sexta-feira, 8 de outubro de 2010

EDUCAÇÃO: a criança e o caveirão

O "Caveirão" 1


O "Caveirão" 2

(Fonte: Caveirão da polícia vira brinquedo. Foto: Camila Freitas - Agência O Globo)


por Lúcio Alves de Barros*

Em pleno lançamento de "Tropa de Elite 2", um filme que revela o que todos sabem (mas não podem falar no campo da segurança pública), não cheira muito bem o brinquedo que imita o famigerado carro feio "Caveirão" da Polícia Militar do Rio de Janeiro. O blindado preto, em sua versão infantil, de acordo com os jornais mais e menos sensacionalistas (Do Extra, In: globo.com - 07/10/2010) já é um sucesso de venda e pode ser encontrado em lojas do subúrbio carioca. Além do carrinho feio o comprador ainda leva dois bonecos fardados como policiais e duas armas de brinquedo. A existência e a venda do produto são interessantes.

Em primeiro, a própria existência desse tipo de blindado no mundo dos vivos já é um paradoxo. Ele materializa a "metáfora" da "guerra de todos contra todos", notadamente aquela que se desenvolve nos bairros mais pobres da cidade, e revela a gigantesca distância da paz que se encontra o discurso da política de segurança pública que enche a boca com a filosofia do policiamento comunitário e das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs). À guisa de lembrete, há poucos dias caiu a cúpula de vários batalhões da Polícia Militar no Rio de Janeiro. A mesma polícia responsável pelas UPPs.

Em segundo, a simples comercialização desse tipo de mercadoria já mostra o quanto anda a imagem que boa parte das pessoas tem da segurança pública e da força coercitiva do Estado. As mesmas que, por vezes, reclamam da truculência e da violência desmedida, de uma forma ou de outra, dão força para a cultura da violência e da barbárie em detrimento da cultura da paz tão almejada naquele estado.

Em terceiro, é de causar pavor e ojeriza a iniciativa dos pais que acham bonito (e na "moda") comprar o brinquedinho de guerra civil para a criança. Em pleno século 21, não é possível que as mães e os pais não perceberam que a criança é produtora de cultura, elas forjam significados e símbolos próprios da idade, muitos deles distantes do mundo porco do adulto. A criança é uma criança e jamais deve ser tratada como adulto em miniatura ou adolescente/jovem. Ela é a imagem do que ainda está por vir. Penso mesmo que é o ser no estado de natureza sem nenhum contrato e em plena harmonia e paz. Entregar uma arma de brinquedo a uma criança (ou mesmo a um adolescente) é propiciar sentidos nas ações infantis que - em larga medida - produzem efeitos inesperados e inadequados, raramente, não violentos e criminosos.

Portanto, cabe um apelo: poupem as crianças e os adolescentes das armas de fogo de plástico e de ferro. As crianças, hodiernamente nascidas para comprar, não merecem este "presente". O discurso pode parecer poético e idílico, mas é leviano levar o próprio filho a se interessar pelo fenômeno da "guerra civil", da violência coercitiva e do lado obscuro e silencioso do Estado. Como se não bastasse a mídia histriônica, a qual, longe dos horários adequados mostra descaradamente a crueldade, a criminalidade e a banalidade que se tornou a vida. Criança nasce para estudar e brincar: dê como presente um livro, de plástico ou de pano, mas não um "presente" que lembre morte desnecessária, coerção pura e simples, violência legal e ilegal, brutalidade, selvageria e, tal como revela o filme do jovem diretor José Padilha, corrupção, politicagem, maldade, criminalidade e guerra. Não brinque com armas, nem de brincadeira.

* Professor da FAE (Faculdade de Educação - UEMG)

Um comentário:

  1. Li recentemente uma reportagem que dizia que os super-heróis de hoje dão maus exemplos para as crianças. Eles, os super-heróis, não lutam para salvar donzelas, não tem piedade ou justiça, não derrotam o mal: eles fazem o mal. São mais violentos e poderosos que os próprios vilões, se vingam, matam, estão longe de formarem uma nova "liga da justiça". Algo que também parece inofensivo, por se tratar de um desenho animado, mas que incentiva a violência, a guerra, a vingança... E por pensar ser inofensivo é que muitos pais não recusam dar armas de brinquedo ou "caveirões" a seus filhos.
    O Super Homem do século XXI é o capitão Nascimento, muito mais próximo de nossa realidade, claro, e por isso - penso eu - pior como referência para uma criança.

    Amanda Ribeiro

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