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sexta-feira, 13 de setembro de 2013

Vandalismo e Black Blocs

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João Batista Damasceno*
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A palavra ‘vandalismo’ é uma das poucas que sabemos onde e quem a usou pela primeira vez. Padre Grégoire, deputado influente na Constituinte francesa e membro da Convenção, período da Revolução que antecedeu o Diretório e a ascensão de Napoleão Bonaparte, a escreveu em 1794. Nos relatórios, Grégoire estigmatizou “o vandalismo e a violência revolucionária do populacho que destrói patrimônio”. O termo foi usado correntemente depois da decapitação de Robespierre, a quem a alta burguesia dizia ser “vandalista que se infiltrou entre nós”. A comissão especial instituída para investigação dos atos de vandalismo, nominada de ‘Comissão dos Monumentos’ ou ‘Comissão de Instrução Pública’, tinha o objetivo de apurar e denunciar a “barbárie” e os “vândalos” como forças hostis. Além de apontar a violência dos revolucionários como nociva, inventariou “os prejuízos resultantes da venda de bens nacionais” pela aristocracia.
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Ninguém se propõe a fazer apologia de destruições, mas foram os comportamentos radicais, patrióticos e cívicos dos ‘sans-culottes’, trabalhadores pobres e considerados “classe perigosa” pela grande burguesia francesa, que ensejaram as transformações políticas das quais o mundo hoje se orgulha.
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O poder constituído, na defesa dos interesses que não os do povo, criminaliza os movimentos sociais. Em ‘Comentários sobre a Primeira Década de Tito Lívio’, Maquiavel escreveu que “Os que criticam as contínuas dissensões entre os aristocratas e o povo parecem desaprovar justamente as causas que asseguraram fosse conservada a liberdade de Roma, prestando mais atenção aos gritos e rumores provocados por tais dissensões do que aos seus efeitos salutares. Não querem perceber que há em todos os governos duas fontes de oposição: os interesses do povo e os da classe dominante. Todas as leis para proteger a liberdade nascem da sua desunião”.
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Criminalizar os movimentos sociais é o primeiro recurso da elite dominante. Quando a ordem jurídica não o admite, o Estado o faz ilegalmente.
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* é Doutor em Ciência Política pela UFF e juiz de Direito. Membro da Associação Juízes para a Democracia.
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Fonte: O DIA

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Professores acampam em palácio de Minas

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Protesto pacífico na residência do governador reivindica pagamento do piso nacional.
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DE BELO HORIZONTE
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Professores da rede estadual de ensino de Minas Gerais completam hoje 12 dias acampados em frente ao Palácio das Mangabeiras, residência oficial do governador Antonio Anastasia (PSDB).
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Instalados em barracas, os professores se revezam em grupos de 25 pessoas no acampamento do Sind-UTE, o sindicato dos trabalhadores em educação.
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A categoria cobra do Executivo o pagamento do piso nacional dos professores, que é de R$ 1.567 para 40 horas semanais, e a aplicação de 25% das receitas do Estado em educação, como prevê a legislação. O acampamento é pacífico e não houve nenhuma intervenção da polícia até o momento. A guarda do palácio monitora o protesto à distância, da guarita de segurança.
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As reivindicações do movimento são antigas e já resultaram na maior greve da categoria, em 2011, quando os professores pararam 112 dias. A coordenadora do Sind-UTE, Beatriz Cerqueira, diz que o setor decidiu evitar uma nova greve e montou o acampamento para manter a pauta de pé.
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O governo de Minas contesta o sindicato e diz que que paga um valor 47,4% maior do que o piso nacional, mas proporcional a 24 horas.
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O valor inclui o salário básico e os benefícios, que são chamados conjuntamente de subsídio pelo Estado. Os professores dizem que "piso não é subsídio".
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O investimento de 25% das receitas em educação é cumprido, diz o governo. O Tribunal de Contas do Estado, porém, já apontou a irregularidade do Executivo e deu prazo até 2014 para ajustes. Sobre o acampamento, o governo diz, em nota, que "reconhece e defende o direito à livre manifestação", mas que "não vê motivos" para o protesto.

segunda-feira, 24 de junho de 2013

O Brasil não é para principiantes (Tom Jobim)


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Por Lúcio Alves de Barros*
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A presidente Dilma Rousseff acaba de falar, após reunião com governadores e prefeitos das capitais, da necessária e obrigatória ação conjunta no intuito de melhorar os serviços públicos no Brasil. Finalmente, a presidente abriu um buraquinho na “caixa de pandora”. Ainda é pouco e muito pouco, mas como ela diz, “escutei as vozes da rua”. Sábia, a senhora defendeu a república e ações participativas. Tratou de deixar a coisa meio didática e delineou cinco pontos:
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(1) estabilidade fiscal (o que não é mais que a obrigação);
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(2) uma reforma política com a proposição de um plebiscito para uma Constituinte com fim exclusivo de tratar desse assunto (espero que fique por aqui mesmo. Uma PEC seria interessante também);
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(3) Recursos e ações exclusivas para o SUS (óbvio e claro como a lua cheia. A dengue e outras falácias do SUS já mostraram a necessidade de maiores investimentos neste campo);
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(4) plano para o transporte público, com o anúncio de desoneração de PIS e COFINS para o diesel e para a energia que move veículos da rede de transporte (já deveria ter feito isso antes, cumpre perguntar por que não o fez. Empresários do setor de transportes são crias políticas e mandam e desmandam no executivo);
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(5) ações para a educação com destinação de 100% dos recursos do pré-sal para o setor (só acredito vendo, pois as escolas públicas já estão um lixo há anos e esperar o pré-sal para solucionar o caos da educação pública é desejar manter o povo na ignorância em que se encontra). As propostas de escolas de tempo integral e outras práticas que ela disse são velhas e morreram com as políticas vigentes. Vamos ver.
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De todo modo, quem achou que as mobilizações não dariam em nada caiu do cavalo. Ela pode estar ganhando tempo e respondendo anseios e apelos internacionais (A Fifa tem um poder enorme). Muitas das propostas são de longo prazo e “em longo prazo o povo já morreu”.
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Neste sentido, ela pode estar esperando o cansaço da população e o remédio da violência que se alastrou pela e através da polícia no Brasil. O fato é que boa parte da população ainda permanece no espaço público e ainda se encontra indignada com os gastos da COPA (sem falar da falta de transparência) e desejam muito mais. Desejam porque podem. Desejam porque querem. Desejam porque merecem. Desejam porque o Brasil tem o que oferecer. Se nada mudar, restam as eleições. Pena que o povo tem memória curta.
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PS1: É obrigação e dever dos governadores a revelação do estrago que fizeram e ainda vão fazer no campo da segurança pública (a repressão anda solta e não por acaso falaram em golpe). Muita gente apanhou, se machucou e duas pessoas morreram nesta brincadeira de pega ladrão da polícia. É necessário que cada caso seja apurado e que o Ministério Público responsabilize os funcionários que saíram do controle.
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PS2: Não creio que as mobilizações vão parar. Também não acho que vão muito mais longe. Muitas reivindicações que tocam o judiciário e o legislativo precisam de ampla discussão. O congresso ainda está calado e poucos se atreveram a dizer algo. De duas uma: (1) ou o legislativo se escondeu entre o medo e a esperança da coisa ficar feia para o executivo ou (2) aposta no hiper poder do executivo que tende a tomar as dores e a liderar as mudanças que deveriam ter nascido no congresso.
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Detalhe: O judiciário ainda é campo minado e é uma instituição para poucos. Passou da hora de saber os rumos do mensalão e de outras falcatruas que andam paradas nos recursos daqueles que ainda teimam em furtar o país.
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*Professor da FAE / Campus BH / UEMG
 

sábado, 22 de junho de 2013

Técnicas para a fabricação de um novo engodo, quando o antigo pifa


13.06.20_Silvia Viana_Técnicas para a fabricação de um novo engodo
Por Silvia Viana.*
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Um bom começo para a reflexão que deve se seguir ao dia de ontem (e acompanhar aqueles que virão): observar atentamente a reconstrução do discurso da grande mídia. Nesse momento, é possível assistir, com nitidez cristalina e ao vivo, cada etapa da linha de produção de uma nova ideologia. E já que a mercadoria ainda não está pronta, é fundamental tomarmos nota de seus componentes para não corrermos o risco de fornecer matéria-prima.
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As anotações que se seguem são relativas à audiência da cobertura do Globo News de ontem e da quinta-feira passada; do Jornal da Record e do Jornal do SBT de ontem; e do Cidade Alerta de quinta (sim, eu ainda tenho estômago).
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O elemento central do discurso que ora se monta é a minimização dos fins em relação aos meios. Ao longo das duas horas que assisti ao GN, em momento algum foi discutida a questão do aumento das tarifas. O fundamental são os meios: o manifesto foi violento ou não, houve, ou não, negociação entre as partes, quais os trajetos e pontos ocupados, quantas pessoas aderiram etc. Essa técnica tem um foco político autoevidente: ignorar o objetivo do movimento; e outro opaco: apontar para a manifestação como um fim em si.
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Não os subestimemos, a manobra é esperta, pois reflete uma forma de fazer política que tem se tornado usual em SP: ocupar espaços públicos por ocupar, “sem bandeiras”, “por amor”, “porque a cidade é nossa” etc. Desse modo, a manifestação se assemelha a uma forma de terapia: faz bem, é gostoso, alivia frustrações etc. Ela é democrática, logo, vale por si mesma…
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Mas não mencionar o verdadeiro mérito da questão é apenas uma das técnicas de anulação da causa e, nesse momento, seria frágil, não fosse a técnica complementar de abstração dos fins: “não são só 20 centavos, não é só o transporte, não é só a copa…”. As negativas crescem até que o protesto pareça um movimento por nada.
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Por outro lado, é importante construir uma falsa positivação, também ela vaga. Uma matéria significativa foi feita na GN nesse sentido (e reprisada duas vezes): os repórteres entrevistaram pessoas aleatórias na passeata, cada qual com uma demanda diferente e nenhuma delas referente à finalidade concreta do ato: “saúde”, “educação”, “segurança” etc.
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Essa tipificação clássica e simplificadora é útil, pois, por um lado, compartimenta a política em módulos passíveis de gestão, excluindo a estrutura que as amarra; por outro, recusa soluções imediatas – por exemplo, a exigência é por educação, e não pelo aumento de 17% para os professores da rede municipal. Nesse âmbito médio, tanto a crítica sistêmica quanto a exigência do movimento se esfumam.
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Nesse tópico (abstração dos fins), cabe um comentário: assisti ontem aos dois blocos finais do Roda Viva, com os líderes do Movimento Passe Livre, sua postura foi um belo antídoto contra o que estou descrevendo: eles afirmaram que as passeatas são sim pela redução dos R$ 0,20. A partir dessa “migalha” foi possível a construção de inúmeras contradições e a recomposição de questões estruturais: dos 20 centavos ao transporte, à estrutura urbana, ao sentido do público, chegando à matriz que, hoje, o organiza: o mercado.
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Então vamos à terceira técnica no que tange aos fins. Como eu afirmei antes, a classificação da política por nichos de demanda é útil por excluir a lógica estrutural subjacente. Mas a mídia está fabricando uma amarração artificial: a “corrupção”. As palavras finais da âncora de um dos jornais do GN foram mais ou menos essas: “Encerramos, então, nossa cobertura desse dia de manifestações contra a corrupção, o superfaturamento e tudo o que está errado no país”.
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A corrupção, que também é uma abstração, aparece como fonte original de todas as mazelas e móbile principal das expressões de descontentamento. Trata-se da falsa bandeira mais útil para a grande mídia por uma razão ideológica: ninguém em sã consciência seria favorável à corrupção, trata-se de uma bandeira imune ao conflito (que é o princípio da política). Mas é útil também por ser moeda valiosa nas negociatas entre as grandes empresas de mídia e os partidos e governos.
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Por fim, a corrupção é um produto ideológico pronto. Ela aparece como um problema moral, portanto pontual, que toca apenas o poder público, e não tem relação alguma com o assim chamado “livre mercado”.
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Também nesse ponto, o Movimento Passe Livre e sua reivindicação precisa, são uma criação política extraordinária. É impossível discutir o aumento das tarifas sem nos darmos conta da origem sistêmica da corrupção: a relação, ao mesmo tempo espúria e estrutural, entre as empresas privadas (nesse caso, de transporte) e o poder público.
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Dito isso, cabe pensar o gigantismo dos meios nos discursos midiáticos. O ponto central é, evidentemente, o uso ou não da violência. Quanto a isso, foi possível acompanharmos quatro momentos discursivos claramente delimitados:
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1. “Os manifestantes são vândalos, bárbaros, imbecis e a polícia cumpriu muito bem o seu papel” (Marcante nesse momento foi aquela coisa proferida por Arnaldo Jabor, que dispensa adjetivações).
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2. “Há uma violência equivalente de ambos os lados, a polícia está despreparada para lidar com esses malditos vândalos”.
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3. A mudança no segundo discurso ocorreu ao vivo, durante a transmissão do ato de quinta-feira, em São Paulo: a tarja explicativa das imagens (não sei o nome técnico dessas tiras de engodo destilado) no GN afirmava: “briga e confusão no protesto…”. Após a divulgação da notícia de que alguns repórteres haviam sido feridos, a frase mudou: “confronto no protesto…”. Já a fala do âncora do Cidade Alerta se tornou esquizoide, oscilando entre posições irreconciliáveis contra e a favor da ação da polícia, do Estado, dos manifestantes, da violência.
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4. O quarto momento é (está sendo) a reorganização desse ponto de ruptura. Os telejornais já não podem manter o primeiro ou o segundo discursos, não apenas pela aprovação popular às manifestações, mas porque o reacionarismo anti-manifestação, que se alastrou nos últimos anos, apareceu em seu paradoxo de modo irrecusável: não é possível defender a democracia e ser contra o conflito.
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Visto que, de uns dias para cá, ficou inviável associar qualquer forma de dissenso à violência (oh! Meu direito de ir e vir…), a solução, por ora, é negar o conflito por outra via: o problema não são as manifestações, mas o momento em que elas “descambam” graças a alguns “elementos extremistas desgarrados”.
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Esses, que passaram do total de manifestantes, no primeiro momento, a parte do movimento, no segundo, tornaram-se uma exceção que deve ser prontamente eliminada. Ontem, esse argumento apareceu de modo sutil no GN através de uma interminável e repetitiva entrevista a um repórter que acompanhou os conflitos no Rio – sua visão “objetiva” dispensou o âncora de articular a mentira de forma direta.
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Já no Jornal SBT, bem menos sofisticado, a balela era escancarada, algo como: “a imensa maioria é pacifista e apenas quer se manifestar, os demais são aproveitadores que só querem fazer baderna; para esses, a força policial ainda é indispensável e deve ser enérgica”. Mais uma vez, os fins somem: uns estão lá para uma linda terapia de massa, outros para fazer baderna.
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Essa dualização ficou plasmada na transmissão ao vivo da Record. Intencionalmente ou levados por algum tipo de automatismo inconsciente, os editores dividiram a tela ao meio: de um lado, imagens dos manifestantes na avenida Paulista, em um ponto no qual já não caminhavam, pois haviam chegado a seu destino; do outro, imagens dos confrontos no Rio de Janeiro. Naquela metade, a imagem estava clara e brilhante; na outra, a iluminação vinha das fogueiras, tudo em volta era escuridão. A narração confirmava a edição (lembremo-nos: edição, pois as imagens em São Paulo eram ao vivo e as do Rio, corriam em loop): o bem e o mal, o aceitável e o inaceitável.
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Através dessa simplificação é possível a construção, não apenas de um novo discurso, mas também de uma nova pauta: o importante é a Paz!!! Os meios, então, se convertem, ainda uma vez, em objetivo e o reacionarismo se segura como pode, rearticulando os acontecimentos sob a chave-mestra da ideologia contemporânea: a segurança.
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Outra técnica para lá de esperta, pois a mídia não apenas desloca o conflito verdadeiro, como dá a pinta de ter matizado seu segundo momento discursivo (e as “desculpas” do Seu Jabor se encaixam aqui); ou seja, a noção de que há uma equivalência de forças e razões entre manifestantes e o aparato repressivo dos estados, se mantém: os policiais ainda “apenas reagem”.
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Há ainda muito a se refletir se partirmos desse material asqueroso que subitamente se tornou rico (para quem quer pensar, é claro!): o retorno de uma patriotada descabida (nada como uma ideologia basilar como a Nação para nublar o conflito); os descontentamentos específicos que ficaram de escanteio, como os reais motivos das manifestações contra a copa (o problema não é a corrupção, mas o fato de que os grandes eventos são, em si mesmos, a subtração de tudo o que ainda possa haver de público); o ponto de inflexão que foi a brutalização dos jornalistas na quinta-feira passada – e a ideia subjacente de que há os espancáveis e os não espancáveis; o uso descarado dos embates em torno das bandeiras partidárias nas manifestações; a fácil apropriação do slogan “acorda Brasil”, que poderia ter sido formulado pelo publicitário da Johnnie Walker, e por aí vai.
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Mas muito ainda pode mudar tendo em vista a despolitização, pois se há algo ilimitado é a cara-de pau de nossa mídia monopolista, bem como o poder de urgência das ruas.
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Eu acabei de escutar, no boteco aqui em frente, o Marcelo Rezende afirmando: “eu também estou nas ruas com eles”. Para que não esteja, e saiba que não está, vale a pena escutar quem importa. O atendente do boteco, um motoboy e um morador de rua, que presta serviços esporádicos para o comércio local, conversavam: “Eles estão certos, quem é pobre que sabe o que é pagar ônibus”. “Mas tem o vandalismo…”. “Eu acho que só não tem que quebrar comércio pequeno, se quebrar o Congresso vou achar ótimo”. “Não é vandalismo não, que vandalismo é quando não tem porquê”.
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* É socióloga. Artigo Publicado originalmente no site Prática Radical, em 19 de junho de 2013.
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Fonte: http://blogdaboitempo.com.br/2013/06/21/tecnicas-para-a-fabricacao-de-um-novo-engodo-quando-o-antigo-pifa/

terça-feira, 18 de junho de 2013

Sinfonia de gritos indignados


 
 
 
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Fonte: O Tempo (MG)
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Lúcio Alves de Barros*
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Os protestos que ocorreram em muitas cidades e capitais do Brasil não podem ser entendidos como acontecimentos espontâneos. Não existem mobilizações sociais nascidas do nada. Elas são produto de histórias e configurações múltiplas que marcaram os indivíduos que antes permeavam o tecido social.
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Os movimentos tiveram início logo na parte da manhã. Jovens, adultos, mulheres, homens e crianças paulatinamente foram se reunindo em locais “estratégicos” das cidades. São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Belém, Porto Alegre, Curitiba e Salvador foram algumas das cidades que receberam milhares de pessoas que resolveram reivindicar por tudo e por nada ao mesmo tempo e agora.
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O movimento já vinha tomando corpo tanto em Porto Alegre como em São Paulo. Nestas cidades, principalmente a última, o movimento já vinha tomado proporções já esperadas, mas que não foram democraticamente aceitas. A polícia de lá reprimiu com força os manifestantes e acabou sobrando para muitos que foram parar em hospitais, páginas de jornais e nas redes sociais com marcas que ficarão por um bom tempo na memória.
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O grito dos muitos em São Paulo acordou outros os quais indignados organizaram e saíram às ruas no dia 17 de maio que inegavelmente ficará na história deste país. Os meios de comunicação oscilaram entre o apoio e a denúncia. A polícia, batendo cabeça em tempos de polícia comunitária, direitos humanos e respeito ao paisano, atuou à deriva e desproporcionalmente se refugiou na violência em detrimento do tão propalado uso da força física comedida. Em Porto Alegre e em Belo Horizonte a brutalidade correu solta. O Rio de Janeiro foi marcado por um início cordial e terminou no vandalismo puro e simples de alguns. Em Brasília o povo resolveu ocupar, mas não destruir. Interessante nossa jovem democracia, balança, mas não cai. De todo modo, a sinfonia de gritos quer dizer alguma coisa. Aposto em algumas:
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É claro o mal-estar da população. A insatisfação com a categoria política composta por autoridades que dormem há anos no poder é manifesta. Um vazio político aponta para o descrédito da representatividade que invade a alma da população descontente com os rumos do transporte público, da educação, da saúde, da política, da justiça, da economia e da segurança pública. Estas são algumas das reivindicações reveladas em cartazes, narrativas e faixas carregadas por vários manifestantes. É bom esperar que vereadores, prefeitos, deputados, senadores e governadores saibam ler.
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Não é possível subestimar o poder das redes sociais. No Brasil, onde a TV demorou a chegar, o celular e outros instrumentos eletrônicos tornaram-se moeda corrente e a internet já caiu nas graças da juventude desde a década de 1990. Entre curtidas, textos e imagens sem fim um acordo tácito foi forjado. Bastou em seguida um convite, a marcação do horário e o pedido de presença para que pelo menos as pessoas fossem às ruas em apoio às reivindicações. Trata-se de um movimento sem cor, cheiro, raízes partidárias e credo religioso. Já por aí ele merece o maior cuidado e respeito. Sem lideranças, mas com reivindicações as pessoas se uniram ao vivo e ao mesmo tempo se organizaram em três ou quatro lugares. Em determinados localidades a polícia agiu com perfeição esperando os ânimos se acalmarem. Em outros tanto a polícia como os manifestantes caminharam rápido para o desespero, o medo, a brutalidade e a crueldade.
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Toda mobilização é simbólica e como tal resulta em ações esperadas e não esperadas. Tenho sérias dúvidas de que alguém poderia esperar aquela multidão que tomou as ruas do Rio de Janeiro, de Brasília, Belo Horizonte, Belém e Salvador. Dificilmente se esperava tanta gente. Muito menos a ação da polícia em Porto Alegre. Ao contrário do que se pensa, não é muito bom mobilizações sem lideranças ou instituições que possam responder por elas. Na perda do controle o movimento social não sabe para onde ir e raramente não resulta em vandalismo, quebradeira, muita gente machucada e morte. A inexistência de uma liderança clara pode, por outro lado, levar mais pessoas às ruas, principalmente diante do estado da arte que revela nossa categoria política. Se a Copa das Confederações e o aumento abusivo das passagens do transporte público foram os sinais para que aflorassem a indignação é possível esperar mais pessoas nas ruas. Os gastos para o empreendimento internacional foram vergonhosos. Sem o mínimo de transparência governos aumentaram as passagens urbanas (que estão abaixando). Dois acontecimentos e muitos tapas na cara da população que indignada gritou. Toda ação irresponsável tem início, meios e fim. O começo todos sabem como é, o final é inesperado e para poucos.
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Finalmente, foi louvável a fala da presidente Dilma Rousseff que rapidamente resgatou e deu legitimidade às mobilizações. Ela tem falado que prefere o grito das ruas que o silêncio dos porões. Obviamente, ela sabe da importância e da envergadura de atos coletivos que clamam por direitos há muito vandalizados pelo próprio governo. Por outro lado, os governadores não parecem tão preparados como a presidente. Vaiada ela se encolheu. Diante dos holofotes, os donos da polícia, especialmente a militar, gritaram alto. Exigiram ordem. Bateram em adolescentes e demoraram a negociar limites e possibilidades de ordem e paz. Em Belo Horizonte, por exemplo, em plena negociação foram utilizadas balas de borracha, bombas de “efeito moral”, cassetetes e a Polícia Militar não descansou. Um jovem (Gustavo Magalhães Justino, de 19 anos) caiu de um viaduto quando corria das bombas. Quando avisada, a polícia cidadã foi clara: “não tava rezando não”, “ tava na confusão”.
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*Professor da FAE (Faculdade de Educação) - Campus BH / UEMG
 

quinta-feira, 13 de junho de 2013

Protestos: Por que esses vândalos não sofrem em silêncio?

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Leonardo Sakamoto*
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Alguém acha que a realidade vai mudar apenas com protestos on line ou cartas enviadas ao administrador público de plantão? Ou que a natureza de uma ocupação de terra, de uma retomada de um território indígena ou de uma manifestação urbana não pressupõe um incômodo a uma parcela da sociedade?
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Fiquei bege ao ler propostas de que manifestações populares em São Paulo passem a ser realizadas no Parque do Ibirapuera ou no Sambódromo. Pelo amor das divindades da mitologia cristã, o pessoal só pode estar de brincadeira! Desculpe quem tem nojo de gente, mas protesto tem que mexer mesmo com a sociedade, senão não é protesto. Vira desfile de blocos de descontentes, que nunca serão atendidos em suas reivindicações porque deixam de existir simbolicamente. “Quesito: Importância social. Sindicato dos Bancários, nota 10. Movimento Passe Livre, nota 10. Movimento Cansei, nota 6,5.”
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Parar a cidade, inverter o campo, subverter a realidade. Ninguém faz isso para causar sofrimento aos outros (“ah, mas tem as ambulâncias que ficam presas no trânsito” – faça-me um favor e encontre um argumento decente, plis), mas para se fazer notado, criar um incômodo que será resolvido a partir do momento em que o poder público resolver levar a sério a questão.
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Ser pacifista não significa morrer em silêncio, em paz, de fome ou baioneta. A desobediência civil professada por Gandhi é uma saída, mas não a única e nem cabe em todas as situações.
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Rascunhei em outro texto essas ideias, mas decidi dar prosseguimento a elas depois de ler os comentários de um post que fiz, na semana passada, sobre os protestos contra o aumento das passagens em São Paulo. É trágico como milhares de pessoas não entendem o que está acontecendo e, tomando uma pequena parte pelo todo, resumem tudo a “vandalismo”. Não defendo destruição de equipamentos públicos, por considerar contraproducente ao próprio movimento, pela escassez de recursos públicos, por outras razões que já listei aqui antes. Mas é impossível para os organizadores de uma manifestação controlarem tudo o que acontece, ainda mais quando – não raro – é a polícia que ataca primeiro.
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E, acima de tudo, não compactuo com uma vida bovina, de apanhar por anos do Estado, em todos os sentidos e, ainda por cima, dar a outra face, engolindo as insatisfações junto com cerveja e amendoim no sofá da sala. Muitos detestam sem-terra, sem-teto e povos indígenas. Abominam a ideia de que o direito à propriedade privada e ao desenvolvimento econômico não são absolutos. Mas os direitos humanos são interdependentes, indivisíveis e complementares. O que é mais importante? Direito à propriedade ou à moradia? Não passar fome, locomover-se livremente ou desfrutar da liberdade de expressão? Todos são iguais, nenhum é mais importante que o outro. Intelectuais que pregam o contrário precisam voltar para o banco da escola.
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E direitos servem para garantir a dignidade das pessoas, caso contrário, não são nada além de palavras bonitas em um documento quarentão.
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Leio reclamações da violência das ocupações de terras – “um estupro à legalidade” – feitas por uma legião de pés-descalços empunhando armas de destruição em massa, como enxadas, foices e facões. Ou contra povos indígenas, cansados de passar fome e frio, reivindicando territórios que historicamente foram deles, na maioria das vezes com flechas, enxadas e paciência.  Ou ainda manifestantes que exigem o direito de ir e vir, tolhido pelo preço alto do transporte coletivo, e que resolvem ir às ruas para mostrar sua indignação e pressionar para que o poder público recue de decisões que desconsideram a dignidade da população. Todos eles são uns vândalos.
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Por que essa gente simplesmente não sofre em silêncio, né?
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Caro amigo e cara amiga jornalistas, falo com todas as letras: não existe observador independente. Você vai influenciar a realidade e ser influenciado por ela. E vai tomar partido e, se for honesto, deixará isso claro ao leitor. Sei que há colegas de profissão que discordam, que dizem ser necessário buscar uma pretensa imparcialidade, mas isso é só metade da história. Deve se buscar ouvir com decência todos os lados de um fato para reconstruí-lo da melhor maneira possível. Afirmar que existe isenção em uma cobertura jornalística de um conflito, contudo, só seria possível se nos despíssemos de toda a humanidade.
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Isso sem contar que tentar manter-se alheio a reivindicações justas é, não raro, apoiar a manutenção de um status quo de desigualdade e injustiça. Coisa que, por medo, preguiça, vontade de agradar alguém ou pseudo-reconhecimento de classe, a gente faz muito bem.
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Manifestações populares e ocupações de terra e de imóveis vazios significam que os pequenos podem, sim, vencer os grandes. E os rotos e rasgados são capazes de sobrepujar ricos e poderosos. Por isso, o desespero inconsciente presente em muitas reclamações sobre a violência inerente ou involuntária desses atos.
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Muitas das leis desrespeitadas em protestos e ocupações de terra não foram criadas pelos que sofrem em decorrência de injustiça social, mas sim por aqueles que estão na raiz do problema e defendem regras para que tudo fique como está. Você pode fazer o omelete que quiser, mas se quebrar os ovos vai preso.
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Enquanto isso, mais um indígena foi emboscado e morto a tiros no Mato Grosso do Sul. Mas tudo bem. Devia ser apenas mais um vândalo, não um homem de bem.
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* - é jornalista e doutor em Ciência Política. Cobriu conflitos armados e o desrespeito aos direitos humanos em Timor Leste, Angola e no Paquistão. Professor de Jornalismo na PUC-SP, é coordenador da ONG Repórter Brasil e seu representante na Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo.
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sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Indignar-se: redescobrindo a via para a identidade humana

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Por Maria Clara Bingemer
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Em todas as partes do mundo cresce na sociedade um movimento: o dos indignados. Saindo às ruas, ao espaço público, em protesto contra injustiças que decidiram não mais tolerar, os indignados protestam com palavras, gestos, atitudes. Pretendem com isto chamar a atenção da sociedade e, sobretudo de seus dirigentes.
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O que move esses grupos que enchem as ruas? O que move essas pessoas que não são bandidos, nem arruaceiros, mas sim cidadãos corretos, que trabalham e pagam seus impostos? Qual o motor de sua cólera, de sua indignação?
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Indignação quer dizer cólera ou desprezo experimentado diante de uma indignidade, ou injustiça, afronta. É repulsa e revolta diante daquilo que fere valores básicos, direitos e princípios que regem a vida dos seres humanos.Ela pode ser meramente uma defesa de interesses privados, domésticos e individuais. Diante de coisas que dizem respeito exclusivamente à própria pessoa, à família ou ao círculo dos mais próximos. Ou ainda o círculo mais largo da empresa, do partido político, ou até da agremiação esportiva. Tudo aquilo que freia, desvia, prejudica os interesses do grupo ou do clã suscita indignação que pode derivar em ações legais, judiciais, etc. Atingir os interesses do grupo suscita imediatamente a reação corporativa e indignada de seus membros.
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Sem querer minimizar ou mesmo demonizar este tipo de indignação, é necessário constatar, no entanto, que ela toma a defesa de interesses particulares não universalizáveis. E pode inclusive tomar o aspecto de autodefesa de privilégios, como a defesa a qualquer preço ou custo de um estilo de vida confortável, protestando por isto contra propostas mais sociais; que beneficiem um leque mais amplo de pessoas e grupos. Assim também a indignação contra certas medidas de maior transparência pelo fato de que podem pôr a nu ou denunciar atitudes escusas de determinadas pessoas ou grupos a quem não interessa que a verdade venha à tona. O protesto gerado por este tipo de indignação não visa então prioritariamente o estabelecimento de valores ou do bem comum.
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A indignação que hoje vemos ganhar as ruas parece fundar-se, no entanto, sobre razões não tanto formais, e certamente mais radicais do que aquelas cometidas contra as regras da equidade a nível pessoal ou intra-grupal. Trata-se de uma indignação propriamente ética, que se levanta em nome da proteção ou da defesa do ser mesmo das pessoas, de sua integridade física e moral.
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Complexa e densa, essa indignação pode inclusive ir de encontro ao direito positivo e conduzir, em conseqüência, à resistência cidadã. Este tipo de indignação se refere, então, a valores reconhecidos como fundamentais e não negociáveis, como por exemplo, aqueles expressos na Declaração dos Direitos Humanos que, ainda que longe de ser perfeitos, representam uma conquista inalienável da humanidade sobre razões universais ou ao menos universalizáveis.
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A indignação ética apresenta características que ultrapassam as fronteiras dos interesses próprios e pessoais e corporativistas. E mais: não se fundam no negativo nem na exclusão de inimigos ou de quem quer que seja. Estes, ao contrário, são incluídos nos benefícios dos valores que os atos de indignação ética pretendem promover. E mesmo os tiranos comprovadamente sanguinários, quando vencidos no bojo de atos que se iniciaram com uma atitude de indignação ética têm direito a um julgamento e a um procedimento judiciário com tudo que isso implica.
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Parece-me que o que assistimos hoje em várias partes do mundo se encaixa neste segundo caso de indignação. Desde os protestos dos estudantes no Chile exigindo mais verbas para educação; passando pelos espanhóis que enfrentam 20% de desemprego, num processo de deterioração social que pode espalhar-se qual doença contagiosa por todo o continente europeu e por todo o mundo; até Nova York, onde o movimento “Occupy Wall Street”denuncia publicamente um sistema financeiro que sugou os recursos de muitas nações e gerações e agora dá sinais de exaustão.
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No Brasil, o movimento contra a corrupção ainda mostra números tímidos de adesões, se comparado com o que ocorre em outras latitudes. Entretanto, o mero fato de que exista e haja começado já é uma esperança. Perder a capacidade de indignar-se é o pior que pode acontecer a uma pessoa, pois a desumaniza e debilita naquilo que tem de mais nobre e mais fundamental: sua liberdade. Indignar-se pode ser o novo caminho que a humanidade vai encontrando para gritar bem alto sua dignidade de seres humanos, feitos para a vida em plenitude.
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Maria Clara Bingemer - escritora e teóloga