terça-feira, 26 de novembro de 2013

O fascínio de Summerhill, uma escola democrática e instigante

Por Fátima Oliveira
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PUBLICADO EM 26/11/13 - 03h00
Criar filhos em uma sociedade cada vez mais individualista e consumista é um desafio de fritar neurônios. Penso que o antídoto está nas escolas humanistas, solidárias, que educam para a liberdade e a felicidade. Sei que sou o que sou, e gosto do que sou, graças a uma escola pautada por uma visão humanista, o Colégio Colinense.
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Sou uma professora normalista que se formou em medicina. Amei estudar filosofia e conhecer os grandes pensadores da educação. Já escrevi sobre uma educadora admirável: “Maria Montessori: médica italiana fascinada pela educação” (O TEMPO, 6.11.2012). Minha neta Clarinha, de quase 4 anos, vai para uma escola montessoriana, a Upaon-Açu, em São Luís (MA), que ela amou ao primeiro olhar; e quando perguntei se gostou da escola nova, ela tascou: “Hum hum... Eu não estudei lá ainda não, vovó! Fui só passear”. E se encantou com a biblioteca...
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Reverencio o educador escocês Alexander Sutherland Neill (A. S. Neill, 1883-1973), o lendário criador de Summerhill, desde que li “Liberdade sem Medo (Summerhill)”. A origem da pedagogia libertária e antiautoritária de Summerhill é a International School, em Hellerau, Dresden, Alemanha, em 1921, que migrou para o topo de uma montanha na Áustria; em 1923, foi para uma casa chamada Summerhill, em Lyme Regis, Inglaterra; e em 1927 se instalou, definitivamente, numa chácara, em Leiston, condado de Suffolk, a 160 km de Londres.
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O que é Summerhill? É uma escola democrática pioneira, para crianças a partir de 5 anos e jovens até 18 anos (ensino fundamental e médio), em regime de internato, que se autorregula – as decisões são tomadas em assembleias, nas quais os votos de professores, alunos e funcionários possuem peso igual – e nenhum adulto possui mais direitos que uma criança; assistir a aulas não é obrigatório, embora ofereça a grade curricular oficial. Para Neill, o objetivo da escola é fornecer equilíbrio emocional, a principal via para a felicidade. A dentista Nadia Hartmann, ex-aluna de Summerhill, ficou anos sem ir à aula, até que resolveu ser dentista e “decidiu se focar e estudar para as provas”. Seus dois filhos estudam lá. Ela é a prova do que Neill pensava: “Constranger uma criança a estudar alguma coisa tem a mesma força de um governo que obriga a adotar uma religião”.
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A inspiração filosófica de Summerhill foi a compreensão de Neill de que “A humanidade está doente e essa doença decorre do tratamento repressivo que as crianças recebem numa sociedade patriarcal. Inclusive nas questões ligadas à repressão sexual, em especial quando associadas a normas religiosas malcompreendidas”.
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Summerhill é dirigida pela filha de Neill, que nasceu, estudou e vive lá: Zoë Readhead, instrutora de equitação. A média do número de alunos é entre 80 e 90, de vários países. Em 92 anos, nenhum caso de gravidez adolescente nem de drogadização. Zoë declarou que Summerhill ignora os diagnósticos de Transtornos de Déficit de Atenção com Hiperatividade, pois “Nós não categorizamos os alunos”.
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Indagada “O que será de seus alunos quando eles deixarem Summerhill?”, disse Zoë: “Nossos formandos são muito bons em concretizar a imaginação. Eles fazem acontecer! Temos empresários de sucesso, escritores, cientistas, médicos e muitos formandos se decidem por profissões criativas” – gente que guarda Summerhill como a experiência mais marcante de suas vidas, concretizando o sonho de Neill: “Preferiria que Summerhill produzisse um varredor de rua feliz do que um primeiro-ministro neurótico”.
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* É médica e escritora.
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Fonte: O Tempo (MG)

terça-feira, 19 de novembro de 2013

Combater droga em escolas é desafio

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A presença das drogas no espaço das escolas é uma realidade crescente. Levantamento feito pela Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad) a respeito do uso de entorpecentes entre estudantes dos ensinos fundamental e médio nas capitais brasileiras mostra que cerca de 60% dos alunos de escolas públicas e mais de 65% das privadas já fizeram uso de substâncias tóxicas. A pesquisa revela também que cerca de metade dos estudantes faz uso recreativo ou ocasional. Em Juiz de Fora, a situação não é diferente. A Tribuna esteve nas proximidades de duas escolas, uma pública e outra privada, ambas na região central, e ouviu estudantes e vizinhos que confirmam: as drogas - desde o álcool até a cocaína - fazem parte da rotina das instituições de ensino e tomam também as imediações das escolas.
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"Infelizmente droga dentro da escola é o que mais tem. O pessoal usa geralmente no banheiro, em sala vazia, onde der para usar, usam", relatou um adolescente, 16 anos, estudante de uma escola estadual do Centro de Juiz de Fora. "Tem gente fumando cigarro, bebendo no banheiro, e ninguém fala nada", conta outra estudante, 15. "É fácil entrar com droga, pois ninguém olha mochila, nada, até arma entra no colégio, já é rotina", 15. Um funcionário da própria instituição confirma: "Tem sim, muita coisa entrando, mas não podemos revistar. O que achamos geralmente são vestígios. Quando pegamos algum aluno, levamos para a direção. Mas fora da escola, a situação já fugiu ao controle. Às vezes, ficam na calçada ou vão para a pracinha próxima. Só sentimos o cheiro. À tarde ainda é pior, pois são os estudantes mais velhos. Mas não tem distinção, é menino, menina usando", relata um auxiliar de serviços gerais, 50.
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Além dos abusos de alunos, há escolas que são alvos de vândalos e usuários de drogas nos fins de semana. Isso foi o que ocorreu em uma unidade pública no Bairro Cerâmica, Zona Norte, que foi invadida, danificada e usada por dependentes de droga. Docentes que voltaram nesta segunda-feira (18) ao trabalho depois do feriadão encontraram uma latinha para o consumo de crack, indicando que os invasores utilizaram as dependências do colégio para o vício, além de vários cômodos revirados, porta arrombada e janelas quebradas. Para especialistas, uma das alternativas para frear a disseminação de drogas no ambiente escolar é a prevenção. Neste sentido, Juiz de Fora foi escolhida para ser referência nacional em capacitação de educadores. A previsão é de que dez mil profissionais passem pelo curso que será oferecido pelo Centro de Educação a Distância (Cead) da UFJF, com início em janeiro de 2014.
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Nas proximidades - Nos arredores das escolas, as cenas de estudantes uniformizados fazendo uso de entorpecentes incomodam. "Um dia tinha um adolescente fumando maconha, com um menino que parecia ser irmão mais novo do lado. A gente fica muito assustada", comentou uma manicure, 38 anos. Uma aposentada, 60, moradora da Rua Fernando Lobo, também relatou cenas semelhantes. "Costumam sentar nas escadas, usando droga debaixo da nossa janela. É muito desconfortável assistir a isso."
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Em outubro, três adolescentes de 17 anos e um jovem de 20 foram apreendidos na Rua Fernando Lobo com maconha. O grupo foi flagrado pela Polícia Militar comercializando drogas para estudantes uniformizados, no Parque Halfeld, mas fugiu para a via. Estudantes de instituições particulares da região também são vistos usando droga à luz do dia pelos vizinhos. "Formam grupinhos e sobem e descem a rua fumando maconha tranquilamente", relatou um contador, 54, que trabalha na Rua Oswaldo Cruz.
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Orientação - Especialistas e polícias defendem que a orientação seja feita não só na família, mas na escola. "Um dia desses, um amigo levou maconha, a professora viu e não falou nada", contou uma adolescente, 15. Outro colega, 14, completou: "Os professores hoje não estão dando conta nem do ensino, quanto mais cuidar de aluno." Uma outra estudante, entretanto, diz que há orientação de alguns educadores. "Alguns falam sempre com a gente para ter cuidado, mas outros não", 14.
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Telmo Ronzani, coordenador do Centro de Referência em Pesquisa, Intervenção e Avaliação em Álcool e Outras Drogas (Crepeia) da UFJF, diz que a educação é estratégica para a prevenção. "Só vamos conseguir mudar os indicadores com trabalhos preventivos mais efetivos, e as escolas são locais fundamentais", defende Ronzani, que está coordenando o curso de Prevenção de uso de drogas para educadores de escolas públicas, que será realizado pela primeira vez em Juiz de Fora. Em sua oitava edição, o curso é resultado de parceria entre a Universidade de Brasília (UnB), a Senad e o Ministério da Educação (MEC). Todas as outras edições da capacitação foram realizadas pela UnB.
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Professores não são os únicos responsáveis
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Danos à saúde dos alunos, dificuldade de relacionamento e aumento de violência, baixos índices de rendimento e evasão escolar. Esses são alguns dos problemas associados ao uso de drogas entre estudantes. Para a diretora da Superintendência Regional de Ensino (SRE) de Juiz de Fora, Belkis Cavalheiro Furtado, a droga é hoje um dos grandes desafios. "Não é o principal, mas principalmente nas escolas do sexto ao nono ano do ensino fundamental, a questão é mais delicada pela idade dos alunos. Já do primeiro ao quinto ano, a dificuldade está na forma de abordagem. É difícil articular com uma criança de 6, 7 anos sobre droga. É preciso preparo." A diretora destacou que, neste semestre, as 53 escolas estaduais da cidade estão desenvolvendo trabalhos relacionados à prevenção do uso de drogas. "Dentro do Fórum Permanente de Promoção da Paz Escolar, no primeiro semestre, trabalhamos o bulling e, agora, estamos tratando do crack e outras drogas, desenvolvendo atividades, palestras, teatros e outros estudos em parceria com Polícia Militar e Conselho Tutelar. O objetivo é a sensibilização e a união de esforços para reduzir o uso."
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Já a Secretaria de Educação do município informa que desenvolve, em conjunto com a Guarda Municipal, o programa "Guardas no apoio e prevenção nas escolas" (Gape), que aborda, de forma educativa, o tema dos entorpecentes e suas consequências para o organismo, interferência na família e sua relação com a violência em 30 instituições. Ambas as secretarias ressaltam a parceria com a Polícia Militar no Programa Educacional de Resistência às Drogas e à Violência (Proerd) e Jovens construindo a cidadania (JCC), que tem o objetivo de prevenir o uso de tóxicos e combater a violência entre os adolescentes. O Sindicato dos Estabelecimentos Particulares de Ensino (Sinepe/Sudeste) foi procurado, mas não enviou respostas.
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Para o coordenador do Centro de Referência em Pesquisa, Intervenção e Avaliação em Álcool e Outras Drogas (Crepeia) da UFJF, Telmo Ronzani, que também coordena o curso de prevenção que será ministrado pelo Cead, a temática da drogadição na educação continuada de educadores justifica-se, uma vez que pesquisas recentes revelam que tem crescido o consumo de drogas entre crianças e adolescentes, sendo cada vez mais precoce a idade da primeira experimentação entre estudantes. Entretanto, o especialista faz um alerta: "Só a capacitação isolada gera frustração. A educação continuada, a qualificação é importante, mas paralelamente são necessárias ações governamentais para que a prevenção surta efeito." Ronzani ainda lembra que os professores não podem ser eleitos como os únicos responsáveis por solucionar o problema."Não podemos eleger um ator social somente. Os educadores têm suas limitações. É preciso parceria, envolver setores, como família e restante da comunidade."
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O curso que será ministrado pelo Cead da UFJF está previsto para ter início em janeiro. A expectativa é de capacitação de dez mil profissionais de Minas Gerais, Rio de Janeiro e Espírito Santo.
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Escola é alvo de vandalismo
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A Escola Estadual Maria Elba Braga, no Bairro Cerâmica, Zona Norte, foi invadida e alvo de vandalismo. Apesar de terem quebrado vidraças, fechaduras e pichado as instalações, nada foi roubado. Mas os invasores teriam usado droga dentro da instituição já que no local foi encontrada uma latinha com indícios do uso de crack. A ação causou transtornos a professores e parte dos 480 alunos da instituição, já que várias salas de aula precisaram ser isoladas até a chegada da perícia da Polícia Civil. Em algumas delas, fechaduras foram danificadas e carteiras pichadas. Em uma das paredes, os vândalos ainda escreveram palavrões e siglas de facções criminosas. Em alguns casos, os vidros foram quebrados a pedradas. Trabalhos infantis afixados na área externa foram arrancados, e um armário, revirado.
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De acordo com o boletim de ocorrência da Polícia Militar, no andar térreo, foram arrombadas as fechaduras de duas salas de aula, além dos danos causados na janela da cozinha, supostamente quebrada para abertura de um freezer. A vidraça do cômodo onde ficam computadores também foi estilhaçada. Já no piso superior, os criminosos entraram em três salas, quebraram vidros e retiraram duas lâmpadas do corredor. Conforme a PM, os locais arrombados não possuíam alarme, mas a escola conta com o dispositivo em outras partes. Nenhum suspeito foi identificado. O caso foi encaminhado para investigação na Polícia Civil. A assessoria da Secretaria de Estado da Educação disse que foi informada da invasão, mas não confirma o uso de drogas.
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A diretora da Superintendência Regional de Ensino (SRE), Belkis Cavalheiro Furtado, diz que os muros não impedem as invasões, mas afirma que episódios como este têm sido registrados apenas em algumas regiões da cidade.
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Fonte: Tribuna de Minas (MG)

domingo, 10 de novembro de 2013

Autofagia e trabalho docente no campo da educação

Por Lúcio Alves de Barros*
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A massificação, a proletarização, o assalariamento predatório, a diminuição da autoridade e o avanço das relações de mercado no campo da educação têm produzido conturbadas relações sociais entre os professores. Apavorados, desanimados, magoados, cansados e colocados em xeque, a categoria tem compartilhado o sofrimento, as doenças, o desemprego, a ansiedade e o medo. Mas não é para menos: nos últimos anos, uma espécie de “segure-se quem puder” invadiu de vez as escolas, as faculdades e as universidades. Em terra de leão, é claro que são poucas as ovelhas que sairão impunes de relações perversas que colocam em questão a subjetividade do ser que trabalha – por natureza – com a interação. Explico do que se trata.
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Em primeiro lugar, já são notórias as relações de falsidade, deslealdade, maldade e crueldade em meio aos docentes. É certo que na maioria das relações de trabalho tais fenômenos também se fazem presentes, mas no caso dos professores eles vêm tomando efeitos dramáticos, principalmente porque a categoria há anos vem sendo desmotivada pelas más condições de trabalho, pelo aumento da carga laboral e pela perda da autoridade em sala de aula e fora dela. Vulnerável, a categoria se rende ao sadismo/masoquismo próprios da cultura da violência e da exclusão. O caminho é claro: o “segure-se quem puder” não é para todos, e logo são excluídos os “mais sensíveis” – que vão caindo em meio às batalhas emocionais com os “mais fortes”.
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Em segundo, é preciso apontar para a “seleção social” produzida no mercado laboral dos docentes. A lógica do mercado educacional nos últimos tempos tem se baseado no número de publicações, artigos, textos, livros, orientações e apresentações em congressos, seminários e outros eventos. Nessa esfera, o corporativismo ganha vida, pequenos e grandes núcleos se formam, se reproduzem, se protegem e se distribuem em “pesquisas” recheadas de bolsas e investimentos públicos. Tais pesquisas, em geral, se transformam em artigos escritos por muitas mãos, as quais não deixam de labutar no intuito de conchavos para o credenciamento em órgãos governamentais. E, diga-se de passagem, não se procura mais qualquer revista: o operariado do saber quer um “B1”, um “B2” e, se possível, para tirar onda no ar, um “A”. O curioso é que a luta acaba sendo por um artigo lido pelos próprios pares e citado pelos próprios companheiros e que raramente chega a um público maior e talvez interessado. Na verdade, tudo é produzido para a reprodução do “homo academicus”, de Bourdieu, que goza ao ver o nome estampado na internet ou no último evento de cartaz colado na parede. E tudo funciona para que o famoso Curriculum Lattes se transforme em capital simbólico, que, na maioria das instituições, aparece como garantia de credenciamento como “instituição de respeito”. Aos docentes que não conseguem se enquadrar restam a dura realidade da fofoca e dos apelidos maldosos que rondam as salas e os cargos menos significantes de direção.
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Acrescentam-se às condições colocadas o esvaziamento dos sindicatos e das associações especialmente no quesito mobilização coletiva. É bem verdade que em todo o país assistimos ao desenrolar de algumas greves, principalmente em relação à questão salarial e ao piso dificilmente legitimado pelas autoridades que gerenciam muitos estados da Federação. Todavia, os trabalhadores da educação não parecem animados, tampouco disponíveis para participar de ações coletivas. O “segure-se quem puder” e a seleção social no interior da categoria garantiu lugar privilegiado para aqueles que conseguiram entrar e fazer parte da onda de privilégios, bolsas e grupos que podem possuir mais ou menos condições de conseguir determinados direitos nos sindicatos da categoria. Na realidade, os trabalhadores da educação sofrem com a desvalorização e o reduzido valor-trabalho, a ponto de o individualismo fazer parte da vida pública e da vida privada, próprias da natureza das sociedades do mercado e do espetáculo.
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Oprimidos e calados pelo tempo, é preocupante a autofagia docente. Obviamente, na lida diária os mais fracos e vulneráveis à temperatura institucional dos ambientes escolares vão se queimando aos poucos. Os mais fortes viram celebridades, chegando mesmo a alimentar a mídia e as notícias da organização. As relações tornam-se mais complexas e tensas quando os docentes não estão mais entre iguais ou não compartilham o mesmo corpo. Adoentado, o corpo docente vai se alimentando de sua própria carne. Rapidamente a autofagia ganha espaço e alguns ficam no caminho: aposentados são mal vistos, especialistas são denegridos, mestres precisam estudar e o doutor deve publicar para elevar o nome da instituição. É a destruição perfeita das pessoas por meio do “conhecimento”, da informação, dos títulos e da famigerada objetividade. O processo autofágico é violento e os órgãos não têm a ciência dele, até o momento em que começam a ser devorados pelos próprios pares.
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* Professor da Faculdade de Educação da UEMG/BH
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Publicado em 1º de outubro de 2013

Como milhares de alunos, professores enfrentam dura rotina entre a casa e a escola

Uma hora e 15 minutos é o tempo que a professora Darlene Aparecida Bispo de Moura Pimenta, de 50 anos, gasta para chegar a uma das escolas em que leciona em Ribeirão das Neves, na Grande BH. Com sacrifício, mas muita dedicação, ela enfrenta 88 quilômetros de viagem de ida e volta diariamente, entre o Bairro Tupi, Norte da capital, onde mora, e as duas instituições.
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No domingo passado, o Estado de Minas mostrou as dificuldades e os riscos enfrentados por estudantes na zona rural e nas estradas para chegar à escola. E hoje conta como professores, a maioria mulheres, enfrentam drama às vezes maior, que implica duas jornadas. São lições de sacrifício e esperança por um futuro melhor para educadores e alunos.
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“Acordo às 4h25 para preparar o café da manhã do meu filho, tomo banho e me arrumo. Tenho de sair de casa no máximo às 5h15 para não perder o ônibus. O próximo só passa às 5h35 mais lotado ainda”, conta a professora. Na madrugada fria e chuvosa, ela anda dois quarteirões por ruas desertas, pega o primeiro ônibus às 5h20 e desembarca às 5h45 na esquina das ruas Guaicurus e Rio Janeiro, no Centro. Percorre mais dois quarteirões a pé e toma outro ônibus, mais vazio do que o anterior, às 5h50, na Avenida Oiapoque. Às 6h10, o coletivo chega à BR-040 com o dia já claro."
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As viagens diárias costumam ser tranquilas quando não ocorrem acidente ou manifestação fechando a BR-040. Ela consegue chegar ao Bairro Liberdade, em Ribeirão das Neves, às 6h27. Desembarca na rodovia, atravessa uma passarela, anda mais um pouco e chega às 6h30 à Escola Estadual João de Almeida, onde prepara o material didático durante uma hora e vai para a sala de aula às 7h30.
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A segunda jornada de trabalho de Darlene começa às 11h45, quando ela embarca no ônibus na 040 e vai para a Escola Estadual Henrique Sapori, no Bairro Veneza. Chega às 12h10 e sai às 17h35. “Desço do ônibus em BH por volta das 18h30, no Bairro Coração Eucarístico, e pego outro ônibus para o meu bairro, onde chego às 19h40”, conta.
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Darlene e milhares de outras professoras mineiras se desdobram em até três empregos para garantir renda melhor. Além do estresse da profissão, elas sofrem com o desgaste dos deslocamentos. Professora há 21 anos na escola do Veneza, ela diz que já se acostumou com a viagem. O ônibus para o Centro de BH sempre chega lotado. Dificilmente, ela consegue um lugar para sentar, mas na sexta-feira teve sorte. O motorista, entretanto, passou apressado pelo quebra-molas e o ônibus jogou os passageiros para cima, despertando quem estava no cochilo. A professora diz que já passou por situações mais difíceis. Quando se separou do marido, em 1995, a filha Dandara tinha 7 anos e o filho Marco, 5. “Uma moça ia do Bairro Veneza tomar conta deles lá em casa. Quando ela faltava, eu deixava uma criança tomando conta da outra. Muitas vezes, a mais velha telefonava dizendo que o irmão estava passando mal e eu não podia fazer nada. Eu ficava na escola, mas com a cabeça em casa, preocupada. Só chegava às 7 da noite”, lembra. Quando chega à 040, Darlene pede proteção a Deus, mais ainda quando chove. Ela diz ter visto diversos acidentes graves da janela dos ônibus. Uma vez, o próprio coletivo em que estava bateu num carro e começou a pegar fogo. “Tivemos que descer às pressas e pegar outro ônibus”, contou. A professora também reclama da falta de tempo para a família. “Em casa, sou a primeira a sair e a última a chegar”, diz, orgulhosa de Dandara, hoje com 25, que na noite anterior se formou em gestão pública e já trabalha na UFMG. “O caçula tem 22, estuda para concurso público e é sócio do primo numa empresa de tele-entrega de sanduíche”, comenta.
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Hipertensa, Darlene mostra a lista de medicamentos que toma: “Na escola, todo mundo usa remédio controlado”. Caprichosa, ela mostra seus cadernos com planos de aula, um para cada escola, trabalho que normalmente faz à noite, quando chega em casa, e também nas folgas de fim de semana.
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Três horas no trânsito
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Em BH, a rotina das professoras é similar à de outras cidades, segundo a diretora do Sindicato dos Trabalhadores em Educação da Rede Pública Municipal (Sind-Rede/BH), Andréa Carla Ferreira, de 42. Ela é professora de história no Bairro Dom Silvério, na Região Nordeste, e de geografia em uma escola estadual de Vespasiano, na Grande BH. Como os educadores da rede de ensino estadual, ela enfrenta dura jornada no dia a dia. São mais de três horas diárias no trânsito, quando não há engarrafamento na MG-010 e na Avenida Cristiano Machado. “Tenho medo de acidentes na estrada, principalmente quando chove e a pista fica escorregadia”, disse.
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Andréa sai às 6h15 do Bairro Cachoeirinha, na Região Nordeste, e vai de ônibus para o Dom Silvério. Depois das aulas, pega carona até a Cristiano Machado, onde embarca em um ônibus para Vespasiano. “Gasto duas horas só para ir e voltar de Vespasiano. Para o professor, não é vantagem usar o carro, pois ocorre o desgaste do veículo, manutenção e combustível. É muito caro”, disse. A professora também reclama dos gastos com o transporte. “Em BH, recebo o cartão BHBus. Mas, para Vespasiano, arco com as despesas.”
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Durante a semana, Andréa fica por conta do trabalho e retorna tarde para casa. “Dependendo do dia, ainda trabalho à noite em Vespasiano, mas normalmente saio às 18h.
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Proposta de reajuste está em tramitação.
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A Secretaria de Estado de Educação (SEE) informou que em 25 de outubro apresentou projeto de lei à Assembleia Legislativa com proposta de reajuste salarial de 5% para os servidores da educação. A progressão na carreira, que estava prevista para janeiro de 2016, será antecipada em dois anos, com 2,5%. O remanejamento de professores é definido no edital dos concursos e o candidato já escolhe previamente a cidade para onde quer ir. A transferência é regida por lei específica, segundo a secretaria, que define prazo para solicitação de remanejamento, disponibilidade de vaga na escola visada e outros critérios.
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Entre a família e a sala de aula

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Professora da Faculdade de Educação da UFMG e pesquisadora do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Inês Teixeira diz que os educadores enfrentam muito mais dificuldades na zona rural. “Ou o professor mora perto da escola, fica lá de segunda a sexta-feira, longe da família, muitas vezes em condições muito precárias, ou ele sai de casa todos os dias para ir à escola de várias formas, como kombi, motocicleta e bicicleta”, diz.
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Em sua pesquisa sobre a rotina de professores, Maria Inês afirma ter encontrado profissionais que iam trabalhar a cavalo. “Em época de chuva tem barro. Em época de sol, poeira”, afirma a professora., que também é coordenadora do Grupo de Pesquisa sobre Condição e Informação Docente (Prodoc), que reúne pesquisadores da educação superior, profissionais de várias instituições universitárias e redes de educação básica.
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Há duas situações que levam o educador a se sacrificar tanto, segundo Inês. Uma é a busca por renda maior, o que leva a pessoa a seguir de uma escola para outra. “No ensino rural ele dobra. Fica ali de manhã e de tarde. No caso das escolas das cidades, eles saem de uma escola para outra, mas pelo menos têm transporte público. Já encontrei professor que comia marmita no ônibus quando ia de uma escola para outra”, conta.
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A grande maioria dos professores é de mulheres, muitas com tripla jornada de trabalho, disse a pesquisadora. “Elas chegam cansadas em casa e têm que preparar marmita para o dia seguinte. Algumas podem almoçar na escola ou comer a merenda dos meninos”, disse. Quando têm filhos, as professoras arrumam alguém para tomar conta deles e levá-los à escola, segundo Inês.
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A pesquisadora também lembra o trabalho extraclasse que a profissional leva para casa. “Por tudo isso, o índice de adoecimento dos professores é um dos mais altos entre as categorias profissionais”, informou. O professor convive com outros desgastes em sala de aula. Segundo Inês Teixeira, os alunos têm muitas dificuldades e chegam à escola com problemas familiares e sociais, o que aumenta a exigência sobre o trabalho docente. “É uma profissão com alto índice de envolvimento humano e emocional. Inclusive, o corpo do professor fica completamente exposto. Ele fica com 45 meninos aqui, mais 35 acolá, e vai pulando de turma em turma e isso aumenta o estresse. Uma hora, está com uma turma com um perfil e depois está com outra com perfil totalmente diferente”, disse.
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“O professor vira um aconselhador do pai do aluno, um assistente social, e tudo vai cair na mão dele. Sala de aula é como um espelho da sociedade. O menino não está atento porque às vezes é um problema na família. Inclusive, os alunos já chegam à escola com muita experiência de violência que aprenderam no mundo lá fora”, conclui Inês Teixeira. No primeiro semestre, segundo ela, foram 125 mil atendimentos periciais e 934 licenças médicas de professores por motivo de saúde, muitos agravados pelo estresse.
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