quarta-feira, 27 de maio de 2015

Professor saudável é vantajoso para todos

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Mariana Cruz
 
O trágico acidente com o Airbus A320 que partiu de Barcelona, na Espanha, com destino a Dusseldorf, na Alemanha, ocorrido em março último, foi causado pelo copiloto, que, segundo foi apurado, sofria de depressão e síndrome de burnout, que é definida como "um fenômeno psicossocial, caracterizado por esgotamento físico e mental intenso, que se desenvolve como resposta a pressões prolongadas que uma pessoa sofre a partir de fatores emocionais estressantes e interpessoais relacionados com o trabalho". Essa definição deixa claro por que tantos professores (e bancários, enfermeiros, médicos, policiais, agentes penitenciários, atendentes de telemarketing e outras profissões que exigem contato direto com as pessoas) são acometidos por ela.
 
No caso dos professores, a questão se intensifica, uma vez que tal contato se dá com muitas pessoas (alunos, diretores, pais de alunos, colegas de trabalho etc.), às vezes centenas delas em algumas horas. É só fazer os cálculos: um professor que dá aula diariamente para seis turmas de 35 alunos lida com nada menos com 210 alunos por dia. Além disso, há a pressão indireta: se o aluno não vai bem, o professor é, muitas vezes, tido como o culpado. Mesmo que o aluno não tenha o menor interesse pela matéria, dizem que o professor é quem não sabe torná-la interessante. Isso até pode ocorrer em determinados casos, mas não é regra. Muitas vezes é o aluno que não se identifica com aquele conteúdo. E, no caso de um aluno bagunceiro, indisciplinado, quem lida diretamente com ele é o professor. Para tantas demandas, haja estofo psicológico.
 
Quando se trata de uma instituição privada, o aluno é visto como "cliente", e, como diz o ditado, "o cliente tem sempre razão". Quando se trata de escola pública, apesar de o aluno ser também um cliente, não é tratado como tal. Nesse caso, quem as direções buscam agradar são as secretarias de Educação. O irônico é que, se os resultados da escola forem positivos, os louros vão para os diretores, mas se for um fracasso a culpa é do professor.
 
Mas nem tudo é negativo na vida do docente. A lida com crianças e jovens é geralmente muito rica, além de ser motivo de orgulho para qualquer professor ver o aluno aprender, se transformar, conhecer coisas novas, ir construindo um corpus de pensamento próprio. Isso não tem preço.
 
A despeito dessas dificuldades, o grande problema do magistério talvez seja o baixo salário, que obriga o professor a trabalhar em diversos lugares. Quem não trabalha com educação pode considerar que um docente que tenha uma matrícula de 30 horas semanais trabalha pouco. De fato, comparado com os outros trabalhos que são de no mínimo 40 horas semanais, parece vantajoso. Acontece que nessa comparação de carga horária se está levando em conta apenas a quantidade, e não a qualidade. Diferente de muitos trabalhos, o tempo que o professor está em sala ele não pode fazer nada que não seja dar aula. Não vai ao banheiro, não come, não fala ao telefone, não checa os e-mails, não sai para tomar um ar, não pode relaxar por cinco minutos. Trata-se de um trabalho físico e vocal árduo, no qual há que se ter domínio da turma, certa moral para silenciar aqueles alunos que estão papeando alto, bom jogo de cintura para prender a atenção da turma, habilidade para fazer com que entendam o que está sendo dito e, quiçá, estimular os estudantes a participar e interagir.
 
Infelizmente não há receita pronta sobre como lidar com uma turma de 40 alunos, até porque são várias turmas por dia, cada uma com um perfil. Como fazer os alunos ficarem interessados full time? Como lidar com eventuais conflitos que venham a surgir? Tais demandas, somadas ao excesso de aulas que o professor é levado a ministrar a fim de obter melhoria salarial, podem vir a comprometer a qualidade das aulas, da didática, dos conteúdos, da atenção que deveria ser dispensada a cada aluno. Além disso, dificultam conhecer cada um deles pelo nome e saber de suas dificuldades e talentos.
 
Não precisa ser gênio para concluir que um professor com poucas turmas pode dedicar mais tempo na elaboração e correção de trabalhos, solicitar tarefas mais profundas e elaboradas, enfim, explorar mais as potencialidades de cada aluno. Infelizmente, isso é uma utopia para alguém que dá aula das sete da manhã às seis da tarde (muitos professores estendem até o horário noturno). Trata-se de uma rotina exaustiva, tanto assim que muitas vezes já na hora do almoço alguns professores estão roucos e exaustos.
 
Talvez o ideal para o professor fosse cumprir uma carga mínima de horas semanais (quem sabe  uma matricula de 16 horas) e no tempo restante exercer outra atividade que não tivesse a ver com a docência. Algo em que ele não tivesse que lidar com tantas pessoas, não tivesse que gastar tanto a voz, resolver conflitos, explicar incontáveis vezes a mesma coisa. Algo relacionado à pesquisa, à teoria, enfim alguma coisa que o tirasse dessa obrigação de matar um leão por dia.
 
Esse excesso de aulas muitas vezes faz o professor adoecer, ficar semanas de licença médica afastado do trabalho; sendo assim, não é algo bom para a instituição de ensino, nem para o governo, nem para o país.
 
Outro dia fui parada em uma blitz e, enquanto aguardava a checagem de meus documentos, comecei a conversar com um motorista de uma companhia de seguros de automóveis. Percebi, ao ver a forma como a empresa dele agia, como é obtusa essa lógica de explorar o professor a ponto de fazê-lo adoecer. Explico: a tal companhia enviava um motorista gratuitamente para buscar pessoas que vão para a balada de carro, consomem álcool e depois não podem voltar dirigindo o veículo. Achei a mordomia um tanto exagerada e perguntei ao moço se isso não acarretava prejuízo para a seguradora. Ele disse-me que, ao contrário, a empresa ganhava duas vezes: além de atrair mais clientes com tal cortesia, era muito mais econômico para ela fazer isso do que arcar com possíveis acidentes em que uma pessoa alcoolizada pudesse se envolver. Assim deveriam pensar os governantes sobre seus docentes: professores ganhando pouco e com excesso de trabalho adoecem. É muito melhor termos professores saudáveis, dispostos e estimulados; mas para isso é preciso lhes dar melhores condições salariais e trabalhistas.
 
Se até uma empresa de seguros cujo interesse maior é o lucro conseguiu perceber isso, como nossos governantes não percebem?
 
Publicado em
 
Fonte: Revista Educação Pública - http://educacaopublica.cederj.edu.br/revista/cultura/professor-saudavel-e-vantajoso-para-todos

Educação em humor


Na ‘Pátria Educadora’ de Rousseff, crise põe em risco Plano de Educação

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por Talita Bedinelli
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Depois de anunciar que o lema de seu novo mandato seria "Pátria Educadora", a presidenta Dilma Rousseff deu à educação um dos maiores cortes globais no anúncio do ajuste fiscal feito nesta sexta-feira. A área terá 9,4 bilhões de reais a menos para investir neste ano. A verba da área para as despesas discricionárias (que não são obrigatórias, como a folha de pagamento, por exemplo) caiu de 48,81 bilhões para 39,38 bilhões de reais -valor similar ao gasto no ano passado e 15 bilhões acima do mínimo constitucional obrigatório. 
 
Se por um lado isso era esperado, já que a pasta tem o segundo maior Orçamento da União, por outro, a situação gera um grande incômodo: a falta de aumento nos investimentos pode representar uma ameaça ao cumprimento do Plano Nacional de Educação (PNE), aprovado no ano passado em meio a comemorações do próprio Governo e que tem algumas metas a vencer já no ano que vem.
 
"É preciso ver com atenção onde serão os cortes dentro da pasta. A preocupação é que os prazos do plano já estão chegando e isso exigirá um esforço adicional", afirma Alejandra Meraz Velasco, coordenadora-geral da ONG Todos pela Educação. O Governo ainda não anunciou ao certo o que será cortado em cada área, mas o mais provável é que as novas obras sejam as mais afetadas.
 
O problema é que esse "esforço adicional", ao qual Velasco se refere, também tem sido difícil, já que Estados e municípios, que injetam a outra parte do dinheiro necessário para a área, têm sofrido com a queda em suas próprias arrecadações. Por lei, eles são obrigados a gastar 25% das receitas em educação -quando as receitas caem, a verba aplicada na área também cai. Em muitos locais, o cenário já é composto por obras paradas, salários de professores atrasados (e docentes em greve) e até mesmo falta de verba para comprar papel higiênico ou cortar a grama com a mesma regularidade de sempre.
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mais informações
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“Desde o final do ano passado a arrecadação já começou a diminuir. Todo mundo teve que se reorganizar e fazer os primeiros cortes. Os municípios têm segurado seus investimentos, e, na maioria deles, obras novas não estão sendo feitas”, afirma Cleuza Repulho, secretária da Educação de São Bernardo do Campo (Grande SP) e presidenta da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime). Isso impacta, por exemplo, a construção de novas creches e coloca em risco o cumprimento da primeira meta do plano, que prevê que até o ano que vem todas as crianças de 4 e 5 anos e pelo menos metade das crianças de até três anos estejam na escola. “Como vou construir uma nova creche? Cada vez que uma nova unidade fica pronta há um aumento de quadro de funcionários. É um conjunto de profissionais que vai entrar na rede e não vai sair. A despesa com o custeio é uma grande preocupação”, diz a secretária.
 
A construção de novas creches é, geralmente, um investimento compartilhado entre municípios e o Governo federal. Por isso, bastaria apenas uma das partes fechar a torneira para os projetos demorarem mais para sair do papel. Foi o que aconteceu no município de São Paulo, que desde o início da gestão Fernando Haddad (PT) tem enfrentado dificuldades para aumentar a arrecadação como planejava, apesar de ter aumentado em 8% as receitas entre 2013 e 2014. Com menos dinheiro para arcar com sua parte nas obras, já anunciou, por exemplo, que dificilmente conseguirá construir todas as creches prometidas. No município, 106.000 crianças aguardam uma vaga nesta etapa de ensino, segundo os últimos dados oficiais. Das 243 unidades anunciadas, apenas 147 devem sair do papel até 2016. O município agora tentará parceria com entidades privadas para acelerar obras e garante que, mesmo sem todas as unidades, atenderá mais 100.000 crianças até o ano que vem -o mais provável é que coloque mais alunos por salas.
 
Na gestão estadual paulista, a verba de investimento para a educação também será reduzida em 5% neste ano, segundo o governador Geraldo Alckmin (PSDB), que anunciou um corte de 2 bilhões de reais no Orçamento global do Estado. “Há uma deterioração da economia nacional, nós temos que ter cautela”, justificou o governador à imprensa. No final do ano passado, a área já deixou de receber verbas para a compra de materiais de escritório e de limpeza, segundo os gestores. O Governo nega.
 
“O dinheiro que estava na conta da escola foi confiscado em 30 de outubro e, depois, não veio mais verba até o início do ano. Não tínhamos como comprar nem papel higiênico”, conta a diretora de uma escola na Grande São Paulo que não quer se identificar. “Também começamos o ano letivo com carteiras e cadeiras em número insuficiente porque não teve reposição e tivemos que buscar a sucata de escolas vizinhas para os alunos sentarem”, diz. Os recursos de manutenção voltaram a ser pagos nesse ano, mas em valor menor que no ano anterior. O Governo, que nega o atraso no ano passado, diz que reduziu em 16% as verbas de manutenção após "um gerenciamento eficiente dos gastos". "Todas as unidades têm verbas suficientes para a manutenção", disse, em nota. A Secretaria da Educação também diz que reduziu 11% dos cargos comissionados (sem concurso) e cessou as gratificações a professores em órgãos centrais (como coordenadorias, por exemplo), economizando mais 3 milhões ao ano.
 
As escolas estaduais paulistas também estão em greve desde 13 de março porque os professores pedem um reajuste de 75% para que o salário dos professores se equipare ao das demais categorias com nível superior, como determina a meta 17 do Plano Nacional de Educação, que vence em seis anos. Segundo eles, o Governo paulista propôs discutir os reajustes apenas em julho. A pasta disse que já reajustou os salários em 45% nos últimos quatro anos e, de acordo com o Plano Estadual de Educação, que divulgou na última sexta, afirma que vai equiparar os salários em tempo.
 
A falta de reajuste salarial também é motivo de greve em outros Estados e municípios, como Paraná, onde professores foram agredidos pela Polícia Militar, e Mato Grosso do Sul, onde os docentes aprovaram o início de greve para a próxima quarta. Na capital sul-matogrossense, Campo Grande, a gestão municipal também enfrenta problemas. Os professores devem entrar em paralisação na próxima segunda-feira. Procurado, o município não respondeu até a publicação desta reportagem.
No início de maio, a secretária de Educação do município, Angela Maria de Brito, pediu demissão ao lado de seu secretário-adjunto. “Houve cortes de 50% na carga horária de professores, o que limitou tecnicamente o trabalho. Tivemos que cancelar uma série de oficinas do programa que mantém as escolas abertas aos finais de semana. A gente tinha um carinho enorme por eles porque se comprovou que a criminalidade diminuiu nos bairros onde ele foi implementado", conta ela. "Também prejudicou o trabalho que tínhamos com crianças com dificuldade de aprendizado. Para trabalhar frustrada, preferi sair", diz.
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Queda livre
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“Se Estados e municípios investem 25% da arrecadação na educação, certamente a educação vai ser atingida em todos os níveis quando a arrecadação cai. Aqui no Amazonas, a arrecadação diminuiu 11%. A nossa economia é muito baseada na Zona Franca de Manaus, que sofre quando há a retração do consumo. Se diminui o poder de compra, as pessoas vão preferir pagar o aluguel e comer ou comprar televisão?”, explica Rossieli Soares da Silva, secretário estadual de Educação do Amazonas e vice-presidente do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed). “Nem na crise de 2009 tivemos diminuição no número de postos de trabalho. Neste primeiro trimestre tivemos não apenas isso como parada de produção. Tudo isso traz reflexos para o Estado.” Para mitigar os efeitos da queda da arrecadação, a secretaria refez a licitação de alguns serviços e diminuiu outros. “Fizemos coisas como deixar de capinar quatro, cinco vezes as escolas por ano, e vamos fazer três, duas. Estamos relicitando serviços com peso importante na folha, como vigilância e serviços gerais, para buscar no mercado quem faça o mesmo trabalho por menos”, explica. Mas, segundo ele, também houve a necessidade de reprogramar obras de novas escolas. “Temos obras que pararam em dezembro porque não veio recurso federal. Dez centros de educação de tempo integral inaugurariam no primeiro semestre, mas agora estamos reprogramando a abertura para o início do ano de 2016.” A meta seis do PNE prevê que os Estados e municípios ofereçam educação em tempo integral em pelo menos metade das escolas.
 
“O Plano Nacional de Educação foi discutido numa base de crescimento de financiamento e muito baseado nos recursos do pré-sal. O que vemos agora é desmoronar a queda do preço do barril do petróleo e é insustentável fazer a exploração com o preço atual”, afirma o secretário, em referência à lei aprovada em 2013 pela presidenta Dilma Rousseff (PT), que previa que metade dos recursos do pré-sal seriam destinados para a educação. “Não vamos conseguir cumprir as metas do PNE se não tivermos mais recursos. Como vou universalizar o atendimento no ensino médio até 2016 se a verba não aumentou?”
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Subfinanciada, área da saúde também terá menos verbas
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Maior investimento da União, a área da saúde, que já sofre com a falta de financiamento, também perdeu 11,77 bilhões de reais neste ano, valor quase exato ao que ganhou em emendas parlamentares quando o Orçamento foi votado no Congresso no início deste ano. Como não foram divulgados ainda quais programas serão os mais afetados, não é possível saber se a maior perda foi, de fato, nas propostas acrescentadas pelos deputados e senadores.
 
A área, foco das queixas mais recorrentes da população, terá 91,5 bilhões para investir. O valor deixou o Orçamento da área 3 bilhões de reais acima do mínimo constitucional obrigatório, formado pelo cálculo do valor empenhado no ano anterior mais a variação nominal do Produto Interno Bruto do país. O valor, entretanto, é considerado baixo para especialistas da área, que estimam que ao menos 50 bilhões a mais precisariam ser investidos.
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“O que é aplicado hoje é muito pouco. O volume dos recursos já não dá conta das demandas que o país tem. Qualquer corte é bastante problemático”, afirma Ronald dos Santos, coordenador nacional do Movimento Saúde Mais Dez, que reúne mais de cem entidades do setor e defende que o país gaste ao menos 10% das Receitas Correntes Brutas com o sistema. Entre 1995 e 2001, essa porcentagem chegava a 8,4%. De 2000 para 2009, caiu para 7,1% e, no ano passado, ficou em torno de 7,6%.
 
A proposta, entretanto, foi enterrada pelo Congresso, que aprovou há dois meses a Proposta de Emenda à Constituição do Orçamento Impositivo, que prevê que ao longo de cinco anos o Governo federal deverá que investir 15% da receita corrente líquida na área. No ano que vem, o valor chega a 14,1%. “Os cálculos que fizemos até agora mostram que essa nova regra trará um valor ainda inferior para a área”, completa o coordenador do movimento.
 

segunda-feira, 25 de maio de 2015

Oliver Sacks: “Minha própria vida”

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Este texto foi publicado originalmente no New York Times em 19 de fevereiro de 2015. A tradução é da Karin Hueck.
 
Há um mês, eu sentia que estava em boas condições de saúde, robusto até. Aos 81 anos, ainda nado uma milha por dia. Mas a minha sorte acabou – há algumas semanas, descobri que tenho diversas metástases no fígado. Nove anos atrás, encontraram um tumor raro no meu olho, um melanoma ocular. Apesar da radiação e os lasers que removeram o tumor terem me deixado cego deste olho, apenas em casos raríssimos esse tipo de câncer entra em metástase. Faço parte dos 2% azarados.
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Sinto-me grato por ter recebido nove anos de boa saúde e produtividade desde o diagnóstico original, mas agora estou cara a cara com a morte. O câncer ocupa um terço do meu fígado e, apesar de ser possível desacelerar seu avanço, esse tipo específico não pode ser destruído.
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Depende de mim agora escolher como levar os meses que me restam. Tenho de viver da maneira mais rica, profunda e produtiva que conseguir. Nisso, sou encorajado pelas palavras de um dos meus filósofos favoritos, David Hume, que, ao saber que estava terminalmente doente aos 65 anos, escreveu uma curta autobiografia em um único dia de abril de 1776. Ele chamou-a de “Minha Própria Vida”.
 
“Estou agora com uma rápida deterioração. Sofro muito pouca dor com a minha doença; e, o que é mais estranho, nunca sofri um abatimento de ânimo. Possuo o mesmo ardor para o estudo, e a mesma alegre companhia de sempre.”
 
Tive sorte de passar dos oitenta anos. E os 15 anos que me foram dados além da idade de Hume foram igualmente ricos em trabalho e amor. Nesse tempo, publiquei cinco livros e completei uma autobiografia (um pouco mais longa do que as poucas páginas de Hume) que será publicada nesta primavera; tenho diversos outros livros quase terminados.
 
Hume continua: “Eu sou… um homem de disposição moderada, de temperamento controlado, de um humor alegre, social e aberto, afeito a relacionamentos, mas muito pouco propenso a inimizades, e de grande moderação em todas as minhas paixões.”
 
Oliver-Sacks-3Aqui eu me distancio de Hume. Apesar de desfrutar de relações amorosas e amizades e não ter verdadeiros inimigos, eu não posso dizer (e ninguém que me conhece diria) que sou um homem de disposições moderadas. Pelo contrário, sou um homem de disposições veementes, com entusiasmos violentos e extrema imoderação em minhas paixões.
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E ainda assim, uma linha do ensaio de Hume me toca como especialmente verdadeira: “É difícil”, ele escreveu, “estar mais separado da vida do que eu estou no presente.”
 
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Nos últimos dias, consegui ver a minha vida como a partir de uma grande altura, como um tipo de paisagem, e com uma sensação cada vez mais profunda de conexão entre todas suas partes. Isso não quer dizer que terminei de viver.
 
Pelo contrário, eu me sinto intensamente vivo, e quero e espero, nesse tempo que me resta, aprofundar minhas amizades, dizer adeus àqueles que amo, escrever mais, viajar se eu tiver a força, e alcançar novos níveis de entendimento e discernimento.
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Isso vai envolver audácia, claridade e, dizendo sinceramente: tentar passar as coisas a limpo com o mundo. Mas vai haver tempo, também, para um pouco de diversão (e até um pouco de tolice).
 
Uncle-Tungsten-1Sinto um repentino foco e perspectiva nova. Não há tempo para nada que não seja essencial. Preciso focar em mim mesmo, no meu trabalho e nos meus amigos. Não devo mais assistir ao telejornal toda noite. Não posso mais prestar atenção à política ou discussões sobre o aquecimento global.
 
6_seeing_low_res-1An-Anthropologist-on-Mars-1Isso não é indiferença, mas desprendimento – eu ainda me importo profundamente com o Oriente Médio, com o aquecimento global, com a crescente desigualdade social, mas isso não é mais assunto meu; pertence ao futuro. Alegro-me quando encontro jovens talentosos – até mesmo aquele que me fez a biópsia e chegou ao diagnóstico de minha metástase. Sinto que o futuro está em boas mãos.
 
Nos últimos dez anos mais ou menos, tenho ficado cada vez mais consciente das mortes dos meus contemporâneos. Minha geração está de saída, e sinto cada morte como uma ruptura, como se dilacerasse um pedaço de mim mesmo. Não vai haver ninguém igual a nós quando partirmos, assim como não há ninguém igual a nenhuma outra pessoa. Quando as pessoas morrem, não podem ser substituídas. Elas deixam buracos que não podem ser preenchidos, porque é o destino – o destino genético e neural – de cada ser humano ser um indivíduo único, achar seu próprio caminho, viver sua própria vida, morrer sua própria morte.
 
Não posso fingir que não estou com medo. Mas meu sentimento predominante é de gratidão. Amei e fui amado; recebi muito e dei algo em troca; li, viajei, pensei e escrevi. Tive uma relação com o mundo, a relação especial do escritor e leitor.
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Acima de tudo, fui um ser sensível, um animal pensante nesse planeta maravilhoso e isso, por si só, tem sido um enorme privilégio e aventura.
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Oliver Sacks é neurologista e escritor; autor de diversos best-sellers, como “Um antropólogo em Marte” e “O Homem que confundiu sua mulher com um chapéu”
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Violento por natureza

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Por Flávia Oliveira*
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País forjado na chibata dos escravocratas e nos castigos físicos do jesuítas, o Brasil, além de bonito, é violento por natureza. O “salve, simpatia” só é visível no consenso. Pintou conflito, sobram grito, xingamento, sopapo, chute, facada, tiro. Passou da hora de mirar o espelho e encarar a imagem de uma sociedade envelhecida em barris de brutalidade. O brasileiro bate no filho e na mulher. Esmurra vizinho na reunião de condomínio e motorista em sinal de trânsito. Espanca LGBT em praça pública e torcida rival dentro de estádio de futebol. Tortura preso político e réu inconfesso. Esfaqueia universitário que discute preço em restaurante e ciclista em cartão postal. Lincha assaltante, adúltera e dona de casa vítima de boato na internet. Atira em morador de favela na porta de casa, em missionária religiosa no campo, em estudante em ponto de ônibus e em policial de folga. Degola traficante e jornalista. Chacina presidiário e suburbano.
 
A ONG americana Social Progress Imperative publica todo ano um ranking de qualidade de vida. Na edição 2015 do Índice de Progresso Social, divulgada mês passado, o Brasil aparece na 42ª posição entre 162 nações. Marcou, no geral, 70,89 pontos numa lista que a Noruega lidera com 88,36. Na dimensão segurança pessoal, que leva em conta taxa de homicídios e de crimes violentos, sensação de segurança, terror político e mortes no trânsito, dá-se o vexame. O país marcou míseros 35,55 pontos; é 122º em 133 avaliados. Entre os vizinhos de América do Sul, só ganha da Venezuela. No topo do rol, está a Islândia, com 93,57 pontos; no pé, o Iraque, com 21,91.
 
Semana passada, o sociólogo espanhol Manuel Castells, professor da Universidade da Califórnia, detonou a cordialidade nacional em entrevista à “Folha de S. Paulo”: “A imagem mítica do brasileiro simpático existe só no samba. Na relação entre as pessoas, sempre foi violento. A sociedade brasileira não é simpática, é uma sociedade que se mata”. Tem razão.
 
O recém-divulgado Mapa da Violência 2015, dedicado aos crimes cometidos com armas de fogo, estimou em 15,2 milhões de unidades o arsenal privado. Seriam 6,8 milhões de armas registradas, 8,5 milhões irregulares e 3,8 milhões nas mãos de criminosos. De 1980 a 2012, 880.386 brasileiros perderam a vida com tiros; 497.570 tinham de 15 a 29 anos. Em 2012, o país registrou 56.377 homicídios de todo tipo, alta de 13,4% sobre 2002, início da série. Dos mortos, 30.072 eram adolescentes e jovens; sete em dez, negros.
 
No Mapa da Violência 2012, que analisou agressões a crianças e adolescentes, o Sistema Único de Saúde registrou 39.281 atendimentos na faixa etária de zero a 19 anos em 2011. Mais de três mil ocorrências envolveram bebês de menos de 1 ano. Estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) estimou em 5.664 o total de mulheres assassinadas por ano, entre 2001 e 2011. É um homicídio a cada hora e meia. Não foi à toa que entrou em vigor, este ano, a Lei do Feminicídio. O Grupo Gay da Bahia informa que todo dia uma pessoa morre por LGBTfobia no país. Falta criminalizar os atos de ódio por orientação sexual.
 
A série de estatísticas da violência é menos para assustar e mais para lembrar que uma sociedade brutalizada não se desconstrói do dia para a noite. A semente nociva do desprezo pela integridade física do outro está em nós. Diante de um crime hediondo, a mais cândida das avós é capaz de propor técnicas de tortura de fazer corar agente do DOI-Codi. O Brasil precisa se confrontar com sua natureza bárbara e firmar um urgente pacto pela vida.
 
* Colunista de "O Globo"
 

sexta-feira, 22 de maio de 2015

Com mãos na cabeça, alunos no DF são revistados por PMs durante aula

Por Luciana Amaral
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Policiais militares revistaram alunos dentro de salas de aula de uma escola pública de Brasília nesta quinta-feira (21) durante o período letivo. Fotos feitas por um estudante que não quis se identificar mostram alunos com as mãos na cabeça enquanto têm bolsas e mochilas revistadas. Essas revistas foram feitas a pedido dos pais e da direção para preservar os alunos. A de hoje [quinta] já estava programada entre a gente. A maioria quer estudar, mas tem um grupinho que causa tudo isso. Tem gente que está pedindo para sair daqui com medo da violência".
 
O caso ocorreu no Centro de Ensino Fundamental 05 no Paranoá. A revista foi pedida pela direção da escola, para tentar coibir a entrada de armas e drogas na instituição. Nada foi encontrado durante a ação da polícia. A direção diz que a instituição “vive uma disputa territorial” de gangues rivais.
 
A Secretaria de Educação afirmou ao G1 que apoia as decisões dos diretores da escola e possui uma parceria com o Batalhão Escolar com rondas até as 18h30 e visitas educativas às escolas. Esta foi a oitava vez em um mês que policias fizeram revista na escola. Na quarta-feira (20), um aluno de 17 anos que se recusou a ser revistado foi detido por desacato. De acordo com a Polícia Civil, ele foi levado para a Delegacia da Criança e do Adolescente e liberado após o responsável assinar um termo de comparecimento à Justiça.
 
Um estudante de 15 anos que passou pela revista nesta quinta disse que três policiais entraram nas classes durante as aulas acompanhados pela diretora da escola. Eles olharam mochilas, bolsos e roupas dos alunos. Ele disse que parte dos estudantes não aprovou a iniciativa.
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"Teve muita gente indignada. Eu mesmo me senti invadido, porque fizeram isso sem permissão. A direção já comentava que ia pedir uma ronda surpresa por causa do cheiro forte de maconha que fica [na escola]", afirmou.
 
O vice-diretor do colégio, Eric de Sales, disse que os “grandes problemas” da instituição são o tráfico e as gangues. “Essas revistas foram feitas a pedido dos pais e da direção para preservar os alunos. A de hoje [quinta] já estava programada entre a gente. A maioria quer estudar, mas tem um grupinho que causa tudo isso. Tem gente que está pedindo para sair daqui com medo da violência."
 
Segundo ele, nas revistas anteriores feitas na escola, um estudante foi pego com drogas e encaminhado para a Delegacia da Criança e do Adolescente. "Fui com ele e conversei bastante com a família. Não abandonamos ninguém."
 
PMs revistam bolsas de alunos durante horário de aula no CEF 05 (Foto: Reprodução)
PMs revistam bolsas de alunos durante horário de aula no CEF 05 (Foto: Reprodução)
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O comandante do Batalhão Escolar do DF, tenente-coronel Júlio César de Oliveira, disse que a medida é comum nas escolas públicas da capital, mas realizada somente em “situações mais extremas” e em parceria com a comunidade.

“Sempre fazemos isso com a aprovação do diretor. O ambiente lá está complicado. A comunidade escolar não está mais aguentando. O cheiro de drogas é insuportável. Temos três linhas de ação: a preventiva, comunitária e repressiva, a última a ser adotada. Ela só é usada quando temos questões mais sérias, como a desta quinta. Para a prevenção temos o Proerd [Programa Educacional de Resistência às Drogas]", declarou.
 
O comandante disse que os alunos tiveram de pôr as mãos na cabeça "por questão de segurança". "Tem vezes que eles já colocam e, outras, a gente pede para garantir que ninguém armado vai pegar um revólver e atirar, por exemplo. O problema é que a escola em questão é improvisada e juntou gangues rivais em um ambiente."
 
"Se não for flagrante, eles não têm esse direito. A princípio, a revista é violadora do ECA, pois ela leva à mesma tática de repressão usada nas ruas das cidades para dentro da escola. Têm de proteger do lado de fora. Às vezes o sentido é deturpado e categoriza os adolescentes. É uma resposta simplista para uma situação complexa" - Maria Cláudia de Oliveira, professora de psicologia escolar e do desenvolvimento da Universidade de Brasília
 
Opiniões divididas

O Sindicato dos Professores do Distrito Federal (Sinpro) informou ao G1 não aprovar a ação policial dentro da escola. "Está errado. Falamos que se precisa de mais policiamento, mas não é isso que apoiamos. A ação da PM deve ser somente preventiva. Temos professores que não permitem essa atitude nas salas deles. Os policiais só entram com mandado judicial contra alguém específico", disse o diretor do Sinpro, Cláudio Antunes.
 
Para o presidente da Associação de Pais e Alunos das Instituições de Ensino do DF (Aspa), Luís Cláudio Megiorin, o caso tem de ser visto com cautela. "É um jogo complicado e às vezes a revista é extremamente necessária quando o professor está em uma vulnerabilidade tão grande. Esperamos que os pais entendam. É a segurança dos nossos filhos. Confiamos no tato do diretor e do Batalhão Escolar. Às vezes o remédio é amargo."

A promotora de Justiça de Defesa da Educação do Ministério Público do DF, Márcia da Rocha, disse não ver a revista como uma invasão à privacidade individual e afirmou que a parceria entre a polícia, a direção das escolas e os pais é fundamental para a segurança.
 
Pichações de gangues em paredes da escola servem para demarcar o território de cada uma (Foto: Reprodução)Pichações na escola; segundo a instituição, inscrições 'demarcam territórios' de gangues
(Foto: Reprodução)
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"Se vamos construir algo aprimorado, temos de abrir mão de algumas coisas. O sentimento de cada um é uma coisa, mas a forma como a abordagem foi feita é outra, desde que com respeito e dignidade. O Ministério [Público] não é contra, tem que ter a ajuda uns dos outros. Temos, inclusive, diálogos com muitos diretores", declarou Márcia da Rocha, promotora de Justiça de Defesa da Educação do Ministério Público.
 
Sobre o fato de os alunos colocarem as mãos na cabeça durante a revista, a promotora disse que já teve casos em que eles fizeram isso sem ordens de policiais. "Só do DF já ter um Batalhão Escolar é um diferencial, porque eles recebem um treinamento especial."
 
A professora de psicologia escolar e do desenvolvimento da Universidade de Brasília (UnB), Maria Cláudia de Oliveira, criticou a ação. “O Estatuto da Criança e do Adolescente [ECA] estabelece a meta de proteção. A escola enquanto instituição social deve ser protegida, e as pessoas, acolhidas. Os estudantes não devem ser representados como perigo. A escola é, ao mesmo tempo, uma política de Estado e um Estado privado na condição de que tem regras próprias e porque você não está no meio da rua."
 
Ela comparou a ação do Batalhão Escolar com a entrada de policiais em uma casa sem mandado judicial. "Se não for flagrante, eles não têm esse direito. A princípio, a revista é violadora do ECA, pois ela leva à mesma tática de repressão usada nas ruas das cidades para dentro da escola. Têm de proteger do lado de fora. Às vezes o sentido é deturpado e categoriza os adolescentes. É uma resposta simplista para uma situação complexa", afirmou.
 
Estatísticas

 De acordo com a Polícia Militar, foram registradas neste ano 156 ocorrências criminais em escolas do Distrito Federal até o dia 20 de maio. Os casos foram por uso e porte de entorpecentes (56), ameaça (20), ato infracional (20), roubo (19), agressões físicas (16), porte de arma de fogo (5), tráfico de entorpecentes (4), e apreensão de arma de fogo (2).
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Por uma cultura da Paz


quarta-feira, 20 de maio de 2015

Vídeo mostra casos de alunas que sofreram abusos

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O caso da aluna de 12 anos que foi estuprada por três colegas, em um escola pública de São Paulo, não é um caso isolado no mundo, como lembra um vídeo da Plan International, organização que luta pelos direitos da infância.
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Encenado por atrizes, mas com vozes de vítimas reais da violência contra meninas, o vídeo relata casos de estupro por professores e alunos, violência e assédio nas instituições de ensino e comentários de cunho sexual que as garotas ouvem no caminho para a escola.
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"A violência baseada no gênero limita a participação das meninas e aumenta as taxas de abandono escolar. As meninas não podem ser obrigadas a viver com medo. Elas precisam aprender e realizar seus sonhos", afirma Anette Trompeter, diretora nacional da Plan International Brasil.
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O lançamento do vídeo coincide com Semana Nacional de Combate ao Abuso e Exploração Sexual contra Crianças e Adolescentes. Segundo a Secretaria Nacional de Direitos Humanos (SDH), somente nos três primeiros meses de 2015 foram registradas 21 mil denúncias de algum tipo de violência contra crianças no Disque 100, canal denúncias do setor - em 45% dos casos, as vítimas são meninas.
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Menina é estuprada por colegas em escola pública de SP

Escola Estadual Leonor Quadros, onde menina de 12 anos sofreu estupro em São PauloEscola Estadual Leonor Quadros, onde menina de 12 anos sofreu estupro em São Paulo(Reprodução/VEJA)
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A Polícia Civil e a Secretaria Estadual de Educação apuram uma denúncia de estupro de uma menina de 12 anos na rede de ensino de São Paulo. A estudante disse ter sido estuprada dentro de um dos banheiros da Escola Estadual Leonor Quadros, no Jardim Miriam, na Zona Sul da capital paulista. O abuso sexual aconteceu durante a manhã do último dia 12 de maio, de acordo com a polícia.
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Segundo a Secretaria Estadual de Educação, a aluna relatou ter sido atacada por três estudantes. Após o fato, ela buscou ajuda na direção da escola, que acionou o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu). A garota foi levada ao Hospital Municipal Doutor Arthur Ribeiro de Saboya e, em seguida, ao Hospital Pérola Byington.
 
A Secretaria de Educação explicou que ela relatou o estupro apenas quando já estava no hospital. A mãe da menina foi orientada a registrar um boletim de ocorrência na polícia. A garota passou por exames para comprovar a violência sexual - os resultados são aguardados pela polícia.
 
A escola afirmou ter acionado a Vara da Infância e da Juventude, além do Conselho Tutelar, logo após ficar sabendo do crime. A instituição também chamou os pais dos alunos suspeitos da agressão. Seguindo orientações do Conselho Tutelar, a direção escolar registrou um novo boletim de ocorrência. A direção afirmou que está prestando "todo apoio" à jovem e a sua família e diz ter se colocado à disposição da polícia para colaborar com as investigações. "É importante destacar que a adolescente está recebendo acompanhamento médico", ressaltou a pasta.
 
A mãe da vítima disse ao portal UOL que a filha não quer mais passar perto da escola e que ela vai estudar em casa nos próximos meses. Outras alunas da Escola Estadual Leonor Quadros também relataram estar com medo de frequentar as dependências da instituição. A mãe da jovem afirmou ao portal que teme que os suspeitos fujam - até a noite desta segunda-feira, eles não haviam sido apreendidos. A Secretaria de Educação confirmou que eles foram transferidos para outra unidade de ensino.
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Fonte: Veja on line

segunda-feira, 18 de maio de 2015

Da maioridade penal


Percentual de formandos nas faculdades federais cai mesmo após injeção de verba do Reuni

Fachada da UFRJ. Universidade federais em crise. Número de
alunos é maior, mas também é o de evasão - André Teixeira.
Por Antônio Gois.
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RIO - A crise enfrentada pelas universidades federais por causa do atraso de repasses no início deste ano contrasta com os investimentos feitos na última década para ampliar o número de alunos e melhorar a eficiência dessas instituições. O programa mais ambicioso nesse sentido foi o ReUni, lançado em 2007 pelo Ministério da Educação (MEC). Ele prometia recursos de mais de R$ 2 bilhões na época para “dotar as universidades federais das condições necessárias para ampliação do acesso e permanência na educação superior”. Em troca, o MEC exigia das instituições que assumissem (quase todas as de grande porte o fizeram) duas contrapartidas principais: aumento da relação de alunos por professor para 18 estudantes por docente e ampliação da taxa de conclusão dos cursos para até 90%.
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Dados do Censo da Educação Superior tabulados pelo GLOBO mostram que, considerando o total de universidades federais do país, houve aumento significativo, da ordem de 49% entre 2008 e 2013, no número de alunos matriculados em cursos de graduação presenciais. Esse aumento, porém, não veio acompanhado da melhoria das taxas de eficiência nas duas principais contrapartidas. Pelo contrário, o número de estudantes por professor ficou estável, e a taxa de conclusão chegou a registrar queda, de 73% para 66%, no mesmo período. Ao regulamentar a lei do ReUni, o MEC estabeleceu critérios para calcular essas taxas. No caso da conclusão, ela é obtida comparando o número de vagas oferecidas em cursos presenciais cinco anos antes com o total de universitários que concluíram o curso cinco anos depois. Em 2003, por exemplo, as universidades federais ofereceram 109 mil vagas. Cinco anos depois, o número de formados foi de 80 mil, o que significa uma taxa de 73% para o ano de 2008. Em 2013, utilizando os mesmos critérios, o percentual cai para 66%.
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Como nem todos os alunos que ingressam cinco anos antes se formam cinco anos depois, a taxa de conclusão é apenas uma estimativa do que aconteceu no percurso acadêmico desses universitários. Se um estudante demora mais tempo para concluir um curso, troca de instituição ou tranca a matrícula temporariamente, ele não pode ser considerado um aluno evadido. Porém, a maior parte da discrepância entre o número de ingressantes e o de concluintes é mesmo explicada pelo abandono.
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Quando sinalizava a taxa de 90% de conclusão, o objetivo do MEC, conforme descrito nas diretrizes do ReUni, era induzir a “uma administração eficiente das vagas ociosas, facilitada pela flexibilidade curricular e um favorecimento da mobilidade estudantil entre cursos e instituições diferentes, com aproveitamento de créditos”. Se essa taxa fosse alcançada pelo conjunto de universidades federais, o número de formados em 2013 seria de 136 mil, em vez dos 99 mil registrados no censo.
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ALUNOS POR PROFESSOR
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A forma de cálculo da relação de alunos por professor era mais complexa. As contas feitas pelo GLOBO no Censo da Educação Superior consideram apenas a simples divisão do total de matriculados em cursos de graduação pelo número de professores em exercício. Por esses cálculos, a taxa ficou praticamente estável entre 2008 e 2013, oscilando de 11,2 para 11,6. O Ministério da Educação, no entanto, trabalhou com um cálculo mais complexo, que considerava características de cada curso e o percentual de professores com dedicação exclusiva e a qualidade do trabalho na pós-graduação.
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O argumento para utilizar este cálculo é o de que um professor que tem obrigação de fazer pesquisa, extensão ou outras atividades fora de sala de aula não pode ter o mesmo peso na conta do que um docente que trabalhava apenas na graduação. Ao refazer a conta de acordo com os novos critérios para o ano de 2007, o MEC concluiu que a taxa, naquele ano, já chegava aos 18 propostos como contrapartida. Ou seja, ainda que a intenção do programa fosse aumentar a eficiência no uso dos recursos humanos, a meta já nascia alcançada, por causa da forma de cálculo. Em 2011, ao refazer o cálculo, a meta estava no mesmo patamar.
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Na avaliação de Gustavo Balduíno, secretário-executivo da Andifes (associação que representa os reitores das universidades federais), as instituições de ensino cumpriram com todas as metas de crescimento no programa. Ele afirma que os termos do ReUni foram sendo repactuados ao longo do processo, sempre em busca da criação de mais cursos, vagas e contratação de professores para atender à demanda. O dirigente diz ainda que o programa acabou tendo impacto positivo também na pós-graduação, setor que não foi considerado inicialmente no cálculo das metas de contrapartida.
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Sobre a relação de alunos por professor, Balduíno afirma que, nas conversas das universidades com o Ministério da Educação, chegou-se à conclusão que a relação de 18 para um não poderia ser reproduzida em todos os cursos.
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— Em medicina e engenharia, por exemplo, essa relação não é atingida em lugar nenhum do mundo — afirma Balduíno.
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Quanto à taxa de conclusão, o secretário-executivo da Andifes admite que é preciso melhorar, mas pondera que alguns fatores dificultaram o alcance do patamar de 90%. Segundo ele, ao democratizar mais o acesso ao ensino superior expandindo vagas, as universidades passaram a atender mais alunos com necessidade de reforço acadêmico. Ele também afirma que o programa pedia prioridade para cursos noturnos e de formação de professor, onde as taxas de evasão são maiores.
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MEC DIZ QUE PROCESSO É MAIS AMPLO
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Por fim, Balduíno destaca ainda que, com a criação do Sisu em 2009 (novo sistema de ingresso nas federais pelo Enem), houve aumento na mobilidade estudantil, e um número maior de estudantes ingressou em cursos em cidades que não eram sua primeira escolha. Alguns deles voltaram a tentar vagas pelo Sisu, e foram admitidos em outras instituições, abandonando o curso inicial:
 
— Todas essas são explicações, mas que não podem nos levar ao acomodamento. São desafios que devemos enfrentar. Estamos sempre em busca de soluções concretas para esse problema, e algumas universidades já têm ações exitosas. A taxa de 90% foi calculada sem estudo mais aprofundado, mas, independentemente do que seria uma meta factível, temos que melhorar muito.
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Procurado pelo GLOBO, o Ministério da Educação respondeu por meio de uma nota, dizendo que “as metas estabelecidas devem ser observadas no contexto do programa de expansão ao longo da implantação dos cursos, campi e universidades, bem como considerar um ciclo de ao menos três turmas concluídas para uma avaliação adequada.”
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Segundo a nota, “é necessário observar que, associado ao ReUni, iniciaram-se outros programas que resultaram no aumento de vagas na graduação presencial nas universidades federais, como Mais Médicos, Procampo, Educação Bilíngue e, ainda, novos campus e universidades. Com isso, as metas do Programa ReUni não devem ser analisadas isoladamente, pois se integram a um processo mais amplo de expansão. Uma análise isolada pode levar a conclusões equivocadas sobre o cumprimento desta meta.”
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O MEC argumenta ainda que a partir de 2012, além do ReUni, foram criados novos campus e cursos com previsão de 200 mil novas matrículas, que se encontram em fase de implantação e consolidação.
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Fonte: O Globo

Campanha


Baixa procura e evasão acendem alerta em licenciaturas na UFMG

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Por Luiza Muzzi
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Reduções de quase 90% na procura por cursos de licenciatura da UFMG revelam um cenário nada promissor: mantida a atual tendência, não haverá, nos próximos cinco anos, candidatos a se formarem professores em uma das maiores universidades do país. Quando se avalia quem ingressou na última década em licenciaturas, a situação também preocupa. Enquanto o número de formandos diminui ano a ano, os abandonos crescem, com índices que ultrapassam 50% em alguns cursos.
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Segundo especialistas, a queda na concorrência é indício do crescente desinteresse pela docência. Para agravar a situação, entre os que se formam, são poucos os que realmente desejam a sala de aula como destino profissional. Seja apenas para obter um diploma de nível superior, seja para acessar outras ocupações, estudantes de licenciatura têm se interessado cada vez menos por dar aulas.
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Salários abaixo da média e condições de trabalho muitas vezes precárias parecem repelir da universidade quem teoricamente seria o primeiro interessado: o professor. “A explicação está no baixo valor do diploma. Quanto mais baixo esse valor, menor a atratividade que o curso exerce nas novas gerações”, explica o professor de sociologia da educação da UFMG João Valdir Alves de Souza. “O que acontece é que, no caso da docência na educação básica, há a combinação de baixo valor econômico, traduzido em salário, e baixo valor simbólico, que diz respeito ao prestígio”.
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Souza ressalta que a UFMG forma hoje metade dos professores que formava há dez anos. “É difícil prever, mas eu diria que, continuando da forma como está, a realidade aponta para o apagão de professores”, completa o professor Juarez Dayrell, da Faculdade de Educação.
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Pró-reitor de Graduação da UFMG, o professor Ricardo Takahashi reconhece o índice de sucesso menor que o desejável nas licenciaturas e explica que a década de 90 vivenciou um cenário de desemprego em que a opção de se formar licenciado garantia acesso a empregos em uma época em que não existiam oportunidades de outra natureza. No entanto, a partir do momento em que a economia se aqueceu, passaram a existir alternativas de formação que garantiam empregos melhores. “Isso parece ter levado as pessoas a migrarem para outras profissões, o que fragiliza o Brasil, porque a educação é o mecanismo pelo qual a gente forma as futuras gerações. É claro que desejamos ter pessoas com as mais diversas formações, mas não podemos esquecer que um requisito para isso é formar o professor. Esse é um gargalo estrutural do Brasil hoje e algo que põe em risco o futuro”.
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Se a crise na licenciatura já perdura há décadas, ela se agrava à medida que a profissão é desvalorizada, desestimulando ainda mais os candidatos à docência. Cursos que há 15 anos tinham demanda de 20 candidatos por vaga, hoje não passam de cinco. Em 2000, entre os dez cursos mais procurados da UFMG, quatro eram de formação de professores – e hoje nenhum deles aparece no ranking.
 
Coordenador do curso de história, que teve queda de quase 80% na procura entre 2000 e 2013, o professor André Miatello conta que por vezes os próprios pais e professores da rede básica desestimulam alunos em relação à carreira. “A educação perdeu seu status, mas não sua responsabilidade. O Estado exige que o professor seja o salvador da pátria, mas não oferece contrapartidas”.
 
Outro indicador diz respeito à idade média dos professores da educação básica, em torno de 35 a 40 anos, revelando que as novas gerações não são atraídas para a sala de aula. “Talvez a dificuldade para convencer os alunos esteja na diferença de oportunidades e de padrão de vida. Há oferta de emprego, mas normalmente implica remuneração abaixo da obtida em outras carreiras”, explica o pró-reitor Ricardo Takahashi. 
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Sisu. A adoção do Sistema de Seleção Unificada (Sisu) pela UFMG em 2014 gerou um novo fenômeno de mobilidade dos estudantes. Se antes a evasão ocorria entre o quarto e o quinto semestres, com o Sisu percebe-se o processo de migração de alunos entre os cursos ainda no primeiro período.
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Licenciaturas. Nesse contexto, as licenciaturas foram afetadas, registrando altos índices de saída de alunos. O curso de matemá- tica diurno, por exemplo, te- ve 43 matrículas no primeiro semestre de 2014 e chegou ao segundo com apenas 35.
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Fonte: Jornal O TEMPO (MG)

sexta-feira, 15 de maio de 2015

VIOLÊNCIA NA ESCOLA, NÃO SE CALE. DENUNCIE!

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Diante dos debates, relatos e denúncias sobre a violência contra as(os) Trabalhadoras(es) em Educação da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte (RME/BH), reforçados tanto nas Plenárias de Representantes de Escola e UMEI quanto nas Assembleias da Educação, a Diretoria Colegiada do Sind-REDE/BH criou este espaço com o objetivo de reunir dados que possam orientar as nossas ações políticas e exigir do poder público em Belo Horizonte a constituição de um protocolo de enfrentamento e de combate à violência escolar, bem como exigir da Prefeitura de Belo Horizonte a implementação de uma política pública de proteção e acompanhamento psicossocial das(os) Trabalhadoras(es) vítimas de violência.

Esta situação merece uma atenção especial, visto que recentemente o Brasil foi considerado o país com o maior número de casos de violência contra professores, de acordo com a pesquisa divulgada pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Não se cale, pois este não é um problema seu, é um problema nosso!
Somos parte de uma REDE que não se rompe e nem se deixa abater!

Para enviar a denúncia preencha o formulário abaixo. Ou pode enviá-la para o e-mail: sindredefaleconosco@gmail.com «com nome, e-mail, escola, regional e relato da situação».

Manteremos em sigilo absoluto a sua identidade e os seus dados.

Diretoria Colegiada do Sind-REDE/BH
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Educação sem humor


Educação e humor

O material jornalístico produzido pelo Estadão é protegido por lei. Para compartilhar este conteúdo, utilize o link:http://educacao.estadao.com.br/noticias/geral,professores-da-rede-estadual-mantem-paralisacao-no-parana,1688227O material jornalístico produzido pelo Estadão é protegido por lei. Para compartilhar este conteúdo, utilize o link:http://educacao.estadao.com.br/noticias/geral,professores-da-rede-estadual-mantem-paralisacao-no-parana,1688227

segunda-feira, 11 de maio de 2015

Humilhar e ignorar professor pode. Sufocar e ferir não

 
Por Eliane Brun*
 
– "Eles estão atirando em nós".
 
A frase atravessa vídeos sobre o massacre dos professores, executado pela Polícia Militar do Paraná a serviço do Governo de Beto Richa (PSDB), em 29 de abril. Professores desmaiam, professores passam mal com as bombas de gás lacrimogêneo, professores são feridos por balas de borracha. Um cão pit bull da PM arranca pedaços da perna de um cinegrafista. Há sangue na praça de Curitiba, diante da “casa do povo”, a Assembleia Legislativa do Estado. Ao final, há cerca de 200 feridos. Mas mais do que as imagens, é essa frase anônima, em voz feminina, que me atinge com mais força. Porque há nela uma incredulidade, um ponto de interrogação magoado nas entrelinhas e finalmente a compreensão de ter chegado a um ponto de não retorno. Depois de ser humilhada por baixos salários, depois de dar aula em escolas em decomposição, depois de ser xingada por pais e por alunos, agora a PM também podia atirar nela. E atirava. E, se as bombas de gás, as bombas de efeito i-moral não matam, pelo menos não de imediato, a sensação é de morte.
 
O susto causado pela percepção de que não havia mais limite para o que se podia infligir a um professor era a prova de que um professor não era mais um professor. Toda a aura que envolve aquele que ensina se esvaía em sangue na praça de Curitiba. Os PMs, cujos filhos possivelmente são ensinados por aqueles educadores, tinham autorização para atirar. Esse extremo, o da fronteira rompida, causou uma comoção nacional. E vem desenhando o inferno do governador Beto Richa, explicitado por uma crise no Governo paranaense que levou até agora à demissão de dois secretários, o de Educação e o de Segurança Pública, e o comandante da PM.
 
De repente algo se esgarçou e tornou-se inaceitável para uma parte significativa da sociedade. Ainda houve quem tentasse transformar os professores em “vândalos”, a palavra usada para criminalizar aqueles que protestam desde as manifestações de 2013. Ainda houve na imprensa quem chamasse massacre de “confronto”, o truque para transmitir a ideia de que eram forças equivalentes em conflito. Mas as imagens e os relatos eram evidentes demais. As redes sociais na internet mais uma vez cumpriram o papel de amplificar as vozes e garantir um número maior de narrativas para dar conta da complexidade do 29 de abril. Os coletivos de mídia independente tiveram inegável importância na documentação da história em movimento.
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Por que bala de borracha e gás é a ruptura que produz indignação?
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É assustador que alguns tenham tentado justificar, em plena democracia, o massacre em praça pública dos professores do Paraná. Nessa tentativa de criminalizar aqueles que protestam e, ao mesmo tempo, legitimar a ação policial, como se as forças de segurança do Estado não tivessem se comportado como forças criminosas, há algo em curso que precisamos prestar muita atenção. Não existe equívoco de inocência nessa versão. Mas eu gostaria aqui de me deter em algo que também me parece um tanto perturbador, ainda que pelo avesso. É sinal de esperança que grande parte da sociedade brasileira, na qual me incluo, se comova diante da violência contra os professores. Não há dúvida sobre isso. Mas cabem pelo menos duas perguntas. A primeira é: por que este é o limite que produz indignação? A segunda: o quanto o que se tornou visível apenas revela e reforça a invisibilidade maior? Quando testemunho as manifestações de repúdio ao massacre de Curitiba, sinto esse misto de esperança e de incômodo. Esperança pelos motivos óbvios. Quem sabe não acordamos, todos nós, para o buraco da educação no Brasil? Inclusive porque a perda de popularidade do governador Beto Richa e a crise instalada no Governo virou um pesadelo bem vivo para o restante dos governantes.
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Agora, o incômodo. O que esse limite revela sobre o que não é limite? É louvável que as pessoas se revoltem ao ver professores sangrando ou desmaiando ou sendo ameaçados por cães pit bull. Se não nos revoltássemos nem com isso seria ainda mais dramático. Mas por que testemunhar durante décadas professores brasileiros, dos diversos estados do país, ganhando um salário incompatível com uma vida digna é um fato com o qual parece ser possível conviver, tão possível que chegamos a esse ponto depois de 30 anos de democracia? Por que escolas caindo literalmente aos pedaços, naufragando a cada chuva, numa materialização explícita da situação crônica da educação pública, é algo com o qual a maioria se acostuma? Por que o fato de os professores serem ameaçados por alunos e às vezes por pais de alunos em salas de aula, num confronto entre desesperados, uma versão urbana da guerra dos miseráveis que atravessa os rincões do Brasil, é algo que se tolera?
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Em resumo: pode pagar salário indecente, pode botar gente pra ensinar e gente pra ser ensinado debaixo de um teto que pode cair, pode quase tudo. Só não pode ferir com balas de borracha e sufocar com bombas de gás lacrimogêneo. Ah, pit bull também pega mal. Bem, isso os governantes acabaram de aprender que não podem fazer sem provocar repúdio dos eleitores. Já o resto... Talvez nesse sentido possa se justificar uma certa perplexidade da PM, do Governo paranaense e de alguns setores da sociedade brasileira e da imprensa tradicional: como assim, não pode bater nesses “baderneiros” que deveriam estar na sala de aula e não na praça protestando? Não pode descer o cacete nesses “vândalos” que têm o desplante de achar que a casa do povo é do povo?
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Ao menos descobriu-se que há um limite para o que se pode infligir a um professor, uma fronteira demarcada pela reação da sociedade ao massacre de Curitiba. Mas que limite sem-vergonha o nosso. Qualquer um, em qualquer classe social, em qualquer esfera de poder vai repetir que “a educação deve ser prioridade” ou que “a educação é o maior desafio para o país” ou que “sem melhorar a educação o Brasil jamais será um país desenvolvido”. É um consenso, quase uma platitude. Mas, de novo, é um consenso bem sem-vergonha. É o consenso mais vazio do Brasil contemporâneo, é quase uma flatulência. Que não se perceba o quanto fede é só mais um sinal dessa hipocrisia de salão.
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De fato, uma boa parte daqueles que têm voz e poder de pressão para mudar essa situação está pouco se importando. Porque “a elite brasileira é burra”, como já disse aqui neste espaço meu colega Luiz Ruffato. Principalmente porque a elite brasileira acredita que seus filhos estão a salvo. Essa ilusão de que os “meus” filhos estão salvos, já dos filhos dos “outros” eu sinto pena, lamento, desculpe aí, queria sinceramente que fosse diferente, mas não me incomodo o suficiente para fazer disso uma grande questão na minha vida. Afinal, quem tem tempo pra isso tendo que ralar para pagar os preços exorbitantes de uma escola privada que transforma educação em mercadoria cara?
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Inclusão social no Brasil significa entrar no barco dos que podem se salvar. A classe média acredita que seus filhos estão a salvo e uma parcela daqueles que ascenderam, na década passada, ao que se chama de Classe C fez um grande esforço para matricular seus filhos em escolas particulares assim que a situação financeira permitiu. Filho em escola privada – e portanto supostamente a salvo da péssima educação pública – é parte do que significa ser classe média no Brasil. Dos mais ricos, nem se fala.
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É óbvio – ou deveria ser – que a má qualidade da educação oferecida a essa entidade chamada “povo brasileiro” em algum momento vai afetar os privilégios dos mais ricos. Mão de obra desqualificada é um problema sério no Brasil, com impacto em qualquer projeção de futuro. Então, ainda que por egoísmo ou por pragmatismo, a elite econômica deveria se preocupar, o que já vem acontecendo com bem poucos empresários, mas a preocupação ainda é imensamente menor do que as dimensões da catástrofe. Talvez houvesse uma mudança real de posição se as pessoas percebessem que seus filhos estão menos salvos do que acreditam estar. Primeiro, porque escola privada e educação de qualidade não são sinônimos. Longe disso. Apenas poucas escolas, em geral as mais caras, a elite da elite, têm qualidade reconhecida. Ainda assim, são apenas medianas com relação ao nível de suas similares em países do mundo nos quais a educação é prioridade.
Segundo, educação está longe de ser apenas conteúdo formal. Educação é um processo muito mais complexo, no qual a diversidade das experiências é fundamental. É claro que aquela elite que se habituou por séculos a decodificar a diferença como inferioridade tem dificuldades para compreender a diversidade de experiências como riqueza. Para esta, o diferente era primeiro o escravo, depois o empregado ou o subalterno, alguém com quem não havia nada a aprender, já que a sua única função era servir. Há, porém, uma elite intelectual e uma classe média com outra origem, de quem se poderia esperar uma visão menos estúpida. O que muitos pais não percebem é que a escola privada, como gueto de iguais, é um reprodutor de privilégios, mas também é um reprodutor de ignorâncias. E também um reprodutor de pobrezas não materiais. Num exemplo bem corriqueiro, em algum momento talvez os pais possam perceber que adolescentes que já andaram bastante pelo mundo em viagens protegidas mas nunca pegaram um metrô em São Paulo ou um ônibus de linha em qualquer lugar podem ter alguma dificuldade em lidar com a vida como ela é. Porque a vida como ela é chega para todos em algum momento e em alguma medida. E podem, principalmente, ter perdido um universo de experiências criadoras e criativas não apenas por serem incapazes de cruzar as pontes, mas por nem mesmo desconfiar que é importante cruzá-las.
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Num país com a educação pública em ruínas ninguém está a salvo, nem mesmo os filhos da elite. Ainda que seja óbvio que estes estão bem mais a salvo que todos os outros. O que quero enfatizar é a hipótese de que a ilusão de estar a salvo cumpre um papel decisivo na manutenção das ruínas como ruínas. E na convivência com o que não deveria se poder conviver, na aceitação da indignidade como algo já dado, na tolerância ao intolerável que é a situação dos professores e das escolas no Brasil. O que quero dizer é que a comoção pública diante do massacre de Curitiba, se é louvável, é também sinalizadora da falência da sociedade brasileira, inclusive ética. Já que é pelos limites que também compreendemos a lógica de uma sociedade. E o limite aqui é: pode humilhar um professor, pode pagá-lo mal, pode submetê-lo a condições insalubres de trabalho. Não pode ferir explicitamente seu corpo.
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Vale a pena compreender que a ampliação do acesso à educação formal é muito recente no Brasil. É o salto que deveria ter sido dado e ficou pela metade. Para muitos pais das camadas mais pobres, eles mesmos analfabetos ou filho de analfabetos, só o fato de conseguir matricular o filho numa escola, mesmo que seja uma instituição de má qualidade, já é um avanço. Como tem sido para os pais de Classe C ter um filho com diploma universitário, mesmo que de uma faculdade de terceira linha.
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A saída encontrada pelos mais pobres, numa lição aprendida com a classe média tradicional, é individual. Por isso, uma das primeiras medidas de ascensão social é reproduzir o ciclo: matricular o filho numa escola privada, deixando a pública para os mais fragilizados, os menos visíveis, os com pouca ou nenhuma voz. O degrau seguinte daquele que historicamente foi submetido não é se tornar cidadão, mas cliente. Parece mais fácil aderir à lógica de mercado. Quem ainda não conseguiu fazer a conversão, almeja fazê-la. Acolhe a versão perversa de que a melhora está na sua mão, de que é o pai e a mãe de família que precisam mudar de classe se quiserem dar uma boa educação aos filhos.
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No Brasil ainda infectado pela mentalidade de Casa Grande e Senzala, tantas vezes reatualizada para continuar em vigor, ainda é difícil para muitos compreender a educação como o direito fundamental que é. E cobrá-lo do Estado pelo caminho da cidadania. É também por conta dessa mentalidade, na qual a qualidade da educação vira um problema com solução individual e privada, e não uma luta pública e coletiva, que a revolta é abafada e os professores vão se convertendo em párias, esvaziados de dignidade, lugar e sentido.
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É assim que caminha o “Brasil, pátria educadora”, país que tem um dos piores salários de professor do mundo. O lema do segundo mandato da presidente Dilma Rousseff (PT) apenas mais um sinal do absurdo, de uma espécie de realismo de perdição. A tensão, porém, existe. E é grande. O fato de as escolas públicas sofrerem constantes depredações, se é sinal da violência crescente, é também sinal de que a escola falha como um lugar de acolhimento para os conflitos e também como espaço para a construção de sentidos e para a qualificação do desejo. Ainda que as causas sejam várias e complexas, é bastante óbvio que, sem outros canais para expressar a traição de uma educação que não educa, resta a violência mais primária. Também porque a escola pública, que deveria dar condições de representação, não representa. E assim vai fracassando ao ser reduzida a uma tentativa perversa de conter a tensão causada pela fratura racial brasileira.
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A depredação das escolas por alunos é também uma resposta tortuosa à depredação original, a do Estado, que deixa as escolas apodrecerem, dando provas evidentes de que aquele que lá está é considerado cidadão de segunda ou terceira categoria. A violência direta de alunos e, às vezes, também de pais de alunos contra professores é também o sinal de que a lição dada pelo Estado foi bem compreendida: professor vale pouco, quase nada.
Enquanto alunos e professores se violentam mutuamente, aqueles que têm a responsabilidade de mudar essa situação não são incomodados. É conveniente que as vítimas se agridam entre si, muitas vezes dentro de escolas cada vez mais parecidas com bunkers para se proteger da comunidade, o que em si já expõe o tamanho da tragédia. Se essa realidade ultrapassa os muros da escola para ocupar espaços geográfica e simbolicamente mais centrais, chama-se a PM. Que os policiais militares, também eles servidores mal pagos do Estado, façam o serviço sujo. E então homens públicos como Beto Richa sentem-se à vontade para declarar, rosto compungido: “Não tem ninguém mais ferido do que eu. Eu estou ferido na alma. O mais prejudicado hoje sou eu”.
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Não, governador. Mas não mesmo. Valeu a tentativa, mas não vai colar.
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Agora, a segunda pergunta que lancei no início desse artigo, e que diz respeito ao jogo entre o visível e o invisível. Ou, repetindo: o quanto o que se tornou visível apenas revela e reforça a invisibilidade de fundo? O sangue dos professores no massacre de Curitiba os tornou visíveis para o país, mas essa visibilidade é um tanto ilusória. Neste momento, greves de professores esvaziam salas de aula em vários estados e municípios brasileiros. E cadê a surpresa? Cadê o susto? Cadê as manchetes? Cadê a indignação? É muito menor do que o bom senso e a catástrofe educacional brasileira sugeririam.
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Por isso. Porque pode. Na prática tornou-se aceitável que os mais pobres fiquem sem aula ou tenham educação de má qualidade. Só não pode é sufocar professor com gás e ferir professor com bala de borracha no centro. Aí passa dos limites. Aí exagerou, né, tio. Aí a sociedade grita. Não deixa de ser uma versão do “estupra mas não mata”.
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Talvez o paradigma seja o estado de São Paulo, governado há mais de 20 anos pelo PSDB. Em São Paulo, os professores estão em greve há quase dois meses, mas o governador Geraldo Alckmin chegou a afirmar: “Na realidade não existe greve de professores”. Faltou explicitar em qual realidade.
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Geraldo Alckmin é talvez o político que mais mereça a atenção do país no momento, mais até mesmo do que seu colega Beto Richa. Subestimado com o apelido de “picolé de chuchu”, o que apontaria uma suposta falta de personalidade, parece ser de longe uma das criaturas políticas mais nebulosas do Brasil atual. Sobre Alckmin, a academia deveria estar escrevendo teses, e a imprensa, perfis de peso. O apelido não tem nenhum lastro na prática concreta do Governo.
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O governador de São Paulo escolheu na sua expressão pública, no trato com a população e com a imprensa, a política da negação. O que prejudica sua imagem e seus ambiciosos planos eleitorais não existe. Não existe racionamento de água, não existe greve dos professores. E, o mais surpreendente: funciona. Geraldo Alckmin se reelegeu no primeiro turno, em plena crise hídrica, dizendo que não existia crise. Agora, enfrenta a greve dos professores com a mesma fleuma. Enquanto Beto Richa, que começava a se tornar um expoente do PSDB, mandou a PM massacrar professores, Alckmin prefere fingir que os professores em greve não existem. Onde está a maior perversão? Ou a maior esperteza? Beto Richa com a popularidade em queda livre, chamado de “Rixa” e até de “Ritler” em artigos e posts nas redes sociais; Alckmin, o “picolé de chuchu”, avançando, apesar de todas as crises, olhos fixos na eleição presidencial de 2018.
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Só posso sugerir que Geraldo Alckmin conhece bem seus eleitores.
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* Eliane Brum é escritora, repórter e documentarista. Autora dos livros de não ficção Coluna Prestes - o Avesso da Lenda, A Vida Que Ninguém vê, O Olho da Rua, A Menina Quebrada, Meus Desacontecimentos e do romance Uma Duas. Site: desacontecimentos.com Email: elianebrum.coluna@gmail.com Twitter: @brumelianebrum. Fonte: El País - http://brasil.elpais.com/brasil/2015/05/11/opinion/1431351138_436101.html