domingo, 11 de maio de 2014

O tempo das utopias mínimas

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Por Leonardo Boff*
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Não é verdade que vivemos tempos pós-utópicos. Aceitar esta afirmação é mostrar uma representação reducionista do ser humano. Ele não é apenas um dado que está ai fechado, vivo e consciente, ao lado de outros seres. Ele é também um ser virtual. Esconde dentro de si virtualidades ilimitadas, que podem irromper e concretizar-se. Ele é um ser de desejo, portador do princípio esperança (Bloch), permanentemente insatisfeito e sempre buscando novas coisas. No fundo, ele é um projeto infinito, à procura de um obscuro objeto que lhe seja adequado.
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É desse transfundo virtual que nascem os sonhos, os pequenos e grandes projetos e as utopias mínimas e máximas. Sem elas o ser humano não veria sentido em sua vida, e tudo seria cinzento. Uma sociedade sem uma utopia deixaria de ser sociedade, não teria um rumo, pois afundaria no pântano dos interesses individuais ou corporativos. O que entrou em crise não são as utopias mas certo tipo de utopia, as utopias maximalistas vindas do passado.
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Os últimos séculos foram dominados por utopias maximalistas. A utopia iluminista que universalizaria o império da razão contra todos os tradicionalismos e autoritarismos. A utopia industrialista de transformar as sociedades com produtos tirados da natureza e da invenções técnicas. A utopia capitalista de levar progresso e riqueza para todo mundo. A utopia socialista de gerar sociedades igualitárias e sem classes. As utopias nacionalistas sob a forma do nazifascismo que, a partir de uma nação poderosa, com “raça pura”, redesenharia a humanidade, impondo-se a todo mundo. Atualmente, a utopia da saúde total, gestando as condições higiênicas e medicinais que visam a imortalidade biológica ou o prolongamento da vida até a idade das "céculas" (cerca de 130 anos). A utopia de um único mundo globalizado sob a égide da economia de mercado e da democracia liberal. A utopia de ambientalistas radicais que sonham com uma Terra virgem e o ser humano totalmente integrado nela e outras.
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Essas são as utopias maximalistas. Propunham o máximo. Muitas delas foram impostas com violência ou geraram violência contra seus opositores. Temos hoje distância temporal suficiente para nos confirmar que estas utopias maximalistas frustraram o ser humano. Entraram em crise e perderam seu fascínio. Dai falarmos de tempos pós-utópicos. Mas o pós se refere a este tipo de utopia maximalista. Elas deixaram um rastro de decepção e de depressão, especialmente, a utopia da revolução absoluta dos anos 60-70 do século passado, como a cultura hippy e seus derivados.
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Mas a utopia permanece porque pertence ao ânimo humano. Hoje, a busca se orienta pelas utopias minimalistas, aquelas que, no dizer de Paulo Freire, realizam o “possível viável” e fazem a sociedade “menos malvada e tornam menos difícil o amor”. Nota-se por todas as partes a urgência latente de utopias do simples melhoramento do mundo. Tudo o que nos entra pelas muitas janelas de informação nos leva a sentir: assim como o mundo está, não pode continuar. Mudar e, se não der, ao menos melhorar.
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Não pode continuar a absurda acumulação de riqueza como jamais houve na história (85 mais ricos possuem rendas correspondentes a 3,57 bilhões de pessoas, como denunciava a ONG Oxfam intermón em janeiro deste ano em Davos). Para esses, o sistema econômico-financeiro não está em crise; ao contrário, oferece chances de acumulação como nunca antes na história devastadora do capitalismo. Há que se pôr um freio à verocidade produtivista que assalta os bens e serviços da natureza em vista da acumulação, produz gases de efeito estufa que alimenta o aquecimento global, que, ao não ser detido, poderá produzir um armagedon ecológico.
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As utopias minimalistas, a bem da verdade, são aquelas que vêm sendo implementadas pelo governo atual do PT e seus aliados com base popular: garantir que o povo coma duas ou três vezes ao dia, pois o primeiro dever de um Estado é garantir a vida dos cidadãos; isso não é assistencialismo mas humanitarismo em grau zero. São os projetos “minha casa-minha vida”, “luz para todos”, o aumento significativo do salário mínimo, o “Prouni”, que permite o acesso aos estudos superiores a estudantes socialmente menos favorecidos, os “pontos de cultura” e outros projetos populares que não cabe aqui elencar.
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A nível das grandes maiorias, são verdadeiras utopias mínimas viáveis: receber um salário que atenda às necessidades da família, ter acesso à saúde, mandar os filhos à escola, conseguir um transporte coletivo que não lhe tire tanto tempo de vida, contar com serviços sanitários básicos, dispor de lugares de lazer e de cultura, e com uma aposentadoria digna para enfrentar os achaques da velhice.
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A consecução destas utopias minimalistas cria a base para utopias mais altas: aspirar a que os povos se abracem na fraternidade, que não se guerreiem, se unam todos para preservar este pequeno e belo planeta Terra, sem o qual nenhuma utopia maximalista ou minimalista pode ser projetada. O primeiro ofício do ser humano é viver livre de necessidades e gozando um pouco do reino da liberdade. E por fim poder dizer “valeu a pena”.
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* Leonardo Boff escreveu 'Virtudes para um outro mundo possivel', 3 vol. (Vozes, 2005).

'Viramos uma família', diz mãe sobre memorial por Realengo

A véspera do Dia das Mães vai ser de homenagem aos filhos para as famílias de 11 estudantes que foram vítimas do massacre na escola Tasso da Silveira, em Realengo, Zona Oeste do Rio, em 7 de abril de 2011. Três anos após a tragédia que pôs fim ao convívio nos corredores e salas do colégio, eles voltarão a ficar juntos: neste sábado, os restos mortais de 11 dos 12 jovens serão depositados lado a lado num memorial no Cemitério Jardim da Saudade, em Sulacap. Os adolescentes foram mortos por Wellington Menezes, ex-aluno da escola, que entrou no local e matou os jovens e feriu mais 12.
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Massacre de Realengo completou três anos no dia 7 de abril
Massacre de Realengo completou três anos no dia 7 de abril.
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"Lembro da alegria da minha filha, que sempre foi uma menina muito carinhosa, alegre. Na minha cabeça, o que ficou dela foi o sorriso", disse Adriana Maria da Silveira, mãe de uma das vítimas, Luiza Paula da Silveira Machado, que tinha 14 anos. O pedido para que os corpos das vítimas fiquem no mesmo local partiu dela, presidente da Associação Anjos do Realengo.
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Das 12 vítimas, o corpo de uma foi cremado e os das demais estavam enterrados entre três cemitérios do Rio. Os familiares vão aproveitar que os restos mortais teriam que ser exumados após o prazo legal de três anos, para já fazer com que eles fiquem juntos. "Não tem razão de elas ficarem separadas. Viramos uma grande família, vivemos sempre juntos. Vamos viver tudo no mesmo dia", disse Adriana. Segundo ela, os corpos que estão nos cemitérios do Murundu, em Realengo, e no de Ricardo Albuquerque, devem ser levados para o Jardim da Saudade escoltados por carros da Guarda Municipal. A banda da corporação também deve tocar na cerimônia, que será celebrada pelo cardeal do Rio de Janeiro, dom Orani Tempesta, e pelo padre Omar Raposo, reitor do Santuário do Cristo Redentor, às 12h30.
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Às vésperas do Dia das Mães, Adriana acredita que ficará com os nervos à flor da pele e sabe que vai reviver toda a dor da perda da filha. "Até acontecer essa tragédia, no Dia das Mães, eu tinha o café da manhã. Agora falta um pedaço de mim como mãe", disse Adriana, que ainda é mãe de Carlos, 20 anos.
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