade com vontade de produzir aquilo em que ele acredita saia preocupado apenas em ‘engordar’ o seu currículo Lattes.
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Mais uma vez – só para razoavelmente me precaver de determinadas críticas –, não sou contra o currículo, de forma alguma – até porque é absolutamente importante e necessário organizar, categorizar e publicizar aquilo que a gente faz (inclusive para prestar contas para o governo e a sociedade, que é quem nos financia): o que eu particularmente não engulo, por mais mastigada que essa prática já esteja, é essa lógica mercantil que se apropria cada vez mais do currículo por meio de um uso vazio e irresponsável. Daí que, da mesma forma que utilizamos o termo ‘academia’ para descrever o lugar que frequentamos para malhar o corpo, acabamos, assim, mesmo que inadvertidamente, usando a academia (através do Lattes) apenas para ‘malhar’ o ego. Não que todos sejam assim, obviamente; mas com certeza existem muitos; muitos mais do que gostaríamos que existissem. Ou seja, tudo isso – independente do grau de ocorrência e dos meus possíveis exageros críticos –, portanto, não se trata de uma grande aberração? Para mim, a resposta está mais que clara…
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Thiago Rocha é graduado em Jornalismo pela UFS e mestrando no programa de Comunicação e Cultura Contemporâneas da UFBA. Como jornalista, foi editor e colunista político do Caderno Municípios do Jornal Cinform e um dos 20 brasileiros selecionados pela Embaixada Americana para estudar, observar e cobrir as eleições de 2008 através de um programa realizado pela Universidade Estadual da Carolina do Norte. Já no campo acadêmico, tem experiência nos estudos de comunicação política, Internet e mobilização social, e em 2010 foi o vencedor do Prêmio Franklin Delano Roosevelt na categoria monografia com um estudo sobre a utilização das novas mídias por parte do movimento Organizing for America, de Barack Obama.

Enviado por Rodrigo Furtado Costa | professor, ciências sociais UEMG/FRUTAL

No tempo da minha infância

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No tempo da minha infância

Ismael Gaião

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No tempo da minha infância
Nossa vida era normal
Nunca me foi proibido
Comer açúcar ou sal
Hoje tudo é diferente
Sempre alguém ensina a gente
Que comer tudo faz mal
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Bebi leite ao natural
Da minha vaca Quitéria
E nunca fiquei de cama
Com uma doença séria
As crianças de hoje em dia
Não bebem como eu bebia
Pra não pegar bactéria
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A barriga da miséria
Tirei com tranquilidade
Do pão com manteiga e queijo
Hoje só resta a saudade
A vida ficou sem graça
Não se pode comer massa
Por causa da obesidade
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Eu comi ovo à vontade
Sem ter contra indicação
Pois o tal colesterol
Pra mim nunca foi vilão
Hoje a vida é uma loucura
Dizem que qualquer gordura
Nos mata do coração
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Com a modernização
Quase tudo é proibido
Pois sempre tem uma Lei
Que nos deixa reprimido
Fazendo tudo que eu fiz
Hoje me sinto feliz
Só por ter sobrevivido
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Eu nunca fui impedido
De poder me divertir
E nas casas dos amigos
Eu entrava sem pedir
Não se temia a galera
E naquele tempo era
Proibido proibir
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Vi o meu pai dirigir
Numa total confiança
Sem apoio, sem air-bag
Sem cinto de segurança
E eu no banco de trás
Solto, igualzinho aos demais
Fazia a maior festança
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No meu tempo de criança
Por ter sido reprovado
Ninguém ia ao psicólogo
Nem se ficava frustrado
Quando isso acontecia
A gente só repetia
Até que fosse aprovado
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Não tinha superdotado
Nem a tal dislexia
E a hiperatividade
É coisa que não se via
Falta de concentração
Se curava com carão
E disso ninguém morria
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Nesse tempo se bebia
Água vinda da torneira
De uma fonte natural
Ou até de uma mangueira
E essa água engarrafada
Que diz-se esterilizada
Nunca entrou na nossa feira
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Para a gente era besteira
Ter perna ou braço engessado
Ter alguns dentes partidos
Ou um joelho arranhado
Papai guardava veneno
Em um armário pequeno
Sem chave e sem cadeado
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Nunca fui envenenado
Com as tintas dos brinquedos
Remédios e detergentes
Se guardavam, sem segredos
E descalço, na areia
Eu joguei bola de meia
Rasgando as pontas dos dedos
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Aboli todos os medos
Apostando umas carreiras
Em carros de rolimã
Sem usar cotoveleiras
Pra correr de bicicleta.
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Nunca usei, feito um atleta,
Capacete e joelheiras
Entre outras brincadeiras
Brinquei de Carrinho de Mão
Estátua, Jogo da Velha
Bola de Gude e Pião
De mocinhos e Cowboys
E até de super-heróis
Que vi na televisão
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Eu cantei Cai, Cai Balão,
Palma é palma, Pé é pé
Gata Pintada, Esta Rua
Pai Francisco e De Marré
Também cantei Tororó
Brinquei de Escravos de Jó
E o Sapo não lava o pé
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Com anzol e jereré
Muitas vezes fui pescar
E só saía do rio
Pra ir pra casa jantar
Peixe nenhum eu pagava
Mas os banhos que eu tomava
Dão prazer em recordar
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Tomava banho de mar
Na estação do verão
Quando papai nos levava
Em cima de um caminhão
Não voltava bronzeado
Mas com o corpo queimado
Parecendo um camarão
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Sem ter tanta evolução
O Playstation não havia
E nenhum jogo de vídeo
Naquele tempo existia
Não tinha vídeo cassete
Muito menos internet
Como se tem hoje em dia
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O meu cachorro comia
O resto do nosso almoço
Não existia ração
Nem brinquedo feito osso
E para as pulgas matar
Nunca vi ninguém botar
Um colar no seu pescoço
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E ele achava um colosso
Tomar banho de mangueira
Ou numa água bem fria
Debaixo duma torneira
E a gente fazia farra
Usando sabão em barra
Pra tirar sua sujeira
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Fui feliz a vida inteira
Sem usar um celular
De manhã ia pra aula
Mas voltava pra almoçar
Mamãe não se preocupava
Pois sabia que eu chegava
Sem precisar avisar
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Comecei a trabalhar
Com oito anos de idade
Pois o meu pai me mostrava
Que pra ter dignidade
O trabalho era importante
Pra não me ver adiante
Ir pra marginalidade
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Mas hoje a sociedade
Essa visão não alcança
E proíbe qualquer pai
Dar trabalho a uma criança
Prefere ver nossos filhos
Vivendo fora dos trilhos
Num mundo sem esperança
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A vida era bem mais mansa,
Com um pouco de insensatez.
Eu me lembro com detalhes
De tudo que a gente fez,
Por isso tenho saudade
E hoje sinto vontade
De ser criança outra vez
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Enviada pela professora Célia Corrêia por email

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Polícia em paradoxo em tempos de greve

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Lúcio Alves de Barros*
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A greve dos policiais militares do estado da Bahia que se arrastou desde o dia 31 de janeiro traz para o debate velhas e novas questões. Talvez nem tão velhas e nem tão novas, dependendo - obviamente - do ponto de vista e de como se entende os limites e os condicionantes de um movimento grevista.
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Em primeiro, a greve aponta para a velha questão de “quem vigia os vigilantes?”. Em geral, a preocupação neste terreno repousou sobre a violência policial, a corrupção e o poder discricionário do policial. Pouco ou nada se discute quando o assunto para uns não passa de “baderna”, “motim” e “crime”. De todo modo, a ideia de vigiar os vigilantes é importante uma vez que são eles os portadores de armas e que, de uma forma ou de outra, produzem o que os policiólogos chamam de “sensação de segurança”. Sem o controle, apesar de achar que este poderia ser feito pela polícia civil ou mesmo a federal (no caso o governo ainda tem a força nacional, criada na década de 90) a possibilidade de descontrole é certa, pois não acredito na existência de policiais treinados e capacitados em movimentos de grande monta e nas mais ou menos razoáveis técnicas de negociação sindical.
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Em segundo, a greve nos ensina um pouco sobre o que é a polícia. A constituição de 1988 descreve com acuidade o seu trabalho. Trata-se de uma força ostensiva que tem o monopólio do policiamento ostensivo e fardado. Cumpre a ela a manutenção da ordem e da paz. Da teoria à prática a coisa muda de figura ao sabor de quem manda e de quem tem juízo para obedecer. Todavia, o policial possui o direito de greve? Neste campo, os policiais militares se apegam à condição de funcionários públicos do estado os quais tem esse direito garantido. A questão se torna preocupante porque, se os funcionários públicos entram em greve, especialmente os professores, logo são reprimidos pelos mesmos policiais que hoje utilizam da greve. Esta questão não deixa de estar relacionada à primeira, visto que para reprimir os policiais os estados da federação tem acionado o exército. Este foi o caso da greve dos policiais militares de Minas Gerais em 1997 e 2004.
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Por último, é preciso chamar atenção para o número de homicídios e o aumento da chamada criminalidade, especialmente, na bela cidade de Salvador. Há tempos os cientistas sociais e criminólogos tem afirmado que não existe uma forte relação entre o aumento do contingente policial e a criminalidade. Dito de outra forma, o aumento de policiais patrulhando as ruas e distribuídos no território não garante necessariamente a diminuição da criminalidade e da violência. A ideia ganhou ressonância com as pesquisas norteamericanas as quais quando chegaram ao Brasil fizeram festa nos principais centros de pesquisa. E é óbvio o paradoxo, pois mesmo com tais pesquisas os municípios ainda criaram a guarda municipal (algumas com poder de fogo com armas letais) e não foram poucos os estados que aumentaram os efetivos da polícia militar e da polícia civil e, de quebra, ainda criaram uma figura fantasmagórica chamada agente penitenciário. O resultado, ainda carente de pesquisas aprofundadas, foi o aumento das prisões de “suspeitos” (notadamente gente pobre, negra e jovem) e, por consequência das penitenciárias. Logo, não é por acaso a tese da emergência de um Estado penal, perverso e leviano em plena “democracia”. No caso, a greve dos policiais militares baianos mostra de duas uma: (1) ou as pesquisas estavam equivocadas e apenas fizeram digressões a respeito do policiamento na tentativa de validar o que não passaram de conjecturas ou (2) a polícia baiana perdeu o controle do próprio movimento contribuindo direta ou indiretamente para a “onda de criminalidade”, vandalismo, crimes e violência que assolou o estado. Infelizmente não sobram muitas linhas para corroborar uma ou outra afirmação e prefiro deixar o leitor caminhar com os próprios neurônios.
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Para finalizar, é bom perguntar sobre até que ponto os modelos de policiamento, levados a efeito através do policiamento comunitário, policiamento de resultados, UPPS, integração das ações policiais, valem de fato. Como tais técnicas de policiamento podem funcionar com policiais grevistas que na teoria deveriam ser da comunidade? Mais que isso, como pacificar áreas tomadas pelo tráfico, pelo extermínio e pela criminalidade com uma polícia que revela uma cara e mostra outra ao sabor dos ditames dos donos do poder ou da liderança na ocasião? O que tenho certeza é que jamais se gastou tanto em segurança pública nesse país.  Muita gente se elegeu, se enriqueceu, ganhou promoções, foram agraciados com cargos públicos, prêmios e no vai e vem da ação policial, tudo terminou em pó e em uma verdade nua e crua: a polícia militar é uma instituição sem controle e os estados da federação não tem a mínima noção do seu poder e de sua capacidade discricionária de ação no interior e fora das organizações. Que paguem melhor os policiais e os bombeiros, que desmilitarizem as polícias para que façam suas greves no campo legal, mas que jamais se esqueçam da natureza do policiamento, da grandeza e da boniteza que é a função da manutenção da paz e da ordem em uma sociedade que realmente pretende ser democrática.
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*Doutor em ciências humanas pela UFMG e organizador do livro “Polícia em Movimento”. Belo Horizonte: Ed. ASPRA, 2006.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Escolas da capital foram alvo de dois crimes por dia em 2011

LUCIENE CÂMARA - Especial para O Tempo
A cada dia letivo de 2011, cerca de dois crimes foram praticados nas escolas públicas e privadas da capital, totalizando 375 ocorrências durante o ano. Os dados são da Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds) e englobam casos de violência contra a pessoa, como agressões entre alunos e professores, e também contra o patrimônio, que incluem pichações e carteiras quebradas.

Na tentativa de reduzir esses índices de violência, a Polícia Militar anunciou ontem uma nova ação para 2012: o Programa de Proteção Escolar (PPE). De acordo com a corporação, todos os colégios públicos e particulares de Belo Horizonte serão atendidos, o que corresponde a cerca de mil instituições de ensino.

Na primeira fase da operação, que começa na próxima semana, 87 equipes de policiamento farão visitas às escolas para entrevistar profissionais de educação, alunos e moradores sobre a criminalidade no local. Entre os militares, estão aqueles que já atuam no Programa Educacional de Redução às Drogas (Proerd). "Vamos verificar, por exemplo, se há bares no entorno e indícios de tráfico de entorpecentes", explicou a tenente Débora Santos, assessora de comunicação do Comando de Policiamento da Capital. Após o Carnaval, a PM já quer ter o diagnóstico pronto para iniciar um trabalho de repressão na comunidade e também de prevenção, com palestras que envolvam familiares.

Para o antropólogo Luís Roberto de Paula, professor da Faculdade de Educação (FaE) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), é preciso identificar primeiro os problemas para depois traçar um plano de ação específico para cada escola. "Não adianta um trabalho genérico, que não leve em consideração a situação de cada bairro", ressaltou. Além disso, ele diz que o diálogo com a população precisa sempre vir antes da repressão à violência. "O combate ostensivo por si só não resolve nada", disse.

Enquanto isso, a Escola Estadual Djanira Rodrigues de Oliveira, no bairro Jardim dos Comerciários, em Venda Nova, já registrou vários crimes somente em janeiro, durante a reposição de aulas. "Motoqueiros invadiram a escola, estudante foi flagrado com réplica de revólver e todo dia a escola é apedrejada", relatou a professora Graziella Souza, 35. Segundo ela, não há um trabalho de conscientização com os alunos e a polícia nem sempre está na região.
Ano letivo começa na rede sem os detectores de metais
As aulas nas escolas municipais de Belo Horizonte terão início amanhã sem os prometidos detectores de metais, que deveriam ser instalados até o começo do ano letivo de 2012. O prazo foi estipulado pela Lei 10.204, sancionada em junho passado pelo prefeito Marcio Lacerda. Por enquanto, a Secretaria Municipal de Segurança Urbana e Patrimonial informou que estuda que
tipo de detector será instalado nas escolas.

De acordo com a Secretaria Municipal de Educação, o equipamento será instalado ao longo deste semestre nos 72 colégios previstos na lei, que são aqueles com mais de 500 alunos. No mesmo período, o órgão promete instalar câmeras de vigilância nas 186 escolas municipais da capital. (LC).
Fonte: O Tempo (MG)