domingo, 3 de outubro de 2010

UMA MÍDIA QUE DEFORMA A OPINIÃO

por Euler Conrado (escritor, professor e geógrafo)

Outro dia assistimos na Rede Globo uma matéria sobre um professor de Geografia de São Paulo, que num dado momento, nitidamente alterado, teria desabafado contra a escola e contra quem estivesse por perto. Não chegou a agredir ninguém fisicamente, mas alterou o tom da fala, profundamente irritado ou stressado. Os apresentadores da Globo aproveitaram este recorte descontextualizado para dizer algo do tipo: tudo bem que os professores trabalham num ambiente de pressão, mas precisam aprender a se controlar.

Se tivéssemos uma mídia realmente comprometida com a boa informação, voltada para a formação crítica e a serviço da comunidade - e não de interesses de grupos empresariais e de governos -, ela teria apresentado tal acontecimento como reflexo direto das realidades em que vivem os educadores do Brasil, especialmente os professores.

Teria dito, por exemplo, que os professores são mal remunerados e que muitas vezes precisam trabalhar em duas ou três escolas; que lecionam em salas com 40 a 60 alunos; que lidam com uma realidade social de uma geração carente de afetividade, de famílias que se desestruturaram pela dinâmica do mercado capitalista, cujos pais sequer têm tempo para dar atenção aos filhos e que os professores acabam cumprindo múltiplos papéis - de pai, de mãe, de psicólogo, de conselheiro espiritual, e às vezes de mestre.

Finalmente, uma imprensa séria teria feito uma associação direta daquele fato com a situação vergonhosa da Educação pública no Brasil na modalidade ensino básico, especialmente nos estados mais ricos da Federação, como Minas Gerais e São Paulo, governados por demotucanos, e cujas realidades são sofríveis, para dizer o mínimo.

O stress apresentado pelo professor não é um caso isolado. Basta ver o número de profissionais da Educação em licença médica, com problemas de toda ordem, incluindo os problemas psicológicos. A carga de pressão que os educadores sofrem vem de todas as direções: das turmas superlotadas e agitadas, das direções das escolas, das superintendências, dos pais de alunos, das péssimas condições de trabalho, etc. Além, é claro, da pressão que vem de casa, sobretudo quando o educador é arrimo de família e sobrevive com salário-de-professor-de-Minas-Rio-ou-São-Paulo (assim mesmo, tudo junto).

E é dessa forma descontextualizada que a mídia brasileira aborda os principais problemas que nos atingem. É com essa lente reduzida - e sempre a serviço dos de cima - que ela trata, por exemplo, do problema dos sem-terra, dos sem-teto, dos trabalhadores em greve, sempre apontados como baderneiros e causadores de desordem. Não é a política voltada para beneficiar minorias privilegiadas, como os proprietários destes meios de comunicação, que é a causadora de prejuízos para milhões de pessoas. São as pessoas vítimas dessas políticas que são apresentadas como culpadas pelos problemas apontados: o professor, o sem-terra, o sem-teto, o grevista, enfim, todos nós, os de baixo.

A construção de meios alternativos de comunicação, capazes de se contrapor à mídia burguesa cada vez mais decadente, a exemplo do quarteto do mal - Veja-Folha de São Paulo-Estadão-Rede Globo e seus afiliados regionais, como Estado de Minas, O Tempo e Hoje em Dia, etc -, torna-se uma necessidade premente. Pois essa mídia reproduz a cultura dominante das elites e ajuda a mantê-la, fazendo a cabeça inclusive de parcelas desavisadas dos de baixo. Não é a toa, por exemplo, que ainda se elegem candidatos como o faraó e o afilhado e seus deputados aqui em Minas e tantos outros afins por todo o Brasil.

Claro que a mídia não é o único instrumento a reproduzir essa realidade. Mas, tem um papel essencial na sua manutenção. Razão pela qual precisamos criar e fortalecer mecanismos alternativos, como os blogs, as rádios comunitárias e até a possiblidade de construir TVs realmente públicas, sob o controle direto das comunidades. Para que não ocorra mais a prática cotidiana da deformação da opinião e da consciência de quem acompanha essas mídias.

Fonte: Blog do Euler (http://blogdoeulerconrado.blogspot.com/)

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