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terça-feira, 1 de julho de 2014

Concepção de infância: o que mudou?

Silvio Profirio da Silva*
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O objeto de reflexão deste artigo são as modificações ocorridas na concepção de infância. Fazemos aqui um apanhado das principais concepções teóricas do que vem a ser infância, recorrendo para isso aos pressupostos teóricos trazidos por Dahlberg et al. (2003) e Kramer (2003). Objetivamos, desse modo, contrapor duas posturas antagônicas de conceituações sobre a infância. Uma, tradicionalista, concebia a criança como um ser homogêneo e passivo, que simplesmente reproduzia práticas presentes na sua realidade circundante. Outra, contemporânea, concebe a criança como um sujeito heterogêneo e ativo/atuante, ou melhor, como um ator e construtor social, como postulam os autores citados.
 
Nos dias de hoje, a temática da concepção de infância é objeto de debate de uma gama de pesquisadores provenientes de distintos campos de investigação. Pesquisadores advindos da Pedagogia, da Psicologia e da Sociologia aderem a essa temática adotando diversos enfoques e perspectivas, como: a) uma perspectiva histórica das concepções de infância e seus efeitos no tratamento dado à criança ao longo dos anos; b) uma perspectiva documental, mais especificamente a concepção de infância e seus reflexos nos documentos oficiais e propostas curriculares; c) uma perspectiva educacional, mais precisamente a concepção de infância e seus reflexos nas práticas pedagógicas, isto é, a forma como os profissionais da educação concebem a infância e como tal noção influi no seu fazer pedagógico. Há, portanto, vasta linha temática que predomina nos trabalhos acadêmicos acerca da infância.
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Os aportes teóricos trazidos por Dahlberg et al. (2003) mostram inicialmente uma concepção de infância ancorada na centralidade, por intermédio da qual a criança é vista como um ser unificado, estando dissociada do campo social. Dito de outro modo: os elos e os vínculos traçados entre a criança e o campo social não influem na sua constituição como sujeito. É desconsiderada, dessa maneira, a forma como os aspectos socioculturais influenciam o desenvolvimento da criança.
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Kramer (2003), em seus postulados, faz uma bem-sucedida abordagem das noções de infância surgidas ao longo dos anos. Abordaremos aqui duas delas: a concepção de infância homogênea e/ou a-histórica e a concepção de infância heterogênea e/ou histórica. Neste primeiro momento, colocamos em pauta a concepção de infância ancorada na homogeneidade, isto é, a-histórica. Essa concepção está em consonância com a noção de infância pautada na centralidade trazida por Dahlberg et al. (2003). Mesmo que tenham nomenclaturas distintas, ambas postulam a igualdade como aspecto que marca todas as crianças. O que erradica, nesse sentido, as distinções e as singularidades entre elas.
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Ampliando a discussão acerca da noção de infância, Dahlberg et al. (2003) trazem a concepção de criança como reprodutor de conhecimento, identidade e cultura. Tal concepção parte do pressuposto de que a criança consiste em um ser desprovido de conteúdos, ou seja, “uma tábula rasa”, como salientam os autores. Nesse viés, a criança simplesmente irá receber e, em especial, reproduzir conteúdos, conhecimentos e valores culturais advindos das práticas sociais. A criança, nessa perspectiva, é um ser passivo que vai receber e reproduzir mecanicamente os padrões culturais estabelecidos pela sociedade.
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As concepções postas até aqui são de caráter tradicional e/ou tradicionalista, na medida em que preconizam uma concepção de infância monolítica e universal, não atentando para as implicações dos fatores sociais e culturais para o desenvolvimento da criança (em seus múltiplos e diversificados aspectos). A perspectiva tradicional reflete-se ainda no fato de tais concepções defenderem a recepção e reprodução daquilo que é ditado pela sociedade. Nos anos 1980, as discussões acadêmicas atinentes à infância foram colocadas em pauta por diversos campos de investigação, proliferando-se de maneira considerável. Consoante Dahlberg et al. (2003), essa disseminação de postulados acerca da infância advém de distintos campos de estudos – Filosofia, Pedagogia, Psicologia (destacando-se a Psicologia do Desenvolvimento) e Sociologia (com destaque para a Sociologia da Infância). Esses campos de investigação ensejam a produção de novos paradigmas, dentre os quais destacamos aqui uma nova concepção de infância. Os referenciais teóricos trazidos por Dahlberg et al. (2003) mostram também uma concepção de infância pautada na descentralização. Isso significa dizer que a constituição da criança como sujeito está diretamente atrelada ao âmbito sociocultural. A infância é, diante dessa perspectiva, um construto social. No dizer dos autores,
a infância, como construção social, é sempre contextualizada em relação ao tempo, ao local e à cultura, variando segundo a classe, o gênero e outras condições socioeconômicas. Por isso, não há uma infância natural nem universal, nem uma criança natural ou universal, mas muitas infâncias e crianças (DAHLBERG et al., 2003, p. 71).
Essa concepção descentralizada vai ao encontro da segunda noção de infância, postulada por Kramer (2003). Referimo-nos, nesse ponto, à concepção de infância heterogênea e/ou histórica. A constituição da criança como sujeito, nesse viés, está intrinsecamente ligada aos múltiplos e diversificados contextos sociais, rompendo desse modo com a visão monolítica de infância e de criança.
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Aprofundando mais uma vez o debate acerca da noção de infância, Dahlberg et al. (2003) trazem à tona a concepção de criança como co-construtor de conhecimento, identidade e cultura. A criança é, aqui, tida como um ator social que age e participa ativamente da construção social do seu conhecimento. Ela, nesse viés, dá sentido e elabora significados para suas experiências socioculturais, em vez de simplesmente reproduzir as práticas já estabelecidas. Nessa perspectiva, a infância consiste em um construto social marcado pela singularidade e pelos elos/vínculos traçados entre a criança e o seu campo social.
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Estas últimas concepções de infância e de criança aqui postas refletem uma perspectiva contemporânea, na medida em que partem do pressuposto de que a criança é ser singular/único, autônomo e ativo. Essa guinada na concepção de infância é algo resultante dos postulados de diversas ciências (leiam-se Filosofia, Pedagogia, Psicologia e Sociologia). Os paradigmas produzidos por esses campos de estudos são complementares, visto que corroboram para a efetivação da atual concepção de infância como construção social – momento marcado pela singularidade – e da atual concepção de criança como ator social, como propõem Dahlberg et al. (2003).
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Referências
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DAHLBERG, G.; MOSS, P.; PENCE, A. Construindo a primeira infância: o que achamos que isso seja? In:DAHLBERG, G.; MOSS, P.; PENCE, A. Qualidade na educação da primeira infância: perspectivas pós-modernas. Trad. Magda França Lopes. Porto Alegre: Artmed, 2003.
 
KRAMER, S. Infância e sociedade: o conceito de infância. In: KRAMER, S. A política do pré-escolar escolar no Brasil: a arte do disfarce. São Paulo: Cortez, 2003.
Publicado em 01 de julho de 2014.
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*Auxiliar de Desenvolvimento Infantil na Secretaria de Educação, Esportes e Lazer da Prefeitura da Cidade do Recife.
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quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Para (ou contra) o Dia das Crianças

por Contardo Calligaris*
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Na semana retrasada, em Buenos Aires, uma criança de seis anos foi autorizada a mudar de nome e de gênero no registro de identidade argentino. Ela tinha nascido menino, Manuel, e declarava ser menina e princesa desde os 18 meses. A criança passa a se chamar agora Luana, nome que ela já tinha escolhido dois anos atrás.
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Ela se vestirá de menina, brincará com as meninas e, na escola, frequentará o banheiro feminino. Esse detalhe não é irônico: pouco tempo atrás, nos EUA, uma criança transgênero da mesma idade de Luana, Coy Mathis, teve que recorrer à Justiça para obter o direito de frequentar o banheiro feminino de sua escola.
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Simpatizo com os juízes norte-americanos e argentinos, porque sua decisão não foi fácil. Simpatizo ainda mais com os pais de Luana, de Coy e de todas as crianças pequenas que hoje são reconhecidas como transgênero.
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Imagino o drama dos pais. Eles podem 1) proibir e coagir para tentar estancar a identificação com o outro sexo, 2) permitir e deixar a coisa se desenvolver sem vaiar e sem aplaudir ou, ainda, 3) tomar as dores de suas crianças e defender o direito de elas mudarem de gênero. Qual é a escolha certa?
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Concordando ou não com a escolha dos pais de Luana e Coy, para apreciar sua coragem, basta se lembrar de que poucas décadas atrás ainda se prendia a mão esquerda atrás das costas das crianças canhotas na hora de elas aprenderem a escrever. Qual será o próximo passo desses pais? Em tese, tentarão contrariar a puberdade administrando à filha o hormônio feminino que ela não produz. Mesmo assim, o corpo de Luana e Coy se tornará mais masculino do que elas esperam, e chegará a hora de recorrer à cirurgia estética e, por exemplo, implantar seios e depilar o corpo inteiro a laser. Quando?
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Um recente artigo de Margaret Talbot, numa "New Yorker" deste ano (http://migre.me/giGK1), conta a história de Skylar, criança transgênero de menina para menino, que começou a testosterona e removeu os seios aos 16 anos. Talbot também mostra que, sobretudo nos EUA, cresce fortemente o número de crianças pequenas que pedem para mudar de gênero.
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Ora, a diferença de gênero é muito menos binária do que estamos acostumados a pensar, e acredito mesmo que haja espaço para um terceiro e um quarto gênero. Mas acho sintomática a diminuição progressiva da idade das crianças consideradas transgênero. Sintomática de quê?
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Para autorizar uma mudança de sexo, psicólogos e psiquiatras recorrem a critérios sobre os quais é inevitável que se discuta até não poder mais. Mas, de qualquer forma, sejam quais forem os critérios, alguém acha que possamos aplicá-los em crianças de seis anos?
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O que significa que um menino, aos dois anos, declare que ele é menina ou princesa? Mesmo que ele não desista nunca dessa ideia, ainda assim ele tem vários destinos possíveis. Talvez, no futuro, ele acorde a cada dia num corpo que lhe repugna, e sua vida só se resolva se ele se transformar concretamente em mulher. Mas uma outra possibilidade (de novo, entre várias) é que, no futuro e durante a vida inteira, ele esconda sua feminilidade e faça dela uma grande fantasia erótica.
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A segunda via não é a repressão da primeira: é outra aventura, totalmente. Quem decidirá, diante de uma criança de seis anos, se ela é candidata à primeira ou a segunda via? Ou a outra via ainda?
É preciso idealizar loucamente a infância para incentivar ou satisfazer o desejo de mudar de gênero manifestado por uma criança de seis anos.
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Pouco tempo atrás, a uma criança que dissesse suas vontades, só se respondia "cresça e depois a gente conversa". De repente, hoje, parece que o próprio fato de uma criança falar seja garantia da qualidade ("verídica") do desejo que ela expressa (talvez por isso, aliás, não saibamos mais o que fazer quando as crianças dizem que preferem dormir tarde, estudar outro dia etc.). Será que nos esquecemos de que uma criança inventa, finge, mente, que nem gente grande, se não mais?
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Sábado é Dia da Criança. Ótimo --que seja um dia em que as crianças possam fazer uma ou outra besteira que lhes der na telha e em que os adultos gastem um dinheiro em presentinhos.
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Mas péssimo se o Dia das Crianças for a celebração canônica da infância, que é um ídolo moderno especialmente perigoso. Perigoso? Sim. Espero que não seja o caso de Luana e de Coy, mas as primeiras vítimas de nossa idealização da infância são sempre as próprias crianças.
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*é psicanalista, doutor em psicologia clínica e escritor. Ensinou Estudos Culturais na New School de NY e foi professor de antropologia médica na Universidade da Califórnia em Berkeley. Reflete sobre cultura, modernidade e as aventuras do espírito contemporâneo (patológicas e ordinárias). Escreve às quintas na versão impressa de "Ilustrada".
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Fonte: Folha de São Paulo

terça-feira, 27 de agosto de 2013

A criança e a infância

Por Rosely Sayão*
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"Não basta ser criança para ter infância." Essa frase contundente está presente no documentário "A Invenção da Infância" (disponível na internet) dirigido por Liliana Sulzbach, que propõe uma reflexão sobre os estilos de vida de nossas crianças no mundo atual. É uma frase que persegue meus pensamentos, conduz o meu trabalho e que, no último sábado, me fez pensar muito.
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É que no dia 24 de agosto comemorou-se o Dia da Infância. Grandes reportagens a esse respeito nos veículos de comunicação ou mesmo pequenas notas lembrando a data, por acaso apareceram? De um modo geral, pouco vimos a esse respeito. A lembrança da existência dessa data parece ter ficado restrita aos grupos que, de maneira direta ou indireta, trabalham com e/ou para crianças. Faz sentido esse silêncio da sociedade a respeito de uma data que, aliás, não deve ser considerada comemorativa. A infância está desaparecendo e temos contribuído de modo expressivo para isso. Como temos feito isso?
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Para começar a pensar, temos de considerar que ser criança é um fato biológico, mas o modo como ela vive essa etapa da vida, que vai até a adolescência, depende de múltiplos e complexos fatores, entre eles o modo social de pensar a criança. É aí que entramos. De um modo geral, cada vez mais a criança, notadamente a que pertence à família de classe média, tem sido tratada como um ser que precisa ser preparado para o futuro. Há algumas décadas, passamos a acreditar que quanto mais precocemente a criança for engajada em situações de estudos formais, maiores as chances ela terá de êxito no futuro.
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Já temos inúmeros estudos e pesquisas que comprovam que iniciar o contato com o conhecimento sistematizado mais cedo não contribui no aprendizado que deve ocorrer a partir dos sete anos. Por isso, tudo o que conseguimos ao fazer isso é deixar de ver a criança em seu presente, ou seja, a vemos muito mais como um ser que, um dia, será alguém. Também temos deixado a criança cada vez mais tempo na escola. As três ou quatro horas iniciais se transformaram, progressivamente, em cinco, seis, oito, dez e até 12 horas de permanência no espaço escolar! Se considerarmos que ir para a escola é o trabalho da criança, elas têm trabalhado demais, à semelhança de seus pais, os adultos.
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Temos entendido que o tempo de permanência na escola é uma necessidade social já que os pais têm se dedicado muito à vida profissional. Conheço profissionais que trabalham muito além da jornada e justificam o excesso como necessário para dar conta da responsabilidade profissional. E a pessoal, com os filhos, onde temos colocado tal responsabilidade?
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Crianças têm se alimentado como adultos que se alimentam mal. E, como estes, têm enfrentado doenças por causa disso. Esse fato não ocorre por falta de informação dos responsáveis pelas crianças e sim pela falta de paciência e dos cuidados necessários que elas necessitam. Ah, mas elas pedem, exigem até, as porcarias ofertadas insistentemente e disponíveis em todos os cantos. Sim, mas por isso vamos permitir que fiquem escravas de seus impulsos e que consumam como adultos?
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Abordei dois pontos apenas de nossa contribuição direta para o fim da infância. Há muitos outros. Por isso, todo dia deveríamos fazer essa reflexão: queremos que nossas crianças tenham infância, ou já consideramos esse conceito obsoleto?
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*Rosely Sayão, psicóloga e consultora em educação, fala sobre as principais dificuldades vividas pela família e pela escola no ato de educar e dialoga sobre o dia-a-dia dessa relação. Escreve às terças na versão impressa de "Cotidiano".

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

O fim da infância?

Contardo Calligaris*
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Quando as notícias comunicam o número de mortos e feridos num atentado, numa catástrofe ou numa chacina, nunca falta o número de crianças. Podemos não saber se morreram mais homens ou mulheres, mas, se houve crianças entre as vítimas, seremos informados. E, das imagens que a reportagem nos mostrará, a mais tocante será a de um pai ou de uma mãe, carregando o corpo inerte do filho ou da filha.
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Menos de dois séculos atrás, a frase "houve 12 vítimas, entre as quais quatro crianças" produziria provavelmente um pequeno alívio, como se a perda das crianças fosse menos deplorável do que a dos adultos. Hoje, é o inverso. Da mesma forma, hoje, se a imprensa escrevesse que houve, entre as vítimas, cinco idosos, reagiríamos pensando que é uma pena, claro, mas, menos mal: eles já estavam de saída. Ora, um hipotético leitor de dois séculos atrás pensaria que os idosos são a perda irreparável: afinal, uma criança, ninguém sabe no que ela vai dar, enquanto um idoso é patrimônio consolidado. Num incêndio, você prefere que queime um caderno quase virgem ou o outro, no qual você anota seu diário há décadas?
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A mostra "The Century of the Child" (o século da criança), no Museum of Modern Art, de Nova York, fechou em 5 de novembro. Mas o catálogo (com o mesmo título, publicado pelo próprio museu) é melhor que a mostra: os documentos que foram expostos são todos reproduzidos e acompanhados por uma coletânea de ensaios excelentes.
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A tese geral é que, de 1900 a 2000, foi inventado e construído um mundo especificamente destinado às crianças e a suas necessidades presumidas, na sala de aula e na casa, na hora de aprender, de brincar e de se divertir. Ao longo desse século, as crianças deixaram de ser consideradas como adultos em miniatura ou incompletos para se tornar uma espécie autônoma e, supostamente, melhor do que a nossa - em tese, sem as más influências dos adultos, elas poderiam ser geniais, inocentes e puras como o bom selvagem.
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Pouco importa se perguntar o que é realmente uma criança e de qual barbárie ela seria capaz sem a ajuda dos adultos. A invenção da especificidade da infância não diz nada sobre as crianças em si, mas revela algo sobre os adultos. Pois essas crianças, tão diferentes de nós, encarnam o que gostaríamos de ser. Dois exemplos.
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1) O quarto de criança de classe média (o habitat infantil idealizado) é dominado pela estética do fofo. Os adultos se livram do desconforto da arte e das incertezas do gosto para "apreciar' sem culpa patinhos de madeira, bonecos, florzinhas e estrelinhas no teto. Eles também se livram da história: nenhum móvel e nenhum objeto antigos (a higiene é a desculpa). Com esse interior atemporal, de conto de fada, o adulto moderno, atormentado por um irremediável desamparo existencial (falta de pátria, de classe, de tradição, se não de família), inventa, para a criança, a caricatura do amparo que ele deseja para si.
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2) Quase no meio do século da criança, em 1938, Johan Huizinga publicou "Homo Ludens" (o homem que joga - ed. Perspectiva) --o clássico, que, como se sabe, situa o jogo como atividade humana por excelência. Vale a pena lê-lo ou relê-lo pelo prazer, e também para entender quanto e como a proposta de Huizinga foi, por assim dizer, extraviada --resultando numa massa de escritos em favor do divertimento, do ócio, das férias, do brincar e do infantil como atividades muito mais humanas, produtivas e interessantes do que o trabalho, a concentração, a reflexão e a maturidade.
Entende-se que crescer tenha se tornado difícil para as crianças, pois elas não podem parar de brincar, ou seja, de encenar a "virtude" do jogo, que nós, supostamente, perdemos.
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No começo do catálogo que citei, Juliet Kinchin, curadora, escreve: "Falando solenemente para a câmera em 1995, como parte do documentário ficcionalizado 'Children´s Video Collective', um menino faz a predição seguinte: 'No futuro, as crianças não existirão mais. Minha geração é provavelmente a última geração de crianças. Ou melhor, a última geração a ter a experiência da infância. Isso não significa necessariamente que chegou o momento de guardar as coisas da infância. Ao contrário, isso pode significar que o uso das coisas da infância talvez acabe sendo prolongado indefinidamente, até a morte'".
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Ou seja, a infância não vai acabar, mas os adultos já estão em extinção.
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*Contardo Calligaris é psicanalista, doutor em psicologia clínica e escritor.
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Fonte: Fiolha de São Paulo (06/12/2012)

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

4 anos estão fora da escola no Brasil

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Somente 30,8% das crianças brasileiras de zero a 4 anos frequentam Creches ou Pré-Escola. Em Curitiba, o número de meninos e meninas nessa faixa etária é de cerca de 222 mil, mas 65,3% deles estão fora da sala de aula. Os números são da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), publicada em setembro pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
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O atraso na área fica evidente quando o Brasil é comparado com nações desenvolvidas. Entre os países membros da Organização para a Cooperação e o Desen¬vol¬vimento Econômico (OCDE), em sua maioria europeus, a porcentagem de crianças com 4 anos na Pré-Escola é de 81%. Considerando apenas essa idade, o índice brasileiro não passa de 55%, segundo a própria OCDE.
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Arquivo de família. Filho em casa exige rotina organizada - Silvia Francieli de Assis Martins, 30 anos, optou por não matricular o filho Artur, de 1 ano e 4 meses (foto), em uma escola de Educação Infantil. Ela e o marido fizeram uma programação financeira que lhe permitisse não trabalhar fora durante os primeiros anos de vida do menino. Silvia presta consultoria na área de segurança do trabalho, e exerce suas atividades profissionais de dentro da própria casa. “Ele é pequeno demais para deixá-lo numa creche, onde talvez não lhe deem a devida atenção, e onde as salas, muitas vezes, ficam lotadas”, justifica Silvia. Sobre os estímulos pedagógicos necessários, ela afirma organizar a rotina de Artur com brincadeiras, passeios diários ao ar livre, pintura e natação, duas vezes por semana.
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Uma nova atitude após a escolinha - A professora Raquel Terezinha Zanon Belniaki, 36 anos, só tem elogios para a creche em que a filha Valentina, de 3 anos (foto), está matriculada. Residente em Araucária, na Região Metropolitana de Curitiba, Valentina frequenta desde os 2 anos de idade o Centro Municipal de Educação Infantil Jardim do Conhecimento. Segundo Raquel, desde o ingresso da filha na Creche, os avanços no comportamento da menina são facilmente percebidos. “Ela conta histórias com começo, meio e fim, a memória melhorou e nossas conversas ficaram mais ricas em conteúdo”, conta. Valentina fica meio período na Creche todos os dias, enquanto Raquel trabalha numa Escola municipal da cidade.
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Nas últimas décadas, pesquisas dedicadas à primeira infância constataram que é nessa fase da vida que o ser humano tem o maior potencial de aprendizagem. As consequências do desenvolvimento infantil são percebidas até a idade adulta. Crianças que não recebem os estímulos necessários para a compreensão de linguagens, desenvolvimento motor e sociabilidade, entre outras habilidades, acabam tendo dificuldades em acompanhar os colegas quando chegam ao Ensino Fundamental. Embora especialistas reconheçam que é possível oferecer os estímulos necessários a crianças de até 3 anos em casa, o ambiente ideal para um desenvolvimento saudável exige uma série de fatores não muito comuns à maioria dos lares, como um adulto devidamente instruído para oferecer experiências construtivas, espaço amplo, atividades ao ar livre, contato com outras crianças e grupos sociais livres de violência.
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A preocupação tardia do país com a instrução na primeira infância é uma das causas para a dificuldade do poder público em suprir a demanda na área. Segundo a professora do curso de Pedagogia da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) Neide Capeletti, até a década de 80 a Educação Infantil era vista como uma atividade vinculada à assistência social e não propriamente à Educação. “A maioria das creches era mantida por instituições de caridade e as poucas escolas infantis privadas eram voltadas às famílias mais ricas”, diz.
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Ela explica que somente após a Constituição de 1988 é que se passou a entender a Educação Infantil como responsabilidade do Estado. Ainda assim, as redes de creches municipais só se popularizaram depois da promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), de 1996. Para o pesquisador Francisco Veloso, do Instituto Brasileiro de Economia, vinculado à Fundação Getulio Vargas, a lenta evolução do atendimento público no setor se deve também à ineficiência do poder municipal. “Muitos municípios não têm a menor condição financeira ou de gestão para administrar a Educação Infantil, por isso muitas creches são feitas via convênios com empresas”, diz.
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Universalização
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Para o país cumprir a meta estabelecida pelo Plano Nacional de Educação (matricular todas as crianças de 4 e 5 anos na rede Pré-Escolar, seja pública ou privada, até 2016), o governo federal têm previstos investimentos no setor para auxiliar os municípios. Em agosto foi anunciada a intenção de se construir 6 mil novas escolas de Educação infantil até 2014. Dessas, cerca de 3 mil já estariam com os projetos aprovados.
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 Investimento no futuro
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Estímulos nos primeiros anos de vida fazem toda a diferença
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A forma como a Educação Infantil passou a ser vista pelo poder público se deve muito à pesquisa do professor norte-americano James Heckman, ganhador do Prêmio Nobel de Economia em 2000. Segundo ele, é a partir dos 3 anos de idade que começam a surgir as características pessoais decisivas para um bom desempenho na vida social, possibilitando, inclusive, ascensão econômica. “Baseado em projetos desenvolvidos nos Estados Unidos, Heckman constatou que cada dólar investido na Educação da primeira infância deu um retorno de nove dólares para a sociedade”, explica o doutor em Educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) João Malheiro. Eduardo Queiroz, diretor-presidente da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, especializada em pesquisas sobre a primeira infância, também atribui a Heckman parte da relevância que o tema ganhou. O grau de detalhamento dessas pesquisas chega a mostrar que crianças devidamente estimuladas na primeira infância têm menos chances de abandonar a escola quando chegam ao Ensino Médio, e tendem a ter salários 36% maiores do que aqueles que não receberam suficiente atenção até os 4 anos. Para a psicopedagoga e professora da PUCPR Maria Sílvia Bacila Winkler, a Educação Infantil é o melhor investimento que os pais podem fazer entre todos os ciclos da Educação. “Esses seis primeiros anos de vida são a base de todas as outras aprendizagens”, afirma.
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Fonte: Gazeta do Povo (PR)

domingo, 22 de julho de 2012

Criança - a alma do negócio

Criança - a alma do negócio (Brasil, 2008) é um documentário que reflete sobre os efeitos e consequências que a publicidade direcionada às crianças vem provocando. Direção: Estela Renner.





sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Desenvolvimento infantil

* Naercio Menezes Filho*

Como sabemos, o Brasil ainda apresenta índices de pobreza e desigualdade muito elevados, incompatíveis com a sua renda per capita. Isso é ruim para a nossa sociedade e, além disso, tem consequências importantes para a violência e criminalidade. Mas, por que será que grande parte dos adultos nas famílias mais pobres tem tantas dificuldades para encontrar um trabalho fixo com remuneração adequada?

Nos últimos anos, a sociedade brasileira entendeu que a raiz de muitos desses problemas está no fato de que os alunos aprendem muito pouco nas escolas públicas brasileiras. Nesse sentido, novas políticas educacionais têm sido implementadas nas redes municipais e estaduais para tentar melhorar a qualidade do ensino nas nossas escolas.

A novidade é que novas pesquisas científicas têm mostrado que essas deficiências de aprendizado podem estar relacionadas com problemas sérios no desenvolvimento infantil dessas crianças que foram se acumulando ao longo do tempo. Segundo o Centro de Desenvolvimento Infantil da Universidade de Harvard, experiências de risco e situações de estresse prolongado no início da vida das crianças podem afetar o seu desenvolvimento futuro ao alterar a sua estrutura genética, provocando mudanças físicas e químicas no cérebro que irão perdurar para o resto da vida.

Essas experiências de risco estão relacionadas com problemas nutricionais, mas também com problemas no convívio familiar e falta de estímulos adequados nos primeiros anos de vida.

Interação entre genes e meio ambiente
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 Pesquisas mostram que as deficiências de aprendizado podem estar relacionadas com problemas na infância.  Agora podemos entender melhor por que algumas medidas na área educacional tem tido tão pouco efeito no aprendizado das crianças.

Introdução de computadores na sala de aula, aumento dos salários e da escolaridade dos professores, redução do tamanho da classe, todas essas políticas tem tido resultados muito decepcionantes até agora. Via de regra, elas não conseguem aumentar a qualidade do ensino ou, em alguns casos, beneficiam somente os alunos com pais mais educados ou os que estudam em escolas privadas.

Na verdade, o que a ciência está sugerindo é que a dificuldade de melhorar o aprendizado das crianças mais pobres pode estar relacionada com problemas no seu desenvolvimento anterior, que podem ter alterado o seu nível de concentração e sua capacidade de reagir em face de situações adversas. Logo, uma parte significativa dos nossos problemas educacionais e, portanto, da pobreza, desigualdade e criminalidade poderiam ser evitados caso as políticas para o desenvolvimento infantil fossem mais eficazes. Se desenvolvermos uma série de políticas públicas eficientes para as nossas crianças, poderemos melhorar substancialmente a sua situação no prazo de uma geração. Quais os caminhos a serem seguidos?

O primeiro problema, que precisa ser enfrentado com urgência, é o de saneamento básico. Uma parcela substancial dos brasileiros ainda vive em casas sem saneamento adequado. Isso faz com que a incidência de doenças seja alta nessas famílias, o que prejudica o desenvolvimento e o aprendizado das crianças, chegando até a mortalidade infantil, que ainda é muito elevada no Brasil.

Além de programas como o "Luz para todos" e "Minha casa minha vida", o governo federal deveria lançar urgentemente um programa de água e esgoto para todos. Isso diminuiria muitos os problemas de saúde nos primeiros anos de vida. Além disso, é importante fornecer informações para que as famílias possam detectar precocemente problemas de desenvolvimento infantil e procurar ajuda em caso de necessidade. Um dos programas mais bem sucedidos para aumentar os cuidados com a saúde é o Programa Saúde da Família.

Pesquisas mostram que a taxa de mortalidade infantil diminuiu bastante nos municípios em que o programa foi implementado, assim como a incidência de doenças entre as crianças. Entretanto, dados das pesquisas domiciliares do IBGE mostram que a cobertura desse programa entre as famílias mais pobres ainda é de apenas 60%. Assim, há necessidade de ampliar a cobertura desse programa, assim como ocorre com o programa Bolsa Família, que atinge uma proporção maior de famílias pobres.

Além disso, a parte operacional e de capacitação do programa tem que ser bastante melhorada para aumentar o impacto das visitas dos médicos e dos agentes comunitários em termos de diagnóstico e tratamento de problemas de desenvolvimento infantil.

Finalmente, a questão da creche e da pré-escola é fundamental. Saúde e Educação estão intimamente relacionadas. Sabemos que os alunos que frequentam a pré-escola aprendem mais no ensino fundamental do que os que entram na escola somente no primeiro ano.

Entretanto, esse impacto é maior para os alunos que tem mães mais escolarizadas e para os que estudam em escolas privadas. Com relação ao impacto da creche, as evidências disponíveis ainda são bastante preliminares. Precisamos de pesquisas que nos mostrem que tipo de creche e pré-escola aumentam mais o aprendizado futuro, especialmente entre as crianças mais pobres.

A questão é fundamental, os problemas são muitos e o tempo é curto se quisermos melhorar significativamente a vida da próxima geração de brasileiros. Mãos à obra.

* Naercio Menezes Filho, professor titular - Cátedra IFB e coordenador do Centro de Políticas Públicas do Insper, é professor associado da FEA-USP e escreve mensalmente às sextas-feiras. email: naercioamf@insper.edu.br

Fonte: Valor Econômico - SP

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Miséria condena desenvolvimento de 10 milhões de crianças

 

Pesquisa mostra que pobreza ameaça desenvolvimento físico e psíquico de 10 milhões de brasileiros de até 6 anos (Foto de Marcelo Prates)


Uma criança nasce na favela, fruto de gravidez não planejada. Os pais são adolescentes. Abandonam os estudos, alugam um barracão e, juntos, ganham o equivalente a meio salário mínimo. Para manter a casa, se submetem a longas jornadas de trabalho e passam poucas horas com o filho. Esse cenário de vulnerabilidade se repete com milhões de pequenos brasileiros e põe em xeque os seis primeiros anos da vida deles, uma fase considerada essencial para o desenvolvimento, na avaliação de médicos, educadores e psicólogos. No país, cerca de 10 milhões de meninos e meninas até seis anos de idade estão abaixo da linha de pobreza, segundo dados do Centro Internacional de Estudos e Pesquisas sobre a Infância (Ciespi). Vivem em famílias com renda per capita inferior a R$ 6,80 por dia, conforme valores de 2009.

Para especialistas, a chamada "primeira infância" é um período fundamental para o aprendizado. Mas tem sido comprometida pela miséria no Brasil. Por isso, o Ciespi enviou um relatório com esses números para o governo federal. No Plano Nacional pela Primeira Infância estão traçadas diretrizes gerais que o país deverá colocar em prática até 2023 para que crianças de até 6 anos de idade possam se desenvolver normalmente. A Secretaria de Defesa Social de Minas (Sedese) não informa se mantém projetos para menores nessas condições. O banco de dados do Ciespi não tem um levantamento específico sobre crianças de até 6 anos em cada estado, mas estima que 438.728 mineiros de até 15 anos vivem abaixo da linha da pobreza.

"É injusto e inaceitável que crianças dessa idade não recebam os estímulos necessários para que se desenvolvam tanto nas suas estruturas física e psíquica quanto nas habilidades sociais", analisa a professora da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e diretora do Ciespi, Irene Rizzini. Ela alerta que as experiências vividas nessa fase da vida influenciam, para sempre, a pessoa e sua relação com quem a rodeia.

O problema não está apenas no orçamento apertado. Condições precárias de segurança e de alimentação, falta de saneamento básico e até o estresse vivido pelos pais devido ao dinheiro curto podem afetar todos os aspectos do desenvolvimento dos filhos. É o que acontece com a família de Maraline Mendes da Costa, de 26 anos, moradora da Vila Madre Gertrudes, na Região Oeste de Belo Horizonte. Mãe de duas crianças com 4 e 7 anos, ela afirma que a insegurança e o medo a acompanham por todo o dia. Ao sair para trabalhar, de manhã, a faxineira fica temerosa por deixar a filha mais velha, Júlia, sozinha em casa. À tarde, enfrenta a ansiedade de buscar alternativas para aumentar a renda mensal de apenas R$ 320. À noite, diz que por vezes não consegue dormir, com medo dos usuários de crack que ocupam uma casa abandonada ao lado do barracão dela.

Mas o momento de maior aflição para a família é o período chuvoso. A casa de Maraline fica em uma área de risco, bem em frente ao Córrego Ferrugem. "Quando o rio começa a encher, pego as crianças, vou para a BR-040 e espero até a chuva passar", conta. "Me sinto completamente incapaz por não poder dar um lugar melhor para meus filhos". Mesmo que os pais tentem poupar a prole, esse clima de insegurança acaba por afetar as crianças, avalia Irene. "A família é a primeira referência. Se os adultos ficam angustiados porque não têm dinheiro ou por conta do tiroteio no morro, é certo que as crianças vão sofrer com esse cotidiano de medo".
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Fase requer atenção especial
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Nos seis primeiros anos de vida, as crianças são mais frágeis e precisam de uma proteção especial da família, explica Irene Rizzini, professora da PUC Rio e diretora do Ciespi. “É um tempo de vulnerabilidade pelo qual todos nós passamos. Uma etapa que demanda um ambiente seguro, acolhedor e propício ao desenvolvimento das nossas potencialidades”, diz. Por isso, Irene defende que pais e gestores públicos assumam de fato o compromisso de proporcionar esse ambiente de estímulos na primeira infância. A professora afirma que o caminho para terminar com a desigualdade no país depende de como estão vivendo os menores nessa faixa etária. “A família pode ser pobre e dar o maior carinho para o filho. Mas não tem água limpinha para ele tomar banho. Como dá para crescer em um ambiente assim?”, questiona.
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A diretora do Ciespi espera que a entrega do Plano Nacional da Primeira Infância à Presidência da República e a outras autoridades as leve a dedicar políticas mais eficazes a esses meninos e meninas. Nas próximas etapas do plano estão previstos o aperfeiçoamento das soluções pelo Poder Executivo e o encaminhamento das propostas ao Congresso.
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Desnutrição, a maior ameaça
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Na fase inicial da vida há dois momentos principais de desenvolvimento da criança, explica a Presidente do Comitê de Neurologia Infantil da Sociedade Mineira de Pediatria, Marli Marra de Andrade. Primeiro acontecem as transformações neuromotoras e da linguagem. Já na maturação, se desenvolvem os aspectos psicológico e emocional. Para a médica, a desnutrição é o reflexo mais cruel da pobreza. “Nos primeiros anos, o cérebro ainda está sendo formado e a criança precisa de uma alimentação adequada. A falta disso pode atrapalhar a anatomia cerebral e a formação de milhares de células”. A situação pode se agravar se a mãe, durante a gravidez, não se alimentou direito ou usou álcool e drogas. “O bebê pode . “O bebê pode sofrer um retardo ou um transtorno mental”.
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Situação é pior entre negros e pardos
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A maioria das crianças com idade até 6 anos é negra ou parda, segundo dados do Ciespi. Elas representam 60% do total de brasileiros nessa faixa etária. Menores de pele escura também enfrentam índices mais elevados de pobreza (55%) em comparação com crianças brancas (32%). “A diferença deixa claro que investimentos públicos voltados para o desenvolvimento infantil devem priorizar negros e pardos”, afirma Irene Rizzini. A pesquisa destaca ainda a questão da falta de saneamento básico. No Brasil, 46% da população infantil urbana vive sob essas condições e 95% da rural reside em domicílios onde o abastecimento de água e a coleta de esgoto não existem ou são precários – o que acarreta vários danos à saúde.
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Dramas que a dona de casa Lucélia de Fátima Rosa Silva, de 23 anos, conhece bem. Mãe de quatro filhos com idade entre 6 meses e 9 anos, sobrevive com os R$ 150 que recebe do programa Bolsa Família, do Governo federal. O marido é servente de pedreiro mas, dependente químico, quase não coloca dinheiro em casa. Eles moram em um barraco de dois cômodos às margens da linha férrea, na Vila Tiradentes, em Montes Claros. O telhado de amianto está quebrado e Lucélia não sabe o que fazer para cobrir o buraco antes das chuvas. A casa não tem piso de alvenaria e o banheiro está estragado. Sem cama, o filho mais velho dorme no chão, forrado apenas com um lençol.
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A família passa por todo tipo de privação. Carne bovina, só há aos sábados. Nos outros dias, o cardápio tem arroz, feijão, verduras e macarrão, doados pelo Serviço Voluntário de Ação Social de Minas Gerais (Servas). O leite das crianças também é recebido por meio de um programa assistencial. Sem estudo, a mulher que não consegue calcular sequer quanto ganha – “São três notas de R$ 50, o total eu não sei” – cursou apenas a 1ª série do Ensino Fundamental. Alega não poder voltar à sala de aula pois precisa cuidar dos filhos, e faz questão de ser protetora. Nem cogita a hipótese de perder a guarda das crianças.
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* Colaborou Girleno Alencar

domingo, 6 de fevereiro de 2011

A Invenção da Infância


Por: João Luís de Almeida Machado
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Criança e infância parecem sinônimos. E assim deveria ser. Mas, infelizmente, não é... Na realidade, o que entendemos por infância é um conceito de felicidade, criado na época do Renascimento, no início da Idade Moderna (entre o final do século XV e o século XVI). Surgido num período de pujança, crescimento, confiança, crença na humanidade e em suas possibilidades.

Ao mesmo tempo em que floresciam as obras de Shakespeare, Galileu, Da Vinci, Cervantes e Hobbes – a revolucionar a ciência, a arte, a literatura, a filosofia e o conhecimento em geral, também estava no nascedouro a ideia de infância.

E o que seria esta infância senão o momento em que nossos meninos e meninas cresceriam brincando, aprendendo, convivendo, partilhando, rindo e chorando? Pois era esta concepção que surgia. As crianças poderiam inventar brincadeiras e brinquedos, teriam tempo para conhecer os livros e as histórias mais incríveis, correriam livres pelos campos e ruas a chutar lata ou o que encontrassem pela frente...

Um pouco mais para frente no tempo, já na época das revoluções burguesas, surgia a ideia da educação pública, direito universal adquirido por todo e qualquer cidadão, o que aprimorava o conceito anterior de infância porque concedia real acesso ao conhecimento por parte das crianças.

Mas mesmo assim, com ideias sendo consagradas por pensadores e celebradas em leis, a realidade se manteve afastada daquilo que se previa no papel. O preto no branco não garantia a infância para todas as crianças. Ainda era grande a quantidade de infantes que não frequentava escolas. Também abundavam os menores que ao invés de brincarem tinham que trabalhar nos campos, nas oficinas, no comércio...

E o que esperar então quando chegamos ao século XX, com todos os seus avanços sociais, políticos, econômicos e culturais? Não seria natural que com o advento de tantas facilidades a partir deste momento da história humana realmente se configurasse o encontro definitivo e universal das crianças com a infância?

Ainda assim não se pode afirmar categoricamente que toda criança vive a infância como deveria, com a felicidade de quem pode brincar de boneca ou chutar bola, estar numa sala de aula, alimentar-se dignamente, não ser obrigada a quebrar pedra ou cortar cana... Que infância é esta?

É claro que o mundo em que vivemos, que já transitou do século XX para o terceiro milênio tem milhões de crianças que de algum modo vivem a infância sonhada, senão totalmente, pelo menos de forma parcial... São os filhos de famílias que conseguem dar-lhes o acesso à escola, aos brinquedos, às amizades, aos livros, aos passeios...

Mas mesmo estas crianças sentem o peso da modernidade... Do relógio a oprimir o seu viver... Com os tique-taques a lhes dirigir os passos, definindo uma série de compromissos para que seu futuro seja melhor... Ou ainda, mesmo que crianças de corpo, mente e alma, compelidas pelos meios de comunicação a agir e pensar como adultos... Que infância é esta?

“A Invenção da Infância”, da diretora Liliana Sulzbach, curta-metragem premiado em vários festivais, traz a tona esta tão delicada e importante questão. Através de suas imagens e da fala de cada criança ficam presentes em nossa memória os gritos, de amargura ou tristeza em certos casos, de uma alegria incompleta em outros... Em todos os casos, é certo, ficam evidentes o sonho da infância a que todos têm direito, das meninas que têm hora para tudo (balé, inglês, natação, escola...) aos garotos de mãos calejadas que cortam sisal ou trabalham em pedreiras...

Por João Luís de Almeida Machado, que foi criança, que teve infância, subindo em árvores, chutando bola, brincando de carrinho e que, por conta disto, fica muito sensibilizado e revoltado em ver como as crianças não têm direito e espaço para brincar, estudar...
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*- João Luís de Almeida Machado Doutor em Educação pela PUC-SP; Mestre em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (SP); Professor Universitário e Pesquisador; Autor do livro "Na Sala de Aula com a Sétima Arte – Aprendendo com o Cinema" (Editora Intersubjetiva).

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

MUNDO INFANTIL: reflexões sobre a mídia e sexualidade


por Carla Brittes, Cássia Rocha, Luís Augusto, Paloma Toche, Raquel Barbosa, Simone Moura, Tamires Godoy*

Cada vez mais tem-se observado o excessivo número de comerciais de TV, programas infantis, desenhos animados e jogos eletrônicos carregados de apelos eróticos, de violência e atitudes antiéticas. De acordo com Marcos Nisti (2010), coordenador da campanha “Semana do desligue a TV”, 98% dos lares brasileiros tem televisão.

Conforme artigo publicado pelo site Socialtec, “Erotismo infantil nos programas de TV” de Márcio Ruiz Schiavo professor especialista em marketing social, das 150 crianças entrevistadas por ele, 47,3% manifestaram assistir TV mais de 4 horas diárias e 18,6% assistem mais de 3 horas diárias. Este dado é bastante preocupante. Além dos programas ditos infantis as crianças assistem novelas, programas de humor, séries, entre outras atrações que não são apropriados para determinadas idades.

Nessa atmosfera de desinformação, há algum tempo, surgiu a tendência de se confundir sexualidade com ato sexual e, até mesmo, com o coito. Dessa forma, a discussão sobre sexualidade é alijada do seu verdadeiro percurso, tomando rumos que vão desde o tom da brincadeira à libertinagem. Além disso, para maximizar a confusão no entendimento do assunto, o termo amor, que define um sublime sentimento, é utilizado como sinônimo de ato sexual.

Há que se esclarecer que sexualidade não pode, e nem deve, ser confundida e definida como ato sexual e/ou coito. Sexualidade é o termo que se refere ao conjunto de fenômenos da vida sexual de um ser humano. Ela é um dos aspectos centrais de nossa personalidade e, por meio da qual nos relacionamos com o outro. O ato sexual pode ser definido como qualquer ato que envolva a sexualidade, tais como um toque, um afeto, carícia, olhar, variantes sexuais e até mesmo a penetração. Já o coito é o termo correto para se definir a penetração propriamente dita, a qual muitos confundem como sexo ou ato sexual único (CHAUÍ, 1984).

Muito mais do que o simples debate sobre educação sexual, utilizado muitas vezes apenas para afirmar a diferença dos gêneros, a discussão sobre sexualidade deve ser tratada de forma séria, necessária e sem preconceitos dentro e fora da escola.

A erotização precoce, estimulada de diversas formas, exige do educador atenção redobrada. É urgente a percepção em relação aos desenhos, jogos eletrônicos, filmes e revistas que trazem ora disfarçados, ora explícitos, personagens sensuais que atuam subliminarmente no inconsciente infantil.

Expostos constantemente durante a programação da TV, propagandas, cartazes, etc., a estes estímulos que relacionam amor/sexo, adultos e crianças naturalizam esta relação e legitimam comportamentos sexuais precoces, acreditando-os como manifestação da sensibilidade. Atentando para este fato, observamos como os “marqueteiros” e os profissionais da mídia se utilizam desta associação para despertar o interesse de consumo em seus espectadores e promover produtos. Sendo agentes passivos na relação mercado versus consumidor, as crianças passam a ser alvo fácil para se atingir os interesses comerciais escusos de certas empresas que, se aproveitando de personagens “inocentes”, estimulam o consumo associado à satisfação de necessidades sentimentais.

A televisão é um dos meios de comunicação de maior acesso e por isso é também o principal veículo de estímulo ao processo de erotização na infância. A grade de programação dos canais vem sempre recheada de sexo, mulheres bem aparentadas e produtos para comprar. A mídia, nos dias atuais, parece se resumir a isso e, não raro, três coisas estão interligadas cabendo ainda dizer que tais temas não estão manifestos apenas em programas adultos, mas também nos infantis.

Como a primeira aprendizagem da criança é através da imitação, ela internaliza todos os conceitos passados e, se não houver um acompanhamento pedagógico, é claro, ocorrerá uma reprodução desses valores. Marta Kohl (1999) deixa claro como a criança, ao brincar (brincadeira de faz-de-conta), imita o adulto e se comporta de forma avançada a sua idade. Sendo assim, a criança tem o adulto como o seu modelo.

Pode-se observar também que os estímulos eróticos e as referências de gênero com cunho machista são recorrentes nos programas infantis, os quais têm suas atrações apresentadas por mulheres bem apresentadas, maquiadas e com pouca roupa reforçando o mito que o papel feminino na sociedade é o de educar e entreter. As apresentadoras impõem um padrão de beleza que influencia no modo de como a criança quer vestir e ser. Beleza, charme e sensualidade: requisitos básicos para se dar bem na vida. Nota-se que conhecimento intelectual não está na lista.

As meninas vêem seu corpo não apenas como fonte de prazer, mas também de consumo e status social. É muito simples perceber por que isso ocorre, uma vez que o corpo feminino há muito faz parte da exposição banalizada, considerada natural e bela pela mídia. Os meninos absorvem isso com a ideia de que a mulher também é um produto a ser consumido e, caso este tenha algum problema, basta trocar a marca.

A sexualidade é vista somente pelo lado sensual, erótico e excitante, enquanto deveria ser canalizada para a construção de emoções, relações pessoais e afetividade. O brincar, que é típico dessa fase, já não existe, o importante é parecer adulto e adotar os valores da idade decadente. As crianças são “anãzinhas” e daqui a pouco, num retrocesso histórico, o termo “infância” caíra por terra. Tais valores são recorrentes nas programações, visto que a maior parte do dia, a criança fica com a “babá eletrônica”, pois, os pais, cada dia mais atarefados, com menos tempo para se dedicar a seus filhos, muitas vezes desconhecem o conteúdo da programação televisiva ou não refletem sobre o assunto. Assim, sem a intervenção deles ou de outro adulto consciente, as crianças nem sempre capazes de escolher algo adequado, acabam por ficarem horas expostas a uma quantidade absurda de estímulos eróticos, como por exemplo, apresentação de dançarinos de axé, cenas de orgia em clipes musicais, corpos turbinados e flexíveis, criminalidade e violência. Além disso, ainda tem os jogos eletrônicos, os quais apresentam cenas de sexo, de assassinato e assaltos à mão armada.

Diante desta realidade é urgente que educadores percebam como esta naturalização da lascívia vem adentrando o contexto escolar a partir das manifestações culturais. Crianças em danças com excesso de sensualidade, músicas com conteúdo ofensivo, roupas que estimulam o desejo sexual, são coisas aceitas em nome de uma “abertura cultural” às vezes mal interpretada.

Talvez a resistência às investidas da TV seja muito dura e o modismo tente nos engolir. Contudo, no dia adia da sala de aula, ao conhecer cada criança com a qual se lida, que o educador possa descobrir o ponto chave para se atingir realmente a sensibilidade daquele ser que busca, nas interações com seus semelhantes, o desenvolvimento por completo.


Referências

CHAUÍ, Marilena. Repressão sexual: essa nossa (des)conhecida. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1984.

NISTI, Marcos. A TV não é o único meio que liga as pessoas ao mundo. Disponível em: http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos - Acesso em: 12 jun. 2010.

OLIVEIRA, Marta Kohl de. Vygotsky: aprendizado e desenvolvimento: um processo sócio-histórico. 4. ed. São Paulo: Ed. Scipione, 1999.


* - Este artigo tem por objetivo despertar no leitor uma visão crítica relacionada à forma como a sexualidade é tratada atualmente no contexto escolar. Foi elaborado pelos estudantes a partir de discussões realizadas no III Núcleo Formativo do curso de Pedagogia, da Faculdade de Educação (FAE) da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG), quando foram debatidos temas relacionados a “Criança na idade da mídia”. O artigo foi recentemente publicado na Revista "Elas por Elas", do Sindicato dos Professores do Estado de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2010.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

EM CARTAZ...

FILME: O Pequeno Nicolau (Lê Petit Nicolas - França 2009)

Garoto muito amado pelos pais leva uma vida tranquila até o dia em que ouve uma conversa entre eles que o faz pensar que sua mãe está grávida.

Gênero: Infantil
Duração: 1h31
Classificação: livre
Direção: Laurent Tirard
Elenco: Kad Merad, Maxime Godart, Valérie Lemercier

Belas Artes 2
Endereço: Rua Gonçalves Dias
Capacidade: 129 lugares.
Horários: (15h15(*), 17h15, 19h15 e 21h15). (*) Sessões dubladas.
Telefone: (31) 3252-7232.
Preços: Quarta-Feira: R$ 10,00 - Segunda, terça, quinta: R$ 12,00, sexta a domingo e feriados: R$ 14,00.


+ Infos: AgendaBH - http://www.agendabh.com.br/cinema_detalhes.php?CodEve=4499

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

INDICAÇÃO DE LEITURA...

Livro sobre menina com vários apelidos discute bullying na escola

Segundo autor, história mostra situações comuns vividas pelas crianças

Do G1, em São Paulo

Uma menina de 10 anos chamada Felisbela que recebe vários apelidos de um colega é a protagonista de um livro que aborda o bullying escolar. A obra, chamada de “Felisbela, cara de...”, escrita e ilustrada por Paulo Debs, será lançada neste sábado (9), em duas sessões, às 15h30 e 17h, na Livraria da Vila, em São Paulo. Os apelidos de Felisbela são dados por Fabinho, seu colega de sala. O garoto provoca risos em toda turma cada vez que inventa um novo apelido. O problema é que a brincadeira deixou a menina doente, de cama, sem vontade e condições psicológicas de voltar à escola.

“A história de Felisbela é um típico caso de bullying escolar, termo que denomina agressões físicas ou psicológicas que ocorrem de um aluno para o outro, geralmente iniciado por crianças e adolescentes mais seguros de si que zombam de colegas mais frágeis e tímidos", diz Paulo Debs. Após uma longa conversa com a avó Petúnia, que mostra o quanto Felisbela é especial e amada por todos, a menina amanhece curada, livre da doença. Segundo o autor, o foco do livro é mostrar situações comuns à vivência infantil, dentro do universo escolar e provocar debates entre educadores e familiares. “Pais e educadores precisam ficar atentos às rotinas das crianças e ajudá-las a compreender que estão acima de qualquer tentativa de agressão", afirma Debs. Durante o lançamento do livro haverá contação de histórias com o ator Marcio Cardoso de Almeida, da Cia do Bafafá.

Serviço
Lançamento do livro "Felisbela, cara de... "
Horário: às 15h30 e às 17h
Local: Livraria da Vila, na Rua Dr. Mário Ferraz, 414, Itaim Bibi, São Paulo
Telefone: (11) 3073-0513

Fonte: http://todospelaeducacao.org.br/comunicacao-e-midia/educacao-na-midia/10820/livro-sobre-menina-com-varios-apelidos-discute-bullying-na-escola

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

NOTÍCIAS...

Condenadas professoras que agrediram crianças

A Justiça de São José do Rio Preto condenou na última terça-feira (5/10) oito mulheres, ex-professoras da uma escola de educação infantil da cidade, por agredirem crianças que estavam sob seus cuidados.

Segundo denúncia do Ministério Público, elas submeteram vários alunos com cerca de dois anos de idade, que frequentavam o berçário e maternal I e II, a atos de violência e ameaça, como tapas, socos, mordidas e puxões, que causaram não apenas sofrimento físico, mas também emocional.

A juíza da 4ª Vara Criminal de Rio Preto, Maria Leticia Pozzi Buassi, condenou cada uma das mulheres à pena de quatro anos, 1 mês e 15 dias de reclusão em regime inicial fechado por crime de tortura. As rés podem apelar da decisão em liberdade.

Processo nº 576.01.2010.014316-6

(*) Acompanhe diariamente os principais conteúdos jurídicos em http://www.twitter.com/editoramagister

Fonte: TJSP - http://www.editoramagister.com/

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

INDICAÇÃO DE LEITURA...

Delas é o Reino dos Céus

Mídia evangélica infantil na cultura pós-moderna do Brasil (anos 1950-2000)

Autora: Karina Kosicki Belotti

O presente livro traz os resultados de uma pesquisa de doutorado em história, cujo objetivo foi estudar a mídia evangélica voltada para o público infantil produzida no Brasil entre as décadas de 1950 e 2000, a partir de uma abordagem de história cultural. Defendemos a idéia de que o uso da mídia foi um fator importante para a constituição de uma cultura evangélica pós-moderna brasileira. Nela as tradições evangélicas são instrumentalizadas para a construção de múltiplas identidades e estilos de vida evangélicos como respostas aos desafios da pós-modernidade. A mídia evangélica infantil é o objeto de estudo do presente livro por ter sido pouco estudada dentro do campo de pesquisas sobre o protestantismo, em contraste com sua crescente popularidade no mercado consumidor evangélico brasileiro.

Formato: 14x21cm, 356 páginas
ISBN: 978-85-391-0054-5

quinta-feira, 17 de junho de 2010

UM CASO DE VIOLÊNCIA AQUI... OUTRO ALI... E...

Por Lúcio Alves de Barros

Toda ação violenta tem o seu algoz e vítima. Desta vez, no campo da educação, a violência e o crime, ficaram por conta dos docentes. Uma professora de 49 anos da Escola Pública do Jardim Botânico em Brasília chegou ao absurdo de colocar uma criança de 05 anos, tida como hiperativa pela própria mãe, amarrada em uma cadeira. Como se não bastasse, colocou uma fita adesiva em sua boca. O caso, que já invadiu a tevê e os cantos da mídia, é lamentável. Ele ocorreu no dia 16 de junho de 2010 e, de acordo com a delegada-chefe da Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA), Gláucia Ésper, do DF, após acionar a polícia a professora foi presa em flagrante pela Polícia Militar.

Dificilmente saberemos o que realmente aconteceu. A mídia tende a espetacularizar e sensacionalizar tais acontecimentos. Contudo, a professora, a qual se aposentadoria em 2011, disse à polícia estar arrependida e que teria agido no intuito de manter a ordem, a disciplina e o comportamento do aluno. É difícil encontrar desculpas para este comportamento. A professora poderia ter chamado a diretora (que acionou a PM) e dar a ela a responsabilidade pelo ato. Outra possibilidade é terminar a aula e dar tudo por acabado, resolvendo a questão com os pais. Infelizmente, as reações em tais casos são imprevisíveis e a docente - que ficou detida durante a tarde - vai responder à justiça por três crimes: (1) maus-tratos, (2) constrangimento ilegal e (3) submissão ao ridículo. Ela foi liberada à tarde, tendo que comparecer à polícia quando for chamada a prestar esclarecimentos. Se a docente for condenada ela pode pegar prisão por aproximadamente quatro anos.

terça-feira, 18 de maio de 2010

A INFÂNCIA PERDIDA

por Lúcio Alves de Barros*

Se existe um grupo de agentes que definitivamente perderam com a modernidade foi o conjunto das pessoas que fazem parte da fase do ciclo da vida que denominamos de infância. É mais do que lamentável o fenômeno em apreço. Não faz muito tempo que a criança era entendida como o futuro de um país e/ou a possibilidade iminente de dias melhores. Ledo engano: hodiernamente a infância é tratada como algo qualquer, um adulto em miniatura, um proletariado em potencial, uma projeção ininterrupta dos pais e uma fonte de renda para agentes do mercado.

O fenômeno é vergonhoso quando se torna banal e ostensiva a percepção de crianças andando a esmo, pedindo dinheiro e comida nas esquinas e nas ruas das grandes e pequenas cidades. Adultos chegam a mencionar a necessidade de trabalho, à guisa de aprendizagem, e maior tempo nas organizações escolares. Boa forma de diminuir a responsabilidade em tempos de crise de autoridade e atenção. Lugar de criança é na escola e suas atividades principais são a de estudar, conhecer e brincar. Ponto final. Perdoem-me os pais que colocam os ainda infantes para laborar na lida diária: que não tivessem filhos ou que se preparassem melhor para tê-los. Pode-se argumentar que o trabalho é bom e crescer rápido é comum em determinadas subculturas. Como tudo na vida, as conseqüências são imprevistas e não é por acaso que perdemos um exército de crianças para o tráfico de drogas e para o hedonismo desenfreado da cultura de mercado.

Muitos culpam a família, a escola, o Estado e até Deus pelas condições que perpassam o mundo infantil. Todavia, a questão é simples e está patente para todo mundo ver e se preocupar. Claro, se existir pelo menos a boa vontade para isso. O curioso é que não faltam aqueles que asseveram ser o “dono da criança no banho”, mas que não se arriscam a pegar para criar. A começar pelos proprietários dos discursos. Como não é bom dar nomes aos bois, até porque seria difícil, nada como ver o famigerado campo normativo que tenta através do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) garantir alguns direitos. Ele pode até funcionar em certos casos, principalmente, quando em xeque está o direito das crianças mais abastadas. No entanto, partir do pressuposto de que o término da infância se dá aos 12 anos e, após essa idade tem início a adolescência é, além de um precário sinal, é um mal começo de conversa. De qualquer forma não deixa de ser um discurso legitimado pela sociedade e levado a cabo pelos donos da lei.

Na esfera do discurso é forçoso mencionar aqueles que se apegam ao campo da psicologia, da medicina (notadamente a pediatria) e da pedagogia para definir infância, um conceito por definição e natureza polissêmico e de difícil manejo. Não raro, muitos profissionais ainda misturam tais esferas ao campo normativo e, nas muitas entrevistas que entopem jornais e outros meios de comunicação, acabam caindo no discurso forense e, por ressonância, criminalizando, culpabilizando, adoecendo ou enlouquecendo as crianças. De duas uma: (1) ou desejam notoriedade, ou (2) optam por um discurso já legitimado (mas sem fundamentos poderosos) para não correr o risco do debate, da crítica e do contraditório.

Na realidade estamos perdidos: teorias com fortes modelos heurísticos como a de Jean Piaget (1896-7980), Georg Herbert Mead (1863-1931), ou mesmo de Sigmund Freud (1856-1939) não mais respondem nossas questões. A infância mudou de perfil e se é para “melhor” ou para “pior”, não se sabe. O fato é que muitas vezes facilmente somos surpreendidos com adultos exigindo das crianças atitudes que elas não têm competência para tomar. Mais que isso, muitos induzem a criança a virar rapidamente adultos e “produtivos”. Ate até os marketeiros já não as deixam em paz, vendo nelas um potente grupo de consumidores.

De consumidoras compulsivas a alienadas obsessivas não é preciso ir longe para a comprovação de certos “fenômenos infantis”. Lembro-me do fenômeno "Xuxa": uma adulta, uma personagem histérica, uma eterna criança que vê gnomos e faz filmes sem o mínimo de sentido. Na esteira da sua sempre jovem personagem não é de se esperar outra coisa senão crianças desejando cabelos loiros, silicones salientes, plásticas sem fim e uma possível produção independente no futuro. Nada contra a figura em si, mas tudo contra a disseminação de uma cultura perversa do consumo infantil. E é de causar perplexidade a conveniência dos pais que no desejo de se livrar da garotada consumidora e cheia de energia não poupa recursos para ir às compras de brinquedos, utensílios, sapatos e roupas que praticamente sexualizam a criança dando margem para desejos e perversões do mundo adulto.

Não estou exagerando e, para colocar mais fogo no debate, sugiro aos leitores que façam viagens ao litoral brasileiro no intuito de verificar adultos - muitos “gringos” - de olhos bem abertos sobre a carne nova que está à solta a pedir esmolas nas esquinas, praças e praias da cidade. Se não existe uma grave crise no campo do que se convencionou chamar “infância”, não sei do que podemos isso chamar. Em algum lugar na história perdemos a capacidade de entender o ser que ainda “não sabe perfeitamente o que faz”. É isso mesmo: em uma livre enquete em salas de aulas perguntei aos meus alunos de pedagogia sobre o que entendiam sobre a infância. As respostas foram as mesmas dos meus alunos de direito e administração: “é inocência”, “é brincadeira”, “é curiosidade”, “é ignorância”, “é beleza”, “é carinho”, “é busca de conhecimento”, “é medo”, é insegurança”, “é transparência”, e “é um ser que precisa de respeito”. Pois bem, temos as respostas e estão na ponta da língua. Contudo, da teoria à prática e da fala à ação a distância é enorme. Não creio que seja por pura ignorância, mas por covardia, cansaço e falta de entendimento do fenômeno é que estamos perdendo o que realmente está ocorrendo com nossos infantes.

E não venham com o livro do historiador Philippe Áries, “História Social da Criança e da Família”, o qual marcou uma série de estudos apontando para a acepção da existência de “infâncias” e idades socialmente construídas através do tempo. Infelizmente, a historia também é utilizada para legitimar discursos, mas nada como o aqui e o agora. Nesse momento, rascunho parte do presente texto sentado em um ponto de ônibus e vejo duas crianças a esmolar. Um pouco mais tarde três passaram a correr descalças atrás de um coletivo urbano. E não longe, no carnaval de três capitais brasileiras, eram observáveis crianças jogadas em carros alegóricos com poucas roupas a sambar como mulatas, sem falar das constantes investidas do Senhor Sílvio Santos contra uma menor na TV. Se a criança é respeito, sinceramente, não o vejo e nem percebo uma política pública nesse sentido. E não seria uma má ideia. Imaginem secretarias e ministérios responsáveis somente pelo “ser criança”. Já passou da hora do tema “infância” sair do quintal das organizações (públicas e privadas), bem como do consciente e do inconsciente das autoridades para se transformar em uma poderosa máquina de política pública.

Faz tempo que deixamos de ouvir a voz dos pequenos. Quando escutamos, por vezes atrapalhamos e caminhamos em sentidos duvidosos. A criança não escapou nem da politização e dos interesses escusos de muitos adultos. Crianças produzem cultura. Forjam aqui e ali subculturas e funcionam como elos fortes de cadeias sociais. Suas representações encantam o mundo adulto. E se estamos carentes de saída para o vazio existencial, erro pouco em afirmar que ela está em nossa frente, carregada de inocência, esperança, perseverança e ações que podem modificar a realidade.

Finalmente, vale uma sugestão: há tempos perguntamos e acreditamos no mundo adulto. Sugiro perguntar e observar o mundo da criança deixando espaços para que elas possam encantar o coração já falido, a ideia já morta, a escola sem autoridade, a política já corrupta e a família desestruturada. Talvez, diante dos acontecimentos modernos, seria melhor para elas. (Não) Tenho ciência absoluta da sugestão, mas diante do quebra cabeça familiar, da “salada mista” da televisão, dos bandidos e policiais da política e das bruxas e gnomos das escolas, seria bom nos divertir com brincadeiras de verdade, das quais sabemos as regras, principalmente quando do início, do meio e do fim.


* Doutor em sociologia e professor da UEMG (Universidade do Estado de Minas Gerais). Texto publicado em Revista Educação Pública. Reflexão e interação de educadores. Disponível em: http://www.educacaopublica.rj.gov.br/biblioteca/comportamento/0039.html