por Fernando Martins - 27 out. 2010
Faz parte da natureza do ser humano cuidar do que é seu e deixar de lado aquilo que não lhe pertence. Pais dão atenção a seus filhos. Empresários, a seus negócios. Cada um de nós, a nossos problemas pessoais. Em princípio, não há nenhum mal nesse comportamento. Mas ele ajuda a entender um pouco por que a Educação pública brasileira há tanto tempo enfrenta uma crise de qualidade.
Existe uma tese de que a Escola pública deixou de ser boa a partir da década de 70, quando a classe média a abandonou para matricular seus filhos em colégios particulares. Como a Educação governamental não era mais “sua”, essas famílias – instruídas e com noção do que é um bom ensino – deixaram de cobrar qualidade do Estado.
Sobrou nos grupos Escolares uma maioria de alunos das classes mais populares. Eram filhos de pais que, em geral, não chegaram a ter uma instrução formal adequada – para quem os critérios da boa Educação eram menos exigentes. A consequência foi a falta de cobrança popular sobre o Estado. E, em uma segunda etapa, a perda da qualidade educacional de um modo disseminado, restando apenas algumas “ilhas” de excelência no setor público.
Obviamente, essa não é a única causa dos problemas educacionais do país. Talvez nem seja a principal. Tampouco é razoável culpar a classe média e imaginar que ela simplesmente tenha decidido, do nada, deixar a Escola pública. Provavelmente havia razões concretas para isso: a Educação ofertada pelo Estado, que até a década de 60 era referência, já estaria ficando ruim. Mas, de qualquer modo, o êxodo dos estudantes de famílias remediadas teria acelerado o processo.
Por isso, não deixa de ser animadora a informação de que há um refluxo dessa tendência. “Pioneiros” da classe média – por questões financeiras ou para dar aos filhos um contato maior com a realidade social, não isolando-os nos colégios particulares – estão voltando àEscola pública, conforme noticiou a Gazeta do Povo do último domingo, em reportagem de Tatiana Duarte. Ainda que a procura seja pelos colégios municipais ou estaduais que mantiveram um padrão mínimo de qualidade, esse movimento tem o potencial de resgatar a cobrança de pais sobre o Estado pela boa Educação. Os pioneiros da antiga classe média podem ainda se somar aos pais da nova classe média – pessoas que deixaram a pobreza pela força do trabalho e que hoje têm uma noção muito mais clara da importância do estudo do que havia 30, 40 anos atrás.
Agora é esperar para ver no que tudo isso vai dar. Daí pode sair um caminho para outras áreas em que o Estado não cumpre seu papel a contento, como a saúde. Talvez o caminho seja cada um assumir a responsabilidade de cuidar do que é público, assim como cuidamos de nós mesmos. Afinal, o que é do Estado também é nosso.
Fonte: Gazeta do Povo (PR)
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