Mostrando postagens com marcador LúcioBARROS. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador LúcioBARROS. Mostrar todas as postagens

terça-feira, 26 de agosto de 2014

A educação e os meios de comunicação

 

Lúcio Alves de Barros*
.
Não creio que exista dúvida sobre o importante papel da mídia nos dias atuais. Sabemos de sua importância no campo da socialização de informações, da ressonância em publicidade no que toca ao cenário das políticas públicas, à democratização das informações e à necessidade de liberdade de sua ação no que se refere ao fortalecimento dos pilares da democracia. Não obstante sua importância, a mídia como veículo de informação na educação vem se revestindo, nas últimas décadas, de roupagens constrangedoras, complexas e perigosas.
.
Uma das roupagens da mídia se refere ao seu papel de mediadora de relações sociais em ambientes domésticos e privados. Os meios de comunicação, especialmente a TV, ao entrar logo cedo na casa cheia de filhos, funcionam como verdadeiras babás eletrônicas, fornecendo ao infante ou ao adolescente um turbilhão de informações sobre os quais dificilmente os responsáveis teriam controle. Imagens duras, “reportagens quentes”, notícias sensacionalistas, acontecimentos sexualizados e sensualizados se misturam em horários diversos com propagandas, programas e publicidades. Com muita dificuldade uma criança entenderia o como e o porquê de determinadas ações serem direcionadas de determinada forma na tela da TV. Os cortes, as imagens, a cadência de informações não são neutras, e o descontrole por parte do receptor é inviabilizado, apesar da fala de que “não quer ver, desligue a TV”, “não leia o jornal” ou “não escute o rádio”.
.
Outra roupagem dos meios de comunicação é o de ser uma instituição acima dos seres humanos e até de “deus”. Não por acaso, católicos e protestantes invadiram tanto canais abertos como fechados, vendo nesse veículo uma boa forma não somente de angariar fundos como também de levar ao crente o que determinadas religiões entendem por deus. Como mecanismo de poder, os meios de comunicação também assumem papel político. Tal como o anterior, trata-se de agente sem neutralidade e que produz de acordo com o “coronelismo midiático”, que no Brasil aparece nas mãos de poucas famílias. É o cúmulo do absurdo, haja vista que os meios de comunicação, notadamente as redes de televisão, operam alicerçados em concessões públicas que, a despeito da temporalidade, tem se mantido nas mãos dos mesmos donos de sempre.
.
Outra e polêmica roupagem que a mídia assume é o de educadora em tempo integral. Aparentemente, primeiro ela atuou na base do vídeo; os mais velhos devem lembrar dos antigos telecursos passados logo ao amanhecer. Tais cursos atendiam tanto ao Ensino Fundamental como ao Médio. Com os avanços da informática, os meios de comunicação alcançaram a hiper-realidade e acabaram com as barreiras de tempo e espaço. Atualmente, pela internet os alunos interessados que não estudam nem em sala de aula se esforçam por assistir em vários meios uma ou duas aulas que, ao longo do tempo são armazenadas no ciberespaço. Mas a mídia vai mais longe: ela tem a pretensão de ser uma educadora privilegiada e uma potencial formadora de opinião e de identidades. Para isso, não é preciso tanta força. Os meios de comunicação têm ao seu dispor, diferentemente da sala de aula, imagens, sons, movimento e relações em tempo real. Também oferecem “facilidades”: ajudam no armazenamento, na comparação de informações, na organização de dados e nas pesquisas. Todavia, ela também forja a preguiça, a miopia mental, a mentira, a falsidade e a ideia de que guardar e reter conhecimento é o mesmo que saber usá-lo. Daí a presença marcante das colas nas instituições de ensino e da produção de “intelectuais” que operam na simples repetição de ementas e conteúdos.
.
Para finalizar, é preciso apontar que podemos ser vítimas desse “porre” de informações que tende a embebedar computadores com livros que não vão ser lidos, pesquisas, relatórios e dados que jamais serão aproveitados. O perfil da educação oferecido pela mídia não comporta a educação crítica e transformadora. Não é por acaso a presença do corte, dos programas gravados e da inexistência do contraditório. Não é possível, ao contrário das ações das instituições de ensino, colocar em xeque a mídia educacional que navega na burrice de massa, no pensamento pequeno e na falta de ética em relação aos que não possuem poder. Nesse caminho, é imperioso lembrar aqueles que estão por trás dos mass media. Eles, apesar do chamado ciberespaço, não falam por si. Atrás dos computadores, da TV, dos rádios, revistas e jornais, temos uma “educação” manipulada por poucos e que não possuem o mínimo de didática, currículo e que não chegam nem perto do que se entende por cuidado com o outro.
.

* Professor da Faculdade de Educação da UEMG - Publicado em 26 de agosto de 2014 - Edição 32.
.
Fonte: Revista Educação Pública: Reflexão e interação de educadores, RJ: In: http://www.educacaopublica.rj.gov.br/biblioteca/comunicacao/0035.html

terça-feira, 1 de julho de 2014

Educação: um caso a se pensar, em uma cidade do interior de Minas

.
Lúcio Alves de Barros*
.
Em recente pesquisa feita com apoio da Fapemig e da Faculdade ASA na cidade de Brumadinho (MG) em uma escola estadual, foram de capital importância alguns achados acerca das experiências no trabalho e nas violências vivenciadas pelos docentes. Mas antes de descrever alguns aspectos é necessário dizer que não é por ser uma cidade de interior de pequeno porte, ou talvez esquecida pelos desavisados e críticos de plantão, que ela não seja um bom objeto passível de pesquisa e contribuição ao campo acadêmico. Pelo contrário.
.
Em primeiro lugar, cumpre mencionar a inexistência de uma “violência dura”, de grande clamor público, e de uma “criminalidade violenta” ou casos nos quais a polícia tem que atuar a todo momento. Os professores entrevistados afirmaram a inexistência dessas práticas dentro e fora da escola – que, por sinal, é muito organizada, limpa e cuidada. As violências encontradas são de pequeno porte, como incivilidades, maus-tratos e indisciplina.
.
Em segundo lugar, é curioso e digno de admiração o respeito dos professores em relação aos estudantes. Os docentes, com larga experiência e formação, alguns tendo até mestrado, demonstraram uma “força sem igual”. Acreditam categoricamente na educação como prática libertadora e que estão auxiliando e “formando pessoas” para melhores dias. Muitos deles asseveraram inclusive que já conseguiram recuperar as esperanças de muitos adolescentes e jovens que andavam descrentes com a vida. A ação dos professores nesse sentido é de “gestor de emoções”, o que vem auxiliando na formação dos alunos e nas relações cotidianas.
.
Em terceiro lugar, é bom deixar claro que lecionar em uma escola pública do interior parece agradável e bom para os docentes pesquisados. As estratégias de defesa dos professores nessas escolas não passam de ações cotidianas construídas na base da solidariedade e na sociabilidade com os responsáveis. Em uma cidade de interior, as pessoas se conhecem, ainda trocam informações e têm acesso umas às outras em vários espaços de relações sociais. Não por acaso professores entram em contato com os pais – alguns antigos amigos de infância – e descrevem a situação e o que anda ocorrendo com o filho/estudante naquele espaço. Mais que isso, professores chegam a fazer valer sua autoridade, “chamando a atenção” e recebendo respeito e admiração de pais e alunos.
.
Finalmente, a escola estadual (pública e gratuita) em Brumadinho, a despeito dos problemas encontrados no campo da falta de recursos e de professores devido ao jogo de designações do estado, anda firme e com as próprias pernas. Possui professores engajados e estudantes que possuem excelentes trajetórias no interior da instituição escolar. Muitos – o que não deixa de ser um orgulho para os docentes – passaram para universidades e estão inseridos no mercado de trabalho. É digno de nota o papel da direção da escola, que oferece a discricionariedade, a autoridade, o apoio, a liberdade e a defesa incondicional dos professores em casos de conflitos e negociação. É nesse ambiente que encontramos a escola estadual em pesquisa. É neste ambiente que acreditamos que as escolas do interior, públicas e de qualidade, são possíveis e talvez ofereçam um ambiente (de paz, tranquilidade e segurança) muito mais aconchegante para os alunos estudarem.
.  
Agradeço à Gabriela Rasuck, que auxiliou na pesquisa. Sem ela, o trabalho por certo não existiria.
Publicado em 01 de julho de 2014.
.
Professor na Faculdade de Educação - UEMG / FAE / BH
.
Fonte: Revista Educação Pública - http://www.educacaopublica.rj.gov.br/suavoz/0161.html

domingo, 10 de novembro de 2013

Autofagia e trabalho docente no campo da educação

Por Lúcio Alves de Barros*
.
.
A massificação, a proletarização, o assalariamento predatório, a diminuição da autoridade e o avanço das relações de mercado no campo da educação têm produzido conturbadas relações sociais entre os professores. Apavorados, desanimados, magoados, cansados e colocados em xeque, a categoria tem compartilhado o sofrimento, as doenças, o desemprego, a ansiedade e o medo. Mas não é para menos: nos últimos anos, uma espécie de “segure-se quem puder” invadiu de vez as escolas, as faculdades e as universidades. Em terra de leão, é claro que são poucas as ovelhas que sairão impunes de relações perversas que colocam em questão a subjetividade do ser que trabalha – por natureza – com a interação. Explico do que se trata.
.
Em primeiro lugar, já são notórias as relações de falsidade, deslealdade, maldade e crueldade em meio aos docentes. É certo que na maioria das relações de trabalho tais fenômenos também se fazem presentes, mas no caso dos professores eles vêm tomando efeitos dramáticos, principalmente porque a categoria há anos vem sendo desmotivada pelas más condições de trabalho, pelo aumento da carga laboral e pela perda da autoridade em sala de aula e fora dela. Vulnerável, a categoria se rende ao sadismo/masoquismo próprios da cultura da violência e da exclusão. O caminho é claro: o “segure-se quem puder” não é para todos, e logo são excluídos os “mais sensíveis” – que vão caindo em meio às batalhas emocionais com os “mais fortes”.
.
Em segundo, é preciso apontar para a “seleção social” produzida no mercado laboral dos docentes. A lógica do mercado educacional nos últimos tempos tem se baseado no número de publicações, artigos, textos, livros, orientações e apresentações em congressos, seminários e outros eventos. Nessa esfera, o corporativismo ganha vida, pequenos e grandes núcleos se formam, se reproduzem, se protegem e se distribuem em “pesquisas” recheadas de bolsas e investimentos públicos. Tais pesquisas, em geral, se transformam em artigos escritos por muitas mãos, as quais não deixam de labutar no intuito de conchavos para o credenciamento em órgãos governamentais. E, diga-se de passagem, não se procura mais qualquer revista: o operariado do saber quer um “B1”, um “B2” e, se possível, para tirar onda no ar, um “A”. O curioso é que a luta acaba sendo por um artigo lido pelos próprios pares e citado pelos próprios companheiros e que raramente chega a um público maior e talvez interessado. Na verdade, tudo é produzido para a reprodução do “homo academicus”, de Bourdieu, que goza ao ver o nome estampado na internet ou no último evento de cartaz colado na parede. E tudo funciona para que o famoso Curriculum Lattes se transforme em capital simbólico, que, na maioria das instituições, aparece como garantia de credenciamento como “instituição de respeito”. Aos docentes que não conseguem se enquadrar restam a dura realidade da fofoca e dos apelidos maldosos que rondam as salas e os cargos menos significantes de direção.
.
Acrescentam-se às condições colocadas o esvaziamento dos sindicatos e das associações especialmente no quesito mobilização coletiva. É bem verdade que em todo o país assistimos ao desenrolar de algumas greves, principalmente em relação à questão salarial e ao piso dificilmente legitimado pelas autoridades que gerenciam muitos estados da Federação. Todavia, os trabalhadores da educação não parecem animados, tampouco disponíveis para participar de ações coletivas. O “segure-se quem puder” e a seleção social no interior da categoria garantiu lugar privilegiado para aqueles que conseguiram entrar e fazer parte da onda de privilégios, bolsas e grupos que podem possuir mais ou menos condições de conseguir determinados direitos nos sindicatos da categoria. Na realidade, os trabalhadores da educação sofrem com a desvalorização e o reduzido valor-trabalho, a ponto de o individualismo fazer parte da vida pública e da vida privada, próprias da natureza das sociedades do mercado e do espetáculo.
.
Oprimidos e calados pelo tempo, é preocupante a autofagia docente. Obviamente, na lida diária os mais fracos e vulneráveis à temperatura institucional dos ambientes escolares vão se queimando aos poucos. Os mais fortes viram celebridades, chegando mesmo a alimentar a mídia e as notícias da organização. As relações tornam-se mais complexas e tensas quando os docentes não estão mais entre iguais ou não compartilham o mesmo corpo. Adoentado, o corpo docente vai se alimentando de sua própria carne. Rapidamente a autofagia ganha espaço e alguns ficam no caminho: aposentados são mal vistos, especialistas são denegridos, mestres precisam estudar e o doutor deve publicar para elevar o nome da instituição. É a destruição perfeita das pessoas por meio do “conhecimento”, da informação, dos títulos e da famigerada objetividade. O processo autofágico é violento e os órgãos não têm a ciência dele, até o momento em que começam a ser devorados pelos próprios pares.
.
* Professor da Faculdade de Educação da UEMG/BH
.
.
Publicado em 1º de outubro de 2013

domingo, 29 de setembro de 2013

Professores, política e polícia

.
Um país que espanca professores. É o fim. Já aconteceu em MG, SP, RJ. Ontem no Rio não escapou nem os professores adoentados. É difícil confiar em um Estado que utiliza da violência como linguagem. Muitos apanharam, outros foram presos e a ...maioria humilhada. A maioria não. Nós professores apanhamos. Apanhamos em casa e na cara. A fala governamental é a de que o Estado pouco ou nada valoriza os profissionais da educação. Ironia: professores são importantes para a democracia. São eles que discutem a inconstitucionalidade das máscaras, que denunciam a violência policial e que seguram essa educação precária que está por aí. Mais que isso, são eles os responsáveis pela juventude e pela adolescência que hoje gritam e também morrem na ruas. A ação do Estado - repressora e cruel - revela o fracassso de nossas autoridades e o fim de qualquer possibilidade de negociação em um momento que a democracia deixou de ser um processo. Só não vê quem não deseja ou quem não quer.
.
Lúcio Alves de Barros (professor da UEMG)

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

Indicação de leitura

.
“Viver não é para principiantes” 
.
Charley Antônio dos Santos*
.
No dia 22 de agosto, 16 horas, aconteceu na Faculdade de Educação, da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG), na Rua Paraíba, nº 29, Belo Horizonte, o lançamento do livro, “Viver não é para principiantes. Crônicas do cotidiano” (São Paulo: Editora Delicatta, 2013, R$ 20,00), do professor e doutor em ciências humanas: sociologia e política Lúcio Alves de Barros. O livro reúne as crônicas e os artigos que o professor publica no Jornal Circuito Notícias com sede na cidade de Brumadinho e que circula também em seu entorno: Bonfim, Moeda, Belo Vale, Rio Manso, Igarapé, São Joaquim de Bicas dentre outras cidades do interior. Muitas são inéditas e foram compostas para o presente livro.
.
O evento foi considerado um sucesso e lotou o pequeno auditório daquela faculdade. Professores, alunos, ex-alunos e autoridades acadêmicas participaram do lançamento. Alunos da Faculdade Asa de Brumadinho, na qual o docente trabalhou por 10 anos, e ex-alunos, hoje professores em várias instituições de ensino públicas e privadas também se fizeram presentes. Após uma discussão sadia, na qual o professor discorreu sobre o conteúdo de algumas crônicas, os convidados foram ao coquetel. Na sala, o professor Lúcio, ainda em êxito, encontrou os seus alunos, autografou o seu novo livro e agradeceu aos que compareceram.
.
É sempre bom encontrar pessoas que se tornaram amigas ao longo do tempo, especialmente em meio acadêmico, por vezes “tedioso” e “chato”. Naquela tarde de sol, em que o tempo parou tudo foi muito bom e belo. Lembrei-me de muitas coisas e arrisco a dizer que tudo aquilo foi muito mais do que um singelo lançamento de livro. Considerei a palestra, a fala, a conversa, uma verdadeira história de vida, uma aula diferente de todas que tive, foi uma experiência para a vida. Fui aluno do professor Lúcio por duas ou três vezes na Faculdade ASA de Brumadinho do já extinto curso de história. Fui aluno de uma das primeiras turmas. A faculdade funcionava em um prédio no centro da cidade e não posso me furtar em falar que sou dos poucos quem aproveitou muito. Realmente éramos privilegiados naquela faculdade, local que o autor não deixou de citar e de agradecer aos belos momentos que viveu e certamente voltará a viver. Até porque, tal como diz o título do livro do nobre professor, “viver não é para principiantes”.
.
*- Licenciado e bacharel em História pela Faculdade ASA de Brumadinho

quarta-feira, 22 de maio de 2013

O fim da educação: indisciplina, política e judicialização

Por Lúcio Alves de Barros*

.
 
.
Professoras e professores estavam discutindo em reunião o problema da (in)disciplina em sala de aula. A coisa me pareceu tão séria que por alguns minutos passaram-me pela cabeça diversas imagens de acontecimentos – muitos deles inaceitáveis – que, aparentemente, vêm se naturalizando entre nós. Algumas delas merecem atenção.
.
A primeira diz respeito a como manter a disciplina em sala de aula. Esse problema, antigo e ostensivo tanto nas escolas como nas universidades, não tem passado despercebido em pesquisas na área da educação. No entanto, o problema tem tomado novos perfis a ponto de o estudante recalcitrante ser tratado como vítima. Há tempos tornou-se normal o uso do celular, do smartphone, do tablet em sala de aula. Enquanto o docente ensina, o aluno sem nenhuma vergonha manda mensagens, curte o Facebook, tira fotos e grava suas aulas. Para isso, ele não se contenta em ficar calado; chega ao cúmulo de avisar ao colega que acabou de “curtir” sua mensagem ou que respondeu à altura. Quando ele se abre em atenção à aula, o bravo estudante ainda deseja atenção. Obviamente é praticamente impossível atendê-lo. E, como não foi atendido como quer, lá vai ele para mais uma curtida ou fala inadequada e descontextualizada do que aconteceu em tempo real na sala de aula.
.
De forma alguma sou contra a entrada e o desenvolvimento das novas tecnologias de informação, que inegavelmente ajudam na didática, na rapidez nas informações, na construção do conhecimento e nas pesquisas. Mas professores e estudantes – e aqui está o segundo ponto que merece atenção – devem saber os limites ou no mínimo tratar de criar alguns. Comportamentos inaceitáveis em sala de aula são fontes de desrespeito ao corpo docente. Em geral, os discentes estão “pouco ligando” para isso. Eles desconhecem, como os diretores e a supervisão, os regulamentos internos, chegando ao cúmulo de tentar plantar a dúvida e levar o professor às vias de fato quando de um acontecimento sério ou de menos valia na sala de aula. Para isso, basta que o pavio seja aceso e a plateia, inclusive de docentes, goze diante do voyeurismo social sempre sádico e presente nestas ocasiões.
.
A questão toma novos contornos quando o discente, do alto de sua sabedoria, ainda cai na onda da judicialização da educação. Esse terceiro ponto se assenta em palavras ou frases como “você tem é que estudar”, “não adianta ficar no celular e fazer a prova”, “depois o coitado sou eu, né!”, “quero ver o que vão falar os seus pais” e “cansei de vocês”, dentre outras, que se constituem verdadeiras bombas para que o discente ou o aluno, antes desatento, resolva levar o docente para a mesa do juiz. Até lá, o poder discricionário do professor em sala de aula já foi esquecido, os nervos já estão sendo colocados em prova, sua capacidade e sua carreira colocadas em xeque, a ameaça ou a denúncia parece crescer de tamanho e ostensividade, sem falar nas versões dos fatos, que, plantadas e encharcadas vão render frutos não comestíveis.
.
A judicialização da educação é absurda; ela retira do professor, da coordenação e da instituição escolar toda a sua legitimidade. Por consequência, ela humilha os professores, que, encarcerados em seus poucos recursos, geralmente são esquecidos pelo sindicato e por seus pares. Mais uma vez é possível apontar para o fim da educação. O fim da política nas instituições escolares. Assistimos inertes ao começo do desmonte das entidades garantidoras do controle social e de formação de identidades. Finalmente, vemos de perto a “pá de cal” nas relações daqueles que, por natureza, deveriam estar unidos em causas nobres como a construção do conhecimento, uma sociedade mais humana e, nem que seja por sonho, com liberdade e igualdade.
.
* Doutor em Ciências Humanas e professor da Faculdade de Educação da UEMG
.
Fonte: Publicado em 21 de maio de 2013 na Revista "Educação Pública". http://www.educacaopublica.rj.gov.br/biblioteca/direito/0008.html

quinta-feira, 14 de março de 2013

Paciência Senhor Aedes aegypti

 
***
 
 
.
Para Sandra Durães com paciência
.
Lúcio Alves de Barros*
.
Gostaria de utilizar este espaço para falar um pouco de minha condição como portador do vírus da dengue. Quem já passou por ele certamente não vai ver muitas coisas novas por aqui, mas quem não passou, torço para não passar. O mosquito Aedes aegypti é um veneno, um tormento, um destruidor de lares, bares e atividades mil. A praga é invejável em força e capacidade de destruição. Todo cuidado com ele é pouco. E vou me ater aqui a somente algumas considerações que acho relevantes, pois são tantas que não exagero em dizer que o tronco comum de sintomas não chega perto do que o mosquito é capaz.
.
Primeiramente, é difícil acreditar que pode se estar com a dengue. Os médicos gostam de dizer que se trata de uma infecção assintomática, mas quando aparecem as mudanças no corpo e no espírito variam de febre alta (39° a 40°), dor de cabeça à prostração, dores musculares nos braços, pernas e no pescoço. Além disso, é insuportável a dor nos olhos, principalmente quando movimentamos as retinas para o lado direito ou esquerdo. Dentro da cabeça algumas coisas parecem soltas e pelo corpo uma vermelhidão (exantema) que somente o outro tem a capacidade de enxergar. Um calor insuportável sobe pelas pernas e toma todo o resto e as diarreias são fortes e não aparecem sem dores abdominais. Uma sonolência sem fim e uma apatia de morte arrebenta o corpo já debilitado. E tudo indica que um “Alien” vai sair de sua barriga a qualquer momento. Esses são alguns dos sintomas que me tomaram de jeito e passo para o segundo ponto.
.
É incrível a falta de paciência que nos toma. Um espirro, um telefone que toca, uma conversa ao lado, um lápis que cai, um zumbido, um chamado já são o bastante para você desejar a morte. Não estou exagerando. Uma amiga reclamou e acertou em cheio quando se referiu à “coceira de arrebentar”. Vejam o que ela disse: “sinceramente é inacreditável como um mosquitinho tão pequenininho consegue derrubar a gente dessa forma. Fiquei internada dois dias no BIOCOR e falo com todos (que) foi um pterodátilo que me atacou (risos)”. Longe do humor, vaticinou: “Sem querer te desanimar quando você pensar que esta melhorando irá começar a coçar... aí sim, você pede para morrer. Coça da cabeça ao dedinho do pé, 24 horas (principalmente à noite), nada nessa vida alivia a coceira (os primeiros cinco dias são piores depois vai aliviando). Coça em cima da unha, coça o fio de cabelo, até o dente coça (é algo inacreditável, de perder a paciência)”. A verdade nua e crua de minha amiga, entretanto, me trouxe até conforto porque achava que a doença só agia desta forma em mim. Não, ela é violenta, amarga, terrível e mata. Os médicos apontam para a existência de 4 tipos diferentes do vírus da doença e todos podem aparecer de diferentes formas, inclusive, como dengue hemorrágica que pode levar à morte.
.
Um terceiro ponto que vale tocar é a prostração física e psíquica que aparece de uma hora para outra. No início é só cama, depois você ainda levanta para algumas coisas, mas o que arrebenta o doente é a potente sensação de fragilidade. A dengue nos lembra da humanidade. O Aedes aegypti nos reduz à insignificância. Sua força e capacidade de jogar o outro para qualquer canto é desproporcional ao seu tamanho. A dor psíquica é latente e a corporal é manifesta que, inclusive, valeu alguns conselhos de minha amiga: “Três conselhos: 1) - Peça a namorada, sobrinho, amigos para manterem uma distância razoável. (A gente não consegue sequer ouvir vozes); 2) - Não fique longe de um banheiro. Quando achar que está melhorando a dor de barriga volta com força total e ai... (risos); 3 - Quando entrava em desespero devido à coceira e não conseguia dormir colocava uma cadeira de plástico debaixo do chuveiro e ficava sentada lá esperando um milagre divino (risos)”. Esta verdade ainda recebe novas tinturas porque o paracetamol é paliativo. Tomar muita água ajuda, mas não tem outro jeito, pois a coisa lhe toma por mais de 10 dias. Desconheço a literatura médica, mas os médicos me falaram em 05 e 07 dias. Não é verdade, a coisa tem maiores proporções. São no mínimo 15 dias de sofrimento que você não consegue decifrar. Por vezes se tem vontade de chorar. Dói tudo e tudo está meio tenso, desorganizado, desengonçado. Creio que até este texto esteja também. Ele é fruto do desabado e das dores que invadem minha alma. A dengue te deixa desinteressado do mundo. Perdem-se as referências: você quer ler e não consegue, as letras tremem e embolam; quer ver filmes e TV, mas é impossível porque não se é capaz de manter a atenção; quer estudar, mas não guarda nem a primeira palavra e o primeiro conceito; quer ir trabalhar e tem medo. Não se sabe o que fazer. E como a paciência é pouca vou terminando por aqui.
.
Finalizo pedindo paciência para os patrões que perdem os seus funcionários. A coisa é feia mesmo e ninguém inventa sintomas nessa doença. Não tem saída, o mosquito contaminado derruba mesmo. Também peço paciência aos amigos e colegas que não tiveram a doença porque inimigos se fazem neste período. Atendentes e médicos tenham mais paciência porque a fragilidade é tanta que deveria existir camas de espera em ambulatórios, clínicas e hospitais. Por último, paciência ao Aedes aegypti que sabe que é no mínimo vergonhoso que uma doença como esta tenha lugar em um país que se diz desenvolvido. Sabemos que os Aedes aegypti se propaga rapidamente em água parada, por vezes dentro de casa e em locais nos quais o descuido é a regra. Paciência senhor mosquito porque o nosso povo é doente, inconsequente e mal educado e lhe favorece no transporte da dengue e outras doenças de arrepiar até o novo Papa. Ah, obrigado por mostrar minha fragilidade e por ser democrático, pois ao contrário de nossa economia o senhor está bem distribuído.
.
*Professor na FAE (Faculdade de Educação) na UEMG (Universidade do Estado de Minas Gerais)

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

A doce vida da empregada doméstica

 
.
Por Lúcio Alves de Barros*
.
É vergonhoso o grande número de empregados domésticos que temos no Brasil. Em notícia recente acabei de saber que somos o país com o maior número deles. Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), eles são 7,2 milhões de um total de mais ou menos 52 milhões no mundo. Estima-se que no país, 70% deles labutam na ilegalidade sem qualquer garantia trabalhista. A notícia apareceu sem grandes mobilizações. O silêncio, nestas ocasiões, faz parte de nossa cordialidade e capacidade de suportar a tudo e a todos. No entanto, não vejo razão para a festa porque esta “profissão” no país tem raízes históricas nada invejáveis e escondem características de nossa cultura ainda autoritária, hierárquica e machista.
.
A empregada doméstica, talvez a mais comum dos empregados domésticos no Brasil, encontra raízes na cultura da casa-grande e da senzala, onde paulatinamente as escravas mais bonitinhas eram as mais escolhidas para trabalhar. Depois da abolição o patriarca já não fazia tantas distinções. Trabalho é trabalho e o que elas faziam além do pesado labor doméstico, não vou nem mencionar, mas sabemos que a elas eram delegadas várias atividades, muitas delas eternizadas na obra de Jean-Baptiste Debret (1768-1848).
.
Nos dias atuais as profissionais domésticas lutam por direitos. Uma luta política que se arrasta por anos porque inexiste o interesse de garantir os direitos mais elementares do trabalhador como a definição da jornada de trabalho, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), o seguro-desemprego, o benefício por acidente de trabalho, o adicional por trabalho noturno, a hora extra e o salário-família. Não é possível que um ser humano não possa ter a ideia de onde inicia e termina o seu serviço, também não é possível que estes seres humanos ainda não sejam tratados como tais e, não é possível nossa incapacidade em regularizar com certa civilidade suas atividades.
.
O leitor pode argumentar que não passa de um trabalho como outro qualquer. Mas o fato é que a natureza do trabalho doméstico não é a do trabalho industrial, tampouco a do trabalho em serviços (comércio, segurança pública, hospitais, etc). A empregada doméstica é o sujeito que “faz de tudo dentro e fora de casa”: lava, passa, cozinha, prepara o almoço e a janta e ainda cuida dos filhos. Por vezes é obrigada a ficar além da hora, ter que brincar com os meninos e estar sempre prestativa como “o pau de toda obra”. Esse é o trabalho da empregada doméstica que fica na sombra da “dona de casa”. Condição desfavorável e vexatória, mas que no mercado - longe da pesquisa da OIT - está difícil de encontrar porque de acordo com uma amiga, "tem gente que não quer trabalhar".
.
Esse discurso da elite burguesa ou pequeno-burguesa que vive e anda caçando neste país é avassalador. Ganha legitimidade nas novelas e nas reportagens de TV e jornais. Mas vamos ser francos: a verdade é que já na busca desta empregada doméstica existe o feitor pós-moderno. Em geral, busca-se no interior dos estados e nos lugares mais pobres a filha de uma família humilde que não tem grandes perspectivas de vida. Se tiver boa aparência, for religiosa e semianalfabeta melhor. Retirada do seu mundo, alienada diante das "novas" condições que lhe são apresentadas na outra casa a “empregada” logo se encanta pelo uniforme ridículo ou pelas roupas usadas que a patroa passa para ela. Quando moram no ambiente de trabalho são encaminhadas ao “quarto de despejo” ou ao quarto no qual ela vai se esconder e chorar mágoas. Uma cama, um criado mudo (às vezes uma cômoda) e um guarda-roupa - na maioria das vezes usados - são a mobília do local. A porta quase não se fecha porque “pessoas de quartinho” e que podem ser chamadas a qualquer momento não precisam de privacidade.
.
Ainda no seu “novo” lar é hora de ensinar o básico. Não pode isso ou aquilo. Não se fala isso ou aquilo. E não se meta ou toque nisso ou naquilo. Também não venha reclamar e, caso reclame, só com voz e face baixas, pois respeito ao feitor é fundamental. As famílias mais cordiais tendem a dizer que se trata de “um membro da família”, mas um membro que não pode sentar-se à mesa na hora do café, do almoço e do jantar e, quando se senta é porque os patrões querem fazer média ou estão solitários. No mais cumpre neste trabalho permanecer atenta para quando for acionada. E se demorar, é óbvio que vai receber o devido “pito” porque deveria adivinhar o que acontece na casa.
.
Talvez essa capacidade de naturalizar as relações torna a profissão curiosa. O “quase da família” vem acompanhado de sua invisibilidade. Este paradoxo passa a ser necessário e, por vezes, obrigatório. Cumpre a doméstica falar somente quando chamada e “ai dela” se der a opinião que pode auxiliar na educação dos filhos ou economizar na casa. Por outro lado, ela serve muito bem para colocar as fofocas do prédio e dos condomínios em dia ou para quebrar o galho da patroa que não pode ficar com os filhos devido a compromissos pessoais. Aí é hora de ela ser proibida de ver a TV por assinatura, brincar no Playstation ou de fazer uma refeição de respeito, pois nessa profissão se come antes ou depois dos patrões, mas nunca na hora certa.
.
A indignação de minha amiga branca é compreensível, ela trabalha muito e quase não sobra tempo para fazer o dever de casa. Ela aponta os dedos para as “diaristas” que “não tem mais tempo para ela”. A pequena burguesa repete o canto da dona da casa e esquece que elas são - pelo menos no momento daquele “não” - iguais. Na realidade, deve ser difícil para ela suportar estas diaristas que estão revolucionando o mercado de trabalho doméstico. Esse “ser que vive do trabalho” como quer os sociólogos é algo genial. Ela vai quando se paga bem, quando quer e quando tem sua agenda livre. Agenda cheia... Danem-se os que não podem esperar ou que arrumem outra. Essa revolução é a pérola do liberalismo míope que ganhou vida no Brasil. Mais que isso, é a liberdade nas relações de trabalho e a hora de dizer adeus ao patrão e a patroa.
.
Os números dos empregados domésticos no Brasil, infelizmente, não revelam a proximidade do fim desta revolução. Talvez ela nem aconteça, as matrizes culturais brasileiras foram forjadas com sangue escravo, depois com "cidadãos de segunda classe". Atualmente temos uma “ralé” que luta para ver o filho "doutor". Não sei para que, mas provavelmente para dar razões a uma elite malcriada que não tem a vergonha na cara de respeitar o descanso, o salário digno e a intenção de melhores perspectivas de vida. É essa mesma elite que anda a reclamar da falta de “empregados” (secretárias) para fazer o trabalho sujo da casa. Infelizmente, ainda são muitos os operários domésticos, pois gostaria de ver madames e patrões lambuzando a mão em privadas, se entortando na pia com gordura, se sujando na poeira e gastando tempo limpando o chão. Seria a glória vê-los em sua humanidade, sem a necessidade de submeter os outros porque são “domésticos”, inferiores, pobres e humildes. Que pena não estar vivo para ver as coisas mudarem a ponto de vê-los ganhando salário, correndo atrás de ônibus coletivo, se escondendo da polícia na noite ou sofrendo nas filas do hospital público. Sabemos que estamos longe disso e que ninguém se importa. Deixo somente o registro.
.
*professor na FAE (Faculdade de Educação) na UEMG (Universidade do Estado de Minas Gerais)

terça-feira, 21 de agosto de 2012

Por uma "nova Roma"?

.
Lúcio Alves de Barros*
 
Em tempos que a TV entra em nossa casa e mostra com todas as tintas sujas o vergonhoso jogo do mensalão, sempre vem em minha memória a pergunta simples, clara e honesta de Darcy Ribeiro (1922-1997): “por que o Brasil ainda não deu certo?” O seu último livro, “O povo brasileiro”(Companhia das Letras, 2006) é uma descrição apurada de acontecimentos que feriram a ferro e fogo essa tão bela terra chamada Brasil. Na verdade em toda obra do autor - gigantesca e mágica - encontramos um país que se sustenta na luta, na violência, nas guerras do dia a dia, em meio a uma miscigenação materializada em um racismo perverso e no sangue de tantos índios e negros que selaram esse país transformando-o em um uma espécie única de terra e de povo.
E não é que a coisa continua feia e a pergunta atual? Darcy Ribeiro, um realista e romântico inveterado, não deixa de criticar a velha, doce e histórica desigualdade social, baseada em uma “democracia racial” e na possibilidade da construção de um grande país. Para ele, inclusive, “uma nova Roma”. “Uma Roma tardia e tropical”, uma coisa utópica que enche os olhos de quem lê, mas que causa agonia e mal-estar para aqueles mais avisados que sabem que a ralé brasileira está viva, ainda de pé, mas na realidade entregue a uma sonolência crítica em relação aos rumos que tomam este país aqui e acolá.
De todo modo, o otimismo de Darcy Ribeiro é contagiante. Ele fala de uma unidade nacional, de uma cultura brasileira, de um tecido social único em torno de sociabilidades que se confundem e se consolidam em um curioso mosaico cultural de cores, dores e amores. Uma etnia brasileira, uma nova identidade étnico-racial, a de brasileiros em formação que nos retiraria desta “ninguendade” que nos causa insegurança, pavor e terror. É claro que no Brasil o antropólogo não deixa de mostrar que algumas regiões se formaram a partir de símbolos multiétnicos, mas nada que inviabilizasse a etnia brasileira. Uma etnia única, singular, tolerante e, na mais romântica reflexão, “maravilhosa”. Um verdadeiro paraíso para os que estão por vir. Suas palavras em relação ao nosso mosaico não deixa dúvida: "Por essas vias plasmaram historicamente diversos modos rústicos de ser brasileiros, que permitem distingui-los, hoje como 'sertanejos' do Nordeste, 'caboclos' da Amazônia, 'crioulous' do litoral, 'caipiras' do Sudeste e Centro do país, 'gaúchos' das campanhas sulinas, além de ítalo-brasileiros, nipobrasileiros etc. Todos eles muito mais marcados pelo que têm de comum como brasileiros do que pelas diferenças devidas a adaptações regionais ou funcionais, ou de miscigenação e aculturação que emprestam fisionomia própria a uma outra parcela da população”.
Percebe-se nestas palavras como o autor monta e entende o Brasil como cultura. “Um povo, até hoje em ser, impedido de sê-lo”. Um território à deriva, com grande força para se unificar, crescer, liderar a América Latina e se consolidar como potência. Mas o que fazer com a mais que secular e cruel desigualdade social, a precariedade nas relações de trabalho, sofrimento dos que nada tem e a exploração pura e simples do outro que se acostumou com os privilégios, os latifúndios, a hierarquização das relações e concentração de poder nas elites? O otimismo de Darcy Ribeiro incomoda. Apesar de nossa "urbanização caótica" fomos em frente. Criamos um país periférico economicamente, ridículo socialmente e vergonhoso politicamente. Nossa democracia é uma falácia e Darcy Ribeiro ainda acredita em uma “brasilidade” como identidade reforçando a ideia da emergência - em longo prazo - de uma "nova Roma". Nova, pois é resultado das "dores do parto" provenientes da ganância do branco com o sangue do índio e do negro. Um nascimento singular que deu ao mundo a futura potência almejada por Simon Bolívar.
Darcy Ribeiro faleceu em 1997. Deixou uma obra impressionante e de leitura obrigatória para quem quer conhecer o Brasil. Contudo, e desculpem o desabafo, não é possível acreditar em sua utopia. O antropólogo mineiro até tentou. Atuou na “conscientização” dos menos favorecidos e gritou aos quatro cantos da necessidade da educação como política de governo. Talvez, e propositadamente, não tratou de relatar que entre a “educação ideal” e a "real" a distância é enorme. Temos milhões de analfabetos (cerca de 14 milhões e mais 35 milhões de analfabetos funcionais), outros milhões que não tem sequer acesso a água tratada. Mais que isso, quase metade dos brasileiros não possuem carteira assinada e o desemprego tornou-se natural. Resumindo o argumento, imaginem se fôssemos comentar sobre o direito e o acesso à justiça, a uma saúde ou mesmo a uma vida digna e segura sem o sofrimento e a humilhação diária?
Perdoe-me antropólogo! Neste país tudo é para depois ou em longo prazo. Mas como a frase de Keynes, “a longo prazo eu já morri”. Na realidade nos acostumamos a deixar as coisas acontecerem para depois tomarmos providências. E pasmem! Poucos se responsabilizam pelas consequências. Mas muitos - muitos mesmo - desprezam o dinheiro público, chutam as instituições, buscam privilégios e desrespeitam a alteridade que faz parte deste mosaico cultural delineado em sua obra. É impossível a crença em uma “nova Roma” com professores recebendo salários menores do que juízes, promotores e policiais. É inacreditável um país que deifica autoridades corruptas e que os exalta como celebridades e muito menos em uma nação na qual o outro é moeda de troca e fonte inesgotável de chantagens, maldades, desumanidades, leviandades...
.
*- Professor da Faculdade de Educação (FAE/BH/UEMG)
 

sexta-feira, 22 de junho de 2012

A política é simples assim



.
Lúcio Alves de Barros*
.
“Os políticos e as fraldas devem ser mudados frequentemente, e pela mesma razão.” (Eça de Queiroz)
.
Fico pensando na indignação de muitas pessoas com a união, até o momento estável, do PT e do Partido do senhor Maluf. Posso até entender e aceitar, mas convenhamos: o que de novidade existe nesse campo? A esfera do poder - por natureza - não é a de conquistá-lo de qualquer forma e da melhor maneira possível? Sem maiores custos? Independentemente do que possa vir a acontecer após a famigerada união?
.
Sinceramente, já não fico surpreso com os acontecimentos políticos. O que me surpreende são as pessoas ainda se surpreenderem e repetir o mesmo do passado no presente nosso de cada dia. A burrice coletiva é demais. Isto sim me parece interessante. Maquiavel já comentava sobre a pouca ou reduzida memória do povo. No Brasil ainda nos assustamos com determinadas combinações políticas que historicamente já fazem parte do nosso tecido cultural. A cultura política brasileira é patrimonial, patriarcal, hierárquica e feita por caciques que continuam há muito no poder e pode-se mesmo pensar se um dia saíram dele. Penso que não.
.
Política é resultado de relações de poder. E de tais relações os políticos, os oportunistas e os interessados fazem parte. E é neste campo que não podemos ser infantis. Políticos, interessados e oportunistas vão nesta esfera fazer o que tiver ao alcance para a conquista do poder. A coisa é simples assim. Esta política é composta de acordos, cargos, ilegalidades, venda de votos, corrupção, escassez de princípios, injustiça, troca de favores, compra e venda de pessoas, esquecimentos de outras e dos conflitos que tais relações podem ou não produzir. Numa boa, não me causa nenhum espanto se tais relações produzirem ameaças, violências e mortes.
.
Portanto, não me causa nem mal-estar a presença do senhor Lula (PT), do senhor Fernando Haddad (PT) e do senhor deputado federal Paulo Maluf (PP-SP) em uma fotografia. São farinha do mesmo saco e por mais que tenhamos na memória o senhor Lula ou a senhora deputada federal Luiza Erundina (PSB-SP) denunciando e criticando em plena TV a conduta do senhor Maluf, a verdade é que vamos ter que engolir essa e outras coligações. Já engolimos outros episódios. O senhor Prestes fez acordos com o ditador Getúlio Vargas, Jânio e Jango fizeram às vezes na década de 1960. Vimos políticos beijando os pés dos militares. Tancredo (PMDB) flertou com a turma do Sarney. O senhor Collor (PRN) levou a gosto o senhor Itamar Franco (PMDB). Este abraçou Newton Cardoso e anteriormente o Fernando Henrique Cardoso (PSDB) que, aliado aos latifundiários beijou o Marco Maciel (PFL) e o próprio Lula virou “paz e o amor” a ponto do PT (Partido dos Trabalhadores) jamais ser ele mesmo. Como disse, a política é assim e pronto. E não venham com a ideia de ética, justiça e valores públicos próprios da democracia. Em certa medida, somos coniventes com este cenário. Há muito deixamos as coisas passarem sem serem notadas e uma foto e um encontro causam um reboliço sem tamanho. 

.
Não é possível que nada aprendemos nesse tempo de democracia pós Sarney (PFL - PMDB) e Constituição de 1988. A inflação foi controlada, existem mais ou menos instituições confiáveis, organizações não governamentais sérias, mas engatinhamos e feio no cenário da política. A corrupção, apesar de aberta, aparece como fenômeno corriqueiro, banalizado, aceito e normal para aqueles que passam o estado para trás. A maioria quer engolir o bolo sem mastigar. A maioria espera uma boquinha para a sua vez e para às vezes dos seus familiares. 
.
Esta república de coronéis pós-modernos já decretaram o fim da política. Inexistem negociações com limites claros, o jogo limpo e com resultados apesar das faltas e das penalidades. Atualmente, a política se rende ao dinheiro bruto das grandes empresas, dos grandes criminosos apelidados com nomes da natureza, com corrupção, caixa dois, três e quatro. Políticos fazem isso porque desejam ganhar as eleições. Se a coisa é ilegal ou imoral, não faz diferença para eles. Os fins justificam os meios. A população não vota em projetos. Ela vota em quem lhe garante tetas e privilégios. Como poucos tem esta noção, preferem o ganho imediato. Assim, vendem o voto, ou porque a mercadoria vale à pena ou porque uma quentinha e um monte de tijolos já são suficientes. Melhor do que nada. A política não se faz em fóruns, assembleias e convenções. Isto é coisa de teoria política. A realidade é que se vendem políticos como se vendem sabonete e papel higiênico. A diferença é que na política é difícil modificar a marca da moda. Todos no fundo da prateleira ou mesmo no canto são iguais. Mostram-se ao público como inimigos, mas são adversários e capazes de trocar de camisa para quem pagar mais.
.

A verdade é essa. Pode ser até mentira, tanto faz, pois na política “pós-moderna” para os que se dizem "marqueteiros políticos" vale de tudo. O importante é estar lá. E estar lá significa estar no poder, quatro, oito, doze ou 14 anos. Às vezes até mais. Esquecemo-nos de trocar as autoridades políticas que fizeram da política a arte de quem pode comprar e ter mais e mais. Temos o direito do voto, mas não temos o direito de sermos votados. Ao contrário desse político sem eira nem beira podemos trocar o sabonete, ou mesmo o papel higiênico. Mas, como tudo indica não tempos coragem, vergonha na cara, discernimento e ciência de trocar a mercadoria política que está historicamente por aí.
.

*- Doutor em Ciências Humanas (UFMG) e Professor na FAE/BH (Faculdade de Educação) da UEMG (Universidade do Estado de Minas Gerais).

terça-feira, 5 de junho de 2012

"Tudo ou Nada"



“Tudo ou nada”
.
Lúcio Alves de Barros*
.
“Tudo ou nada”, 10 letrinhas cuidadosamente selecionadas abrem a porta de entrada do novo livro de Luiz Eduardo Soares. Segundo o autor foi difícil chegar a esse título. Depois de horas e horas, inclusive de insônia, eles chegaram ao veredito. "Tudo ou Nada - A história do brasileiro preso em Londres por associação ao tráfico de duas toneladas de cocaína" (Editora Nova Fronteira, 360 páginas, 2012). Isso mesmo, “Tudo ou Nada”: nem um pouco de muito nem um pouco de nada, parece ter sido o título perfeito segundo o próprio personagem principal do enredo da história.
.
O livro é uma obra sem igual, a meu ver muito mais bem escrito e cuidadoso do que os outros em coautoria com André Batista e Rodrigo Pimentel, “Elite da tropa 1 e 2” (2006 e 2010, respectivamente) ou mesmo do interessante “Cabeça de porco” de 2005 em coautoria com MV Bill e Celso Athayde. No “Sempre um papo”, realizado em Belo Horizonte (04 de junho de 2012), o próprio Luiz Eduardo Soares informou que foram mais de quatro anos para escrever o livro e que o personagem já estava ansioso pelo resultado. Muito trabalho que saiu de um encontro em um bar em Copacabana, no qual o autor – inicialmente – disse que pensaria em escrever. Sorte dele e de Ronald Soares (o Lukas Mello no livro) que teve a amizade, o aconchego e como gosta de dizer Luiz Eduardo Soares, a “generosidade de contar sua história”. E não é qualquer história, é um belo relato de uma vida que começou e não acabou em pó.
.
A obra disserta o enredo individual e social das dores emocionais e físicas de um jovem economista formado na federal do Rio de Janeiro que depois de fazer um pouco de dinheiro resolveu navegar pelo mundo. Navegar literalmente, pois o próprio Ronald Soares disse um pouco de suas aventuras, sofrimentos e prazeres dentro de um veleiro em alto mar. O mar, esse maravilhoso espaço de Deus que sempre lembra (a)mar, mas que de uma forma ou de outra foi o palco privilegiado para Ronaldo Soares iniciar o seu calvário (palavras de Luiz Eduardo Soares) até sua prisão na Inglaterra. E o simpático Ronald, que é tímido diante de câmeras e de muitas pessoas, é gente como a gente. A narrativa de sua vida é a de um jovem cheio de vida e esperança, fincado em raízes da famigerada classe média da zona sul do Rio de Janeiro e que foi hippie em um momento em que paz e (a)mar faziam antítese à cultura vigente. O personagem, atualmente com 61 anos, fala devagar de seu revés amoroso que o levou a deixar tudo e ao mesmo tempo buscar outra forma de enriquecimento que não o trabalho duro e amargo da maioria dos brasileiros.
.
O antropólogo Luiz Eduardo Soares disse que não gravou uma linha sequer da história de Ronald Soares e asseverou que a narrativa foi resultado do que sentia depois de longas e longas conversas com seu companheiro de trabalho. Pelo desenrolar da conversa daquele dia, aparentemente, o livro não se assenta em ficções, a não ser por alguns nomes e lugares que o autor resolveu por “pudor” não revelar. De todo modo, a engrenagem que se movimenta a partir de Ronald o coloca de frente e depois no interior do tráfico internacional de drogas. No interregno de 1996 a 1999, o brasileiro tornou-se um importante “representante comercial” de um grupo associado ao já conhecido colombiano Cartel de Cali. Assim seguiu sua trajetória até ser preso e condenado a 24 anos de reclusão por traficar duas toneladas de cocaína para a Inglaterra. Suas relações perigosas e ilegais, por vezes interessantes e complexas são curiosas, fantásticas e, não poucas vezes, beiram realmente a uma ficção. 
.
A própria história de um jovem que chega a ser uma das cabeças do tráfico de drogas parece inimaginável. O percurso de uma subjetividade adolescente, a qual amarrada à cocaína se torna adulta é descrita de forma genial. E essa história, quando associada ao percurso do pó branco que sai da selva colombiana em aviões e aeroportos clandestinos e chega à Europa e nos EUA repleta de perigo, emoções, inseguranças e medo teceu a história de Ronald com muitas pessoas e coadjuvantes. Inclusive, quando tudo parecia já ter terminado.
.
Ronald Soares descreveu em voz firme e calma a sua experiência na prisão de segurança máxima em Londres. Solitário e na solitária, o trocadilho tem o seu sentido, Ronald Soares passou por maus bocados. Lá, diferentemente de cá, as coisas funcionam no sentido de quebrar o indivíduo. O sofrimento e a angústia - “sem um tapa” - podem ser bons companheiros, mas não tão bons quando em 40 e em 40 minutos um oficial da polícia lhe visita para descrever o que está acontecendo no seu pequeno cubículo. Essa dor da vigilância constante, a qual certamente deve ter causado alguns transtornos psíquicos e físicos - porque é claro que se fica esperando, britanicamente, como diz o personagem, o retorno do próximo oficial - pode ser chamada de uma “tortura de primeiro mundo”. Em um campo no qual o toque humano é raridade, um telefonema um verdadeiro presente, a visita uma possibilidade e o banho de sol naturalmente fora de cogitação é plausível perguntar o porquê da não preferência pela morte. Mas como tudo conspira para a vida, Ronald Soares não se rendeu e, como disse - diferentemente de muitos que estavam por lá -, “via uma luz no fim do túnel” e se apegou a ela: “as mulheres” de sua vida ressignificando sua trajetória, história e sociabilidade esgarçada.
.
A história desse homem é fascinante. Ele cumpriu 12 anos de prisão e após ser transferido para Bangu no Rio de Janeiro, “que parecia uma fazenda e onde eu via o esgoto a céu aberto, ouvia o canto do galo e via céu azul”, teve sua pena extinta em julho do ano passado. Tanto no livro como no “Sempre um Papo” Luiz Eduardo Soares contou resumidamente o drama da filha de Ronald. Uma jovem guerreira que aos vinte e poucos anos de idade ficou sabendo da história do pai e viu sua casa ser invadida pela polícia federal. Logo depois ela se engajou na luta por sua liberdade e, obviamente, abriu mão de sonhos e desejos. Para não tirar a curiosidade dos que gostam de ler vou finalizando por aqui, justamente porque acho que está aí mais uma boa história para o professor e cientista social Luiz Eduardo Soares contar com maiores detalhes, pena que ele anda sem tempo.

.
.
* Professor da UEMG (Universidade do Estado de Minas Gerais) na FAE (Faculdade de Educação) em BH. Autor do livro “Fordismo: origens e metamorfoses”. Piracicaba: Ed. UNIMEP, 2004; organizador da obra “Polícia em Movimento”. Belo Horizonte: Ed. ASPRA, 2006 e organizador de “Mulher, política e sociedade”. Brumadinho, MG: Ed. ASA, 2009.

domingo, 8 de maio de 2011

ALUNO ENTREVISTA*

Iniciando uma nova coluna ‒ Aluno entrevista ‒ o Pedagogia Informa abrirá espaço para que um estudante do curso de Pedagogia entreviste um professor.
Para inaugurar a coluna, a aluna Iara Ferreira, do NF IVA, escolheu o profo Lúcio Alves de Barros para ser o primeiro. Confira a entrevista a seguir.

Iara: De início, apresente-se à comunidade acadêmica da FaE, falando de sua formação profissional e de sua atuação acadêmica.
Prof Lúcio: Não tenho muito o que dizer: segui o que foi possível. Minha graduação foi em Ciências Sociais na UFJF (Universidade Federal de Juiz de Fora), na qual também andei fazendo muitas disciplinas de Filosofia. Lá pesquisei o movimento sindical, educação e trabalho com um grande Professor, Luiz Flávio Rainho. Por sorte, passei no mestrado em sociologia na UFMG e tive a orientação de outro grande professor, Vinicius Caldeira Brant. O doutorado foi em Ciências Humanas: sociologia e política na UFMG. Na graduação e no mestrado pesquisei as relações de trabalho enfocando as questões da educação com a qualificação e o que hoje os acadêmicos chamam de competência. Publiquei um livrinho e depois fui estudar a Polícia Militar e resolvi, com trabalhos etnográficos, ver o problema da violência e da educação. Recentemente eu e a Débora, aluna da FAE, terminamos um relatório e entregamos ao Centro de Pesquisa. Também andei publicando alguns livros de foram organizados por mim como "Mulher Política e sociedade", "Polícia em Movimento" e um de poesias. Dessas experiências, seguramente, o melhor foi conhecer e conviver com certas pessoas. O resto foram acontecimentos da vida.

Iara: O blog Educação Encarcerada (http://nepfhe-educacaoeviolencia.blogspot.com/), desenvolvido por integrantes do NEPFHE (Núcleo de Estudos e Pesquisas em Filosofia e História da Educação) e vinculado à pesquisa "O MEDO NOSSO DE CADA DIA: da violência entre professores e alunos às escolas fortificadas e desiguais", realizou uma enquete intitulada: O sucesso na segurança pública depende da educação? O resultado foi o seguinte: 93 votos - sim, 16 - não e 6 - não sabe. Em sua opinião, o sucesso na segurança pública depende da educação, por quê?
Prof Lúcio: Eu ainda acredito que a educação, tanto a formal quanto a informal é a saída para todos os infortúnios. Também acho que é a única relação verdadeira que nos divide dos animais e dos "meios humanos" que estão por aí. Os estudiosos do campo da violência gostam de falar que existe uma supervalorização da educação, porque, mesmo com mais escolaridade, assistimos ao aumento da criminalidade. Uma besteira: o problema é que não entendo a educação como algo normativo entre alunos e professores. Educação é postura, é um processo, é condição de caráter. Não sei se me fiz entender, mas educação é mais do que pensam as autoridades e os técnicos do MEC. Quanto à enquete, ela não supreendeu. E devemos olhar com cuidado, porque a meu ver são poucas as respostas. De qualquer forma, entendo que estaríamos melhores se construíssemos mais escolas do que penitenciárias.

Iara: Embora com 93 votos positivos, houve um significativo número de respostas negativas (16). Qual é o seu comentário sobre este resultado?
Prof Lúcio: A questão é simples. Ainda temos pessoas que não acreditam na educação e também aqueles que não acreditam que as duas esferas podem estar relacionadas. O que acho importante nesta questão é ressaltar o papel do agente educador. No campo da segurança pública, ainda mais nos dias de hoje, não vejo como importante o delegado, o promotor, o juiz ou o policial. Ainda vamos sofrer e muito para ver que o ator mais importante dessa história toda é o professor. E aproveito a oportunidade para mencionar que não é possível um professor ter o salário menor do que o de um juiz, um promotor, um delegado ou oficial da polícia. Ou nos colocamos como atores importantes na sociedade ou vamos continuar minimizando o nosso papel e perdendo alunos e alunas para outras esferas de sociabilidade.

Iara: A mídia, em especial os impressos populares e os jornais televisivos, exibe a cada dia um número maior de reportagens tidas como "sangrentas". Em sua opinião, até que ponto essas reportangens podem influenciar a sociedade, sobretudo as crianças, causando o medo e até incitando à própria violência?
Prof Lúcio: Eu não tenho dúvida quanto à interferência da mídia nos mecanismos da criminalidade e da violência. De todo modo, é importante não esquecer que não existe a violência, mas violências, com "s" no final. A mídia trabalha com qualquer coisa. O que é hoje o jornalismo: um bando de gente escondendo a verdade, vendendo o sensacionalismo, o espetáculo e fazendo conchavos com os "donos do poder". Nada mais. A ideia de uma comunicação social, voltada para a democracia, o bem estar da população, como mecanismo de controle e informação, já virou sonho e um monte de dissertação de mestrado e doutorado.

Iara: Ainda sobre a violência, os casos são alarmantes e aumentam cada vez mais dentro do espaço escolar. Como ilustração, temos o filme A onda, uma das indicações do blog, que retrata um professor delegado a dar aulas de autocracia. Para prender a atenção dos alunos, ele propõe um experimento disciplinar prático que os levaria a se sentir dentro de um regime fascista. O experimento toma proporções exageradas a ponto de fugir ao controle do professor. Até onde deve ir a ousadia de um professor para não exagerar na relação com o aluno e acabar promovendo a violência?
Prof Lúcio: Eu entendo aquele filme como uma aula de didática. Infelizmente, é impossível para um professor saber o que passa na cabeça de muitos alunos. Não encontro culpados naquela narrativa. Encontro pessoas com personalidades autoritárias. O filme supervaloriza o papel do professor e não revela, ou pelo menos não deixa clara a relação, que os alunos ainda estão em outras esferas de relações sociais como a família, amigos ‒ por sinal envolvidos em drogas e gangues ‒, esportes e neste mundo virtual no qual as pessoas passam por seres potentes e oniscientes. Mas o importante é frisar que o professor não pode abrir mão do seu poder discricionário. Abrir mão de sua autoridade e dos méritos que conseguiu. Hoje assistimos tudo pelo avesso. Professores apanhando, com medo de sala de aula, sendo processados, frequentando as delegacias, doentes e cansados. Um bom experimento seria aumentar o salário e melhorar as condições de trabalho.

Iara: Mudando um pouco de assunto e, para finalizar a entrevista, na perspectiva dos alunos, a universidade é um espaço de alta rotatividade, ou seja, estudantes entram, estudantes saem. O que fica, ou o que eles deixam?
Prof Lúcio: Eu creio que nossas universidades, principalmente as federais, são da elite. O que fica é a percepção que no aluno privilegiado está materializado a eterna concentração de renda. Os mesmos dos mesmos. A continuidade e o uso de relações pessoais para a manutenção de uma espécie de "feudo do saber". Neste caso, os que ficam e os que partem fazem parte de um jogo sádico e silencioso, no qual todos já sabemos quem será o vencedor. Posso estar sendo pessimista, mas é o que sinto neste momento e, mesmo assim, acho que isso é próprio da cultura brasileira. Logo, estudantes e nós professores ‒ que também somos estudantes ‒ deixamos sempre um pouco de saudade. No entanto, uma saudade que vai perdendo o romantismo quando você se depara com amigos cansados, arrebentados pela vida, maltratados no trabalho e digo amigos porque já tenho muitos ex-alunos que hoje são companheiros de trabalho e os vejo passar pelos mesmos problemas. E quais são esses problemas? Os mesmos de sempre: péssimas condições de trabalho, salários não condizentes para a efetuação de um bom trabalho, salas abarrotadas, notadamente nas faculdades particulares e escolas do estado, pouco tempo para estudar (porque a maioria hoje se desdobra em mais de um local de trabalho), doenças a chegar, reconhecimento a desejar e o eterno sonho de que um dia vamos realmente ‒ com segurança e otimismo ‒ ensinar.



(*) Publicado em: "Pedagogia Informa" ‒ informativo interno da Faculdade de Educação do Campus de Belo Horizonte da UEMG, Belo Horizonte, ano XXVI, n. 215/216, p. 8, abr./maio 2011.

quinta-feira, 5 de maio de 2011

A EDUCAÇÃO NO CAMPO DAS VIOLÊNCIA(S)


por Lúcio Alves de Barros*

O episódio acontecido na Escola Municipal Tasso da Silveira em Realengo no oeste do Rio de Janeiro, na qual 12 estudantes foram assassinados reacendeu a discussão acerca da violência nas escolas. Autoridades, diretores, professores e pais estão meio atordoados ou em luto pelo fato de um homem poder entrar e atirar a esmo dentro das salas de aula. O problema é sério e ninguém há de duvidar disso. Até porque, como a mídia anda atenta, aqui e acolá temos notícias de facas e outras armas rondando escolas. Todavia, é necessário pontuar algumas questões:

Em primeiro, é importante evitar o uso e abuso do conceito de violência. Há tempos os estudiosos do assunto tem chamado atenção para a utilização adequada do termo “violências”, em destaque o “s” no final. A ideia é ressaltar que não existe um só tipo, perfil ou face da relação que constrange e modifica toda química corporal do outro. Como fato social normal, em certos casos a violência é mesmo necessária, crucial e, por vezes obrigatória.

Em segundo, é bom deixar evidente que em relação à violência na educação, me parece óbvio apontar que no mínimo três relações de violências estão presentes no cotidiano escolar: (1) “a violência intramuros”, notadamente aquela que se desenrola no interior da escola entre professores, alunos e funcionários, (2) “a violência fora dos muros da instituição”, especialmente os casos de conflitos, crimes e tráficos que sabemos que hoje rondam os muros das escolas em busca da presa frágil e ingênua e (3) “a violência contra a escola”, um fenômeno antigo e fácil de verificar quando tornou-se normal aos olhos do senso comum ver escolas depredadas, castigadas pelo tempo, pichadas, arrebentadas, maltratas, sujas, esquecidas pela comunidade, pelas autoridades e, não poucas vezes, vítimas de roubos e acontecimentos inesperados.

Creio que para muitos desatentos essas questões podem passar despercebidas e, mesmo quando são lembradas, rapidamente, de acordo com a cultura que se forjou no local passam a ser banalizadas, esquecidas e aceitas naturalmente. Enquanto o problema bater somente na casa do vizinho, poucos vão se mobilizar no intuito de modificar esse quadro.

No caminho da problemática das violências, é bom apontar também para a diferença da violência que ocorre nas escolas públicas e nas escolas do setor privado. Nas primeiras, alunos e professores se acostumaram com a violência difusa, a ansiedade sempre presente e os problemas familiares que não demoram muito a explodir na cara do professor. Obviamente não é possível generalizar, ainda existem escolas públicas bem cuidadas e que estão longe das que andam acompanhadas do medo e da incerteza. Contudo, é preciso apontar para o grande número de alunos em sala, os baixos salários dos professores, as péssimas condições de trabalho que, na visão de boa parte dos docentes, não deixa de ser uma espécie de “violência simbólica”. No que se refere às instituições privadas, a coisa parece diferente. O aluno agressivo, ou “com problemas” tende a receber uma maior atenção. O cuidado dos diretores e supervisores é óbvio, nada como cuidar do capital, mas o efeito parece ser interessante e um ponto importante de prevenção. Em tais escolas ainda não vemos muitos muros pichados, mas são mais do que perceptíveis as várias câmeras e os seguranças de plantão. Devido a seletividade financeira, tudo indica que a elite sabe cuidar melhor das instituições que ela paga.

Curioso, pois os argumentos servem aqui e ali para as instituições de curso superior. Pequenas são as diferenças, como casos de alunos que chamam professores para a “porrada” (é essa mesma a palavra) ou que levam armas para a faculdade que está cheia de colegas que adoram utilizar o famoso chavão “estou pagando”. Estes episódios, na maioria silenciados na direção têm causado vítimas. Professores andam apanhando, adoecendo, morrendo e os sindicatos começam a se mobilizar - na base da denúncia anônima - para tentar barrar a onda de agressividade desmedida que raramente não resulta em criminalidade. É bom ressaltar que as universidade públicas parecem ainda ilhas de excelência neste campo, não que inexistam casos e mais casos, principalmente entre alunos. Também vemos a prática ostensiva das pichações, mas nada que manche por inteiro a imagem que vive com boa parte do erário público e respaldada por uma elite sedenta de um ensino com qualidade.

Finalmente, cumpre lembrar que o conceito de violência não é o mesmo que o de crime. Os meios de comunicação tendem a não diferenciar os conceitos chegando mesmo a criar uma confusão na cabeça das pessoas. De qualquer modo, todo cuidado é pouco. Diferenciar os acontecimentos é bom, pois evita equívocos, lideranças sem fundamento, bancadas e discursos políticos, paranoia, pânico, gastos desnecessários de recursos, reuniões sem qualidade, comissões sem funcionalidade e muitas palavras que, utilizadas e jogadas ao vento como se fossem verdades absolutas podem atingir subjetividades inocentes e, por ressonância, cansaço e desmotivação. Dois sentimentos que tiram da guarita pessoas que poderiam estar ajudando na prevenção e na ostensiva e necessária segurança nossa de cada dia.

*- Doutor em Ciências Humanas pela UFMG e professor da FAE (Faculdade de Educação) da UEMG (Universidade do Estado de Minas Gerais) em Belo Horizonte (MG).

quinta-feira, 7 de abril de 2011

EDUCAÇÃO, MORTE E INDIGNAÇÃO

Imgem Folha de São Paulo on line.

por Lúcio Alves de Barros*


“Ele entrou na escola dizendo que daria uma palestra. Foi para uma sala da oitava série, que fica no primeiro andar, e sem falar nada tirou uma pistola da bolsa e começou a atirar. A polícia chegou, e ele tentou subir para o segundo andar, quando viu que estava cercado, deu um tiro na cabeça” (Dorival Porto Rafael, gari que estava na escola na hora do tiroteio em entrevista ao Jornal O Globo).


A morte e a educação, diante de determinados acontecimentos não são irmãs siamesas, tampouco devem andar de mãos dadas como namorados apaixonados. A tragédia ocorrida na manhã desta quinta-feira, na Escola Municipal Tasso da Silveira, em Realengo no oeste do Rio de Janeiro, não deixa de causar espanto, descontentamento, mal-estar, pânico e indignação. O fato é que um ex-aluno invadiu a escola e teve o tempo necessário para atirar, matar estudantes indefesos, recarregar a arma e tentar ir para o segundo andar para, provavelmente, repetir o mesmo ato. Onze estudantes foram assassinados, dez meninas e um menino (entre 12 e 14 anos) e 18 ficaram feridos.

Wellington Menezes de Oliveira, 23 anos, não aumentou a magnitude da tragédia porque um aluno baleado conseguiu escapar e encontrar um sargento da Polícia Militar, Marcos Alexandre Alves, o qual por sorte estava de serviço em uma operação de trânsito próximo da escola. O atirador foi detido após ser baleado na perna e depois fugiu pela porta do suicídio.

O acontecimento não deve ser entendido como episódios normais de escolas no exterior. As coisas por aqui são assim: espera-se acontecer para depois tomar providências. O covarde atirador, consciente e no papel de predador estava com duas armas, com cinto municiado e chegou mesmo a mirar no tórax ou na cabeça das crianças e dos adolescentes. Além disso, deixou um rascunho de uma carta e pelas informações é lícito afirmar a premeditação do ato.

Quando pensamos que tudo já aconteceu entre os muros das escolas, ainda somos surpreendidos por acontecimentos inacreditáveis recheados com requintes de crueldade e brutalidade. A história parece bem conhecida quando na memória aparecem as imagens dos casos acontecidos nas escolas norte-americanas. Os mais desinformados vão dizer que se trata de um ato terrorista e que, no limite, estamos presenciando a ação de um verdadeiro sociopata. Explicações que não auxiliam a solucionar o problema da violência no interior e fora das escolas. A violência escolar já é fato desde a década de 80, mas esta, que vem covardemente e de forma violenta fora dos muros escolares é novidade.

A questão a meu ver é complexa e aponta para a importância da prevenção: em primeiro é preciso frisar que a violência nas escolas não é um fenômeno novo. Há tempos venho revelando a “violência dura” entre professores e alunos. Os casos, geralmente, se limitavam aos muros das escolas e, na maioria das vezes, a polícia se apresentava como o órgão do depois para a manutenção do controle e da ostensiva ameaça.

É lugar comum dizer que trata-se de uma tragédia anunciada. A grande maioria das escolas públicas, tanto no Rio de Janeiro como em outras partes desse país estão entregues à própria sorte. Muros altos, grades, “seguranças” sem qualificação e mesmo a famosa portaria com uma “portinhola” ridícula não parecem ser elementos suficientes para garantir a segurança escolar. E não me venham com desculpas: é inadmissível um acontecimento como este. Cerca de 1000 alunos estudam naquela escola que funciona em três turnos. Também não me venham com psicologia e/ou psiquiatria forense, discursos de criminólogos e a saída de que possivelmente o assassino tenha participado de grupos terroristas ou sofrido bullying na infância porque no passado foi aluno da instituição. Não é possível engolir tais desculpas.

Escrevo com indignação e no calor dos acontecimentos, pois o crime foi premeditado e - repito - o criminoso além de ter tempo necessário para recarregar a arma, soube o momento certo de entrar na escola e, curiosamente, não atirou nos professores e nos funcionários preferindo os corpos ainda em formação das crianças e dos adolescentes. O rapaz ainda conseguiu colocar em tela o pânico e o medo, pois, de acordo com as informações veiculadas em tempo real na TV, com diversas entrevistas, ele começou a atirar já na entrada da escola e, com os tiros alunos e alunas desmaiaram e professores desesperados começaram a colocar carteiras e cadeiras nas portas no intuito de barrar a entrada do assassino nas salas de aula.

E não deixo de mencionar a responsabilidade do Governo do Estado e do Município neste episódio. Como afirmei, as escolas públicas carecem dos mais singelos meios de garantia de segurança. Preocupadas com as UPPS e outras práticas de segurança pública as autoridades esqueceram as insituições escolares e elas seguem se virando com professores e funcionários que, por natureza, não são técnicos e capazes de manutenção da segurança.

A tragédia carioca, digna de luto nacional, porque atinge de frente a comunidade escolar, deve ser entendida como um problema de política pública. A escola é um espaço sagrado e não merece que tais acontecimentos utilizem o seu palco. Pais e mães, que colocam os filhos em instituições escolares esperam o mínimo do Estado: a educação e a segurança que, constitucionalmente, é dever do próprio Estado. Não vejo a razão de pagamentos de impostos se eles não são bem utilizados e também da existência de um campo normativo que diz garantir a educação gratuita e de qualidade. Estou cansado deste mito.

Também não podemos pensar que trata-se de um caso isolado. Esta é uma das desculpas mais utilizadas pelas autoridades sem comprometimento e qualificação em exercer o cargo. Volto a dizer, enquanto não entendermos que educação e segurança pública andam de mãos dadas, nada me convence e explica a ação de um homicida no interior de uma escola. O caso não tem precedentes em solo brasileiro, mas tenho receio que volte a acontecer, pois no Brasil determinados acontecimentos em geral são banalizados e esquecidos e, por vezes, repetidos.

Finalmente, é lamentável o acontecimento e sinto-me profundamente triste e emocionado. Não posso deixar de mostrar meu repúdio e indignação porque - definitivamente - neste momento, não acredito em uma sociedade que mata crianças e adolescentes como se fossem animais presos e indefesos. E desculpe-me o desabafo, mas também não acredito nas autoridades, nas políticas públicas que estão sendo levadas a efeito, uma vez que é mais do que perceptível a “cultura do depois” ao invés da “cultura da prevenção e da paz”. Jogo nestas linhas a esperança para debaixo das carteiras e cadeiras escolares sujas de sangue, suor e medo e coloco o uniforme da perseverança, pois como professor e envergonhado pela sociedade que temos revelo em público meus sentimentos aos pais e as mães desses pequenos e grandes estudantes que, de uma forma ou de outra, enfrentaram o adulto predador, sedento de morte e sangue.


*- Doutor em Ciências Humanas e Professor na FAE/BH (Faculdade de Educação) da UEMG (Universidade do Estado de Minas Gerais).