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sábado, 14 de dezembro de 2013

Humanos em que?

Por Lúcio Alves de Barros*
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A cada dia me convenço de que a humanidade está perdida. Os leitores podem até argumentar que estou sendo fatalista ou que a humanidade por natureza é composta por erros e acertos, “afinal somos humanos”. Pura balela: é justamente por sermos humanos e “racionais” que não tem lugar e nem sentido o que fazemos com o outro. Vamos há alguns fatos.
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Em primeiro lugar, destaco a falta de compaixão que percebo em inúmeras organizações e instituições que vivo. A começar pela família, lugar “sagrado” no qual raras vezes não perdemos a paciência ou que - até inconscientemente - tratamos mal as pessoas que mais amamos. Chega-se ao cúmulo do irmão, da irmã, do pai ou da mãe dizer “que na rua você não faz isso” e que “aqui você trata a gente diferente”. Talvez estes exemplos já sejam suficientes, mas ainda acrescento as fofocas, as festinhas de churrasco cheias de mal entendidos, as divisões de herança que causam o desencaixe das famílias – principalmente quando o patriarca ou matriarca morrem – e as competições entre filhos, sobrinhos, tios etc. A família é o espaço perfeito para sentirmos que o outro, apesar do amor, nos estranha e muitas vezes nos odeia.
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Em segundo lugar, destaco o ambiente de trabalho. Este lugar desprivilegiado de sentimentos nobres aos que se dizem cristãos. A começar pela ação de “ter que trabalhar”. Na realidade posso estar errado, mas penso que o ser humano nasceu para ser feliz e para viver no ócio. Longe do sonho, a verdade é que no trabalho exercitamos o que vem de pior entre nós. É um tal de medição de falo, comparação de poder e vaidade que chega a ser nojenta. E teimo a dizer que tais relações estão presentes em todas as organizações, inclusive nas igrejas, nas escolas, nas universidades e nas organizações governamentais assentadas na onda da fraternidade e da igualdade. E ai daqueles que não são “políticos” e resolvem bater de frente com os “donos do poder” sempre dependurados em ternos, automóveis do ano e na arrogância de serem mais especiais do que os outros. Nesta situação fica clara a falta de respeito, atenção e de capacidade de sofrer com o outro.
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Por último, é claro que o espaço da rua é de troca simbólica e emocional, mas também é de luta, conflito, brigas e destruição da diferença. Se nas organizações uma mulher grávida, um jovem doente e um velho sofrem, imagine na rua. É neste espaço que vamos ver o quanto somos invisíveis e insignificantes. É ali, num simples ponto de ônibus ou mesmo em uma fila de banco que atiramos todas as armas contra estas pessoas as quais estão vulneráveis ou momentaneamente vulneráveis. Como o ser humano é um “ser defeituoso” e que não deu certo a ponto de não usar o cérebro é esperado o sujeito não sair do lugar reservado ao idoso, ao moribundo ou à gestante. Nas filas é perceptível, inclusive, a reclamação daqueles que gozam da saúde ou que não estão em risco. Pior que isso, não é ao acaso que abandonamos os idosos em asilo, tratamos a mulher grávida com indiferença e denunciamos o menor infrator. Somos debochados e potentes e, a despeito dos direitos dos mais frágeis, somos capazes de encher os pulmões e gritar com todos como se deles fôssemos verdadeiros donos.
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A realidade é que os seres humanos desejam a superioridade, se agarram ao poder (por vezes um micro poder) e querem é disputar e ganhar o pão que - na maioria das vezes - já possui. Aos mais fracos na seleção social são direcionados os piores lugares e resevados os piores rótulos e oportunidades. Aos mais fortes e endinheirados são perceptíveis o culto ao corpo, a ostentação, a educação mais sofisticada, os bens e os direitos e privilégios deste Estado que se diz de direito. Não posso acreditar na humanidade que decidiu pela destruição do outro. A alteridade - com a modernidade recente - há tempos foi colocada em xeque, logo não me venham com essa ilusão de sociedade igualitária, fraterna e de compaixão, porque ela não existe. Trata-se de um conto de fadas e prefiro acreditar que em longo prazo a única certeza que temos é a de que estaremos todos mortos.
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* - Professor na UEMG