sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Docente deve voltar a ser importante na sociedade, diz diretor da Unesco

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Marcelle Souza do UOL, no Rio de Janeiro
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Uma das chaves para melhorar a educação na América Latina é retomar o valor social da carreira docente. É nisso que acredita o diretor da Secretaria de Educação para a América Latina e Caribe da Unesco no Chile, Jorge Sequeira. Em entrevista ao UOL durante o Bett Latin America Leadership Summit, Sequeira disse que o papel do professor deve ser reconhecido com valorização social e salarial.
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"Quando eu era criança, o docente tinha muito valor social, tinha muita importância na sociedade, na comunidade, assim como os diretores de escola. Hoje em dia, essa valorização social foi perdida. Temos que recuperá-la, mas isso implica em melhores condições de vida, melhores salários, valorização social, mais importância e reconhecimento [da profissão] na sociedade", afirma.
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Segundo o diretor da Unesco, alguns países da região fizeram importantes avanços em educação, entre eles Colômbia e Brasil, mesmo que o grupo latino-americano ainda apresente desempenho abaixo da média no Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Alunos).
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"É preciso seguir adiante, manter-se sempre crescendo, formar e dar apoio aos docentes, porque são eles que realmente mudam a qualidade da educação na sala de aula. Se existe ganho de aprendizagem, o fator fundamental para melhorar a qualidade da educação são os docentes", afirma.
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Foco nos anos inciais
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Sequeira defende que os países da região concentrem seus investimentos na pré-escola e nos primeiros anos do ensino fundamental. "Os países devem desenvolver políticas públicas que apontem para os mais desfavorecidos, para fortalecer a educação pública, e não necessariamente começar [o investimento] nas universidades. É preciso investir onde está a raiz da desigualdade, que é a educação pré-primária e primária", diz.
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O diretor da Unesco também destaca países como Argentina, Uruguai, México, Chile, Costa Rica, que têm procurado diversificar os seus investimentos e feito reformas nos sus sistemas educativos. Para ele, há uma tendência regional de focar os investimentos nos iniciais de ensino. Ainda sobre dinheiro, Sequeira diz que a solução para os problemas educacionais na América Latina não está necessariamente no aumento dos recursos para o setor. Ele defende que é preciso repensar e investir melhor em áreas estratégicas.
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"Muitos países não podem necessariamente colocar mais recursos, mas podem colocar melhores recursos, ou seja, direcionar o investimento para onde mais se necessita. A porcentagem do PIB [para a educação] em países como México e Argentina é de cerca de 6%, é muito recurso. Então é preciso utilizar esses recursos onde mais se necessita, que é na educação básica, sem prejudicar a educação superior".
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Mas as mudanças, diz Sequeira, não dependem apenas da mobilização do governo. "É possível [investir melhor na educação], mas requer políticas públicas a longo prazo, com continuidade, com apoio e, sobretudo, com participação de todos --jornalistas, pais, crianças, professores, funcionários, parlamentares --, porque a educação é um assunto que compete a todos, não só ao Ministério da Educação e aos docentes", diz.
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Educadores entregam ao MEC publicação com demandas para o setor

Yara Aquino - Repórter da Agência Brasil
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Um livro com propostas para aprimorar a educação pública brasileira foi entregue hoje (27) por integrantes do Movimento Educação em Nossas Mãos ao ministro da Educação, Henrique Paim. Financiamento, gestão, formação continuada dos profissionais e garantia de continuidade das políticas públicas de educação exitosas estão entre os itens propostos pelo movimento na publicação,   elaborada com a participação de docentes de 15 estados.
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Com o livro Vozes de Educadores Brasileiros, a intenção é sugerir melhorias aos governantes eleitos. A falta de continuidade das políticas de educação motivada pela troca de governos é um dos itens presentes no livro e, na avaliação da representante do Educação em Nossas Mãos, Cybele Amado, é um fator prejudicial para a educação pública. “Quando muda prefeito, governador, até presidente, há uma descontinuidade técnica. Quando vamos mudar isso? Há programas que realmente são efetivos e somem de uma hora para outra. É preciso ter algo que garanta a continuidade do que tem qualidade”, afirma Cybele.
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Entre as demandas dos docentes destacam-se a construção de um plano de carreira para o magistério da educação básica e melhor remuneração para os professores de todos os níveis de ensino. A infraestrutura é citada com o pedido de garantia de material pedagógico de qualidade e ambiente físico adequado. A formação inicial e continuada é outra demanda.
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A publicação destaca ainda a necessidade de adequação do currículo escolar,com a adoção de conteúdos que dialoguem com a realidade social e cultural dos alunos, contribuindo assim para a permanência dos jovens na escola. No campo da gestão, estão entre as propostas a instituição de eleição para diretor escolar e a garantia de participação dos professores na elaboração das políticas públicas do setor.
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“É preciso que o professor seja um protagonista e tenha seu lugar valorizado. Quem vai transformar a educação no Brasil são os professores. Todas as políticas e lutas que temos são importantíssimas, mas quem vai fazer as transformações são esses profissionais que estão em sala da aula”, disse a representante do Movimento Educação em Nossas Mãos.
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Quatro integrantes do movimento participaram da reunião com o ministro Henrique Paim e, segundo eles, pediram que o livro seja entregue à presidenta Dilma Rousseff. 
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Educação e sociedade


Pesquisa sobre a qualidade da educação no Brasil revela que menos de 1/6 da população brasileira pensa em ser professor

Seg, 24 de Novembro 2014 - 14:44
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Por: Portal CNTE - 22/11/2014
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A Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), em parceria com a APEOESP, divulgou estudo realizado pelo Instituto DataPopular e que revela a opinião da população sobre a educação e os profissionais de educação. A pesquisa foi lançada durante a segunda Conferência Nacional de Educação (CONAE), na sexta-feira (21), em Brasília.
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 De acordo com o levantamento, segurança é o fator mais importante para que a escola seja de qualidade, seguida de valorização dos professores e funcionários. A falta de perspectiva na carreira é outro ponto a ser analisado: a população considera a profissão de professor o ofício mais importante para que o país tenha um bom futuro, mas apenas 15% gostariam de virar educador.
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 Para o presidente da CNTE, professor Roberto Franklin de Leão, os números refletem a triste realidade da escola pública brasileira: "Consideramos fundamental ter um instituto de pesquisa qualificado comprovando as informações que os trabalhadores em educação vivenciam no dia a dia da escola. Esse documento revela dados que há tempos a CNTE aponta para a sociedade".
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 A pesquisa também levou em consideração aspectos relacionados à valorização, formação (capacitação) e remuneração dos professores e dos profissionais da educação. O estudo mostra também que 99% dos brasileiros acreditam que a educação é muito importante para o futuro do Brasil.
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 Na avaliação do coordenador do Fórum Nacional de Educação e da CONAE, Francisco das Chagas Fernandes, a valorização dos profissionais de educação passa por três caminhos: salário (ganho real do Piso), Diretrizes Nacionais de Carreira e a formação inicial e continuada. "Esse tripé é necessário para garantir um sistema de formação de professores no país", resumiu o coordenador.
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Valorização do professor
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Os entrevistados também entram em consenso quando o assunto é valorização dos professores, já que 98% avaliam que a profissão deveria ser mais valorizada. Na opinião dos brasileiros, oferecer uma educação de qualidade está ligada diretamente à valorização do professor. Por isso, boa parte dos entrevistados acredita que a saída para uma educação de qualidade é ter professores qualificados, bem preparados e com melhores salários. Para 76%, os professores são menos valorizados do que deveriam pela população, enquanto 85% acham que os professores são menos valorizados do que deveriam pelo governo.
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Melhores salários
 O salário oferecido aos professores da rede pública é considerado ruim ou péssimo para 66% dos consultados. Apenas 8% disseram que é bom. Quando questionados sobre os salários dos professores das escolas privadas, 49% disseram que a remuneração é ótima ou boa. Sendo assim, 98% consideram importante que professores e funcionários das escolas tenham bons salário para que a escola seja de qualidade.
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 Os entrevistados também reconhecem que o professor deveria ser a profissão com a melhor remuneração. Por outro lado, a maioria acredita que são os médicos, engenheiros e advogados que recebem os salários mais altos. Como forma de valorização, 85% dos brasileiros acreditam que os profissionais da educação deveriam ter um piso salarial nacional que valorize o salário.
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Educação de qualidade
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Entre os principais benefícios que a educação pública de qualidade pode trazer para a sociedade brasileira, os entrevistados destacaram: redução da violência, combate à pobreza, melhores empregos e formação de bons profissionais. E a maioria (59%) avalia que as escolas públicas estão longe de ter uma educação de qualidade. Outro aspecto abordado no estudo está relacionado ao futuro profissional. Para 48%, os alunos de escolas particulares têm mais chances de ter um bom emprego do que alunosque estudaram na rede pública. Como forma de melhorar a qualidade da educação, 94% são a favor da educação em tempo integral.
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Papel dos governos
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A responsabilidade dos governos federal, estadual e municipal também alvo da pesquisa. Para 43%, o governo federal é responsável pela educação pública em geral, enquanto 27% atribuem a responsabilidade ao governo municipal. Para melhorar a educação, 87% são favoráveis ao governo destinar 10% do PIB para educação. Hoje, são 6,5%. O tema educação também é levado em consideração na hora de escolher o candidato, já que 72% dos brasileiros se informar sobre educação antes de votar.
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Metodologia da pesquisa
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A pesquisa foi realizada em setembro de 2014, com 3 mil pessoas com mais de 16 anos, em 100 municípios, nas cinco regiões do País.
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segunda-feira, 10 de novembro de 2014

ENEM


Para professores, Enem está cada vez mais ‘conteudista’, e não tão intuitivo quanto antes

RIO - Ano após ano, o Enem vem se aprofundando no conteúdo das disciplinas que compõem o último segmento da educação básica. Desde 2010, quando foi reformulada, a prova passou a cobrar temas e tópicos específicos de cada matéria, com questões consideradas “conteudistas”, e não mais tão intuitivas e interpretativas quanto antes. Nesta edição, os candidatos tinham de conhecer temas como genética, leis de Newton, Guerra do Paraguai e o estilo literário dos pré-modernistas.
 
Para especialistas, o exame mudou e se assemelhou aos antigos vestibulares a fim de recepcionar as universidades federais. De acordo com Márcio Branco, professor de História do curso on-line QG do Enem, a parte de Ciências Humanas atingiu um “ponto ótimo” entre “conteudismo” e interpretação:
 
— Eu acreditava que viria mais difícil, mas o Enem é uma prova nacional. Então o Inep (órgão organizador do exame) optou por não aprofundar mais
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INTERPRETAÇÃO AINDA PREVALECE NO TESTE DE LINGUAGENS
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O equilíbrio descrito por ele variou conforme as disciplinas. Em Ciências da Natureza, que engloba Química, Física e Biologia, ficou a percepção de que as questões vieram sem a mesma contextualização, valorizando conteúdos específicos.
 
— Este ano foram 20 perguntas só de Química, um número bem maior do que o das provas anteriores. Em Química o aluno não pode ser muito intuitivo ou resolver a questão apenas com interpretação. Se não estudou, não vai saber fazer — afirmou Jonas Stanley, professor de Química, Física e Matemática do Curso Pensi.
 
Em Matemática, uma das partes mais temidas, professores perceberam que a prova perdeu um pouco a característica de contextualização, preferindo cobrar conceitos “crus” como cálculo de volume, porcentagem ou probabilidade. As questões que buscaram conciliar conteúdo com a realidade do aluno foram elogiadas:
 
— Destaco a questão do cone de trânsito e do corrimão que faz o movimento em espiral. Foram modos de trabalhar a matemática de um jeito bem mais factível — ressaltou Márcio Cohen, do QG do Enem.
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Se existe uma área onde o Enem mantém a tradição é a prova de Linguagens. Nela, sempre se cobrou mais a interpretação do que tópicos gramaticais frios e distantes, dizem professores.
 
Na prova de redação, os candidatos foram instados a discorrer sobre publicidade para crianças. O assunto, em alta no noticiário devido à publicação, em abril, de uma resolução do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) considerando abusivo esse tipo de propaganda, ganhou elogio do coordenador de Português e Redação do Colégio e Curso pH, Felipe Couto:
 
— O Enem tem esta característica de cobrar uma reflexão de ordem político-social. E esse tema é um aspecto muito importante da contemporaneidade.
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MÚSICA VOLTA A APARECER COM FORÇA
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Nos últimos anos o Enem tem mostrado apreço especial pela música. Este ano não foi diferente. O folk do cantor e compositor americano Bob Dylan apareceu na prova de inglês, com a música “Master of war”. O candidato tinha que identificar quais eram as críticas feitas pela letra, que questiona os interesses por trás de uma guerra.
 
Já a canção “Óia eu aqui de de novo”, do compositor e cantor Antônio Barros, foi utilizada para discutir o repertório linguístico e cultural brasileiro. Dentre versos como “Diz que eu tou aqui com alegria” e “Vou mostrar pr'esses cabras”, o candidato tinha que apontar qual deles singularizava uma forma característica do falar popular regional.
 
Outro item trazia um texto do maestro Henrique Cazes que discutia como grande parte da música popular desenvolvida nos países colonizados por Portugal compartilham um instrumental marcado por cavaquinho e violão. Os candidatos deveriam, então, mostrar quais exemplos da música popular brasileira utilizam esses instrumentos.
 
As origens do funk e do hip hop brasileiro também foram abordadas. O tópico citava os famosos bailes black, que reuniram legiões de jovens nas periferias dos grandes centros urbanos embalados pela black music americana, e pedia ao estudante que identificasse as características da cultura hip-hop no Brasil.
Outro tópico trazia um texto que enumerava as preferências musicais do brasileiro, destacando como o sertanejo caiu no gosto popular, segundo pesquisas.

sábado, 18 de outubro de 2014

Lembranças de uma “tragédia anunciada”


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Lúcio Alves de Barros*

 Foi mais que uma tragédia o acontecimento da queda de um viaduto em Belo Horizonte. Ele se foi na tarde de uma quinta-feira dia 03 de agosto, na Avenida Pedro I, entre os bairros Planalto (na Pampulha) e São João Batista (Venda Nova). O acontecimento não pode ser esquecido e tampouco os responsáveis não podem sair impunes. Falo isso sabendo que pouco ou nada vai acontecer. No Brasil a coisa é mais ou menos assim, as “tragédias anunciadas” acontecem, tornam-se casos de polícia e com o tempo tudo acaba no esquecimento, sai da memória coletiva e é cultural esperar as próximas vítimas. No caso do viaduto faleceu uma mãe trabalhadora e dedicada à sua família e um jovem homem que ia buscar a mulher no trabalho. Além disso, cerca de 20 pessoas foram feridas e muitos residentes próximos do outro viaduto sofrem do pânico dele cair. Detalhe: por pouco a tragédia não foi maior. As imagens, hoje na internet, mostram mais carros e um Move passando por baixo do viaduto. Sem muitas palavras é preciso apontar para:

 1º - de alguma forma todos somos culpados. Votamos nas autoridades que estão por aí. Permitimos que elas brincassem de casinha na capital inteira e vira e mexe acontece micro problemas e fatalidades nas ruas e nas obras da capital de Minas. Ninguém faz nada. É um calar da mídia e dos órgãos responsáveis sem tamanho e, como não dá para esconder um viaduto, a coisa explodiu.

 2º - Não é possível nem pensar em tirar a responsabilidade e averiguar como andam as atividades da Construtora Cowan S/A. Há tempos as construtoras e as empreiteiras ganham viadutos de dinheiro neste país e devem esconder coisas que até Deus duvida. Não existe vigilância e a coisa, com a COPA, foi feita em toque de caixa no intuito de maquiar a cidade para agradar a gringos e troianos. Absurdo maior é impossível. Outro detalhe: denúncias de problemas nas construções já haviam chegado ao poder legislativo (outro culpado).

3º - Toda “tragédia anunciada” resulta de descaso coletivo e, neste caso, a Prefeitura de Belo Horizonte, o Estado de Minas e a Federação que não vigiam o como o nosso dinheiro está sendo gasto são co-culpados e obviamente devem ser responsabilizados. O palavreado na mídia é que estão auxiliando os feridos e dando assistência às famílias. Poupem-me: assistência no Hospital Municipal e no Risoleta Neves é mais sofrimento. As vítimas merecem melhores condições de recuperação. E tais ações ainda revelam o perfil do governo em vigência que, definitivamente, vem mostrando que não gosta de gente. A ideia de cidade empresa, de empurrar casas e comunidades para fora da cidade, de levar a efeito a faxina social e mandar a polícia espancar manifestantes quer dizer muita coisa. É um absurdo e dificilmente não causa indignação à população o descaso governamental e a inércia em ações em prol do bem público.

 4° - Por último, é impossível não pedir ao eleitorado que resignifiquem o processo eleitoral que está por chegar. Coloquem as contas em dia e observem com cuidado quem está pagando as contas. Também paga-se com o corpo, o tempo e a vida. Como sempre, apesar do sofrimento diário e dos transtornos que obras sem gerenciamento produzem, é o pobre, o miserável, a mulher e o batalhador (em sua maioria negra) é que pagam mais caro mantendo um pé no perigo e o resto nas ruas perigosas de Belo Horizonte. A queda do viaduto, um empreendimento que fazia parte do conjunto de obras de implantação do BRT Move é a maior lágrima que caiu na capital mineira após a Copa, sem esquecer as duas mortes dos jovens que também caíram dos viadutos em junho de 2013. Perto disso, o placar de “07 a 01” da Alemanha no Brasil não vale de nada.

 *Doutor em Ciências Humanas, professor na Faculdade de Educação (FAE/BH/MG)

 

terça-feira, 2 de setembro de 2014

Indicação de leitura - A herança escravista no trabalho doméstico

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Por José Tadeu Arantes
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Agência FAPESP – A despeito de vários estudos realizados nas últimas décadas, a transição da escravidão para o trabalho assalariado no Brasil é um tema que ainda precisa ser esmiuçado. Que destinos tiveram os ex-escravos? Que novas relações de trabalho lhes foi possível estabelecer? Que profissões exerceram? Como conviveram com a chegada maciça de imigrantes europeus? Onde habitavam e em que condições?
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Um novo livro, recém-publicado com apoio da FAPESP, ajuda a responder a perguntas como essas. Trata-se de Libertas entre sobrados: mulheres negras e trabalho doméstico em São Paulo (1880-1920), de Lorena Féres da Silva Telles.
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Graduada em História pela Universidade de São Paulo (USP) e pela Université Paris IV-Sorbonne, Lorena é atualmente doutoranda, com bolsa da FAPESP. Seu livro resultou de dissertação de mestrado orientada pela historiadora Maria Odila Leite da Silva Dias, professora titular aposentada da USP.
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“O sujeito desse estudo foi constituído por mulheres, trabalhadoras domésticas na cidade de São Paulo, algumas escravas, outras libertas, outras já nascidas livres”, disse Lorena à Agência FAPESP.
“Fiz o trabalho com base em documentos policiais: um livro de inscrições e um livro de contratos de trabalho. Esses livros foram produzidos em função de uma lei, posta em prática em 1886 em São Paulo, que obrigava os trabalhadores domésticos a se inscreverem na polícia”, disse.
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Nessa época, dois anos antes do fim da escravidão, quase não havia mais escravos na cidade de São Paulo. A maioria deles estava nas fazendas de café do Sudeste do país. Essa lei, obrigando os registros, tinha o propósito de controlar os trabalhadores livres. “As inscrições eram fichas de polícia, com nome, filiação, sinais característicos, profissão, nome do patrão, estado civil etc. Enfim, uma documentação de controle, estritamente policialesca”, explicou a historiadora.
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Com base em dados tão ralos, Lorena procurou entender quem eram essas trabalhadoras domésticas. “Eu dispunha de uma amostragem com cerca de mil inscritos e 1,3 mil contratos. Dos inscritos, pouco mais de 600 eram mulheres e 490 eram mulheres negras”, contou. O estudo exigiu uma boa dose de imaginação. Foi preciso ler nas entrelinhas e fazer várias suposições a partir das poucas informações disponíveis. “Por exemplo, quando a filiação era desconhecida, eu podia supor que provavelmente se tratava de uma escrava. Se o pai tinha um nome como ‘José Congo’, eu podia supor que ela era filha de um africano. Dessa forma, fui juntando os fios para tecer histórias de vidas. E, com base nesse levantamento, busquei as origens escravistas do trabalho doméstico”, disse.
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Um dos recursos utilizados foi cruzar dados do livro de inscrições com dados do livro de contratos. “Desse modo, pude rastrear, a partir de contratos sucessivos, as trajetórias de algumas daquelas mulheres”, disse. Ao preencher os contratos, muitos patrões simplesmente seguiam a fórmula estabelecida pela Câmara Municipal. Outros, porém, acrescentavam informações, o que ajudou muito o trabalho da pesquisadora.
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“Encontrei, por exemplo, o caso de uma cozinheira denominada pelo patrão de ‘Preta Felicidade’. O simples fato de ele chamá-la de ‘Preta’ já indicava que, provavelmente, se tratava de uma ex-escrava. Outro caso foi de uma africana, de 60 anos, que escandalizou sua patroa ao dizer: ‘Não sou sua escrava’. Isso foi anotado no livro. E me trouxe a imagem de uma altiva africana, destemida e zelosa por sua liberdade”, disse.
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Em 1872, por ocasião do primeiro censo realizado no Brasil, havia no país pouco mais de 10,1 milhões de habitantes. Destes, cerca de 1,5 milhão eram escravos. O recenseamento de 1890 revelou que a população havia crescido para aproximadamente 14,3 milhões. Três anos antes, em 1887, a apenas alguns meses do dia 13 de maio de 1888, quando a princesa Isabel sancionou a Lei Áurea, extinguindo a escravidão no Brasil, o contingente escravo somava 723.419 pessoas, menos da metade daquele do início da década anterior. Essa curva descendente da população escrava, que não mudou de inflexão desde o fechamento dos portos africanos, em 1850, estimulou o tráfico interno, direcionando a mão de obra cativa para as regiões de maior dinamismo econômico, como o oeste paulista, fronteira da expansão da cafeicultura. Como consequência, na última década do período escravista, a cidade de São Paulo tornou-se notavelmente desprovida de escravos.
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“O censo de 1886 computou na cidade aproximadamente 48 mil habitantes, dos quais pouco mais de 10 mil foram classificados como negros ou mulatos. Desse segmento de ascendência africana, mais de 95% eram constituídos por homens e mulheres livres. O recenseamento apontou 268 escravas e 225 escravos”, disse Lorena.
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A forma predominante de moradia desses “negros” e “mulatos” livres eram as habitações coletivas de aluguel. Com cômodos subdivididos, de forma a abrigar um número cada vez maior de pessoas, essas habitações se multiplicavam nos bairros do Bixiga e do Brás, bem como naquele bairro que, à época, constituía ainda uma área periférica, com características rurais: a Penha.
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“Havia escravas que negociavam com suas donas e donos moradia em pequenos cômodos, fora da casa senhorial. Por outro lado, no caso de muitas mulheres livres ou libertas, empregadas domésticas, a moradia, a roupa e a alimentação eram a única forma de pagamento. Ou, então, seus salários eram tão baixos que frequentemente inviabilizavam o pagamento de um cômodo de aluguel, razão pela qual os cômodos e seus custos eram compartilhados”, disse a historiadora. O salário de uma trabalhadora doméstica responsável por todo o serviço da casa variava de 12 mil réis a 20 mil réis. E o aluguel de um cômodo custava, às vezes, 15 mil réis. Assim, era praticamente impossível, para essas empregadas, morarem sozinhas. “Se não moravam com os patrões, era muito provável que morassem com parentes, companheiros, filhas e filhos”, conjecturou Lorena.
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Um capítulo especialmente interessante do livro é aquele que a autora dedicou às trabalhadoras que já possuíam uma certa especialização: cozinheiras, quitandeiras, lavadeiras, engomadeiras, amas de leite. Sua atividade profissional e sua vida cotidiana são descritas de forma muito vívida, como neste parágrafo dedicado às lavadeiras:
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“Enfrentando a lida diária de longas caminhadas, expostas ao frio, à chuva e ao sol a pino, equilibristas de trouxas pesadas e prazos de entrega, as lavadeiras foram fundamentais à sociedade da higiene, com seus lençóis e roupas brancas. Circulando nas imediações urbanas, em direção às beiras de rios e chafarizes, à procura de emprego, eram impelidas às ruas pela necessidade do ofício, dependentes de si mesmas e dos parcos ganhos auferidos do exercício desse trabalho desqualificado”, disse Lorena. Para compor sua narrativa, uma das fontes documentais utilizadas pela pesquisadora foram processos criminais de mulheres presas por vadiagem. “Muitas dessas mulheres eram lavadeiras, que tinham uma mobilidade maior pela cidade, pois iam às casas para buscar ou entregar roupas. E foram presas por estarem desempregadas ou bêbadas. Percebemos, assim, como havia um forte controle social e policial sobre os negros, pobres e mendigos nas ruas”, comentou.
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A introdução das redes de abastecimento de água e dos tanques domésticos, iniciada na década de 1880, enclausurou esse trabalho, antes exercido extramuros. Posteriormente, os próprios rios seriam enclausurados, em dutos subterrâneos, invisíveis aos olhos dos habitantes, cada vez mais ignorantes acerca da topografia e dos recursos naturais de sua cidade.
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Amas de leite
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Outra mudança fundamental, constituída pela entrada maciça de imigrantes europeus, foi destacada pela historiadora no subcapítulo dedicado às amas de leite, agora tema central de seu doutorado. Desde 1870, com a Lei do Ventre Livre e a perspectiva de que não nasceriam mais escravos no Brasil, a solução da imigração começou a ser levada a sério pelas elites econômicas e políticas. E as consequências práticas logo se fizeram notar.
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“As brasileiras negras continuaram a ser maioria entre as amas de leite, mas surgiu uma competição entre elas e as imigrantes – portuguesas, italianas e alemãs. Isso aparece de forma bem clara no livro de inscrições”, afirmou. Como uma das conclusões de sua pesquisa, a historiadora enfatizou o quanto o trabalho doméstico ficou marcado, no país, pela herança escravista. “A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada em 1943, ignorou a categoria, sob a alegação de que as trabalhadoras domésticas desempenhavam atividades de caráter não econômico. E a Constituição Federal de 1988 limitou o acesso delas a somente 9 dos 34 direitos garantidos aos demais trabalhadores”, afirmou.
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“Apenas em 26 de março de 2013, quase 125 anos depois do fim da escravidão, a aprovação do projeto de emenda constitucional conhecido como ‘PEC das Domésticas’ estendeu à categoria direitos básicos, como jornada de trabalho de 8 horas diárias e 44 horas semanais, pagamento de horas extras e adicional noturno, fundo de garantia por tempo de serviço e seguro-desemprego. Benefícios como auxílio-creche, seguro para acidentes de trabalho e salário-família carecem ainda de regulamentação”, disse.
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Libertas entre Sobrados: mulheres negras e trabalho doméstico em São Paulo (1880-1920)
Autora: Lorena Féres da Silva Telles
Lançamento: 11 de setembro de 2014
Preço: R$ 45,00
Páginas: 342
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Aluno barrado por usar guias de candomblé muda de escola

Por Athos Moura e Vania Cunha
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Rio - Um aluno da Rede Municipal de Ensino teve que trocar de escola depois de ter sido, segundo sua família, impedido de frequentar as aulas por usar guias de candomblé sob o uniforme. X., de 12 anos, adotou a religião há cerca de dois meses. Como parte de sua iniciação, tinha que usar as guias durante três meses. Mas, segundo sua família, a diretora teria proibido o menino de entrar na unidade.
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X. já não ia à Escola Municipal Francisco Campos, no Grajaú, há mais de um mês. Isto ocorria, segundo afirma a mãe dele, Rita de Cássia, porque a diretora havia avisado que não permitiria a presença dele usando guias ou quaisquer outros trajes característicos do candomblé.
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No dia 25 de agosto, o menino tentou voltar a frequentar as aulas, mas teria sido impedido, segundo a família. Com as guias por baixo da camisa do uniforme, além de bermuda e boné brancos, ele teria sido proibido de entrar na escola pela diretora. A alegação dela, segundo a família, foi de que X. estava usando roupas fora do padrão adequado.
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O estudante, de 12 anos, tem que usar a guia de candomblé como parte de sua iniciação religiosa. Ele teve que deixar de ir às aulas durante um mês, segundo contou sua mãe.
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Foto: José Pedro Monteiro / Agência O Dia
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A mãe do estudante disse que tinha conhecimento apenas de que o uso da camisa com o logotipo da prefeitura seria obrigatório. Segundo Rita de Cássia, outros alunos usavam boné, bermudas e calças de outras cores, além de tênis coloridos no dia em que o filho foi barrado: “A diretora colocou a mão no peito do meu filho e disse que ele não entraria com as guias, que estavam por baixo da camisa”. A diretora foi procurada pela reportagem, mas na escola informaram que o contato teria que ser feito com a Secretaria Municipal de Educação. A pasta limitou-se a explicar que a diretora, cujo nome não foi informado, alegou que houve um “mal entendido”.
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Para o cientista social Paulo Jorge Ribeiro, da Uerj, a atitude seria válida se símbolos de outras religiões também fossem proibidos. “A grande questão não é se a escola permite ou não o uso de guias de candomblé, mas como a sociedade vai criar mecanismos para que todos os símbolos religiosos sejam expressos de forma igualitária”, disse o professor.
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Para o pastor Marcos Gladstone, fundador da Igreja Cristã Contemporânea, a proibição pode ter sido motivada por regras da escola, como as que restringem o uso de acessórios: “Se for assim não vejo problema. Mas se foi por motivo religiosos, acredito que a escola deve ser laica e respeitar o credo de cada um”. O Padre Lincoln Gonçalves, da Igreja de São Cosme e São Damião, no Andaraí, diz que o Estado laico tem a missão de preservar a fé. “A atitude que se vê nesse caso é muito mais de um Estado intolerante e ateu, que quer coibir os símbolos da fé. A Constituição determina que o Estado seja laico, e não ateu”.
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Choro e constrangimento
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Na tarde desta segunda-feira, o menino começou a frequentar outra escola municipal no Grajaú, sem ser incomodado por causa de suas guias e bermuda branca. A mãe dele afirma que X. ficou envergonhado e não quis mais estudar na antiga escola: ele se sentiu “julgado” pelos colegas e responsáveis que estavam no portão da escola quando foi proibido de entrar. Segundo a mãe, X. chegou a ficar três dias com febre e chorou copiosamente. O pai de santo Rafael Aguiar contou que após ser iniciado no candomblé, a pessoa, além de não poder pegar sol, precisa usar roupas claras, tapar a cabeça e usar as guias por um período de três meses: “A religião tem o seu simbolismo e suas ações, que precisam ser respeitadas”.
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Burca e véu são proibidos em escolas da França por vários motivos
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Proibições polêmicas pelo mundo
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Na França, véus e burcas causam polêmica desde que uma lei — decretada em 2010 mas que só entrou em vigor em abril de 2011 — vetou o uso dessas peças em espaços públicos e na rua. Em caso de desobediência, a pessoa pode ser multada em até 150 euros. Muita gente foi contra, considerando que o decreto estigmatizava as pessoas. Para defender a lei, o governo alegou a preservação da liberdade e do direito da mulher, a manutenção do Estado Laico e medida de segurança, para evitar que terroristas usem as vestimentas para não serem identificados. Em julho, a Corte Europeia de Direitos Humanos decidiu que o decreto francês é válido. Antes da decisão francesa, as vestimentas foram motivo de divergências no mundo. Em 2004, a jovem muçulmana Cennet Doganay, à época com 15 anos, raspou a cabeça em sinal de protesto por ter sido impedida de frequentar as aulas na França de véu. Ela tirou a peça, mas cortou os cabelos. Já no Brasil, outra jovem muçulmana teve problemas para renovar a carteira de motorista porque compareceu à prova teórica usando o véu. Ela registrou o caso na delegacia.
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Colaboraram Gustavo Ribeiro e Maria Luísa Barros
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Fórum Nacional da Educação - Para participar das discussões sobre a Educação brasileira

 
Por Alexandre Rodrigues Alves
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O Fórum Nacional da Educação (FNE) foi criado em 2010, por Portaria do MEC, e depois incorporado à Lei nº 13.005/14, que definiu o Plano Nacional da Educação (PNE). O FNE é o espaço de participação direta da sociedade civil nos destinos da educação brasileira, nos três níveis (federal, estadual, municipal), além de acompanhar a tramitação de projetos legislativos, avaliar os impactos da implementação do PNE, oferecer suporte técnico aos estados, municípios e Distrito Federal para a organização de seus fóruns locais.
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O site do MEC que abriga o FNE engloba os diversos organismos que implementam a participação popular nas ações do MEC. Um deles é a CONAE – Conferência Nacional da Educação; nessa guia estão os documentos e objetivos da CONAE e mais notícias sobre ela, que se realizará em novembro de 2014.
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No alto da página estão os três principais botões: para o acesso ao Plano Nacional da Educação, para a rede social que prepara o CONAE e o botão do CONAE 2010, que leva ao site com notícias, conclusões, documentos, apresentações e debates realizados no I Congresso Nacional da Educação.
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Logo abaixo está o menu horizontal, com os itens O fórum, que traz um histórico da participação popular nas discussões sobre educação brasileira e apresenta os objetivos do FNE. Ao lado está o item Documentos; como o nome já diz, reúnem-se ali os trabalhos que servem como referência para a criação e manutenção dos fóruns e conferências estaduais.
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O item seguinte no menu horizontal é Composição, onde estão listadas as instituições que fazem parte do Fórum, das comissões e grupos de trabalho, com endereço e e-mail de contato. À sua direita está o link para os fóruns estaduais, com notícias e resoluções por estado.
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A seguir está o item Publicações, que relaciona os trabalhos disponíveis: avaliações do PNE anterior, Planejamento educacional no Brasil, Agenda temática e Política Nacional de Educação.
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O penúltimo item é o tradicional Fale conosco, com os canais de contato. O último é o Quem é quem – no MEC e nas instituições que fazem parte do FNE. Na coluna da direita estão relacionados os eventos que estão por ocorrer, com links para acesso às suas notícias. Para quem tem interesse em conhecer e participar das discussões sobre as políticas públicas voltadas à educação brasileira, este é o espaço mais adequado.
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Publicado em 02 de setembro de 2014

terça-feira, 26 de agosto de 2014

A educação e os meios de comunicação

 

Lúcio Alves de Barros*
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Não creio que exista dúvida sobre o importante papel da mídia nos dias atuais. Sabemos de sua importância no campo da socialização de informações, da ressonância em publicidade no que toca ao cenário das políticas públicas, à democratização das informações e à necessidade de liberdade de sua ação no que se refere ao fortalecimento dos pilares da democracia. Não obstante sua importância, a mídia como veículo de informação na educação vem se revestindo, nas últimas décadas, de roupagens constrangedoras, complexas e perigosas.
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Uma das roupagens da mídia se refere ao seu papel de mediadora de relações sociais em ambientes domésticos e privados. Os meios de comunicação, especialmente a TV, ao entrar logo cedo na casa cheia de filhos, funcionam como verdadeiras babás eletrônicas, fornecendo ao infante ou ao adolescente um turbilhão de informações sobre os quais dificilmente os responsáveis teriam controle. Imagens duras, “reportagens quentes”, notícias sensacionalistas, acontecimentos sexualizados e sensualizados se misturam em horários diversos com propagandas, programas e publicidades. Com muita dificuldade uma criança entenderia o como e o porquê de determinadas ações serem direcionadas de determinada forma na tela da TV. Os cortes, as imagens, a cadência de informações não são neutras, e o descontrole por parte do receptor é inviabilizado, apesar da fala de que “não quer ver, desligue a TV”, “não leia o jornal” ou “não escute o rádio”.
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Outra roupagem dos meios de comunicação é o de ser uma instituição acima dos seres humanos e até de “deus”. Não por acaso, católicos e protestantes invadiram tanto canais abertos como fechados, vendo nesse veículo uma boa forma não somente de angariar fundos como também de levar ao crente o que determinadas religiões entendem por deus. Como mecanismo de poder, os meios de comunicação também assumem papel político. Tal como o anterior, trata-se de agente sem neutralidade e que produz de acordo com o “coronelismo midiático”, que no Brasil aparece nas mãos de poucas famílias. É o cúmulo do absurdo, haja vista que os meios de comunicação, notadamente as redes de televisão, operam alicerçados em concessões públicas que, a despeito da temporalidade, tem se mantido nas mãos dos mesmos donos de sempre.
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Outra e polêmica roupagem que a mídia assume é o de educadora em tempo integral. Aparentemente, primeiro ela atuou na base do vídeo; os mais velhos devem lembrar dos antigos telecursos passados logo ao amanhecer. Tais cursos atendiam tanto ao Ensino Fundamental como ao Médio. Com os avanços da informática, os meios de comunicação alcançaram a hiper-realidade e acabaram com as barreiras de tempo e espaço. Atualmente, pela internet os alunos interessados que não estudam nem em sala de aula se esforçam por assistir em vários meios uma ou duas aulas que, ao longo do tempo são armazenadas no ciberespaço. Mas a mídia vai mais longe: ela tem a pretensão de ser uma educadora privilegiada e uma potencial formadora de opinião e de identidades. Para isso, não é preciso tanta força. Os meios de comunicação têm ao seu dispor, diferentemente da sala de aula, imagens, sons, movimento e relações em tempo real. Também oferecem “facilidades”: ajudam no armazenamento, na comparação de informações, na organização de dados e nas pesquisas. Todavia, ela também forja a preguiça, a miopia mental, a mentira, a falsidade e a ideia de que guardar e reter conhecimento é o mesmo que saber usá-lo. Daí a presença marcante das colas nas instituições de ensino e da produção de “intelectuais” que operam na simples repetição de ementas e conteúdos.
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Para finalizar, é preciso apontar que podemos ser vítimas desse “porre” de informações que tende a embebedar computadores com livros que não vão ser lidos, pesquisas, relatórios e dados que jamais serão aproveitados. O perfil da educação oferecido pela mídia não comporta a educação crítica e transformadora. Não é por acaso a presença do corte, dos programas gravados e da inexistência do contraditório. Não é possível, ao contrário das ações das instituições de ensino, colocar em xeque a mídia educacional que navega na burrice de massa, no pensamento pequeno e na falta de ética em relação aos que não possuem poder. Nesse caminho, é imperioso lembrar aqueles que estão por trás dos mass media. Eles, apesar do chamado ciberespaço, não falam por si. Atrás dos computadores, da TV, dos rádios, revistas e jornais, temos uma “educação” manipulada por poucos e que não possuem o mínimo de didática, currículo e que não chegam nem perto do que se entende por cuidado com o outro.
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* Professor da Faculdade de Educação da UEMG - Publicado em 26 de agosto de 2014 - Edição 32.
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Fonte: Revista Educação Pública: Reflexão e interação de educadores, RJ: In: http://www.educacaopublica.rj.gov.br/biblioteca/comunicacao/0035.html

sábado, 23 de agosto de 2014

Inclusão de alunos com deficiência cai no Ensino Médio

Todos Pela Educação*
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Apesar das crescentes taxas de inclusão dos alunos com deficiência nas escolas públicas e privadas do Brasil, muitos deles não chegam ao Ensino Médio. E dos que conseguem alcançar a etapa final da Educação Básica, boa parcela não a conclui.
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Entre 2007 e 2013, a porcentagem de estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação matriculados em salas de aula regulares cresceu de 46,8% para 76,9%. Em consequência, o número de crianças e jovens em escolas de Educação Especial decresce anualmente – no ano passado, dado mais recente, 843.342 frequentavam exclusivamente esse tipo de instituição..
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Os dados fazem parte de um levantamento do Todos Pela Educação para o Observatório do PNE (leia mais abaixo) e utilizam como fonte o Censo da Educação Básica, realizado anualmente pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).
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A meta 4 do Plano Nacional de Educação (PNE) determina que, até 2024, toda a população de 4 a 17 anos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação tenha acesso à Educação Básica e ao atendimento educacional especializado, preferencialmente na rede regular de ensino, com a garantia de sistema educacional inclusivo, de salas de recursos multifuncionais, classes, escolas ou serviços especializados, públicos ou conveniados. Durante a tramitação do plano, a meta 4 foi alvo de intenso debate no Congresso Nacional, travando o avanço da matéria (relembre aqui).
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Para a gerente da área técnica do movimento Todos Pela Educação, Alejandra Meraz Velasco, os dados revelam que o esforço enorme que é feito para a inclusão nos anos iniciais do Fundamental se enfraquece nos anos finais dessa mesma etapa. "O sistema vem perdendo alunos. A falta de estrutura das escolas, aliada ao vínculo mais distante que eles têm com os professores no Fundamental II, podem ser apontados como hipóteses para explicar essa queda",
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Fonte: Todos pelka Educação

quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Programa busca romper com bullying a crianças com diabetes

São Paulo. A educadora Lisandra Paes, 41, já perdeu as contas das vezes que teve a matrícula da filha de 17 anos e portadora de diabetes recusada em escolas públicas e privadas de São Paulo. Episódios de preconceito, bullying e falta de conhecimento de profissionais e alunos, associados ao crescente aumento dos casos da doença em todo o país, fizeram com que o Brasil fosse, ao lado da Índia, um dos escolhidos para receber o programa KiDS (abreviação de Crianças e o Diabetes nas Escolas, em inglês). Entre os dez países com o maior índice da doença, o país asiático está em segundo lugar, e o Brasil, em quarto.
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O programa piloto foi lançado nesta terça, em São Paulo, com o objetivo de selecionar, até o fim do ano, 15 escolas públicas e privadas brasileiras (13 em São Paulo e duas no Ceará) para ser capacitadas a lidar com crianças e adolescentes entre 6 e 14 anos portadores da doença. “O diabetes pode ser controlado, porém, devido à falta de conhecimento, com frequência, as crianças diabéticas acabam sofrendo com algum estigma, isolamento. Precisamos fazer alguma coisa para prevenir a discriminação que vem associada a um quadro de saúde”, explica o especialista em educação da Federação Internacional de Diabetes (IDF), David Chaney.
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“Muitas mães de amigas proibiam as meninas de falar comigo ou elas mesmas faziam essa escolha porque achavam que o diabetes ia ser contagioso, ia pegar por toque ou tosse”, lembra a estudante Stella Sadocco, 17. Segundo a mãe da garota, as dificuldades são as mesmas nas escolas públicas e privadas. “Eles não falam que não querem sua filha, mas impõem uma série de exigências”, lembra Lisandra.
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Projeto. O programa KiDS conta com um pacote educativo com quatro módulos, um para cada tipo de público: escola, alunos, familiares e familiares de alunos com diabetes. Para serem escolhidas, as escolas devem obedecer a alguns critérios, como a quantidade de alunos. Em seguida, são realizados encontros para sensibilização e orientação, a distribuição do dossiê e, por fim, os treinamentos. No fim do programa algumas instituições serão reavaliadas. “São palestras interativas, quiz de perguntas e respostas, prática de atividade física e treinamento”, explica Denise franco, diretora da Associação de Diabetes Juvenil (ADJ Brasil).
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Lisandra também é coordenadora pedagógica na escola municipal de ensino fundamental e médio Derville Allegretti, em São Paulo, e, após a implantação do projeto, já percebeu os resultados. “No dia seguinte um dos professores conseguiu identificar uma aluna que não tinha relatado a doença porque tinha medo do preconceito. A educação traz resultados imediatos”.
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Online. Como o programa não conseguirá atender a todas as 200 mil escolas e 52 milhões de alunos no país, o kit ficará disponível para download .
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Iniciativa
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Parceiros. O programa é uma parceria entre a Sanofi, a IDF, a ADJ Brasil e conta com o apoio do Ministério da Saúde, Sociedade Brasileira de Diabetes e da Sociedade Brasileira de Pediatria.
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Diferenças
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Diabetes tipo 1 (10% dos casos): doença autoimune caracterizada pela falta de produção de insulina (hormônio que regula o açúcar no sangue) pelo pâncreas. Mais comum em crianças e adultos jovens até 40 anos.
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Diabetes tipo 2: ocorre a produção insuficiente de insulina. Mais comum em adultos, além de crianças e adolescentes, devido ao aumento da obesidade, por exemplo.
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Fonte: O Tempo (MG) - http://www.otempo.com.br/interessa/programa-busca-romper-com-bullying-a-crian%C3%A7as-com-diabetes-1.895124

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

‘O melhor modelo de universidade é o que aposta na diversidade’

Nos últimos tempos, o professor Ivan Domingues, do Departamento de Filosofia da Fafich, tem se debruçado sobre o presente e o passado das universidades para tentar compreender os novos caminhos a serem trilhados por essa instituição nascida no final da Idade Média. Sua reflexão sobre a universidade, em especial a UFMG, vem sendo materializada tanto em conferências – como a feita no Fórum de Estudos Contemporâneos, promovido pela Pró-reitoria de Planejamento no ano passado – quanto na participação em instâncias destinadas a propor mudanças para a Instituição.
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Como coordenador do Seminário Universidade do Futuro, protagonizado pelo Instituto de Estudos Avançados Transdisciplinares (Ieat), ele trabalha na análise da proposta de criação de bacharelados interdisciplinares. Já no Instituto Brasil Europa, consórcio de universidades brasileiras e europeias financiado pela União Europeia, Domingues contribui com a dupla missão de instalar um doutorado transdisciplinar e interinstitucional em políticas públicas e de formular novo conceito de extensão, mais atrelado a atividades de difusão do conhecimento e de educação superior. Toda essa imersão tem deixado preocupado esse filósofo com formação pela UFMG e pela Universidade de Sorbonne, na França. Para ele, a universidade contemporânea, principalmente a brasileira, está massificada, burocrática e confusa, com uma carga de atividades que deixa os docentes extenuados e distantes do ensino inovador e da pesquisa avançada. “Os fundamentos estão abalados”, resume ele.
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Nesta entrevista a DIVERSA, Ivan Domingues faz minuciosa análise do papel histórico da universidade – “ela nunca teve o monopólio da geração e disseminação do conhecimento” – e defende a adoção de modelos mais flexíveis e ajustados às realidades regionais. Sobre a UFMG, que completou 85 anos em setembro passado, o filósofo valoriza o que chama de “ethos unificado”, que se caracteriza pela lealdade institucional, e permitiu à Instituição crescer em qualidade e quantidade. Mas vê sinais de fadiga. “Nosso ethos persiste, mas com fissuras, e elas precisam ser soldadas”, adverte.
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Como a Universidade enfrenta o fato de não ter mais o monopólio de geração e disseminação do conhecimento? Isso a torna menos relevante que no passado?
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No meu modo de ver, a universidade nunca teve o monopólio. Isso é uma presunção equivocada. É uma ideia que não fica em pé se for examinada com mais cuidado. A universidade só foi criada nos séculos 12 e 13. E antes disso já havia produção e difusão do conhecimento na Academia de Platão, no Liceu de Aristóteles, no Jardim de Epicuro, na Biblioteca de Alexandria, nas escolas médicas de Hipócrates e nos tribunais da Magna Grécia e do Império Romano, que eram o centro não só da produção como também da práxis jurídica. No final da Idade Média, o panorama muda, com a criação das universidades, em sua maioria, ligadas à Igreja. Antes das universidades, também existiram as escolas monásticas, importantíssimas, e que se encarregavam da formação do clero. Havia ainda as corporações de ofício que também geravam conhecimento técnico de acordo com as necessidades da sociedade da época.
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O que eram essas corporações?
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Elas se ocupavam do ensino técnico, e a diversidade era enorme: tabeliães, ourives, escultores, marceneiros, mestres de obras e toda sorte de artesãos, cujas técnicas eram transmitidas pela tradição oral e com a ajuda da experiência. A esse grupo se associam as chamadas artes mecânicas, que abarcavam um conjunto de disciplinas técnicas e práticas: a produção de lã, o ofício de agricultor, a fabricação de armamento, a arte da navegação, os ofícios ligados ao teatro e a própria medicina. Havia também os ateliês de arquitetura, que abarcava a engenharia, a engenharia civil, e estava associada a um sem-número de profissões ligadas à arte da construção e da decoração dos edifícios, religiosos e civis. A universidade veio se integrar a essa paisagem bem mais tarde, quando passou se ocupar de três formações: Teologia, que também abrangia a Filosofia, Medicina e Direito. Era uma formação em que o humanismo cristão predominava.
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E depois?
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Na renascença e na era moderna, surgem novas experiências e reagrupamentos, com índole mais laica. Especialmente na modernidade, quando muitas universidades foram criadas, como Harvard, que data de 1636, e cujo fundador era egresso de Cambridge. O modelo segue sendo as universidades medievais, de formação mais humanista, porém logo elas passam a sofrer a concorrência das academias de ciência, como a de Florença, a da França e a Royal Society de Londres. Newton tinha um pé na universidade e outro na academia. Ele ensinava em Cambridge e atuava na Royal Society, da qual foi presidente por cerca de 20 anos. Descartes desenvolveu pesquisas em anatomia e fisiologia fora da universidade e nunca ensinou na universidade, assim como Pascal. Enfim, esses exemplos mostram que o monopólio das universidades não resiste a um exame mais apurado. Esse sistema bipolar foi transformado no século 19 graças à experiência da Universidade de Berlim, fundada por Humboldt [Wilhelm von Humboldt]. Essa dicotomia entre ensino e pesquisa desaparece, e a ciência é levada para dentro da universidade. Tanto que muitas universidades passaram a seguir o modelo humboldtiano. Já nos séculos 20 e 21 o sistema ganha muita escala. E junto surgem laboratórios e institutos de pesquisa independentes que passam a desempenhar papel muito importante na pesquisa e produção do conhecimento. Merece destaque a Royal Institution, fundada em 1799, em Londres, o primeiro laboratório público de pesquisa, contando em seus quadros com os primeiros cientistas assalariados, e que existe até hoje. Já as grandes corporações privadas, as mais conhecidas, surgiram a partir da metade do século 20. Resumindo, monopólio nunca houve; hegemonia, sim, por certos períodos. De qualquer forma, diferentemente dos institutos de pesquisa, a universidade tem uma particularidade que é a de permitir a aliança entre o conhecimento e o ensino; a pesquisa e o ensino.
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Houve uma era de ouro das universidades?
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Se houve, penso que foi o século 20. A Idade Média foi importante porque marca o início, mas a explosão começa em meados do século 19. A maioria das universidades dos Estados Unidos é dessa época, e o apogeu americano veio depois da Segunda Guerra – pelos motivos que todos sabemos. A partir daí, as universidades americanas superam as europeias.
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O sistema universitário norte-americano se consolidou muito rapidamente...
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Os Estados Unidos têm escala, densidade e diversidade, sendo uma referência interessante para o Brasil, que tem diversidade e escala parecidas. Lá, o modelo humboldtiano fincou raízes muito cedo. Porém, a partir da segunda metade do século 19, podemos falar em universidade propriamente neo-humboldtiana; o prefixo neo é por conta das mudanças. A fundação do MIT [Instituto de Tecnologia de Massachusetts] é um marco, por causa da introdução da tecnologia. Se, com Humboldt, há a associação entre humanidades e ciência, no MIT as engenharias e a tecnologia passam a ocupar lugar central na universidade. A agenda da inovação tecnológica ganha relevância em muitas universidades, e um novo modelo passa a imperar.
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O que significa essa ideia de refundação da universidade defendida pelo senhor?
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Quando digo isso é porque, no meu modo de ver, a universidade brasileira está fundada, mas precisa ser refundada, e refundar é algo como consertar um navio avariado em alto-mar; o reparo tem que ser feito com o navio em movimento. Eu não quero exagerar na metáfora. É só uma ideia. A universidade está fundada, mas os fundamentos estão abalados.
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Que fundamentos são esses?
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O tripé ensino-pesquisa-inovação nunca se consolidou. Não se trata de resgatar alguma coisa, uma ideia original de universidade. O tempo da universidade medieval já passou. Significa, no meu modo de ver, relançar o projeto da universidade neo-humboldtiana, baseada no tripé ensino-pesquisa-inovação. Essa ideia de que a universidade brasileira precisava ser fundada é do Darcy Ribeiro. Por ocasião da criação da Universidade de Brasília, há 50 anos, ele dizia que a universidade brasileira era um aglomerado, um conjunto de faculdades reunidas em torno de uma reitoria. E ele tinha razão. Quase todas seguiam esse modelo, uma federação de faculdades de Engenharia, Direito, Medicina. Ele mostrava os números. Nos anos 1950, a UFMG tinha 3,6 mil estudantes e a USP, cerca de 9 mil. Se compararmos com os números de hoje, veremos que alguma coisa de extraordinário aconteceu. A UFMG passou de pouco mais de três mil para mais de 52 mil alunos, quase 20 vezes mais em cinco décadas. E desdizendo o Darcy, acredito que hoje a universidade está fundada. O que ela precisa é ser refundada, e isso não tem nada de dramático, é da natureza das instituições. Não se trata de criar uma universidade nova como a projetada pelo Darcy Ribeiro, que imaginava que a maior de todas, localizada na capital federal, teria não mais do que 10 mil estudantes. A Unicamp foi fundada com projeção de um teto de 10 mil alunos, com a perspectiva de que o sinal deveria ser aceso quando chegasse a esse limite. O que se vê hoje é outra realidade, é a construção de uma universidade de massa. E isso criou um monte de problemas. Os fundamentos precisam ser juntados, reforçados, trabalhados, por vários processos de reparos e modificações. As universidades de elite são pequenas. Stanford tem 15 mil alunos; Harvard, 21 mil; Oxford,16 mil; Cambridge, 14 mil. Universidades com 30 mil, 40 mil alunos, já são instituições de massa, e as nossas principais universidades, as federais e as estaduais paulistas, já ultrapassaram – e muito – esse teto.
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Em que bases esse trabalho deve ser feito?
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É preciso pensar modelos, propostas, projetos diversificados. A essência da universidade é o ensino e ele tem que ser associado à pesquisa. Já a inovação tecnológica abre um caminho novo. Nós já percorremos um caminho, chegamos relativamente tarde, mas isso não é desculpa. Parte das americanas também começou relativamente tarde, e as asiáticas também. É preciso propor um modelo diversificado capaz de atender a certas vocações, inclusive regionais. O MIT foi fundado para atender um projeto de desenvolvimento da região de Massachusetts. Em boa medida, o nosso problema deve-se a um modelo jurídico único à europeia que estabelece o mesmo arcabouço para todas as instituições. Temos que dispor de modelos diversificados, com vocações diferenciadas. A universidade que está na Amazônia precisa pensar um projeto, inclusive geopolítico, diferente daquele que existe no Sul do país.
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O senhor entende que a universidade está assumindo atribuições que não são suas?
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Sua pergunta não é fácil de responder (risos). Mas nesse contexto de expansão, de universidade de massa, há um sentimento generalizado de que ela ficou irracional, com uma estrutura resistente, pesada e burocrática, em que os meios engolem os fins. O professor está soterrado pelas demandas, tarefas que não têm nada a ver exatamente com ensino e pesquisa. Por outro lado, há aulas demais e pesquisas de menos, o que condena o aluno a uma total passividade. É um modelo em que o professor é o centro, a fonte do saber, e o aluno, o receptor. Isso está completamente ultrapassado. Nas universidades europeias e americanas, a carga de aulas é muito mais baixa, e a de pesquisa, muito mais elevada. É preciso dar um choque de racionalidade administrativa. Racionalizar melhor os processos nas diferentes frentes de ensino, pesquisa, extensão, inovação e assim por diante. Um colega do Canadá, que conhece bem o Brasil, comentou, a propósito do nosso modo de trabalhar nas instituições acadêmicas, que o governo e as instâncias superiores vivem desconfiados de que o professor não trabalha. O resultado disso é uma universidade “tarefeira”.
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Sobre a questão das atribuições, não chamaria exatamente de excesso, mas de superdimensionamento. Veja o caso da extensão. Algumas fazem mais, outras menos. Na França, a Sorbonne tem pouca extensão. A Universidade de Paris 4, por exemplo, oferece cursos de francês para estrangeiros. Oxford tem um grande centro de extensão, mas que funciona mais como prestação de serviços. A nossa extensão tem outro sentido, inclusive para suprir certas carências sociais.
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Parece que ela tenta preencher uma lacuna deixada pelo Estado...
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Pois é, faz parte da cultura da nossa universidade assumir esses encargos. Isso ocorre com as federais e as estaduais paulistas. O Hospital das Clínicas da Universidade de Campinas atrai pessoas de países vizinhos, da Bolívia, por exemplo. E como o de Campinas, os hospitais das Federais ultrapassam a dimensão de hospital-escola e passam a prestar um serviço à comunidade que adquire dinâmica própria e ocupa o primeiro plano. Defendo que alguma extensão as universidades devem fazer, não podem ficar exiladas intramuros. Só que isso precisa ser redimensionado. Há muito business e prestação de serviços em nossas atividades de extensão. É preciso voltar a focalizar a formação e o ensino.
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A extensão hoje ocupa um lugar mais importante do que a graduação na universidade brasileira?
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A extensão ficou inflada, inchada. Na extensão, repito, faz-se business, prestação de serviços e assistência. Quando falo de refundação, tenho em mente que é preciso pensar em profundidade os fundamentos da extensão, remodelando-a. Recentemente, trabalhamos no contexto do Instituto Brasil Europa, um projeto de pós-graduação lato sensu, que vai tentar propor um conceito mais robusto de extensão que não envolva apenas prestação de serviço, business e assistência, mas assuma também um compromisso maior com a difusão do conhecimento e com a educação continuada. Parece-me uma boa direção para pensar a extensão.
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Ainda sobre a graduação. Ela não enfrenta uma crise até mesmo em função dos encargos administrativos, das tarefas e da obrigação de publicar cada vez mais?
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Há uma tendência de ver a graduação como estorvo e patinho feio. A graduação também deve ser repensada profundamente. É preciso implantar um projeto mais inteligente, menos “aulista”, com mais pesquisa, menos engessada e cartorial, mais aberta a novas experiências, flexível. Nesse sentido, estamos realizando um seminário, A Universidade do Futuro, e em um de seus módulos, nos dedicamos a examinar a proposta de implantação de bacharelados interdisciplinares na UFMG. Já existem experiências parecidas nas universidades federais da Bahia e do ABC. São inspiradas em práticas das universidades americanas, que desenvolvem bacharelados interdisciplinares em grande escala na Califórnia e em outros estados que duram, em geral, dois anos e que oferecem uma formação mais ampla para o estudante que ingressa na instituição; depois essa formação é afunilada nos cursos profissionais. É uma proposta boa, pois evita uma opção precoce, da qual o aluno vai se arrepender depois e que vai obrigá-lo a fazer outro vestibular ou buscar uma reopção. Outra experiência é a de Harvard, que implantou há anos o currículo de General Education, graças ao qual é fornecida uma formação geral humanística, científica e tecnológica ao conjunto dos alunos da universidade logo nos primeiros anos.
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O produtivismo e a cultura dos rankings são marcas da universidade contemporânea. Como o senhor vê esses fenômenos?
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Só há culto aos rankings em ambientes com uma cultura produtivista e governada pelo marketing. Medir uma produção é uma forma de mostrar quem é quem, tirar a instituição ou o indivíduo do anonimato e patrocinar a concorrência. Os rankings permitem fazer a comparação e dão uma ideia de qualidade. Parece que vieram para ficar, só que provocam toda sorte de distorções, e isso me causa grande preocupação. Os rankings trocam o médio pelo curto prazo e sacrificam a qualidade, medindo-a pela quantidade. O ranking é comandado pela lógica do publish or perish, do publicar ou morrer, e isso tem a consequência de dividir o mundo entre vencedores e derrotados. Agora, você imagina uma academia dividida entre vencedores e derrotados, funcionando em bases de concorrência e não de cooperação?
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Como vê a questão das cotas? Elas comprometem a ideia de mérito?
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É uma matéria muito controversa e polêmica. Mas não acho que seja uma escolha entre cotas e mérito. É entre justiça e mérito, e creio ser possível balancear e equilibrar os dois princípios. Entendo que o mérito é sagrado, e se o governo e as universidades abrem mão dele e insistem em canetadas populistas fatalmente vão causar estragos terríveis e levar décadas de esforços à ruína.
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Mas a adoção das cotas é um processo sem volta...
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Exato, é uma questão que está posta. Em princípio, sou favorável a ações afirmativas por cotas, seja por critérios étnicos ou socioeconômicos, favorecendo as escolas públicas, desde que temporalizadas, limitando-as a determinado número de anos. É uma maneira de fazer justiça por meios políticos. Agora, a comparação com os Estados Unidos é inevitável. Lá se fazem ações afirmativas há mais de 50 anos, e o assunto ainda desperta muita polêmica. Há muitos estados que faziam ações afirmativas e não fazem mais, como a Califórnia, onde a população hispânica e de afro-americanos é muito grande. A universidade do Texas, por outro lado, faz uma ação afirmativa na linha da adotada pela UFMG [o bônus, aplicado nos vestibulares 2009, 2010, 2011 e 2012], só que muito mais ousada. Ela admite cerca de 80% dos seus estudantes sem vestibular, selecionando os melhores alunos nas escolas públicas. Já o Brasil chegou muito mais tarde, e a nossa população de não brancos é de 50%, bem superior à dos americanos. Chegou tarde e é urgente fazer isso. Temo, todavia, que a ênfase em critérios étnicos termine por racializar tudo e complique mais ainda as coisas, ao passo que o nosso problema maior, de longe, é a desigualdade social e econômica, que vem causando estragos históricos em todas as camadas pobres, independentemente das etnias ou das raças. Tenho a sensação de que as coisas estão sendo feitas a toque de caixa, com muito voluntarismo e pouca reflexão. A impressão que dá é que as medidas governamentais são populistas e imediatistas. Pegam o ensino pelo alto e deixam de lado o início e o meio, ou seja, os ensinos fundamental e médio. Não vejo nos governantes uma preocupação sincera em melhorar esses níveis de ensino. O médio vive um verdadeiro apagão e Brasília finge que não está acontecendo nada. Recentemente, o MEC propôs mais uma reforma de currículo. Meu medo é que as universidades paguem sozinhas a conta das cotas e, sem o sentido do mérito, acabem sucateadas. Daí as minhas reservas. Se a escola pública um dia for resgatada no primeiro e segundo graus, promovendo a democratização do acesso e a qualidade do ensino em nosso país, a política de cotas perderá a razão de ser e será esquecida.
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Que análise o senhor faz das principais tendências das universidades contemporâneas? As instituições asiáticas, por exemplo, cresceram muito.
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Os asiáticos alcançaram coisas incríveis. O Japão, a Coreia e, agora, a China.
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Suas instituições já conseguem penetrar nesse grupo de excelência formado pelas universidades americanas e europeias?
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Já sim. Muitas delas já aparecem entre as top 100 dos rankings internacionais, como o de Shangai. Vivemos num mundo cada vez mais globalizado, e, em termos geopolíticos, vê-se que a balança pende para a Ásia. Isso está criando uma nova dinâmica, que repercutirá cada vez mais nas instituições de ensino superior. Algumas das universidades asiáticas estão buscando aproximação com as americanas e inglesas. No caso da China, há escala e muita ambição. Mas a Coreia, que é menor, salvo engano tem um terço da população do Brasil, acumula realizações extraordinárias no ensino superior, inclusive com um modelo jurídico que favorece a aproximação com grandes empresas, como a Samsung.
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O Brasil está perdendo o bonde da história?
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Há uma janela de oportunidades observada pelos demógrafos e economistas. A população brasileira ficou mais estável, o país está mais rico, o crescimento populacional se estabilizou, os recursos podem ser melhor distribuídos. É uma janela única. Agora, ela só será aproveitada se houver investimento forte em educação, em ciência e tecnologia. E isso não está sendo feito. É urgente. É para ontem. Caso contrário, a janela vai fechar. Alguns economistas dizem que o melhor momento já passou e que estaríamos condenados nos próximos tempos a ser um país com uma população envelhecida e de renda média.
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Como o senhor analisa a trajetória da UFMG. Que futuro o senhor vislumbra para a Instituição?
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Tenho uma ligação muito forte com esta universidade. Aqui, fiz graduação e mestrado. Meu doutorado foi na França, na Sorbonne, mas com apoio da UFMG, que manteve meu salário de professor, e da Capes, que me concedeu a bolsa. É com orgulho que eu vejo a UFMG bem ranqueada. Sua história é muito positiva, e ela cresceu muito em quantidade e qualidade. Houve um esforço coletivo muito grande. Nós, professores, temos um ethos unificado, caracterizado pela aderência e coesão institucionais, que ajudaram muito a UFMG em sua história recente. Só que ela está cansada, as pessoas estão meio exauridas. Nosso ethos no fundo é o do mineiro, aclimatado a um meio específico, que é a academia, e ele ainda persiste, mas com fissuras, e elas precisam ser soldadas. Não quero estabelecer uma dicotomia intergeracional, mas pessoas que ingressam agora chegam com muita pressa.
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Como fazer essa “soldagem”?
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O ethos está dentro da gente, temos ou não o temos, e ele só se fortalece sendo exercitado. Soldar as fissuras e consertar os defeitos das instituições não é muito diferente da operação de reparar as avarias do navio em alto-mar, que deverá ser feita com o navio em movimento, e não com ele parado. Este é o caso da UFMG e da universidade pública brasileira. Como eu já disse, elas já estão fundadas, precisam ser refundadas, e a refundação é interna e passa pelo ethos. O mal que nos aflige pode ser facilmente diagnosticado e tem duas etiologias: uma é o produtivismo, que atinge uma parcela dos docentes; a outra é o tarefismo, cuja escala é maior ainda, atingindo virtualmente a todos e só poupando os egoístas e indolentes existentes em quaisquer instituições. Como erradicar esses males que, mesmo se vieram de fora, hoje estão absolutamente interiorizados? Convenhamos, não será fácil. No limite, teríamos de nascer de novo, e nisso consiste a refundação. As forças de resistência e da mudança deverão ser encontradas dentro de nós para resultar em um novo pacto.
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Em que termos esse pacto deve ser firmado?
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O pacto deve envolver uma agenda política, associada à escolha dos dirigentes e dos reitores. Mas não é só. Será preciso também dar um choque de gestão e de racionalidade, desonerando os docentes de parte das tarefas administrativas, transferidas a quadros técnicos mais qualificados e mais bem pagos. O pacto também deverá dar lugar a uma nova agenda do conhecimento que não sofra tanto a pressão dos mercados e do aumento da produtividade, que vai junto com o aumento do descarte e da entropia. As próximas gerações terão esse grande desafio. Universidades centenárias passaram por crise parecida e, bem ou mal, sobreviveram, mas mudando.
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O senhor entende ser sustentável o recente processo de expansão da universidade brasileira?
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Nesse sentido, sempre apresentei minhas reservas em relação ao Reuni do jeito que foi feito. Ele perdeu o “Re” e ficou com o “Uni”. A questão do tamanho não foi pensada. Os chineses não querem passar de 40 mil alunos, e nós já estamos com 52 mil. A USP tem quase 90 mil. Universidades desse tamanho são ingovernáveis. Penso que o caminho talvez seja expandir as federais em diferentes pontos do Brasil, escolhidos estrategicamente. Essa expansão é essencial para o nosso projeto de desenvolvimento. O país tem poucas universidades. A Região Metropolitana de Belo Horizonte tem espaço para outra federal, nas imediações de Betim e Contagem. É preciso projetar outras instituições com qualidade, focadas nas questões regionais. Não podem ser moldadas por camisas de força que as impeçam de desenvolver novas experiências. O melhor modelo é o que aposta na diversidade. Se na natureza diversidade é riqueza, na cultura não é diferente.
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Fonte: REVISTA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS - Ano 12 - Número 20 - abril de 2013. https://www.ufmg.br/diversa/20/entrevista.html

A academia tropical

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O campo científico da Administração cresceu vigorosamente nas duas últimas décadas. Há hoje, no Brasil, 78 programas de pós-graduação para formação de mestres e doutores. Esses programas contam com cerca de 1,2 mil professores e produzem por ano quase 1,4 mil dissertações de mestrado e mais de 200 teses de doutorado. Anualmente, mais de 4 mil trabalhos são apresentados em duas dúzias de eventos acadêmicos, geralmente em aprazíveis cidades litorâneas e bucólicas estâncias nas montanhas. O campo conta cerca de 80 periódicos científicos, os quais somados publicam, aproximadamente, 2 mil artigos por ano. Informação relevante: parte considerável do sistema é bancada por recursos públicos.
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Dado que a Administração é uma ciência aplicada, supõe-se que o dinheiro investido seja utilizado de forma honesta e eficiente para ajudar o País a superar sua vexatória incompetência gerencial. Mas a qualidade e o impacto social da produção acadêmica da área são decepcionantes. As reflexões revelam fraquezas metodológicas, baixa capacidade de construção de teorias e afastamento da realidade brasileira.
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Em uma tese de doutorado defendida em junho na FGV-Eaesp, sob a orientação do colega Rafael Alcadipani, Paulo Marcelo Ferraresi Pegino analisou com lupa crítica nosso estranho modo de produzir ciência. O pesquisador aferiu a produção de 168 pesquisadores, bolsistas do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), supostamente a nata da área de Administração. Os resultados são preocupantes.
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Primeiro, sobra quantidade e falta qualidade. No período analisado por Pegino, cada pesquisador publicou em média um artigo por trimestre. O mais produtivo atingiu a impressionante marca de dois por mês. Por outro lado, os pesquisadores levam em média dez anos para publicar em periódico de alta qualidade.
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Segundo, emergiu da pesquisa de campo uma prática heterodoxa de divisão do trabalho: os mais jovens (alunos de mestrados e doutorados) pesquisam e escrevem e os mais velhos (professores doutores), assinam. No período analisado, dois terços da produção científica dos pesquisadores foram gerados por orientados. Os orientadores aparecem como primeiros autores apenas em 16% dos trabalhos. Em suma, os textos científicos são produto de uma linha de montagem voltada para a geração em massa de artigos de baixo impacto e qualidade duvidosa.
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As entrevistas realizadas por Pegino com pesquisadores e alunos de doutorados revelam o funcionamento da máquina. As diretrizes de produção vêm de Brasília e são desdobradas em cada unidade industrial. Nas fábricas, os capatazes põem seus servos a trabalhar. Trechos das entrevistas revelam uma dura realidade: a pressão permanente por produção e a reação de professores e estudantes. O mercado é muito competitivo e pouco seletivo, mais importa a quantidade que a qualidade. Os mais velhos respondem como podem ao sistema, frequentemente empregando artifícios criativos para atender às metas de produção. Os mais jovens se submetem. Quem não produz é condenado ao desterro. Alguns pesquisadores se esmeram na adaptação, tirando o máximo rendimento de suas fábricas e de seus servos. Outros, sabe-se bem, se refugiam na nostalgia de tempos passados e empregam sofisticada retórica para defender sua zona de conforto. Aqui e acolá, surgem casos exóticos: alunos que parecem fazer trabalho de ghost-writer e doutorandos que orientam mestrandos.
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A tentativa de transformar a lerda e improdutiva academia tropical em máquina do conhecimento parece ter gerado uma linha de montagem cara e anacrônica, comandada (segundo palavras dos entrevistados de Pegino) por pseudopesquisadores, orientadores fantasmas, picaretas, primas-donas e cafetões acadêmicos. Um dos pesquisadores ouvidos criticou a fixação dos colegas com o acúmulo quantitativo de publicações e a dificuldade para veicular artigos em periódicos de alta qualidade: “(É) igual ao carnaval de Salvador: o cara está muito mais preocupado em quantas ele esteve [...] do que com a qualidade da mulherada que ele pegou, entendeu? [...] só que é o seguinte, meu amigo, pra pegar baranga é um minuto de conversa, pra pegar gata tem de conversar, tem de levar”. Bonito, não? Sem comentários.
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* - Administrador, professor e colunista da revista Carta Capital