terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Colégios contratam seguro contra o 'bullying'

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RIO - As escolas parecem ter uma nova preocupação em relação ao bullying: além de educar seus alunos para evitar esse tipo de violência física ou psicológica, as instituições de ensino agora querem se proteger de possíveis prejuízos financeiros causados por ações na Justiça movidas por famílias de vítimas. Vinte colégios já contrataram um seguro contra bullying, criado há quatro meses pela Ace Seguradora.

— O novo Código Civil entende que o colégio é responsável pela reparação civil de seus estudantes. Nosso objetivo é dar proteção ao patrimônio das instituições — explica Rodrigo Granetto, chefe de Responsabilidade Civil Profissional da Ace.
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O seguro pode ser contratado por universidades, colégios, escolas de idiomas, entre outros tipos de instituições de ensino. O dinheiro pode ser usado para garantir recursos financeiros na defesa jurídica de funcionários e também no pagamento de indenizações estabelecidas pela Justiça às vítimas em casos de bullying. A Ace não revela os nomes das escolas que fizeram o seguro.

Prêmio começa em R$ 100 mil e pode chegar a milhões

 De acordo com Granetto, o valor mínimo a ser pago ao segurado fica em torno de de R$ 100 mil, mas pode chegar a milhões de reais, dependendo do porte da escola, do perfil de seus estudantes e do valor escolhido pela instituição.

Mãe de uma vítima de bullying, Ellen Bianconi move uma ação contra o Colégio Nossa Senhora da Piedade, no Encantado. Até agora a indenização estabelecida é de R$ 100 mil, mas a escola apelou. Ela não aprova a ideia do seguro:

— Minha filha teve o cabelo cortado e foi agredida por três alunos. Eu já havia conversado com as professoras e a diretora sobre as agressões verbais, mas alegaram que não podiam fazer nada. Se fossem bem preparadas para lidar com o tema, nada disso teria acontecido. O seguro só deixa a instituição numa posição confortável, mas não vai mudar nada — opina Ellen.

A longo prazo, a Ace Seguradora quer mais do que vender apólices às instituições. O plano é criar um banco de dados sobre a ocorrência de violência nas escolas para ajudar os segurados com informações sobre os melhores procedimentos para combater o bullying.

— Com isso, vamos evitar as ações na Justiça, que podem obrigar o fechamento de escolas, que, com condenações recorrentes, ficarão com imagem arranhada — diz Granetto.

O próprio presidente do Sindicato dos Estabelecimentos de Educação Básica do Município do Rio de Janeiro (Sinepe Rio), Victor Nótrica, reconhece que a falta de conhecimento sobre o problema é uma das maiores falhas das escolas. Para ele, o seguro pode ser útil, mas a prevenção é mais eficaz.

— Se eu fosse proprietário de uma escola, não contrataria o seguro de jeito nenhum. Acho a melhor usar o dinheiro para investir na reeducação de alunos, na capacitação de professores e na aproximação dos pais com os colégios — comenta.

Granetto rebate esse tipo de crítica explicando que o seguro não foi criado como uma solução para a violência nas escolas.

— O seguro não tem a intenção de resolver o problema. É apenas uma das medidas a serem adotadas nas instituições. Deve haver treinamento de funcionários e professores e campanhas de conscientização dos estudantes, além da criação de um ambiente favorável ao diálogo nas escolas.

Segundo a Frente Parlamentar de Combate ao Bullying da Câmara dos Deputados, os números apontam que 45% de jovens se envolvem com o problema, seja como vítima ou agressor.

No Rio, uma lei de setembro de 2010 obriga professores e funcionários de escolas a denunciar violência contra estudantes a delegacias e conselhos tutelares, caso contrário o colégio poderia ser multado. Até hoje, no entanto, nenhuma escola foi condenada a pagar de três a 20 salários mínimos por não cumprir a regra.

Vítima tem pesadelos e precisa de psiquiatra

 Para Nótrica, a solução não é punir a escola. Ele, inclusive, faz críticas ao Código Civil, que responsabiliza os colégios por esse tipo de violência:

— A escola não deve ser condenada nos casos de bullying, mas, sim, o autor. O bullying pode acontecer em todo lugar — comenta o presidente do Sinepe Rio.

Ellen Bianconi discorda. Ela conta que a filha de 15 anos ficou traumatizada com o bullying e responsabiliza a escola. A mãe criou um blog para tratar do tema: http://bullyingnaoebrincadeiradcrianca.blogspot.com.

— Até hoje minha filha é acompanhada por um psiquiatra. Ela tem pesadelos e precisa tomar medicação para dormir. Minha luta é para que outras mães não passem pelo que passei. No blog, recebo uns 20 pedidos de ajuda de pais por mês.

Homofobia é tabu em sala de aula

Capacitação de professores e nova abordagem do tema, relacionando-o com ciências humanas, são necessárias para que o problema seja repensado

Fonte: Gazeta do Povo (PR)

Atos de homofobia por discriminação ou violência são uma realidade em salas de aula, o que reforça a importância de debates sobre a diversidade sexual nas escolas. O problema é que muitas vezes faltam capacitação e preparo para o profissional de Educação lidar com um assunto que já não é novidade, mas que para muitos continua um tabu.

A dificuldade de discutir a violência contra homossexuais em instituições de ensino foi objeto de estudo da tese de doutorado “O silêncio está gritando: a homofobia no ambiente escolar”, defendida recentemente pelo presidente da Associação Brasileira de Lés­­bicas, Gays, Travestis e Tran­se­xuais (ABGLT), Toni Reis, na Uni­versidad de la Empresa de Mon­tevidéu, no Uruguai.

Reis fez uma pesquisa qualitativa em quatro escolas de Curitiba que mostrou que há homofobia no sistema de ensino.

O acompanhamento de discussões em grupos de estudantes e professores e entrevistas com responsáveis pelas escolas levaram à conclusão de que há políticas públicas para lidar com a questão, mas elas não são colocadas em prática. “Falta formação e falta discussão sobre o tema. Os professores não têm uma Educação continuada e se sentem inseguros para lidar com a situação”, conta Reis.

Professora do Núcleo de Edu­ca­­ção da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Araci Asinelli da Luz considera que as escolas não têm trabalhado a sexualidade. “O que a escola faz é trazer a questão somente quando o problema aparece e mostra como ela não sabe lidar com o problema.”

Para ela, há ausência de políticas públicas claras para as salas de aula. “O desconhecimento é uma maneira das pessoas lidarem com a questão. Não ver ou não querer ver resolve o problema porque ele vai embora”, afirma.

Nova abordagem
O psiquiatra Lincoln César An­­drade, especialista em sexualidade humana, afirma que os professores precisam ter contato com seu próprio preconceito para poderem trabalhar o tema com os alunos. Andrade explica que para que o professor vivencie o assunto, o ideal é que o trabalho seja feito em grupo para que o docente se coloque no lugar do aluno que sofre a homofobia e veja como é agressivo ter de esconder sua orientação sexual.

Os especialistas concordam que a abordagem sobre a homossexualidade na escola não é a mais adequada. Para eles, o tema não devia estar ligado às áreas de Saúde e Biologia. “Esse é um tema de Direitos Humanos. As pessoas têm que ser respeitadas. É preciso fazer valer isso no cotidiano e aceitar a diversidade como nossa realidade”, explica Araci.

A Secretaria Municipal da Educação de Curitiba (SME) tem um plano de ação que irá tratar da homofobia em outros campos. A previsão é de que o projeto seja implantado ainda no primeiro semestre deste ano.

“Geralmente, se trabalha o assunto na aula de Ciências. Não queremos que ele seja estritamente biológico, mas também histórico, social e cultural”, explica Elaine Beatriz de Oliveira Smyl, coordenadora de Educação para as Relações Étnicorracias e de Gênero da SME.

Reis, que viveu e vive a homofobia no seu cotidiano, concorda que a nova abordagem é necessária. “Parece óbvio que a homossexualidade deve ser tratada como direito humano. Eu, com 47 anos, especialização, mestrado, sempre achava que devia estudar o tema para as pessoas me respeitarem”, conta.

“Mas, não. O respeito tem que ser para com o ser humano, não importando outras coisas. Não precisa saber o que faz a pessoa ser homossexual; isso já carrega um preconceito. O que precisa é respeito”, completa Reis.

Após polêmica, MEC engaveta projeto
Suspensos desde maio do ano passado, os kits do projeto “Escola sem Homofobia” não têm prazo para chegar às salas de aula. Com a recente posse de Aloizio Mercadante como ministro da Educação, o ministério (MEC) não sabe como fica a situação do polêmico kit.

Composto por um guia para professores do ensino médio e três vídeos para serem passados em sala de aula, o kit gerou polêmica na bancada religiosa do Con­­­gresso e chegou a ser chamado por alguns de “kit gay”. Para a professora do Núcleo de Educação da UFPR, Araci Asinelli da Luz, o nome dado já é preconceituoso. “Quando se coloca um estigma desses, o preconceito da sociedade vem junto, como se o assunto tivesse que ser engolido goela abaixo.”

Araci destaca que o kit serve como medida de emergência. “Há necessidade de abordagem imediata, de um material de apoio que dê conta de corrigir alguns conceitos. A discussão está chegando na escola e os professores precisam ter uma referência”, diz.

O presidente da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Tra­­vestis e Transexuais, Toni Reis, afirma que falta material didático para os professores trabalharem a questão. “Vamos ter que desenterrar esse material suspenso. Esperamos sensibilizar a presidente [Dilma Rousseff] para que cada município e estado tenha acesso a esse material.”

Para os dois, a resistência de alguns setores da sociedade ao tema dificulta a existência do kit. “Como o tema é polêmico, tentaram colocar uma dúvida sobre o material para tentar quebrar a confiabilidade dele. Ele precisava de revisões, mas já testei com alguns alunos de ensino médio e é um começo”, conta Araci.

Proibições
Reis também lembra que a suspensão do kit abriu precedente. “Em alguns lugares [como São José dos Campos, em São Paulo] surgiram projetos de lei que proíbem a discussão da diversidade sexual nas escolas”, lamenta.
Políticas públicas
Apesar de pouco abordado nas escolas, o combate à homofobia tem a ajuda de algumas políticas públicas. Veja quais são os programas da Secretaria de Estado da Educação:

Nome Social
Para estudantes travestis ou transexuais, acima dos 18 anos, o espelho do livro de registro de classe, o boletim e o edital de notas são redigidos com o nome social. As declarações e o histórico escolar ainda são feitos com o nome civil. No caso de profissionais da Educação, o nome social também é respeitado.

Encontro Estadual de Educação LGBT
O encontro promove o diálogo entre os educadores para torná-los qualificados para lidar com as diferentes temáticas referentes à homofobia. O evento é necessário, pois, com as diversas práticas discriminatórias, as crianças que sofrem diretamente com elas acabam desistindo dos estudos.

Saúde e Prevenção nas Escolas
Os cursos visam formar professores e profissionais da saúde para lidar com a promoção e a prevenção da saúde entre adolescentes e jovens. Entre os assuntos abordados estão conteúdos de gênero, diversidade sexual e direitos sexuais.

Protagonismo Juvenil
O programa procura desenvolver a Educação entre os alunos de escolas estaduais. São discutidos temas como uso de drogas, maternidade e paternidade responsável, racismo, gênero e diversidade sexual e prevenção de doenças sexualmente transmissíveis.

domingo, 29 de janeiro de 2012

CARTA do combativo professor Euler

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Blog comenta carta do governo para os pais de alunos
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O governo preparou uma carta para os pais ou responsáveis pelos estudantes. E obviamente que nós devemos dar a nossa versão sobre as afirmações do governo. Assim, vamos comentar o texto da carta do governo. A fonte cinza, é do texto do governo; a fonte vermelha, é o nosso comentário. Vamos lá?
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Belo Horizonte, 28 de dezembro de 2011

Cara Mãe, Pai ou Responsável,

É com alegria que nos dirigimos a vocês no inicio desse novo ano escolar. Temos muitas boas notícias para dividir com vocês.

Comentário: Com alegria? Boas notícias? Hummm, vamos saber os motivos desta euforia toda do governo.

No final do ano passado, avaliação realizada em todo o Estado comprovou que continua aumentando o número de crianças mineiras que leem e escrevem corretamente aos oito anos de idade. Já são 88,9% os alunos que dominam a leitura e a escrita. Este é um número muito bom. Mas só estaremos felizes quando atingirmos a meta de 100%. E os alunos mais velhos das escolas públicas de Minas continuam sendo avaliados nas primeiras posições nos exames nacionais.

Comentário: não dá para levar a sério estes resultados estatísticos do governo. Um número muito expressivo de alunos, quando chega nos anos finais do ensino fundamental, mal sabe ler ou escrever. E a culpa não é dos alunos. É do sistema, e dos governos, como o de Minas Gerais, que não investe adequadamente na Educação pública, na formação continuada do professor, na valorização dos profissionais da Educação, e nas condições adequadas de trabalho. Fazem muita propaganda, mas investem pouco na Educação e nas demais áreas sociais.

Tudo isso mostra o esforço dos professores, da comunidade escolar e, é claro, de nossos alunos e de seus familiares.

Comentário: os professores e demais educadores de fato se esforçam muito, mas se encontram desmotivados por conta das políticas deste governo, que corta direitos e não aplica as leis voltadas para a valorização dos profissionais da Educação.

Queremos ainda prestar alguns esclarecimentos sobre as paralisações de professores que ocorreram nos últimos anos e que, infelizmente, por mais que tenhamos tentado evitar, trouxeram transtornos não somente para o aprendizado dos alunos, mas, também, para a rotina familiar. Infelizmente, muitas informações falsas foram divulgadas sobre as razões que levaram às paralisações.

Comentário: O único ou principal culpado pela realização das greves tem sido o próprio governo, que aplicou uma política de arrocho salarial contra os educadores, cortou e reduziu os nossos salários, e fez aprovar uma lei estadual que destrói o plano de carreira dos profissionais da Educação de Minas. Ao invés de cumprir a lei federal 11.738/2008 e pagar o piso salarial nacional para os profissionais do magistério, o governo burlou a lei e alterou as regras do jogo para não investir o que a lei mandava investir. Por isso realizamos a greve: para cobrar um direito constitucional, que o governo se recusou e se recusa a cumprir, causando sérios prejuízos aos profissionais da Educação e aos alunos e pais de alunos, que são vítimas, também, da política do governo. Se tivesse cumprido a lei, não haveria greve. O governo foi, portanto, o principal responsável pelas paralisações.

Mas, compreendendo que a realidade da escola interessa a toda a sociedade, tomamos a liberdade de dividir com vocês algumas informações sobre o esforço que vem sendo feito pelo governo do Estado para melhorar a remuneração dos professores de Minas.

No final de 2011, a Assembleia Legislativa aprovou o projeto que cria um novo modelo de remuneração para os profissionais da educação, e garante vantagens para o professor e para a sociedade. O modelo assegura que todos os profissionais que têm direito ao piso nacional recebam salários acima do que é estabelecido pelo Ministério da Educação. Os professores da rede estadual de ensino com licenciatura plena ganham, no mínimo, R$ 1.320,00 para uma jornada de 24 horas semanais. A Lei do Piso Salarial Nacional estabelece o piso de R$1.187,00 para 40 horas semanais e define a proporcionalidade conforme a jornada de trabalho, por isso o valor pago aos professores em Minas é, proporcionalmente, 85% superior ao piso nacional.

Comentário: nesta passagem do texto, o governo falta com a verdade do começo ao fim. Vamos analisar ponto por ponto: a) o governo diz que a ALMG votou uma lei que trouxe vantagens para os professores com direito ao piso. Mentira. A Lei aprovada pelo legislativo de Minas criou o subsídio (remuneração total), que retira vantagens, confiscando os direitos adquiridos pelos professores, como quinquênios, biênios, pó de giz, entre outras gratificações. Além disso, o governo reduziu os percentuais de promoção (de 22% para 10%) que ocorre a cada cinco anos, e de progressão na carreira (de 3% para 2,5%), que ocorre a cada dois anos. Como se não bastasse, a referida lei congelou a carreira dos educadores até 2016, cancelando qualquer avanço na carreira; b) o governo diz ainda que paga, através desta lei estadual, um valor acima do que manda a Lei do Piso, chegando a citar um espalhafatoso índice de 85% a mais do que manda a lei federal. Contudo, a realidade é outra, e faz-se necessário explicar resumidamente o que é o piso salarial e o que o governo fez para não pagá-lo aos profissionais de Minas.

Vamos começar dizendo que o governo desinforma a população sobre os conceitos de piso e subsídio. Piso é vencimento básico, enquanto subsídio é soma total de salário, remuneração total. Logo, não se pode comparar estes dois conceitos, como grosseiramente faz o governo, usando de má fé, inclusive, já que as pessoas não envolvidas desconhecem essa realidade.

O piso salarial nacional dos profissionais do magistério consta da Constituição Federal, aprovada em 1988. Vinte anos depois, em 2008, o inciso VIII do artigo 206 da Carta Magna, que previa a criação do piso, foi regulamentado e instituído pela lei federal 11.738/2008. Esta lei estabelece claramente que: 1) o piso é o salário inicial, vencimento básico, sobre o qual devem ser aplicadas as gratificações adquiridas pelos educadores. O que fez o governo de Minas, espertamente? Ao invés de adaptar o vencimento básico existente no estado - que é o pior do Brasil -, ao valor do piso salarial nacional, e sobre este novo valor aplicar as gratificações, o governo simplesmente somou o vencimento básico e as gratificações e disse que este valor somado é maior do que o valor do piso. Ou seja, o governo aplicou um calote nos educadores de Minas.

É como se você, caro pai ou mãe de aluno, recebesse um salário de R$ 500,00 como vencimento básico, e tivesse direito a uma gratificação de 30% sobre este vencimento básico, num total de R$ 650,00. Mas aí, imagine-se, nesta nossa suposição, que uma lei federal tivesse exigido que você recebesse pelo menos R$ 600,00 de vencimento básico. O que deveria acontecer? O correto seria que lhe pagassem os R$ 600,00 de vencimento básico e aplicassem os 30% de gratificação sobre este novo vencimento, resultando em R$ 780,00. Contudo, imaginem então, senhores pais, que os seus patrões, ao invés de cumprir a lei, tivessem somado o seu vencimento de R$ 500,00 com a gratificação de 30% a que você teria direito (R$ 150,00) e dissesse que você, com esta soma (R$ 650,00), estaria ganhando até mais do que manda a lei? Foi exatamente isso o que fez o governo de Minas conosco. E isso nos causou sérios prejuízos. Os professores de Minas tiveram perdas mensais entre R$ 300,00 e 3.000,00 por conta dessa mágica feita pelo governo de Minas.

Aliás, cinco governadores questionaram a Lei do Piso junto ao STF, reivindicando o direito de pagar o piso enquanto remuneração total, e não enquanto vencimento básico. O STF, em abril de 2011, rejeitou esta tese, reafirmando que o piso dos educadores é vencimento básico, e não remuneração total. Mas, o governo de Minas, descumprindo a lei federal e desobedecendo a decisão do STF, somou o vencimento básico com as gratificações, transformando-os em remuneração total, e com isso escapou de pagar o piso, que é direito dos educadores, e ainda se dá ao luxo de dizer que paga até mais do que o piso, o que é um absurdo.

Esta vergonhosa manobra, que contou com o apoio de 51 deputados da base do governo, praticamente descaracterizou a lei federal do piso dos professores. A lei federal, que fora criada para valorizar o educador e proporcionar um ensino de qualidade, foi burlada, e quem perde com isso é toda a sociedade. Com este golpe, o governo economizou dinheiro que seria da Educação para aplicar os recursos em outras áreas de interesse do governo. Talvez em obras faraônicas, ou na Copa de 2014, ou em rodovias, ou em juros de bancos, ou em altos salários para os muitos assessores da alta esfera do governo.

E começará a ser implantado este ano o sistema de um terço da jornada semanal dos professores para atividades fora da classe, como, por exemplo, a preparação das aulas. Além disso, o novo modelo preserva os direitos adquiridos pelos professores e incorpora alguns que eram perdidos em caso de aposentadoria ou licença, como a gratificação de incentivo à docência, o chamado “pó de giz”.

Comentário: o terço de tempo extraclasse é uma conquista legal dos trabalhadores, que até o momento o governo de Minas não aplicou. Quanto ao pó de giz, trata-se de uma gratificação que é paga para o professor quando ele está em regência de turma - e é retirada quando ele sai de sala, seja para aposentadoria ou em licença médica. O governo poderia manter esta gratificação sem precisar destruir toda a carreira dos educadores, como fez.

O novo modelo também é bom para a sociedade porque agora a remuneração do professor fica mais transparente, mais fácil de ser conhecida.

Comentário: essa é outra grande inverdade. A remuneração dos professores era super transparente, sendo composta de um salário inicial (vencimento básico) e de gratificações que o profissional de carreira adquiria na sua vida profissional, como o quinquênio (10% sobre o salário inicial a cada cinco anos de serviço prestado), o biênio (5% a cada dois anos), pó de giz (gratificação de 20% para o professor em sala de aula), entre outras. A nova política remuneratória do governo é que não tem nenhuma transparência. Nela, o governo criou uma tabela fictícia, que servirá de base para um cálculo, cujo valor encontrado será parcelado em 4 vezes - uma parcela a cada ano - até completar o valor integral somente em 2015. Na essência, o governo confiscou o tempo de serviço, reduziu os percentuais de promoção e progressão, aboliu as gratificações, e com isso destruiu completamente a carreira dos educadores. Além disso, como se trata de uma remuneração total, o governo de Minas não precisará acompanhar os reajustes anuais do piso salarial nacional. Para se ter uma ideia, enquanto os profissionais da Educação de todo o Brasil terão, agora em janeiro, 22% de reajuste salarial aplicado ao piso nacional, os educadores de Minas terão apenas 5% de reajuste em abril de 2012.

Mas isso é apenas parte do trabalho que estamos fazendo com um objetivo principal: oferecer a seu filho ou filha a atenção e a educação de qualidade que merece.

Comentário: a realidade é exatamente a oposta da que afirma o governo: ao não pagar piso salarial a que os educadores têm direito; ao cortar e reduzir salários dos trabalhadores da Educação, como o governo fez em 2011, deixando os educadores em situação de total penúria, inclusive com contracheque zero durante dois meses, mesmo após o fim da greve; o governo, na verdade, não aposta numa Educação de qualidade para os alunos e sua família.

Esperamos continuar a contar, como temos contado, com o apoio de todos vocês. Estejam certos de que sua participação na vida escolar de seus filhos é fator decisivo para o bom andamento da formação de cada um deles.

Comentário: os profissionais da Educação de Minas e do Brasil esperam contar com a sua participação sim, mas não para apoiar o governo e seus deputados, que se negam a cumprir a lei e a pagar o piso, mas para que possamos cobrar, juntos, por uma educação de qualidade para todos. Para isso, é preciso que os governos levem a sério a Educação, valorizando o trabalho dos profissionais da Educação, oferecendo cursos de formação continuada, aplicando corretamente os recursos da Educação, investindo mais nas escolas, construindo laboratórios e espaços adequados para a aplicação das políticas pedagógicas, e com isso possibilitando que haja, de fato, um ensino público de qualidade. É importante dizer que, quando o governo deixa de investir corretamente na Educação, ou na saúde, ou na moradia popular, toda a população, principalmente as famílias de baixa renda, é prejudicada. E o governo de Minas, seus deputados e senadores, e a grande imprensa, que é comprada, dão um mau exemplo para os mineiros e para o Brasil. Nós, os educadores, esperamos contar com o seu apoio à luta pela Educação de qualidade e pela valorização do profissional da Educação.

Feliz 2012 a todos!

Secretaria de Estado de Educação
Governo do Estado de Minas Gerais

Um forte abraço a todos e força na luta! Até a nossa vitória!
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Foto de Petrus Assis

P.S.: Quero deixar aqui três registros e alguns abraços. Ao combativo FREI GILVANDER, que me ligou ontem à tarde diretamente de Ceará. Neste mundão pequeno ele estava ao lado de conhecidos meus de três décadas, uma turma combativa do Contra-a-corrente de Fortaleza, aos quais estendo o meu abraço. *** Um abraço também para o professor Wladmir Coelho, especialista em matéria de petróleo, e que deu entrevista hoje para o programa Tribuna do Trabalhador, na Rádio Favela. Pena que no domingo eu acordo mais tarde um pouco e só pude ouvir uma parte da entrevista, mas o colega Wladmir mostrou o que está por trás da novela do pré-sal.*** Finalmente, neste domingo, a partir das 10h, um combativo grupo do NDG continua a distribuição de panfletos na Feira Hippie, em BH. Ontem, eu e o comandante João Martinho, em horários diferentes, distribuímos o boletim da realidade da Educação em Minas na parte central de Vespasiano.

Educação e política

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

BRASIL: DADOS DO CENSO ESCOLAR DO MEC REFORÇAM CRISE DE EXCLUSÃO NA EDUCAÇÃO PÚBLICA!

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(MG) 1. A Educação Básica compreende Creche, Pré-Escola, Ensino Fundamental, Ensino Médio, Educação Profissional, Educação de Jovens e Adultos e Educação Especial. Em 201, tivemos 50.972.619 alunos matriculados em alguma destas etapas da Educação Básica. Vale destacar que quase 45,5% destes alunos estão na rede municipal, 38,5% na Rede Estadual, 0,5% na Rede Federal e 15,5% na rede privada. 84.5% dos estudantes no Brasil estudam na Rede Pública.

2. Destes mais de 50 milhões de alunos, a participação é esta: 4,5% estão na Creche (63% na Rede Municipal e 36% na Rede Privada) / 9,1% na pré-escola (74,6% na Rede Municipal e 24,1% na Rede Privada) / 59% no Ensino fundamental sendo que 32% nos anos iniciais e 27% nos anos finais. Anos Iniciais (17,6% na Rede Estadual, 68,1% Rede Municipal, e 14,3% rede Privada). Anos Finais (48,8% Rede Estadual, 38,5% rede Municipal, 12,6% Rede privada).

3. São 16% no Ensino Médio: (85,5% na Rede Estadual, 1% Rede Municipal, 12,2% Rede privada). / 5,2% estão na Educação de Jovens e Adultos sendo em nível do Supletivo Fundamental (36,8% Rede Estadual, 61,5% Rede Municipal, 1,7% Rede Privada). / 2,6% estão na Educação de Jovens e Adultos, sendo em nível do Supletivo do Ensino Médio (88,4% Rede Estadual, 3,2% Rede Municipal, 7,3% Rede Privada).

4. São 1,8% na Educação profissional (9,8% Rede Federal, 31,6% rede Estadual, 2,2% Rede Municipal, 56,3% Rede Privada) / São 1,4% na Educação Especial.

5. A curva declinante de alunos da primeira série do ensino fundamental até o ensino médio é muito preocupante. Se o aluno não foi para o Ensino Médio, ele evadiu? Repetiu? Não há vagas?

6. A Educação Profissional praticamente não existe no Brasil e isso é grave. 56,3% das vagas disponíveis estão na Rede privada. A Rede Pública não assumiu a Educação profissional no Brasil. / A Educação Especial também tem suas vagas concentradas na Rede privada (62%).

7. As matrículas na Educação Infantil estão em queda no Brasil desde 2007, mesmo com as matrículas em creche aumentando desde 2007. As matrículas no Ensino Fundamental estão caindo no Brasil desde 2007 (menos 1.763.633 vagas). Esse dado é grave e é sinal claro de um processo de exclusão na escola pública, com todos os riscos de adolescentes e jovens nas ruas.

8. Apenas 5,8% dos alunos do Ensino Fundamental estão matriculados em tempo integral na Escola. O debate sobre a Escola Integral vai parecendo uma utopia. Será que não podemos debater outro conceito de Educação Integral no território da Escola e não no prédio da Escola? O MEC considera tempo integral 7 horas diárias de atividades.

9. As matrículas no Ensino Médio desde 2007 aumentaram apenas em 31.320 vagas. / A Educação Profissional desde 2007 teve um aumento de 9,7% de matrículas, mas ainda é muito pouco. A rede Municipal atende apenas 2,6% das vagas de Educação Municipal. Mesmo defendendo a qualidade do ensino precisamos ter atenção com a queda de alunos na Escola. As matrículas estão diminuindo.

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PREFEITURA DO RIO: SECRETARIA TENTA EXPLICAR A EVASÃO RECORDE DA REDE ESCOLAR! FRACASSO DA PRIVATIZAÇÃO QUE ELA IMPLANTOU!

1. (Ex-Blog) Buscando uma desculpa para a evasão recorde de alunos da rede municipal de escolas do Rio-capital, a secretaria de educação da prefeitura do Rio tentou justificar, dizendo que isso se explica pela taxa de fecundidade. Está precisando de uma aula de matemática. Os alunos na rede de ensino fundamental nasceram 6, 7, 8..., 14 anos atrás. Se ela observar bem, a evasão escolar, em sua gestão privatizante, ocorre até no programa de jovens e adultos que nasceram 20, 30..., 50 anos atrás. Assim como no ensino médio estadual do mesmo PMDB de sua prefeitura. É o fracasso da privatização da educação pública.

2. (Ancelmo – Globo, 23) Veja o efeito da queda da fecundidade da mulher brasileira na rede de ensino fundamental. Em 2012, não é diferente. Por ano, desde 2001, cai em torno de 1.000 o número de alunos na rede municipal do Rio, com 1.064 escolas e cerca de 600 mil crianças. “O fenômeno ocorre, inclusive, nos colégios de lugares mais pobres”, diz Cláudia Constin, secretária de Educação.

Fonte: BLOG César Mais -  blogdocesarmaia@gmail.com 

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

A polícia política e faxineira em Pinheirinho

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Por Lúcio Alves de Barros*

"O país que não passa pelo momento de verdade em seu trânsito para a reconciliação e a democracia, lega ao futuro a permanência da barbárie do Estado" (Luiz Eduardo Soares).
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É a mesma história de sempre neste Brasil de poucos. Poucos, inclusive, conscientes das crueldades que o Estado historicamente fez por aqui. Não é tampouco necessário remover toda história para delinear as falcatruas, crueldades, violências e leviandades que o Estado – pirateado de direito – fez e anda fazendo. Um livro didático é o suficiente para qualquer um tomar um pouco de ciência de muitas histórias obscuras e mal contadas. O que não deixa de ser curioso e paradoxal é a ação da polícia militar no caso de Pinheirinho (SP).
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Neste sentido, nem vou discutir que o terreno pertence ao famigerado especulador financeiro Naji Nahas, o banqueiro investigado e temporariamente preso pela Polícia Federal naquela operação chamada Satiagraha. Até aí poucos problemas, mas o que teria acendido o estopim foi a necessidade do território para pagar dívidas e mais dívidas aos credores do criminoso endinheirado. Estes são alguns fatos que ainda não ficaram tão claros porque nada justifica uma ação policial depois de 08 anos de ocupação em que talvez meses de negociações resolvessem.
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O inacreditável e paradoxal é a ação policial que já tomou repercussão internacional. No dia 22, domingo, pela manhã, a região de Pinherinho foi tomada pelo exército privado do Governador Geraldo Alckiman (PSDB) (lembrou Canudos). Dito de outra forma, a polícia militar de São Paulo colocou em desenvolvimento a operação de reintegração de posse com respaldo do judiciário e dos que comandam a força policial militar. No debate que se abriu, três pontos me parecem oportuno lembrar:
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Em primeiro, o paradoxo em que nos metemos nos últimos anos. “Nunca na história deste país” se investiu tanto em segurança pública. Desde o final dos anos de 1980 vemos projetos e mais projetos de uma polícia chamada hoje de cidadã. O argumento é claro: com a democratização, materializada com a constituição de 1988, não caberia uma polícia violenta, autoritária e arbitrária. Ao contrário, abriu-se espaço para uma polícia comunitária, “de resultados”, “de solução de problemas” e que fosse capaz de aproximar da comunidade. Muitos projetos foram feitos, inclusive, o de integração das polícias militar e civil em certos estados. Aos poucos os intelectuais - até os denominados de "esquerda" - foram se vendendo e esqueceram que não existe esta ideia estapafúrdia de uma polícia tradicional e outra de polícia comunitária. A polícia é uma só e no Brasil ela reage no conforme “pode quem manda” e no "obedece quem tem juízo”. A verdade está aí, nua e crua. Tanto palavreado e dinheiro jogado fora, porque na hora do pau, a polícia deixa de ser comunitária, de proximidade, de amizade e de proteção e parte é para a porrada. Esta é a polícia que forjamos e é esta que aparece em casos nos quais deveria agir justamente ao contrário.
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Um segundo ponto é o uso da Polícia Militar como faxineira social ou exército privado do Governador. Não era possível que depois de 08 anos outra possibilidade de negociação fosse levantada? A questão neste caso é política. A polícia é acionada ao sabor dos “donos do poder” e dos interesses em vigor. O Governador manda porque sabe da importância de um banqueiro em uma eleição e a polícia abaixa a cabeça e vai. Soltos, como sempre, eles atuam na discricionariedade e dá-lhe bala de borracha, bala sem borracha, bombas de gás e pancadas e prisões. Tudo isso por debaixo do manto da justiça “cega” que tem operado em um campo normativo que não suporta e parece desconhecer outras interpretações. A não ser aquela que a elite deseja fazer. Tal como o antigo ditado: “aos amigos tudo, aos inimigos a lei”.
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Por último, é inaceitável que nossa democracia não passe pelo privilégio do amadurecimento. Talvez nem seja possível chamar este estado de coisas de democracia. Já não sofremos tanto? A truculência, a impiedade, a violência da retomada de posse do território foi vexatória, arrogante, humilhante, sádica e perversa. Naquela manhã de domingo milhares de mulheres e homens (crianças, jovens e adultos), muitos nascidos em Pinheirinho, foram tomados de surpresa por carros blindados, helicópteros blindados e vários policiais armados da PMSP. A operação, revelada em tempo real por redes de TV e internet, mostrou a ação policial interditando as ruas, ferindo as pessoas, arrastando, batendo e maltratando homens e mulheres como se fossem animais e, por último aprisionado uma parte deles. A mídia se fartou, mas não deixou de veicular outros requintes da operação como o corte de água, de luz e telefone na região. Mais que isso, um cerco feroz foi formado e um campo de concentração de pessoas foi aberto para aqueles que não suportaram a repressão policial. O resultado foi dramático: as pessoas ficaram à deriva, estão vivendo de doações, humilhadas, cansadas e desesperadas. E tudo por uma ordem efêmera na qual a lei falou mais alto. Esta aí a polícia da “comunidade”, a “justiça cega”, célere e certa e o governo de resultados do PSDB.
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Chega a ser inacreditável o rumo que tomou a retirada da população de Pinheirinho. É claro que casos mais ou menos parecidos acontecem por este Brasil de poucos. Mas quando ocorre em São Paulo o fenômeno toma uma ressonância que nos permite pelo menos indagar e ver a que ponto este país é desigual, grotesco e tenebroso. Já se sabe que a democracia é um longo caminho e que estamos a passos lentos. Mas ela não é possível em um estado de guerra que produz medo, barbárie, corrupção, incerteza, insegurança e mal-estar. A polícia, principalmente a militar, é a face visível do Estado e por isso passível de maiores críticas, mas é ela que vem mostrando o estado de barbárie em que nos encontramos. O Estado, tantas vezes leviano, mostra sua competência justamente contra as pessoas que mais precisam e, historicamente, nesse campo estão não somente os “invasores de terra”, mas os “sem terá”, os desviantes de toda hora, os denominados delinquentes, os usuários de crack ou simplesmente a gente pobre, negra e indefesa que faz parte da maioria da população deste país.
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*Professor na Faculdade de Educação (FAE/BH) da UEMG (Universidade do Estado de Minas Gerais), doutor em ciências humanas pela UFMG e organizador dos livros, “Polícia em Movimento”. Belo Horizonte: Ed. ASPRA, 2006 e “Mulher, política e sociedade”. Belo Horizonte / Brumadinho: Ed. ASA, 2009.

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Polícia faxineira


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Por Lúcio Alves de Barros*
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Em tempos de liberação de possibilidades de estupro em plena TV é melancólico ver passar em branco debates sérios e muito mais complexos que vem ocorrendo há anos nesse país. A ostensividade do crack em todo território nacional só pode ser comparado com sua antítese, a força repressiva do Estado. Um triste paradoxo, haja vista que o crack, apesar dos olhos tortos das autoridades, já se tornou uma epidemia.
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Sabemos que o governo federal somente há poucos meses liberou verbas para a implantação de um “plano nacional” no intuito de enfrentar o avanço do crack. O pacote governamental chega a prever (sempre previsões) investimentos de R$ 4 bilhões. No papel as velhas e conhecidas indicações: investimento na saúde, na justiça e na educação. Como já se sabe: da teoria à prática existe um longo caminho e no cansaço do caminhar volta-se para a penalização das práticas “desviantes”. Penalização sem muita sofisticação: solta-se a polícia e deixe que ela faça o “trabalho” de costume. O tiro no pé é inevitável e com ele os equívocos.
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Em primeiro, o caso de São Paulo é emblemático. Na tentativa de conter o desenvolvimento da chamada cracolândia, o governador Geraldo Alckiman (PSDB), chefe maior das polícias militar e civil determinou “operações” nos locais nos quais se percebam “aglomerados” de dependentes. A primeira ação repressiva teve requintes de crueldade e violência com balas de borracha e bombas de efeito moral. O objetivo aparentemente era muito claro: “limpar a área”, “dispersar os usuários”, “reprimir o consumo e o tráfico”. A operação de ridícula passou a ser dramática, pois as imagens não deixam dúvida. Policiais atiram, os usuários correm, até tentam alguma reação e depois se aglomeram em outro lugar. É o velho conto já famoso na história da polícia: diante dos desviados, delinquentes e “criminosos” nada como chamar a polícia, notadamente a militar, para solucionar o problema a priori sem solução.
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A questão, por natureza, é mais complexa e tenho certeza que as autoridades sabem disso. Estão lidando com verdadeiros “zumbis”. Já se sabe que o crack atua rapidamente no sistema nervoso central e libera no cérebro a dopamina, uma substância neurotransmissora de prazer e que leva a maior parte dos usuários a uma dependência aguda e severa. Neste caso é burrice levar a polícia a cumprir ações de repressão. O que se passou na ocupação de “território” paulista foi a velha novela de viaturas e policiais atirando em um grupo de “mortos vivos” que corriam sem saber para onde. No meio deste, obviamente, quem deveria ser preso não foi encontrado, o traficante. Muitos traficantes também são usuários. O crack é uma droga barata (cerca de 5 a 10 reais dependendo do tamanho) e fácil de encontrar, mas neste episódio valeria à pena ações investigativas no intuito de buscar o verdadeiro infrator. No mercado das drogas, qualquer uma delas, é necessária a demanda e - por definição - a oferta. Neste sentido, as armas governamentais seriam muito mais eficazes na investigação do que na repressão pura e simples.
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Um segundo ponto a ser levantado é se realmente o caso pode ser considerado de polícia ostensiva. O uso de alguns entorpecentes é crime. Logo, compete ao policial militar apreender o cidadão e levá-lo à delegacia. Uma ação quase pedagógica, comunitária e certamente sem conflitos. São mínimas as possibilidades de um usuário de crack ser violento diante da força física de quatro ou mais policiais. Os acontecimentos, entretanto, seguiram outro caminho. A polícia novamente foi utilizada como “faxineira social” e, apesar de todos os projetos (a maioria paga com dinheiro público) - sobre polícia comunitária, de proximidade, de solução de problemas - ela apareceu como historicamente aparece no teatro de operações: como a polícia de costumes, repressiva e onipotente. A ação na cracolândia de São Paulo e que não deve demorar muito para ser repetida em outras cidades é problema de segurança pública, mas não de segurança nacional. O inimigo neste caso já está abatido e espera-se que a polícia faça por onde no intuito de ser digna de ser denominada polícia cidadã.
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Por último, para não viciar o leitor, é necessário frisar que o problema passa longe de ser policial. Em maltrapilhos, se arrastando pelas ruas, em farrapos, solitários e jogados pelas calçadas vemos os usuários de crack desde o final da década de 1980 e início do decênio de 1990. As leis se afrouxaram, mas a cocaína em pasta base entra pelo país pelos mesmos lugares, a saúde pública continua em crise e a educação é um caos. Duas saídas são possíveis: ao invés de formação jurídica, defendida nas academias de polícia pelo país afora, seria bom policiais capacitados nas artes médicas no intuito de fazer o que os órgãos governamentais ligados ao Ministério da Saúde historicamente deixaram de fazer. Neste caso teríamos policiais atendendo gente como gente, como humanos e não como zumbis em filmes norte americanos. A segunda é clara e talvez custe muito mais barato ao governo: uma polícia pedagógica, assessorada por assistentes sociais, professores, pesquisadores, profissionais da saúde comprometidos com a solução ou amenização do problema.
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O debate é amplo e carrega uma certeza: o crack é problema de justiça e sua amplitude é de difícil mensuração, visto que toca a esfera da justiça social. Os filhos do crack nasceram e cresceram ao lado do descaso do poder público. Vimos a criança nascer, aprender e amadurecer. A repressão e a punição não foram suficientes e não vão ser porque outrora já foram tentadas. A hora é de cuidado e proteção do usuário. É preciso recusar a entendê-lo como lixo, como problema de polícia e criminal e é de causar estranheza as autoridades e pessoas influentes bradando nos meios de comunicação a necessidade de castigos sem mesmo saber que o sofrimento imposto produz mais sofrimento. O problema do crack é de política pública e isso envolve interesses e medidas que vão além daquelas que o governo está tomando, pois sequer temos a ciência do número exato de usuários (dependentes e ocasionais). A polícia militar tem sua responsabilidade e lugar, como também tem a polícia civil, as autoridades que compõem o judiciário, o covarde do poder legislativo, o Ministério Público e todos aqueles que fazem do seu “ganha pão” estudos no campo da segurança pública. Finalmente, mais do que policiais em campo atirando no “inimigo” precisamos de vergonha na cara, seriedade, cuidado com o dinheiro público e investimentos e medidas certeiras em favor do dependente, pois ele não espera. Ele necessita e não é do “braço armado” do Estado, mas de mãos que possam pelo menos lhe apontar outro caminho.
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*Professor na Faculdade de Educação (FAE/BH) da UEMG (Universidade do Estado de Minas Gerais), doutor em ciências humanas pela UFMG e organizador dos livros, “Polícia em Movimento”. Belo Horizonte: Ed. ASPRA, 2006 e “Mulher, política e sociedade”. Belo Horizonte / Brumadinho: Ed. ASA, 2009.

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

BBB: estupro real e virtual



Por Lúcio Alves de Barros*

A polêmica do momento que vai se arrastar por uns dias é o “suposto” estupro da jovem Monique Amin, 23 anos, no famigerado Big Brother Brasil levado ao ar pela poderosa Rede Globo. A história já conhecida é que após uma festa com muitos goles, a estudante de administração Monique e o jovem modelo Daniel Echaniz, de 31 anos, foram para o quarto e debaixo de um edredom começaram a trocar beijos e carícias O vídeo, disponível nesse mundo virtual de ninguém, mostra “movimentos suspeitos” que levaram muitos internautas a identificar uma violência sofrida pela jovem gaúcha. É bom lembrar que a menina estava dormindo e o menino ainda bem acordado.

O fato é lamentável e aponta para o poder dos meios de comunicação. Um poder invisível, por vezes visível e manipulador que se reveste de várias formas e em várias ocasiões. A questão do estupro, que não pode ser esquecida - e lembro aqui o direito ao contraditório do garoto - não pode ser avaliada sem a possibilidade de apontar para a responsabilidade da emissora em interferir no momento da relação. Suponhamos que fosse alguém com uma faca ameaçando os colegas ou coisas menores como uma brincadeira de balde na porta ou empurrões maldosos em uma piscina.

A questão é séria e lamento o que os pais devem estar passando com essas crianças engarrafadas em um vídeo. Ver a própria filha sendo supostamente violentada deve ser um sentimento mais que... não tenho palavras. Ver o filho sendo julgado como estuprador também é um fato que não merece citações. Logo, poupemos os pais, afinal estamos lidando com uma mulher e um homem que, pelo menos no campo normativo, são responsáveis por suas ações.

Todavia, o acontecimento midiático - que tem tomado a ressonância esperada pelos profissionais da área - deve ser analisado também pelo ponto de vista de que a própria emissora produziu e vem produzindo. Ao expulsar o jovem garoto, a emissora revelou como sabe julgar e condenar publicamente. De duas uma: (1) a emissora tem informações que, escondidas, revelam o crime ou (2) não acredita que realmente houve o estupro e está de olho no IBOPE, apesar da jovem dizer, diante da acusação, que não fez sexo consentido com o rapaz: “só se ele [Daniel] foi muito mau caráter de ter feito sexo comigo dormindo". 

Não é possível que toda essa alienação ainda encontre meios de ser alimentada por indivíduos tolos que não percebem que a fala da garota é muito séria e digna de levantar suspeitas não somente sobre este programa, mas sobre os outros que passaram pela tela. Ela parece confusa em vários momentos, mas não parece titubear diante da possibilidade de ter feito sexo com o jovem. Por outro lado, ele foi condenado e sem direito a voz, inclusive pelo próprio meio de comunicação que tem oferecido largo espaço para a fala de Monique.

De todo modo, uma questão está clara: chegamos ao limite do absurdo e do grotesco: a possibilidade de um crime não pode ser deixada de pertinente averiguação. No campo da segurança pública, fala-se em tentativa de homicídio. Estamos lidando com uma tentativa de estupro? E não fizeram nada? E as pessoas que estavam assistindo, que pagam caro para isso, não perceberam?

Na realidade perdemos a capacidade de proteger o outro. Seres humanos deixaram de ser humanos há tempos. São seres esvaziados, aparentam e fingem viver o que na verdade é real como se não fosse a realidade. A relação dos dois “amigos” nessa “droga” chamada Big Brother tem sido mostrada como caso de novela e não como um fato tão sério como é. Esse vazio produzido na fronteira do real e do virtual atrapalha as mentes e coloca miopia no olhar das autoridades responsáveis em verificar a realidade dos fatos. Que sociedade é essa que grita somente depois? Que berrem as feministas. Que gritem os machistas. Que discutam o racismo como quer a Globo. Que joguem pedras lá e cá, mas que a verdade venha à tona e que parem de enganar o público em relação a um acontecimento que tomou enorme ressonância e que é permitido por este Estado gerenciado por gente corrupta e sem o mínimo de escrúpulos.

*Professor na Faculdade de Educação da UEMG (Universidade do Estado de Minas Gerais), doutor em ciências humanas e organizador do livro “Mulher, política e sociedade”. Belo Horizonte / Brumadinho: Ed. ASA, 2009.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Opinião: Escola, família e responsabilidades

* Maira Sofia Warpechowski Lamaison

Sem extirpar das costas do professor o seu quinhão de responsabilidade, analisemos a situa-ção atual da Educação brasileira, que, diante de diversos resultados de testagens (em geral, com resultados negativos e preocupantes), aponta para as causas que podem estar muito além do ambiente Escolar, onde a aprendizagem formal deve acontecer. Com certeza, a culpa também é do professor (deixando claro: culpa não é dolo!), pois não tem oportunidades de se atualizar ou não aplica as metodologias defendidas nos cursos de formação, está desmotivado, perdeu seu papel e espaço como autoridade, sem falar nos salários vergonhosos.

E ainda existem mesmo aqueles (raríssimos) casos de professores infrequentes e negligentes que, além de faltarem levianamente ao trabalho, não preparam aula, tornam-se reféns dos livros didáticos, pois tudo lhes é considerado esforço em demasia.

Mas existe uma dúvida em relação à suposta culpa exclusiva do professor, pois ela é sugerida ao longo dos últimos anos devido ao fracasso Escolar – estranhamente em uma época em que a sociedade vive a desestruturação dos valores familiares e o assistencialismo material a pais relapsos – e, por isso, ficou sobre os ombros do docente o dever de sanar ausências paternas ocorridas desde o período pré-escolar, sendo que isto significa não apenas cinco anos anteriores à alfabetização, mas as outras 20 horas diárias em que a criança está fora da Escola, com (ou sem) sua família, bem como fins de semana, férias e feriados.

Isto significa que quatro horas-aula diárias, durante 200 dias por ano (isto se oaluno não faltar) devem ser suficientes para cobrir lacunas de oportunidades que alguns indivíduos não tiveram em seus lares, socializá-los como cidadãos em potencial, que são, e ainda prepará-los para serem testados em uma avaliação formal e escrita quanto a sua leitura, compreensão de texto e raciocínio lógico-matemático!

Será que a sociedade e as autoridades competentes ainda não perceberam? Permanecem batendo na mesma tecla, criticando e responsabilizando os professores que têm diante de si um tempo e recurso mínimos para um trabalho máximo?

Será que não percebem que os familiares que convivem e conhecem a criança desde que nasceu têm a obrigação de educá-la para o convívio na Escola e na sociedade? Têm a obrigação de dar-lhe atenção, cuidados, estímulos, afeto, além do exemplo da leitura e escrita (ainda que rasa) e da matemática? Como um professor em parcas quatro horas poderá competir com seis (ou mais) anos de experiência negativa na vida familiar da criança?

Afinal, se as horas extraclasse das crianças não influenciassem em sua aprendizagem, todos os alunos deprofessores pesquisadores, criativos, objetivos e compromissados com o processo de ensino-aprendizagem obteriam sucesso. Mas infelizmente, para alguns educandos (eeducadores também!), somente o esforço e a dedicação do docente não têm sido suficientes para que aprendam tanto quanto necessitam e merecem aprender.

Dentre muitos casos presenciados ao longo dos anos de magistério público estadual, poderia destacar vários exemplos curiosos que comprovam que o compromisso da família é o primeiro e essencial passo a ser dado antes de a criança entrar na idade Escolar.

Teria vários relatos para comprovar que a Escola por si não é suficiente para alfabetizar quem quer que seja, afinal, o indivíduo é um ser cognitivo, social, cultural, emocional, físico e afetivo, e estas partes não se separam em gavetas, como muitos podem pensar.

Elas interagem entre si e influenciam o desempenho umas das outras; e, por isso, toda sociedade (família,Escola, governos) deve se responsabilizar para garantir que o frágil ser em formação tenha o equilíbrio necessário para que a aprendizagem aconteça naturalmente e com sucesso.

* Pedagoga e educadora das séries iniciais

sábado, 14 de janeiro de 2012

Ante o descaso do governo para com os profissionais da Educação, a partir da segunda quinzena de janeiro o chão de Minas volta a tremer

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O ano de 2011 foi marcado por grandes batalhas, e também por muitas perdas financeiras e outras impostas pelo governo de Minas aos profissionais da Educação. Rapidamente, é bom relembrar: tivemos o nosso piso salarial nacional burlado, a nossa carreira destruída, redução imoral e ilegal de salário, cortes indecentes, contratações imorais de substitutos, pagamento do 13º abaixo do valor legal, e pagamento de reposição das aulas abaixo do valor dos salários já reduzidos ilegalmente pelo governo. E para fechar o ano letivo - já que 2011 ainda não acabou, para nós que fizemos a greve de 112 dias - o governo impôs uma resolução que aboliu o direito dos professores efetivos escolherem as turmas de forma prioritária, numa clara jogada para tentar dividir a categoria. Além de anunciar e não colocar em prática o terço de tempo extraclasse.

A marca registrada do governo anterior e do atual - faraó e afilhado - tem sido o ódio de classe aos profissionais da Educação. Porque somos muitos - e porque a grana da Educação também é muita -, e investir adequadamente nessa área significa contrariar os interesses dos de cima. Ao invés de uma Educação de qualidade para todos, como manda a lei federal, e a correspondente valorização dos educadores, a prioridade dos governos - tanto os municipais, quanto o estadual e o federal - é com banqueiros, empreiteiros, latifundiários, grandes empresários, além da alta cúpula dos três poderes que, reunidos, partilham entre si aquilo que confiscam dos trabalhadores de baixa renda, e especialmente, no caso de Minas, dos profissionais da Educação.

Lógico que não podemos deixar barato tal situação. Precisamos urgentemente retomar as mobilizações da categoria e da comunidade. Ao mesmo tempo em que precisamos continuar cobrando da direção sindical que dê sinal de vida e contrate uma assistência jurídica à altura do que a categoria necessita para cobrar todos os direitos citados acima - nem um centavo a menos do que temos direito e do que nos foi tirado em 2011!

Está claro para quase todos que 2012 terá um tipo diferente de mobilização. A categoria, desgastada emocional e materialmente, não tem condições de realizar uma greve neste momento, mas ainda tem força e moral para lutar, para resistir e para cobrar do governo os direitos que nos foram tirados. Ou o governo paga o piso na carreira a que temos direito, revogando a indecente, imoral e ilegal lei criada no apagar das luzes de 2011 - chamada de modelo unificado de remuneração -, ou não haverá trégua. Seja na Internet, através de inúmeras formas de denúncia e divulgação; ou na justiça, através de ações individuais, em grupo ou de entidades de classe; ou através das mobilizações populares, que podem crescer, ganhar as ruas e mostrar para Minas e para o Brasil que o governo do estado - e o projeto que ele representa - não cumpre a Lei do Piso e tudo faz para destruir a educação pública no estado e a carreira dos profissionais da Educação.

Na próxima reunião do NDG em BH, no dia 18, queremos discutir com os colegas a retomada das mobilizações. Que podem ser iniciadas com a manifestação de pequenos grupos, com panfletagem em praça pública, com faixas e painéis explicativos acerca da nossa realidade. Na Praça da Liberdade (ou da Repressão?), em frente à Cidade Inadministrável, na Praça Sete, e nas praças de todas as cidades de Minas Gerais. O importante é que sejamos capazes de construir outros meios de comunicação direta com a comunidade, já que a grande mídia está comprometida (e vendida) com o projeto de governo dominante.

O atraso do governo federal em anunciar o valor do novo piso é outro pouco caso que se faz com os profissionais da Educação, massacrados em todo o país, que assistem ao sucateamento que a elite política dominante, de todos os partidos, promove contra a Educação pública, em claro prejuízo para os de baixo. Se a Lei Federal 11.738/2008 determina que haja reajuste anual em janeiro de cada ano, com base no aumento do custo aluno ano, e se o MEC já anunciou o percentual deste aumento do valor aluno ano em 22%, por que a demora em anunciar o reajuste e o novo valor do piso salarial nacional? Até quando os governos das três esferas continuarão tratando a Educação pública com este descaso, em agressão aos direitos da população de baixa renda, que é aquela que mais necessita dos serviços públicos de qualidade, notadamente da Educação básica?

Por estes motivos precisamos retomar as nossas mobilizações, convidando os nossos aliados e toda a comunidade a travarem uma rica discussão sobre a realidade política no Brasil, dominada por grupos que sugam o dinheiro público para fins próprios e dos seus apoiadores, arrancando dos de baixo direitos que deveriam estar assegurados. Especialmente neste ano, quando haverá eleições municipais, é hora de debater com a população a realidade de demagogia e promessas ocas que são feitas durante a campanha eleitoral. É importante, por exemplo, mostrar qual foi o papel dos deputados estaduais que votaram contra a Educação pública e contra os educadores. Denunciar os candidatos municipais que estejam ligados a este projeto de destruição da Educação pública. E de como a democracia representativa tem se revelado cada vez mais um engodo, quando os interesses dos de baixo são esquecidos, e os eleitos buscam seus próprios interesses e os dos grupos que financiam suas campanhas.

Ao mesmo tempo, é importante discutir com a comunidade o paradoxo dos dois Brasis e das duas Minas Gerais: de um lado, os palácios e estádios construídos com dinheiro público, além dos altos salários e de lucros fabulosos para poucos; do outro, as enchentes que castigam os mais pobres, por conta da ausência de políticas de prevenção; o descaso com a Educação, com a Saúde pública, com a área social, enfim. É o mundo da propaganda enganosa. Anuncia-se que o Brasil atingiu a condição de 6ª economia mundial, mas não dizem que estamos entre os últimos em matéria de remuneração para os educadores, ou de desigualdade social. Em Minas, a propaganda revela um estado (ou seria país?) da fantasia, onde a Educação alcançaria os melhores índices do mundo, e a economia cresce mais do que a China. A realidade, contudo, é outra: o governo destruiu a carreira dos profissionais da Educação, burlou a Lei do Piso, tem imposto uma política de não diálogo e de ameaças, mas nada disso aparece nos espaços da grande (grande em negócios) imprensa.

É hora, portanto, de retomarmos as mobilizações. A comunidade, no dia a dia, precisa saber o que se passa; precisa saber sobre os atos do governo, dos deputados, da omissão do Ministério público estadual, da mídia, para que formemos um forte movimento capaz de alterar esta realidade. Eles podem controlar momentaneamente os poderes de decisão política e administrativa. Mas não podem controlar a consciência e a opinião de milhares de pessoas, que podem ganhar força e se transformar em movimento social vivo e capaz de botar pra fora estes grupos que estão a serviço dos de cima.

Quando atacam os educadores, os governos estão na verdade destruindo os sonhos de milhões de pessoas, que têm na Educação pública senão o único, pelo menos o principal espaço de socialização, formação crítica e profissional. Da mesma forma, quando não se investe adequadamente na Saúde pública, na prática estão condenando milhões de pessoas à morte. Ou quando não se investe em moradia popular e políticas públicas de assentamento e ocupação urbana e rural estão beneficiando a concentração das terras nas mãos de poucas pessoas, jogando a maioria da população nas ruas, ou nas franjas dos grandes centros urbanos, sem a menor assistência.

A luta pelo piso, pela carreira, pela devolução de tudo quanto nos roubaram em 2011 - e também pela democratização e autonomia das escolas, do sindicato, da vida cotidiana, enfim - contraria todos os projetos de dominação das elites dominantes. Eles querem nos manter à margem, excluídos, espoliados, como fizeram com os de baixo ao longo de toda a nossa história; mas, nós, que somos herdeiros dos quilombolas, das conjurações e revoltas e conspirações contra os de cima, não aceitamos este papel. Que o governo aprenda a nos respeitar e devolva todos os nossos direitos. Do contrário, o chão de Minas volta a tremer!

Um forte abraço a todos e força na luta! Até a nossa vitória!

Fonte: Blog do Euler - Professor do ensino básico

O papel da imprensa na construção de uma sociedade sustentável

Por José Paulo Grasso em 10/01/2012 na edição 676
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O ano de 2011 terminou. Num breve balanço, a atuação da mídia derrubou em um ano seis ministros pelos mais variados escândalos, sendo que ninguém foi punido, outros ficaram em situação altamente constrangedora e, incrivelmente, não aconteceu rigorosamente nada. Num quadro desses, chegou a hora de discutirmos o importante papel dos meios de comunicação na construção de uma sociedade sustentável e socialmente justa.
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Será que algum país no mundo tem vinte e sete partidos, recebendo generosos recursos públicos do Fundo Partidário? Se as ideologias desapareceram com a crise de 2007, quando passou a ser priorizada a tal de “qualidade de vida”, como se justifica a existência de tantos partidos, já que essas legendas são “supostamente” de aluguel e negociam descaradamente desde minutos no horário político até a governabilidade para quem der a melhor oferta cash, sem falar dos caixa dois?
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A partir dessa constatação podemos entender por que a corrupção anual é estimada em cerca de R$ 80 bilhões. Com um botim desse tamanho e a impunidade reinante, num ambiente em que os valores e a ética são desprezados e a mídia surpreendentemente não cobra punições, não causa surpresa já termos mais 30 legendas em processo de organização. Nove delas já conseguiram se oficializar para entrar nessa “boquinha”, faltando apenas o registro nacional. No Facebook, por exemplo, quase todos têm postura de futuros candidatos. A realidade é essa e inexplicavelmente há uma apatia coletiva bovina com relação aos nossos direitos civis, quando, com a indignação atual, todos deveriam estar se unindo e lutando para reverter esta situação que acabará nos levando à uma falência vexatória.
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O abismo social do neoliberalismo
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Por que não discutir este problema, já que somos motivo de chacotas mundiais por permitirmos que nossos representantes eleitos “democraticamente” se associem para “supostamente” assaltar os cofres públicos conforme somos obrigados a constatar diariamente? Todos observaram que os ministros caíram e que não aconteceu nenhuma mudança para inibir os fatos que levaram a estas quedas. Que democracia é esta na qual a sociedade não participa ativamente e não há uma mídia consciente da importância de sua participação?
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Algo precisa ser feito e a imprensa da área econômica não está interessada nisto. Renomada comentarista de economia começou recentemente sua coluna diária dizendo que nem mesmo a caudalosa cachoeira de sete quedas, se ainda existisse, seria capaz de lavar a corrupção no Brasil, quando na verdade a luz do sol é o maior detergente que existe para acabar com o malfeito e temos todo um arcabouço legal para colocar em prática uma transparência total das contas públicas que inibiria imediatamente tais práticas. Basta que a sociedade exija e dê suporte à presidente para executar uma faxina de verdade. Além de escrever uma bobagem como esta, ainda deu provas do autoritarismo que permeia na área econômica ao, no dia seguinte, questionar como uma pessoa da importância que ela acha que tem, ao nível de um Gerdau ou de um Eike, ter que comparecer pessoalmente a uma repartição pública para receber as senhas pessoais e intransferíveis de sua certificação digital, exigida pela receita federal como os outros mortais comuns fazem.
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Isto num ambiente mundial onde, inacreditavelmente, estudantes abandonaram as aulas do economista Greg Mankiw na conceituada Harvard University, protestando contra o fato de que “o curso propaga ideologia conservadora disfarçada de ciência econômica e ajuda a perpetuar a desigualdade social”. Os alunos pegaram até leve com tal teoria econômica ortodoxa: poderiam ter acrescentado que fomenta a instabilidade financeira, a corrupção e ainda causa baixo crescimento. Estes estudos usam a teoria econômica neoclássica para justificar “cientificamente” o neoliberalismo, uma ideologia reacionária que entre 1979 e 2008 promoveu o atraso e a desigualdade em todos os países que a aceitaram. E que, ao mesmo tempo, “pressiona” os cidadãos dessas nações a ficarem calados, já que não dominam o “conhecimento” matemático e técnico, favorecendo com isso um abismo social aliado a uma concentração de renda absurda na mão de 2% da população. Não é espetacular? Adivinhe qual é o modelo praticado no Brasil e, consequentemente, no Rio de Janeiro?
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Privilégios, corrupção e impunidade
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A economia mundial tem necessariamente que se reinventar, porque este conceito de privatizar os lucros e democratizar os prejuízos atirou a parte do mundo dita mais “avançada” socialmente num abismo socioeconômico, detonando a famigerada Primavera Árabe, a atual onda de Occupy Wall Street e revelou que o que importa mesmo é manter a tal de “qualidade de vida” ameaçada pela crise mundial; e os economistas ainda não entendem direito o que é que hoje em dia se quer exprimir até no PIB.
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E pensar que tudo isso começou no Butão, quando este reinado resolveu medir o índice de felicidade dos seus habitantes, sendo, inicialmente, motivo de chacotas. Com o detalhe que hoje naquela parte do mundo que está em crise qualquer investimento, até mesmo no social, tem sido questionado quanto ao seu retorno, pois já passou a época em que se desperdiçava dinheiro para se eleger políticos como predomina na economia brasileira. Quando vamos acordar para o fato de que a hora de mudanças socioeconômicas está passando? E que se a perdermos, a crise que nos atingirá terá consequências ainda piores do que a americana ou a europeia? Alguém lembra como terminou o nosso milagre econômico? Das exigências absurdas do FMI?
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O ministro da Fazenda se ufana de que a economia brasileira, medida de forma irracional pelo PIB, ultrapassou a do Reino Unido e assumiu a sexta posição no ranking mundial. Na verdade a Inglaterra produz aquele valor de bens e serviços com pouco mais de 60 milhões de habitantes, enquanto o Brasil produz o seu com quase 200 milhões. É obvio que a produção per capita dos brasileiros ainda é bem menor do que a dos ingleses e logicamente isso é muito mais importante que o valor absoluto do PIB. Basta olhar ao redor e ver a miséria, as favelas, a criminalidade, a infraestrutura caótica, os serviços prestados à população, a concentração ilegítima de renda graças a privilégios escusos, a corrupção, a impunidade, para notar que a situação nos dois países é completamente diferente.
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Sangrias sucessivas e impunes
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Para piorar ele arremata que em 20 anos estaremos no mesmo patamar dos ingleses, o que só se concretizará se reformas profundas fossem pensadas em curto, médio e longo prazos, coisa normalíssima, mas que aqui ninguém quer fazer, porque do jeito que está é que deve ficar para assegurar os “direitos” que uma parte das “elites” acha que tem, inclusive a dos meios de comunicação. Se temos uma inflação controlada há mais de 15 anos, por que não se planejar em curto, médio e longo prazos, como todos fazem? Por que estranhamente os economistas não tocam neste assunto? E muito menos os colunistas da área econômica? Todas as economias que emergiram foram pensadas assim, como a alemã, a japonesa, a coreana, a chinesa, entre muitas outras. A Austrália, por exemplo, está fazendo um planejamento para os próximos 40 anos!
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Aliás, economistas e assessores financeiros, a partir de 1971, passaram a se achar os donos da verdade quando o presidente Nixon suspendeu a obrigatoriedade da conversão do dólar em ouro e, com isso, o dinheiro perdeu sua referência com a economia real. Assim a criação de “jogadas”, a especulação desenfreada e a destruição criminosa de moedas passaram a ocorrer com grande facilidade, pois o endividamento do setor privado saiu de controle e, na falta de uma âncora sólida para a economia, as crises financeiras se tornaram muito mais frequentes e profundas. Eles pensaram ter um papel estratégico: seriam os mandantes desse novo ajuste monetário e financeiro da economia mundial. Mas, passados 40 anos, está constatado que eles falharam, que em sua ganância por lucros cada vez maiores atiraram o planeta numa crise sem precedentes, devendo ser fiscalizados com lupa, porque mesmo depois dessa lambança, continuaram agindo como se o mundo fosse um cassino de onde eles tirariam lucros fantásticos para dar aos seus investidores e continuar impondo seu estilo de vida nababesco, o que não combina com a realidade atual onde trabalhadores honrados foram atirados literalmente na rua com suas famílias, pelos seus erros. Por que a imprensa brasileira não mostra que isto ainda está se repetindo aqui, onde muitas das operações de sucesso do governo são sustentadas por milagres contábeis? As tão faladas e necessárias reformas não saíram do papel e os escândalos se sucedem, como no caso da compra do banco PanAmericano pela CEF e nos títulos da dívida pública, de pouco ou nenhum valor, vendidos por preços acima do mercado graças a um “erro” no sistema de informações da Caixa Econômica Federal. São valores acima de R$ 5,5 bilhões, desviados por “supostos” participantes de partidos políticos, ligados à base de sustentação do governo, sendo que não há economia no mundo que resista a essas sangrias sucessivas e impunes.
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Eutanásia seletiva
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Não está na hora de a mídia acordar para estes fatos, exigindo, ao lado da sociedade a quem ela presta serviço, punição exemplar e planejamento integrado em todas as esferas para que os “políticos” passem apenas a gerir metas com transparência e assumam responsabilidades legais por seus atos? Como, aliás, acontece no setor privado e em todos os países que tem economias sérias.
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A Assembleia Legislativa do Rio é notoriamente um enfeite caríssimo, porque os “nobres” vereadores só se preocupam em homenagear eleitores, não produzem leis de relevância, não defendem os interesses dos cidadãos porque aprovam tudo que a prefeitura empurra, porque seu objetivo é o de se perpetuar no poder através de políticas sociais estimuladas pelo poder público. Como se não bastasse, se concederam um aumento de indecentes 62%, apesar de a lei estabelecer que tal reajuste só pode entrar em vigor na legislatura seguinte. Mas como estamos vendo eles estão acima das leis. Na Câmara dos Deputados o esquema é muito parecido e o governador tem maioria confortável, aprovando tudo o que quer. Você, leitor, acredita mesmo que em um cenário desses poderemos produzir as tão necessárias mudanças e correções de rumo?
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Passaremos a falar agora dos serviços prestados à população para entendermos melhor a situação. Analisaremos rapidamente o Rio, entrementes, como sabemos, o quadro é praticamente o mesmo por todo o país. Na área da saúde, temos as UPASs, que são só midiáticas, não atendendo às reais necessidades da população, como de vez em quando é noticiado, mesmo assim quando alguém da imprensa sente na pele. Na da Ilha do Governador, por exemplo, segundo denúncia, não há um mísero aparelho de raio X. Poucos dias atrás me pediram para publicar no meu perfil do Facebook um pedido de ajuda para a senhora de um coronel do Corpo de Bombeiros que tinha tido um aneurisma cerebral e precisava com urgência de vaga num CTI. Foi o suficiente para começar a ocorrer um apavorante desfile de problemas semelhantes, pessoas revoltadas e casos e mais casos de mortes provocadas por falta de vagas em CTIs. O estado pratica uma eutanásia seletiva em seus pacientes, provocando uma situação que uma hora dessas terminará muito mal com um médico sendo justiçado como se tivesse culpa, pois hoje o melhor remédio é uma liminar, mas a crise na área está tão absurda que nem mandando prender o diretor do hospital se consegue uma internação. E o número de vagas? Diminui ano após ano, ao invés de aumentar; por que será?
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Dificuldades em matricular uma criança
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Os depoimentos que nos chegam são de cortar o coração e vão de desvios, falta de materiais necessários a procedimentos rotineiros, manipulação de vagas por políticos, degradação proposital de hospitais para poder alegar emergencialidade e desta forma conseguir liberação de licitação visando entregar a obra a um patrocinador de campanha, fraudes em compras, enfim, o corolário conhecido que inexplicavelmente a imprensa, especialmente a carioca, não denuncia, mesmo apresentando elevado número de falecimentos diários causados por falta de atendimento adequado. Mesmo no setor privado a situação não é boa, como atesta o elevado índice de reclamações na defesa do consumidor, sendo hoje a melhor opção para quem pode a ponte aérea para São Paulo.
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A dengue está voltando, indecentemente, ao Rio, onde a Secretaria de Saúde registrou um aumento de 475% em relação a 2010, com 149 mortes. Aquela mídia do Rio publica um número menor (450%) e não divulga o número de mortes. Na contramão de todo o país, em que diminuiu em 25%, segundo os dados oficiais. Parece que combatê-la não dá um percentual, então ela cresce ao invés de diminuir; porque ao se tornar emergencial verbas vultosas são liberadas sem controle. Que Rio de Janeiro é este?
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Na área da educação, em que o Rio ficou em 26º lugar no Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), entre 27 unidades da federação, é preciso falar mais alguma coisa? Os professores vivem em greve, há denúncias de desvios de verba da merenda, os salários e as condições são péssimas, vários funcionários se demitem diariamente, as políticas públicas não tem continuidade, sendo que os professores, a população e a mídia ainda não acordaram para o fato de que sem planejamento e participação ativa de toda a sociedade não há nada que dê jeito. Claro que obras que supostamente dão comissão continuam sendo executadas e aquelas compras “tradicionais” também. A mais recente é, para breve, a aquisição de iPads. Enquanto isso, pais e mães têm dificuldades absurdas em matricular uma criança numa escola de, ao menos, um mediano padrão.
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Cachoeiras de esgoto
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No setor de transportes públicos, que são utilizados por apenas 16% da população, a situação é criminosa. Latas de sardinha são mais confortáveis e funcionais, pessoas perdem até 5 horas diárias em deslocamentos, sujeitas aos mais diversos acidentes de percurso. Engarrafamentos pioram a cada dia, as soluções bilionárias apontadas são paliativas e, segundo os especialistas, estarão obsoletas ao serem inauguradas, pois escandalosamente aprovaram um corredor de ônibus claramente arcaico, porque somos reféns dos empresários do setor. Agora querem demagogicamente, sem anunciar a fonte de recursos, implementar um sistema de trens de superfície, que seria o ideal, mas apenas para beneficiar um projeto que privilegia alguns empresários, em detrimento de toda a cidade, no famigerado Porto Maravilha, onde Certificados de Potencial Adicional de Construção, os Cepacs, uma ideia que não deu certo em São Paulo, foi acintosamente piorada. Ao invés de usar os bilhões arrecadados para melhorar a malha viária de uma zona central que hoje está ao descaso e que mesmo assim já vive permanentemente engarrafada, autorizaram construções de milhares de espigões com até 50 andares no local, o que trará um aumento de centenas de milhares de pessoas circulando, sem apresentar as devidas soluções viárias.
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Imagine o que acontecerá, ainda mais sabendo que mais de 40 mil veículos por ano são acrescentados a este caótico trânsito e que não há previsão de alternativas viárias, menos ainda de estudos. O dinheiro das Cepacs está sendo aplicado sem fiscalização numa reforma estética onde se destruirá um viaduto funcional para refazê-lo subterraneamente, sem criar condições para um aumento de fluxo. Curiosamente, aquela mesma mídia carioca publicou reportagens endossando tal descalabro. Na contramão disso, já existem até propostas de uma ação popular ou uma ação civil pública para inibir este crime contra a população.
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No setor de saneamento básico, com a atual especulação imobiliária desenfreada, a situação caminha para uma catástrofe ambiental anunciada que a mídia ignora. Nada de despoluição da Baía da Guanabara e das bacias da Barra, promessas olímpicas; os interceptores oceânicos são tecnicamente inviáveis e irão acabar com as praias da Zona Sul em breve, como já morreram as praias do interior da Baía de Guanabara. Desafiamos alguém a nos relatar a saída de um mísero caminhão de lama produzido pelas usinas de tratamento de esgoto. Enquanto isso, em Nova York, para cada dólar investido no sistema de abastecimento de águas da cidade, são economizados sete em produtos químicos. No Rio, descobriram “casualmente” que em algumas comunidades existem há décadas verdadeiras cachoeiras de esgoto que espalham detritos e doenças nessas comunidades. Como obra enterrada no chão não dá voto, se compromete cada vez mais o depauperado sistema de saúde ao se eternizarem estes problemas. Compromisso com o IDH? Só no horário eleitoral.
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A criminalidade está se reorganizando
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Na área de habitação o negócio é digno de investigação criminal, com a aplicação de bilhões nas favelas com resultados ridículos, nenhum controle das verbas aplicadas em conluio com o Banco Mundial, sendo que as comunidades já beneficiadas se recusaram a deixar de usar o nome pejorativo de favelas porque, mesmo com todas as melhorias anunciadas, ainda se sentem favelizadas. Os índices de tuberculose e outras doenças só aumentam nesses lugares, a conta destes bilhões torrados irá chegar e terá que ser paga, sendo que o único retorno conhecido é o da eleição de administradores dessas verbas para cargos públicos. É interessante que há cerca de um ano admitiu-se que mais da metade dos moradores do Rio vivessem em favelas, na contramão dos números anunciados agora de pouca mais de um milhão, ou seja, houve um milagre e mais de dois milhões de pessoas foram beneficiadas, mas só no papel. Por outro lado, a especulação imobiliária, como foi fartamente anunciado nas páginas de economia, pretende fazer “30 anos em 5”, pois, como qualquer um pode entender, até 2016 o Rio ficará na vitrine e quem fizer e vender lucrará. Depois, com o término dos investimentos bilionários, que são muito discutíveis e apresentarão benefícios nulos, chegará a conta que, por esses mistérios insondáveis midiáticos, é um tabu! Ninguém toca no assunto e nem nas implicações sobre o futuro das contas públicas. O que acontecerá no pós-2016, com um mercado inundado de imóveis, com o término das obras de mobilidade urbana, dos elefantes brancos olímpicos e das obras do PAC é o prenúncio de uma crise sem precedentes na indústria da construção civil e nas milhares de micros, pequenas, médias e grandes empresas periféricas.
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No tocante à segurança pública, as UPPs, Unidades de Propaganda Política, ops!, Unidade de Polícia Pacificadora, a principal ação midiática dos poderes constituídos tem ocupado papel de destaque, até porque a violência era digna de uma guerra civil disfarçada. Não há mais tiroteios nos morros dos corredores dos eventos internacionais, mas nem a violência nem o tráfico desapareceram, havendo inclusive suspeitas confirmadas de manipulação dos dados pela Secretaria de Segurança Pública. Ela migrou para outras ações intimidadoras e está se interiorizando de uma forma geral. Ainda são comuns ataques com mortes, sem a menor explicação, a viaturas policiais ou tiroteios nos subúrbios e periferias, ou seja, a criminalidade está se reorganizando no além túnel Rebouças e interior do estado. O próprio Beltrame já declarou inúmeras vezes que só um policial armado não impede que as quadrilhas continuem agindo e que é necessária a implantação de projetos sociais.
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Que promiscuidade é esta?
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Ora, isso não irá jamais trazer de volta a antiga força econômica do Rio, com seus tão necessários milhares de empregos qualificados, melhores condições salariais e seus efeitos multiplicadores culturais e ambientais. Sem falar que a cidade é muito hostil para seus moradores que reagem como vândalos, com pichações, destruição do patrimônio público e com um desrespeitoso despejo de lixo e dejetos nas ruas.
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É preciso tirar milhares de pessoas de frente da TV e das telenovelas idiotizantes para caminhar na rua e à noite, estimulando novos negócios e humanizando a cidade. Basta de ficar preso dentro de casa, amedrontado com a violência cotidiana. O carioca está sedento de espaço público, de bater perna e de ter liberdade de fazer programas dentro de seu orçamento. Nas Ramblas, na Times Square, na South Way, na Trafalgar Square ou na Rua das Pedras em Búzios isso é normal e viável. Em Barcelona 40% da população economicamente ativa trabalha na noite. Aqui, seria uma mudança bem-vinda. A Lagoa e seu entorno não comportam a multidão que se desloca para lá para ver sua árvore de Natal e não tem o que oferecer aos visitantes. A conquista do espaço público desperta o amor pela cidade no cidadão, faz um tremendo bem à economia e ao turismo e deveria ser estimulada também no centro da cidade, que tem tudo para ser o maior shopping a céu aberto do mundo.
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Afinal, por que o tal famigerado Porto Maravilha, que ainda não decolou e nem vai decolar nesse formato, não é replanejado para revitalizar a economia do Rio, levar empregos às favelas, subúrbios e periferia, como aconteceu com sucesso em todos os lugares onde as Zonas Portuárias foram renovadas? Será que é porque a Fundação que é dona do maior jornal carioca também está no jogo através de um projeto milionário de um museu, de estética duvidosa, que pretende ser o motor da revitalização da área portuária, mas que não tem cacife para isso? Como a imprensa carioca pode prestar serviço à sociedade (o que seria o seu dever capital) se ela presta apenas e exclusivamente aos interesses de seus donos, parceiros do poder público? Que promiscuidade é esta que permitimos? Continuaremos a permitir isto?
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Não há desenvolvimento sem planejamento
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Com relação às finanças públicas, que estão sendo endossadas pelas mesmas agências que não previram a crise de 2007 e suas funestas consequências, que também apoiaram a Grécia, que na época vivia o mesmo cenário atual e que estão concedendo upgrade para que a capacidade de endividamento do Rio seja aumentada, de olho nos bilhões em investimentos dos eventos mundiais. Isto não seria nada de mais se houvesse um plano diretor, com planejamento em curto, médio e longo prazos, com metas factíveis, apoiado em uma âncora crível que permitisse o retorno do capital investido nos prazos determinados. Se o Canadá levou mais de 30 anos para pagar sua Olimpíada, imagine o Rio!
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Claro que não existe nada disso e o dinheiro é gasto em projetos sociais que não têm a menor preocupação em apresentar retorno e que no pós-2016 nos atirarão numa dívida impagável, trazendo inúmeros problemas socioeconômicos. Outro aspecto interessante é o crédito ao consumidor, já que graças à ele houve um crescimento ímpar da atividade econômica, porque se passou a vender de tudo em parcelamento que já estiveram em mais de oitenta meses no cartão de crédito. Só que embutido nisto está uma escorchante taxa de juros de 237,9% ao ano. Só para comparação, na Venezuela o rotativo custa 29% ao ano e na Argentina, 50%. Pense o que acontecerá no mercado se houver uma crise, o tamanho do buraco que irá surgir e a quebradeira que irá se espalhar.
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São Paulo tentou resolver seus problemas via a implantação de um plano de metas, cultura e acesso à cidadania plena. A sociedade se uniu e exigiu que os candidatos à prefeitura assinassem este compromisso. Só que o prefeito das 223 metas acordadas cumpriu apenas 60, enquanto 160 se encontram “em andamento” e a qualidade de vida piorou muito. Com o detalhe que a administração lá é do mesmo partido há mais de 20 anos. Ou seja, mesmo com uma continuidade de duas décadas, não há cidadania e nem desenvolvimento socioeconômico, cultural e ambiental sem um planejamento sério de curto, médio e longos prazos que envolva toda a sociedade de forma ativa, apoiado por metas críveis e sustentado com transparência por uma âncora claramente definida.
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Instrumento de transformação
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Como ficou demonstrado na análise acima do cenário atual do Rio, resultante de mais de meio século de administrações calamitosas, aquela mídia hoje está vendendo “gato por lebre”, como se costuma dizer, uma imagem de otimismo exacerbada sem ter suporte de realidade e, se alguma coisa não for feita imediatamente, o pós-2016 será uma tragédia anunciada, como está acontecendo nas regiões serranas e do norte do estado, com as chuvas que todos sabíamos que iriam voltar a cair e que mesmo assim as providências não foram tomadas e as verbas investidas escorreram por água abaixo, no já tradicional mar de lama que envolve a administração pública. O Crea, inclusive, ao constatar em inspeção que nenhuma prevenção foi feita em Friburgo, recomendou à população rezar!
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A sociedade e a mídia estão precisando acordar para o fato de que no pé em que as coisas estão como foi detalhado acima, só nos unindo teremos força para exigir (como foi feito em SP) que seja implementado não um sistema de metas que, como visto, não foi suficiente e sim um master plan que traga desenvolvimento socioeconômico, cultural e ambiental a todo o Rio, incluindo as favelas, periferia e o estado, aproveitando o momento único de revitalização da área portuária para levar desenvolvimento e qualidade de vida em todos os sentidos à população, apoiado por um planejamento transparente que demonstre a todos um futuro promissor, com uma economia revitalizada, suportado por uma âncora que utilize a nossa decantada vocação natural, que é a maior indústria do mundo, exatamente por movimentar toda a sociedade simultaneamente, proporcionando aumento da renda per capita e a união da coletividade ao mesmo propósito. Sabendo que, comprovadamente, em todos os lugares do mundo onde o turismo foi utilizado como instrumento de transformação, obteve-se sucesso total e que o retorno do capital investido se deu no curto prazo, existe outra opção melhor para o Rio?
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José Paulo Grasso é engenheiro e coordenador do Acorda Rio] - In:
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