quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Incluir não é fáci

Por Renato Janine Ribeiro*.
Circulou muito no Facebook uma recomendação do blog "Viajando com os filhos", que consistia em conselhos para lidar com a babá. A autora, que em São Paulo se hospeda num dos melhores hotéis da cidade, discutia passagem, hospedagem, comida e bebida de sua empregada. O texto é detalhista e chocante. A patroa chama a babá de gênero de "terceira necessidade" e fala dela como se fosse um animal. Curiosamente, não parece mesquinha: paga um excelente quarto de hotel para a empregada; o problema é que não tem noção de como lidar com um ser humano.
Por que discutir esse tema numa coluna dedicada à política? Porque, sem querer, o texto - que foi retirado do ar, quando o blog se deu conta da péssima publicidade que angariou com ele - mostra as dificuldades para se aceitar algo que, reconheço, é difícil: a inclusão social. Não me juntarei àqueles que - com razão - condenam a autora. O que quero entender é o que passa na cabeça de alguém que vive no privilégio e não consegue sequer entender o que é a passagem ao mundo do direito. Ou que, tendo a vantagem da riqueza numa sociedade com alto teor de exclusão, não percebe que, um dia, isso acabará. Antes que me chamem de petista, é bom lembrar que tal nível de exclusão acabou faz tempo nas grandes economias capitalistas. Se a autora vivesse nos Estados Unidos, Reino Unido ou França, primeiro, dificilmente escreveria o que escreveu; segundo, se o fizesse, pagaria por isso.
O assunto faz lembrar a declaração de Delfim Netto, em abril de 2011 (quem teve empregada doméstica, que é um "animal em extinção", teve; quem não teve, não terá) ou o artigo de Danuza Leão, de novembro, observando como viagens a Paris perdem o valor quando todos podem fazê-la. Mas são casos bem diferentes. Com seu conhecido humor e inteligência, o ex-ministro anotou um fato: os empregos domésticos se extinguem, justamente porque uma pessoa cuidar da vida íntima de outra é quase humilhante e por isso, nos países desenvolvidos, se encarece ou se extingue. Danuza Leão dizia que há prazeres que dificilmente comportam o acesso de todos: o Louvre não pode, gostemos ou não disso, receber 100 mil pessoas por dia. Daí, ela conclui - o que endosso - que ler um livro pode ser bem melhor. Delfim e Danuza disseram coisas pertinentes, ainda que a formulação não tenha sido feliz. Já o post da blogueira não é reflexão, é sintoma, e suscita outra discussão.

A inclusão social mexe em nosso imaginário

 
Ao longo dos séculos e milênios, o que hoje chamamos de inclusão social se estagnou, cresceu raramente e com frequência recuou. Mas, nas últimas décadas, a integração dos miseráveis na sociedade (civil? de consumo? a diferença é importante) se acelerou intensamente - em muitos países. Aqui, em cinco anos do governo Lula, 50 milhões passaram das classes D e E para a C. Esse aumento de justiça social impõe mudanças de atitude radicais no interior da sociedade. Os mais vulneráveis se fortalecem. Socialmente, o dado principal é que recusam o papel subalterno ou subserviente que sempre foi o dos pobres em nosso país.
Se esse processo é amplamente positivo, ele tem seus senões, também pensando no plano social. Um diz respeito à própria condição dos ex-miseráveis. Eles parecem dar maior importância ao aumento do consumo, e junto com ele ao do crédito e do endividamento, do que ao acesso à educação e à cultura - da mesma forma, por sinal, que os gestores da economia e da política. Daí que a conquista de espaços sociais pela nova classe média continue frágil. Hoje, pode ser que muitos salários estejam subindo mais porque a economia está aquecida do que porque os seres humanos, que eventualmente chamamos de "mão de obra", se qualificaram como sujeitos de sua existência. Mas há outro problema, eticamente mais grave. Para as classes tradicionalmente ricas - ou "dominantes" - o ingresso em seu território de quem era não pessoa é chocante. Isso não quer dizer que os privilegiados sejam maldosos, de tão egoístas. O que falta é noção dos limites recíprocos que constroem uma sociedade decente. Obviamente, não merece elogio, nem sequer pena, quem age assim. Até porque essas pessoas, se viajam a países ricos, sabem que não podem tratar dessa forma as pessoas lá, mesmo as menos ricas. Seguem então um duplo padrão - assim como respeitam a lei de trânsito na Flórida e não no Brasil. Mas quem deseja mudar a sociedade não pode ficar na condenação ou no repúdio. É preciso compreender. Sem entender o que está ocorrendo, é difícil agir para mudar. Este é um campo importante para a pesquisa.
Mesmo assim, há medidas concretas e urgentes a tomar. Têm que ficar claros, para todos os brasileiros, valores como a liberdade e a igualdade. Isso depende do "governo", dos órgãos de defesa dos direitos humanos, do Ministério Público e do Judiciário mas, mais que tudo, do esforço da sociedade. É preciso difundir a ética nas escolas. Ela não pode ficar nas mãos só das Igrejas e das famílias; deve ser estudada, com uma abordagem leiga e universal, no ensino básico, isto é, da alfabetização até a conclusão do ensino médio. Deve haver também uma preocupação das empresas, que são responsáveis por boa parte da socialização das pessoas. Uma corporação ou organização não pode tolerar atitudes antiéticas de seus funcionários, sobretudo de seus dirigentes. Estas são políticas públicas, não apenas estatais. Além disso, politicas de combate aos privilégios devem ser adotadas - tanto de quem usa um cargo público para levar vantagem, quanto de quem utiliza sua riqueza para desprezar o próximo. Porque a batalha se trava, afinal, nos corações e mentes.
* Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo.
Fonte: Valor Econômico

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

A doce vida da empregada doméstica

 
.
Por Lúcio Alves de Barros*
.
É vergonhoso o grande número de empregados domésticos que temos no Brasil. Em notícia recente acabei de saber que somos o país com o maior número deles. Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), eles são 7,2 milhões de um total de mais ou menos 52 milhões no mundo. Estima-se que no país, 70% deles labutam na ilegalidade sem qualquer garantia trabalhista. A notícia apareceu sem grandes mobilizações. O silêncio, nestas ocasiões, faz parte de nossa cordialidade e capacidade de suportar a tudo e a todos. No entanto, não vejo razão para a festa porque esta “profissão” no país tem raízes históricas nada invejáveis e escondem características de nossa cultura ainda autoritária, hierárquica e machista.
.
A empregada doméstica, talvez a mais comum dos empregados domésticos no Brasil, encontra raízes na cultura da casa-grande e da senzala, onde paulatinamente as escravas mais bonitinhas eram as mais escolhidas para trabalhar. Depois da abolição o patriarca já não fazia tantas distinções. Trabalho é trabalho e o que elas faziam além do pesado labor doméstico, não vou nem mencionar, mas sabemos que a elas eram delegadas várias atividades, muitas delas eternizadas na obra de Jean-Baptiste Debret (1768-1848).
.
Nos dias atuais as profissionais domésticas lutam por direitos. Uma luta política que se arrasta por anos porque inexiste o interesse de garantir os direitos mais elementares do trabalhador como a definição da jornada de trabalho, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), o seguro-desemprego, o benefício por acidente de trabalho, o adicional por trabalho noturno, a hora extra e o salário-família. Não é possível que um ser humano não possa ter a ideia de onde inicia e termina o seu serviço, também não é possível que estes seres humanos ainda não sejam tratados como tais e, não é possível nossa incapacidade em regularizar com certa civilidade suas atividades.
.
O leitor pode argumentar que não passa de um trabalho como outro qualquer. Mas o fato é que a natureza do trabalho doméstico não é a do trabalho industrial, tampouco a do trabalho em serviços (comércio, segurança pública, hospitais, etc). A empregada doméstica é o sujeito que “faz de tudo dentro e fora de casa”: lava, passa, cozinha, prepara o almoço e a janta e ainda cuida dos filhos. Por vezes é obrigada a ficar além da hora, ter que brincar com os meninos e estar sempre prestativa como “o pau de toda obra”. Esse é o trabalho da empregada doméstica que fica na sombra da “dona de casa”. Condição desfavorável e vexatória, mas que no mercado - longe da pesquisa da OIT - está difícil de encontrar porque de acordo com uma amiga, "tem gente que não quer trabalhar".
.
Esse discurso da elite burguesa ou pequeno-burguesa que vive e anda caçando neste país é avassalador. Ganha legitimidade nas novelas e nas reportagens de TV e jornais. Mas vamos ser francos: a verdade é que já na busca desta empregada doméstica existe o feitor pós-moderno. Em geral, busca-se no interior dos estados e nos lugares mais pobres a filha de uma família humilde que não tem grandes perspectivas de vida. Se tiver boa aparência, for religiosa e semianalfabeta melhor. Retirada do seu mundo, alienada diante das "novas" condições que lhe são apresentadas na outra casa a “empregada” logo se encanta pelo uniforme ridículo ou pelas roupas usadas que a patroa passa para ela. Quando moram no ambiente de trabalho são encaminhadas ao “quarto de despejo” ou ao quarto no qual ela vai se esconder e chorar mágoas. Uma cama, um criado mudo (às vezes uma cômoda) e um guarda-roupa - na maioria das vezes usados - são a mobília do local. A porta quase não se fecha porque “pessoas de quartinho” e que podem ser chamadas a qualquer momento não precisam de privacidade.
.
Ainda no seu “novo” lar é hora de ensinar o básico. Não pode isso ou aquilo. Não se fala isso ou aquilo. E não se meta ou toque nisso ou naquilo. Também não venha reclamar e, caso reclame, só com voz e face baixas, pois respeito ao feitor é fundamental. As famílias mais cordiais tendem a dizer que se trata de “um membro da família”, mas um membro que não pode sentar-se à mesa na hora do café, do almoço e do jantar e, quando se senta é porque os patrões querem fazer média ou estão solitários. No mais cumpre neste trabalho permanecer atenta para quando for acionada. E se demorar, é óbvio que vai receber o devido “pito” porque deveria adivinhar o que acontece na casa.
.
Talvez essa capacidade de naturalizar as relações torna a profissão curiosa. O “quase da família” vem acompanhado de sua invisibilidade. Este paradoxo passa a ser necessário e, por vezes, obrigatório. Cumpre a doméstica falar somente quando chamada e “ai dela” se der a opinião que pode auxiliar na educação dos filhos ou economizar na casa. Por outro lado, ela serve muito bem para colocar as fofocas do prédio e dos condomínios em dia ou para quebrar o galho da patroa que não pode ficar com os filhos devido a compromissos pessoais. Aí é hora de ela ser proibida de ver a TV por assinatura, brincar no Playstation ou de fazer uma refeição de respeito, pois nessa profissão se come antes ou depois dos patrões, mas nunca na hora certa.
.
A indignação de minha amiga branca é compreensível, ela trabalha muito e quase não sobra tempo para fazer o dever de casa. Ela aponta os dedos para as “diaristas” que “não tem mais tempo para ela”. A pequena burguesa repete o canto da dona da casa e esquece que elas são - pelo menos no momento daquele “não” - iguais. Na realidade, deve ser difícil para ela suportar estas diaristas que estão revolucionando o mercado de trabalho doméstico. Esse “ser que vive do trabalho” como quer os sociólogos é algo genial. Ela vai quando se paga bem, quando quer e quando tem sua agenda livre. Agenda cheia... Danem-se os que não podem esperar ou que arrumem outra. Essa revolução é a pérola do liberalismo míope que ganhou vida no Brasil. Mais que isso, é a liberdade nas relações de trabalho e a hora de dizer adeus ao patrão e a patroa.
.
Os números dos empregados domésticos no Brasil, infelizmente, não revelam a proximidade do fim desta revolução. Talvez ela nem aconteça, as matrizes culturais brasileiras foram forjadas com sangue escravo, depois com "cidadãos de segunda classe". Atualmente temos uma “ralé” que luta para ver o filho "doutor". Não sei para que, mas provavelmente para dar razões a uma elite malcriada que não tem a vergonha na cara de respeitar o descanso, o salário digno e a intenção de melhores perspectivas de vida. É essa mesma elite que anda a reclamar da falta de “empregados” (secretárias) para fazer o trabalho sujo da casa. Infelizmente, ainda são muitos os operários domésticos, pois gostaria de ver madames e patrões lambuzando a mão em privadas, se entortando na pia com gordura, se sujando na poeira e gastando tempo limpando o chão. Seria a glória vê-los em sua humanidade, sem a necessidade de submeter os outros porque são “domésticos”, inferiores, pobres e humildes. Que pena não estar vivo para ver as coisas mudarem a ponto de vê-los ganhando salário, correndo atrás de ônibus coletivo, se escondendo da polícia na noite ou sofrendo nas filas do hospital público. Sabemos que estamos longe disso e que ninguém se importa. Deixo somente o registro.
.
*professor na FAE (Faculdade de Educação) na UEMG (Universidade do Estado de Minas Gerais)

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Pesquisa pública, publicação privada

Às pesadas prateleiras das bibliotecas universitárias se somam cada vez mais uma enxurrada de publicações especializadas on-line, que oferecem, sem atraso e normalmente de graça, os últimos resultados dos laboratórios de pesquisa.
.
por Richard Monvoisin
.
.
"Publicar ou apodrecer”: a sentença do zoologista Harold J. Coolidge1 resume a vida de um pesquisador. Pouco importa, para seu prestígio acadêmico, que seu modo de ensinar seja brilhante, seus estudos sejam bem fundamentados ou que ele seja gentil com os colegas: a avaliação do trabalho de pesquisa repousa de forma definitiva apenas na soma e na qualidade dos artigos publicados nas revistas científicas. A exposição ordenada dos resultados, passando pela humilhação da releitura por especialistas no assunto – o que chamamos normalmente de releitura dos pares, ou peer-review–, é a chave para isso.
.
As publicações são especializadas de acordo com a área de pesquisa. Assim, um especialista em história moderna da França tem à escolha uma dezena de revistas nacionais, e cerca de uma centena de periódicos acolhem os trabalhos de pesquisa feitos em física. Para escolher em que porta bater é preciso adaptar as pretensões, levando em conta o fator do impacto da revista, quer dizer, seu valor no mercado do saber. Esse valor é fundado não na audiência, mas no número médio de citações dos artigos da dita revista em outros artigos científicos.2 É conveniente acertar o alvo: muito baixo (uma revista pouco conhecida), e o artigo não será apreciado de acordo com seu valor, independentemente de sua qualidade; muito alto (as melhores publicações), e ele pode ser bloqueado durante meses pelos avaliadores, para no final ser recusado. Por ser feroz a concorrência entre as equipes de pesquisa, corre-se, então, o risco de ser ultrapassado na linha de chegada.
.
Além de o autor do artigo não ser pago, seu laboratório deve, frequentemente, participar nos gastos de secretaria ou impressão. Em troca, ele recebe capital simbólico (reconhecimento, prestígio): o direito de indicar o título do artigo – envolto na aura de seu fator de impacto – em seu curriculum vitae. Os leitores-avaliadores do artigo, por sua vez, são cientistas anônimos solicitados pela revista; eles também são remunerados apenas em capital simbólico. Quando um pesquisador submete um texto numa área muito específica, seus juízes às vezes participam da mesma corrida. Claro, a honestidade e a boa-fé predominam e, em caso de conflito de interesses patente, é possível recusar antecipadamente um avaliador concorrente. Mas as disputas por influência e os conluios são inevitáveis. A pesquisa moderna se transforma, então, em uma arena percorrida por centenas de hamsters na qual, como nos clássicos videogames, se multiplicam poças de óleo, cascas de banana e rasteiras.
.
Essa mecânica não cooperativa parece hoje “sem fôlego”3 e pesa na qualidade de produção do conhecimento. As grandes revistas estão congestionadas; resultados não acabados, de interesse medíocre, são por vezes publicados de maneira precipitada; os resultados negativos – quer dizer, sem conclusão –, que no entanto são muito úteis, nunca são publicados.4
.
E o sistema de releitura pelos pares está longe de garantir a honestidade de todas as publicações. Resultados fraudulentos, maquiados para melhor seduzir, às vezes até completamente forjados, superam regularmente esse filtro. Podemos citar os casos de Jan Hendrik Schön, físico alemão dos laboratórios Bell desmascarado em 2001; de Hwang Woo-suk, biólogo sul-coreano descoberto em 2005; ou do psicólogo Diederik Stapel, que se demitiu em 2011. Depois de ter estudado os 17 milhões de publicações científicas, de 1950 a 2007, referenciadas pela base de dados Medline, os pesquisadores Murat Çokol, Fatih Ozbay e Raul Rodriguez-Esteban observaram que a porcentagem de retratações de artigos pelas revistas “tem aumentado” significativamente desde os primeiros escândalos científicos, nos anos 1970. Esses casos tinham conduzido à instalação do Office of Research Integrity (ORI), escritório norte-americano pela integridade na pesquisa.5
.
A avaliação dos pesquisadores é comprometida: a busca por citações engendra uma forma de tráfico de influências, levando, por exemplo, à citação de amigos. Encontram-se igualmente artigos assinados por dezenas de nomes: os dos jovens pesquisadores que realizaram o essencial do trabalho e os dos diretores de laboratório, claramente menos implicados – revelando um procedimento que pode ser legítimo no caso de trabalhos fundadores que tenham efetivamente contado com um grande número de participantes. Impõe-se, assim, o que o sociólogo Robert K. Merton chamava de “efeito Mateus” (São Mateus: “Porque, àquele que tem, se dará e terá em abundância; mas, àquele que não tem, até aquilo que tem lhe será tirado”), um encadeamento de mecanismos pelos quais os mais favorecidos, no caso os mais citados, tendem a ganhar vantagem sobre os outros, que irão encher as colunas das revistas medíocres e pouco lidas.
.
Esse sistema se revela, além do mais, muito dispendioso para a comunidade científica. O contribuinte financia uma pesquisa que o cientista publicará – muitas vezes à sua custa – em uma revista endossada por uma empresa privada, que outros pesquisadores deverão avaliar gratuitamente e que as universidades deverão, em seguida, comprar a preço de ouro. É possível dizer, com efeito, que a literatura científica custa caro. A metade do orçamento de funcionamento das bibliotecas universitárias vai embora nas assinaturas, o que prejudica imediatamente os estabelecimentos menos ricos e tem repercussões sobre astaxas de matrícula dos estudantes.6
.
Ascensão da Elsevier
.
Uma editora, a Elsevier, cresce em poder e chama a atenção. Sua história começa nos anos 1580, em Louvain, na Bélgica. Um certo Lodewiejk Elzevir (1542-1617), tipógrafo, fundou uma empresa de publicação e difusão de livros, em particular de clássicos latinos. A empresa familiar subsistiu com dificuldade por algumas décadas, depois desapareceu com o último de seus representantes, em 1712. Em 1880, em Amsterdã, nasceu a Elsevier, em homenagem a essa antiga editora. Em pouco mais de um século, ela tomou conta de uma grande parte da publicação científica no mundo. Em 1993, a fusão das empresas Reed International e Elsevier PLC criou a Reed-Elsevier, segundo maior conglomerado de edição mundial, atrás da Pearson.7 Agora proprietária da revista Cell, do Lancete de coleções de livros como Gray’s anatomy, a Elsevier publica 240 mil artigos por ano em cerca de 1.250 revistas. Seus lucros se aproximaram de 1 bilhão de euros em 2011.8 Para algumas bibliotecas, a assinatura anual dos jornais da editora representa cerca de US$ 40 mil. Para os 127 estabelecimentos franceses onde as compras de assinaturas eletrônicas são gerenciadas pela Agência Bibliográfica do Ensino Superior, as publicações Elsevier custaram 13,6 milhões de euros em 2010.
.
Até agora, nos Estados Unidos, os Institutos Nacionais de Saúde tinham o costume de exigir dos pesquisadores que colocassem em acesso livre o resultado dos trabalhos financiados pelo contribuinte. Quando, em dezembro de 2011, foi apresentado ao Congresso um projeto de lei proibindo esse procedimento, muitos cientistas se revoltaram. Em 21 de janeiro de 2012, o matemático Timothy Gowers, ganhador da medalha Fields em 1998, anunciou que boicotaria a partir de então a Elsevier. Depois de um artigo no Guardian, em Londres, e depois no New York Times,9 ele foi acompanhado por outros 34 matemáticos. Logo foi lançada uma petição intitulada “The cost of knowledge” (“O custo do conhecimento”), assinada por mais de 10 mil pesquisadores acadêmicos. A Universidade Paris 6, que gasta mais de 1 milhão de euros por ano com essas assinaturas, entrou no boicote.
.
As bibliotecas, de mãos atadas, podem apenas apoiar o boicote; por exemplo, o conselho de administração da Universidade Harvard, que conta todo ano com US$ 3,75 milhões para comprar revistas, encorajou seus 2,1 mil professores e pesquisadores a colocar suas pesquisas à disposição on-line.10 “Espero que outras universidades façam a mesma coisa”, declarou Robert Darnton, diretor da biblioteca.11 “Estamos todos confrontados com o mesmo paradoxo. Fazemos as pesquisas, escrevemos os artigos, trabalhamos no referenciamento dos artigos de outros pesquisadores, tudo de graça... Em seguida, compramos o resultado do nosso trabalho por um preço escandaloso.” Já existem algumas soluções, em particular na área da publicação livre e aberta (com os sites PLoS, HAL, arXiv...). A longo prazo, a comunidade dos pesquisadores não terá outra escolha a não ser desenvolver melhor essas soluções a fim de burlar o sistema.
.
*Richard Monvoisin - É pesquisador e membro do Coletivo de Pesquisa Transdiciplinar Espiríto Crítico e Ciências (Cortecs), em Grenoble
.
Ilustração: Orlando
.
Referências
.
1 Harold Jefferson Coolidge, Archibald Cary Coolidge: life and letters, 1932.
2 Deve-se o fator de impacto a Eugène Garfield, fundador do Institute for Scientific Information, cujo primeiro Science Index data de 1963.
3 Laurent Ségalat, La science à bout de souffle? [A ciência sem fôlego?], Seuil, Paris, 2009.
4 Brian Martinson, Melissa Anderson e Raymond de Vries, “Scientists behaving badly” [Cientistas se comportando mal], Nature, Londres, n.435, 9 jun. 2005.
5 Murat Çokol, Fatih Ozbay e Raul Rodriguez-Esteban, “Retraction rates are on the rise” [Taxas de retração estão em ascensão], EMBO Reports, 2008.
6 Ler Isabelle Bruno, “Pourquoi les droits d’inscription universitaires s’envolent partout” [Por que as taxas de matrícula universitárias aumentam em todos os lugares], Le Monde Diplomatique, set. 2012.
7 Livres Hebdo, Paris, 22 jun. 2012.
8 Reed-Elsevier, Annual reports and financial statements 2011. Disponível em: <www.elsevier.com/about/annual-reports>.
9 “Scientists sign petition to boycott academic publisher Elsevier” [Cientistas assinam petição para boicotar a editora acadêmica Elsevier], The Guardian, Londres, 2 fev. 2012; “Mathematicians organize boycott of a publisher” [Matemáticos organizam boicote a editora], The New York Times, 13 fev. 2012.
10 Faculty Advisory Council Memorandum on Journal Pricing, “Major periodical subscriptions cannot be sustained” [Principais assinaturas não podem ser sustentadas], 16 abr. 2012. Disponível em: <http://www.harvard.edu/>.
11 Ler Robert Darnton, “La bibliothèque universelle, de Voltaire à Google” [A biblioteca universal, de Voltaire ao Google], Le Monde Diplomatique, mar. 2009.
.

Lançamento: Revista Filosofia


 
.
Considerado o patrono da Educação brasileira, autor do método da Pedagogia do Oprimido, Paulo Freire serve de base para a discussão da matéria de capa da edição de janeiro (78). Neste artigo, escrito por Renato Bittencourt, falamos sobre a ...crise na Educação, a mercantilização do ensino e como o estudo se tornou mera mercadoria. Aprofundando o problema, a questão está também no seio da família, que deixa para a escola a responsabilidade da educação primordial, reproduzindo sistema mercantil - muito trabalho e pouco tempo para ficar com seus filhos, dando-lhes, muitas vezes, como "pagamento" apenas bens materiais e pouca atenção. Veja um trecho da matéria (, que está nas bancas) e dê sua opinião a respeito.
.
Nos tempos do capitalismo tardio, o sonho pessoal de se formar em um curso universitário se tornou uma possibilidade franqueada a todo indivíduo capaz de pagar a mensalidade de uma instituição de ensino; inúmeras facilidades são oferecidas, de modo a se agregar cada vez mais estudantes nos quadros universitários. Em princípio, tal mudança de paradigmas seria algo culturalmente excelente, pois mais indivíduos poderiam se especializar profissionalmente e assim favorecer o desenvolvimento social. Todavia, grande parte das mudanças de paradigmas acerca da flexibilização do acesso ao ensino superior ocorre por questões meramente mercadológicas, pois corporações empresariais, camufladas socialmente como instituições de ensino, e que fizeram do sistema de ensino um mercado extremamente lucrativo, um grande negócio movimentador da economia atual. 
.
 No mundo pós-moderno, qualquer pessoa agora pode ter seu diploma, desde que possa pagar pela obtenção do mesmo. Tal como destaca com precisão o sublime filósofo e educador Paulo Freire (1921-1997), no contexto dessa realidade educacional norteada pelo primado economicista: “O dinheiro é a medida de todas as coisas, e o lucro, seu objeto principal”.
.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Um pesadelo paulistano

por Guaracy Mingardi*
.
No dia 4 de janeiro, às 23 horas, três veículos pararam em frente a um bar no bairro do Campo Limpo. Vários homens desceram dos carros, gritaram “polícia” e começaram a atirar. Cinco pessoas morreram no local e duas mais tarde. Foi a primeira chacina do ano em São Paulo, e reforçou a tendência do ano anterior, quando a periferia paulista viu o retorno de um pesadelo que todos imaginavam ter acabado.
.
Foto: Libertinus
Foto: Libertinus
.
Muito comuns nos anos 90, os homicídios com mais de duas vítimas, ou chacinas, declinaram consideravelmente na década passada. A redução seguiu a dos homicídios em geral, que foram de 52 mortes por 100 mil habitantes em 1999 para nove casos por 100 mil em 2011. E uma parte dessa queda foi produto do trabalho feito no DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção a Pessoa), que criou uma delegacia especializada de investigação de chacinas. Essa unidade mostrou alta produtividade, solucionando muitos casos, e contribuiu para tornar esse crime quase extinto na capital paulista. No ano passado, porém, os crimes de grupos de extermínio e as chacinas voltaram. Foram 14 homicídios múltiplos na capital e, segundo a imprensa, apenas um caso foi resolvido até agora. Um número muito baixo para o departamento que foi, durante muitos anos, referência nacional.
Existem duas explicações possíveis para essa baixa produtividade:
.
- A qualidade do serviço do DHPP caiu muito
- Os crimes foram cometidos por pessoal muito profissionalizado
.
A primeira hipótese é realista. A qualidade da investigação da Polícia Civil de São Paulo está cada dia mais comprometida. Existem menos investigadores de fato na polícia, enquanto que o número de burocratas cresce ano após ano. Uma das causas disso é a burocratização que transformou a PC em uma fábrica de Boletins de Ocorrência e de Inquéritos Policiais formalmente corretos, mas que não elucidam nada. O zelo burocrático começou a tomar conta da polícia ha mais de vinte anos e substituiu a capacidade investigativa por habilidade cartorária. Para alguns delegados sem vocação, o importante é manter a papelada em ordem, não identificar e prender criminosos.
.
E o reflexo dessa postura, que começou nos distritos policiais, acabou por chegar ao DHPP, tornando o inquérito uma peça absolutamente formal e a investigação algo secundário. A segunda hipótese também tem certa dose de realidade. Não há dívida de que as chacinas do ano passado são mais profissionais do que as da década de 90. Naquele período cerca da metade era praticada por pequenos e médios traficantes disputando pontos de droga ou devido a acerto de contas entre criminosos comuns. Muitas delas eram decididas em cima da hora, sem qualquer preparação e os assassinos tinham pouco apoio, retaguarda. As mortes mais profissionalizadas ocorriam quando os contratados para as mortes eram policiais ou ex-policiais, muitos dos quais suspeitos de inúmeras execuções.
.
Hoje a situação é outra. O tráfico está mais ou menos domesticado, não pela polícia, mas pelo PCC (Primeiro Comando da Capital). O número de disputas por pontos de droga caiu muito, o que ajudou a diminuir os casos de homicídios múltiplos.
.
A principal motivação desse tipo de crime, que voltou a partir de meados do ano passado, foi represália. Não só por motivos pessoais, mas quase que uma retaliação institucional. Alguns dos mortos são usuários de drogas, pequenos criminosos, que estariam pagando o pato pelas mortes de policiais praticadas a mando do PCC, nas quais eles não tiveram nenhuma participação.
.
Nos crimes recentes a morte chega de moto ou carro, dizendo ser da polícia, e atira em todos os presentes. Normalmente, como acontecia no passado, a vítima visada é apenas uma, mas os assassinos não querem deixar testemunhas. Até ai o modus operandi não difere muito. Depois da morte é que as coisas mudam. São frequentes notícias de pessoas, muitas vezes policiais fardados, recolhendo cápsulas caídas pelo chão antes da chegada da perícia, na prática sumindo com possíveis provas contra os autores.
.
Outro indício forte da participação de membros da máquina policial nas mortes é que em alguns casos os antecedentes criminais das vítimas tinham sido consultados antes dos homicídios. Ou seja, alguém com acesso ao banco de dados da polícia, buscava informações sobre a futura vítima. Portanto não é difícil inferir que nas chacinas recentes existe envolvimento de pessoas ligadas ao aparelho policial e que aumentou o profissionalismo dos executores. As duas conclusões mostram que a investigação desses homicídios ficou mais difícil. São crimes cometidos por pessoas que entendem do assunto e sabem disfarçar os rastros. Além disso, podem obter informações sobre o desenrolar das investigações que um outsider não teria acesso.
.
Seja pelos motivos apontados ou não, o fato é que o DHPP está devendo resultados. E para isso precisa reformular seus quadros e métodos. Há poucos dias a chefia do departamento foi para uma delegada, Elisabeth Sato, que tem essa missão. E é bom que consiga realizá-la, já que ninguém quer a volta dos tempos em que moradores do Campo Limpo encontravam cadáveres na segunda pela manhã, quando iam para o trabalho.
.
* é cientista político, mestre pela Unicamp e doutor pela USP. Pesquisador do Fórum Brasileiro de Segurança pública.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Governo e movimentos sociais querem aprovação do PNE pelo Senado em 2013

Após cerca de um ano e meio de tramitação na Câmara e um mês e meio no Senado, o Plano Nacional de Educação (PNE) chega ao fim de mais um ano legislativo sem aprovação. No Senado, já foram apresentadas 80 emendas ao plano, mas, por enquanto, está mantido o ponto que mais gerou polêmicas na Câmara, a ampliação do porcentual de investimento do Produto Interno Bruto (PIB) em educação para 10% anuais.
.
O PNE estabelece 20 metas educacionais que o País deverá atingir no prazo de dez anos. A discussão no Senado já causa preocupação entre os movimentos sociais ligados à educação devido a uma emenda, apresentada pelo relator do projeto na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), José Pimentel (PT-CE), à meta 20. O relatório de Pimentel diz que a finalidade da emenda é que a parcela de 10% do PIB compreenda o conceito de “investimento público total em educação”, sem a referência ou condição adicional de que seja aplicado apenas no ensino público – definido como “investimento público direto”.
.
Entidades como a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (Contee), que divulgou nota pública com críticas à mudança na proposta, e a Campanha Nacional pelo Direito à Educação reclamam que, se acatada, a mudança abre caminho para a aplicação de dinheiro público no setor privado de ensino.
.
“A ideia do governo é retirar essa menção à educação pública deixando só educação e podendo dividir a distribuição desse recurso também com o setor privado. Esse é o recuo mais forte que identificamos. Não vamos permitir que isso aconteça e vamos tentar fazer com que alguns senadores se convençam do equívoco”, diz o coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara.
.
O senador José Pimentel diz que apresentou a emenda porque a redação, tal como veio da Câmara, impedia a continuidade do Programa Universidades para Todos (ProUni), que concede bolsas de estudos a alunos carentes em instituições privadas de educação superior.
.
“Com a redação que veio da Câmara teríamos que cancelar o ProUni, um programa que tem mais de 1 milhão de alunos de famílias pobres em universidades particulares. Como sou defensor do Prouni, construí uma redação para que ele continue”, disse Pimentel.
.
Em nota, a Contee critica também a emenda que propõe a retirada do patamar intermediário de 7% do investimento do PIB em educação a ser alcançado no prazo de cinco anos. “A emenda exclui o patamar de 7% do investimento do PIB nacional em educação em um prazo de cinco anos, deixando o porcentual de 10% do PIB, ao final do decênio, como único referencial de ampliação de investimento, o que elimina a possibilidade de ampliação do investimento de forma mais imediata”, diz o texto. Na Câmara, o PNE tramitou por mais de um ano e meio e recebeu cerca de 2,9 mil emendas. A preocupação do governo agora é acelerar a passagem do texto no Senado. O ministro da Educação, Aloizio Mercadante, tem feito reiteradas declarações pedindo aos senadores agilidade na aprovação do PNE, que deveria ter sido implementado em 2011.
.
A expectativa de Daniel Cara, da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, é que a discussão no Senado seja um pouco mais ágil. “Os senadores acompanharam a tramitação do PNE, os desafios do plano, as polêmicas. A tendência é que decidam deliberar de forma mais rápida. Acho que teremos o plano aprovado em um prazo de seis a nove meses”, disse. O exame do plano pela CAE será retomado apenas em 2013 e o texto irá passar por mais duas comissões do Senado e pelo plenário. Depois, deve retornar à Câmara para exame de alterações que provavelmente serão feitas no texto pelos senadores. O último passo é a sanção presidencial.
.
A ampliação do porcentual de investimento do PIB na educação, que ocorreu na Câmara, é uma das maiores conquistas alcançadas até agora no PNE, na avaliação de organizações da sociedade civil. O projeto inicial do governo previa passar dos atuais 5,3% do PIB para 7% no prazo de dez anos. Após intensas negociações, o governo admitiu elevar o percentual para 8%. Com a mobilização dos movimentos sociais, foi aprovado o investimento de 10% do PIB, mesmo contrariando a intenção do governo. O governo diz que o Congresso deve indicar a fonte de recurso para cumprir esse porcentual e indica como principal alternativa para financiar a área os royalties do petróleo. Essa destinação, no entanto, depende de aprovação do Congresso.
.
Fonte: O Estadão.com.br

Opinião: A Educação como nicho

Apesar de a fecundidade brasileira ser de apenas 1,8 filho por mulher, de acordo com o IBGE, a Educação infantil no país está movimentando as instituições de Ensino que atendem essa faixa etária. Segundo o Censo Escolar da Educação básica, divulgado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), somente entre 2000 e 2010, o índice de atendimento às crianças cresceu 55,8% em todo o país. Neste ano, uma prévia do Censo Escolar da Educação básica 2012 aponta que em todo o país existem 5.160.436 Alunos matriculados no Ensino infantil.
.
O cenário mercadológico que as Escolas vivem hoje é bem diferente das projeções feitas há alguns anos. Quando o IBGE divulgou os dados sobre a redução da fecundidade brasileira, a expectativa era de que as instituições de Ensino sofressem uma retração no quantidade de Alunos matriculados no Ensino infantil. Contudo, fatores externos acabaram influenciando esse contexto e fizeram com que ele se tornasse extremamente positivo para as Escolas. Esses fatores dizem respeito às novas exigências da família moderna. As tradicionais famílias formadas por mães que se dedicam ao lar e pais que trabalham para o sustento da família são cada vez mais raras. Se existe necessidade de deixar os filhos sob cuidados de terceiros, faltam empregadas domésticas e babás disponíveis no mercado. Assim, é corriqueiro que as famílias busquem alternativas para conciliar a ocupação dos chefes da casa com a Educação dos filhos.
.
O crescimento da demanda por turmas da faixa etária de dois a seis anos provocou alterações nos serviços oferecidos aos pais. As antigas Creches estão sendo substituídas por Escolas que oferecem a modalidade de horário integral. Seu principal diferencial está no fato de que os Alunos frequentam a Escola tradicional em parte do horário e no restante se dedicam às atividades complementares e importantes para o embasamento de sua formação teórica.
.
Os projetos de horário integral são um exemplo do impacto gerado pelas grandes oportunidades detectadas no mercado. Educadores e diretores conhecem a dificuldade das famílias em conciliar o trabalho e a vida pessoal. Então, por que não propor e ajudar os pais na continuidade da Educação dos filhos após o horário principal de aulas? Quando bem planejados, os projetos de horário integral propiciam momentos de estudo, de lazer e de relaxamento com atividades educativas, como faz de conta, contação de histórias, artes, jogos, etiqueta e informática. Dessa forma, atendem a demanda dos pais e promovem a Educação de qualidade dos pequenos estudantes. A demanda por turmas do Ensino infantil cresce exponencialmente. O bom momento da economia para as Escolas favorece às empresas e à sociedade, uma vez que uma de suas consequências é a geração de empregos diretos e indiretos. Os maiores beneficiários desse contexto são os Alunos. Quanto mais cedo a criança recebe estímulos pedagógicos e vive a socialização Escolar, melhor será seu desempenho ao longo das outras séries do Ensino Básico.
.
Fonte: Estado de Minas (MG)

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

O passo a passo da inclusão


.
Perfil apropriado
.
"Existem bons profissionais com qualificação, comprometidos, e a formação que temos realizado mensalmente vem fortalecendo o lado pedagógico e, acredito, até a autoestima desses professores", diz Iara de Moraes Gomes, articuladora de educação especial da rede municipal de Campina Grande (PB). "Um de nossos cuidados é não permitir que nas Salas de Recursos Multifuncionais estejam professores que não tenham o perfil apropriado, ou seja, professor que emocionalmente não está bem, professor que está vivendo o processo de aposentadoria, professor que não gosta de fazer o que faz, que não gosta de sua formação etc."
.
Currículo
.
"A escola está ensinando geografia, história e ciências, um conteúdo muito mais atualizado em outras mídias do que no livro didático e na aula. A grande virada do professor seria, a partir do Plano de Aula de Direitos e Deveres, enfocar as áreas curriculares, mas dando a elas, além da abordagem acadêmica, um teor social mais abrangente, que tenha a ver com a cidadania. Isso está no bojo da inclusão", afirma a pedagoga Maria Teresa Égler Mantoan, coordenadora do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Ensino e Diversidade da Faculdade de Educação da Unicamp. "Perde-se muito tempo na escola ensinando coisas que não contribuem para que a sociedade evolua," diz.
.
Parcerias
.
 O envolvimento de outras áreas do poder público é fundamental para a implementação da educação especial em todas as escolas da rede. Graças a um convênio da Fundação Santo André com o Centro de Atenção ao Desenvolvimento Educacional (Cade), as salas de recursos multifuncionais das unidades escolares de Santo André contam com a presença de terapeutas ocupacionais, fisioterapeutas, fonoaudiólogos e psicólogos. "Esses profissionais não atuam diariamente, mas fazem uma composição com o professor de AEE no atendimento aos alunos", diz a gerente de educação especial, Fabiana Morgado Gomes. "Temos muito claro qual é o papel da escola na própria escola, não trazemos a saúde para ocupar esse espaço."
.
Responsabilidade do professor
.
 "Cabe à professora da turma a responsabilidade pela aprendizagem, até quando tem professor de apoio especializado. Ele não substitui a responsabilidade do professor regente em trabalhar com a aprendizagem", diz Ielva Maria Costa de Lima Ribeiro, superintendente de Programas e Projetos da Secretaria Municipal de Educação de São Gonçalo (RJ). "O professor de apoio vai adaptar um recurso para que a criança com deficiência tenha acesso ao currículo, vai fazer o trabalho de orientação de mobilidade, ajudar essa criança a ir ao banheiro, auxiliar na higiene. O professor da turma é responsável por trabalhar com o desenvolvimento intelectual das crianças, uma abordagem pedagógica que garanta a todos esse desenvolvimento. Senão, cria exclusão na própria sala."
.
Fonte: Revista Educação e Todos pela educação (on line)

Indicação de leitura



.
Professora de sociologia na Fundação Getúlio Vargas (FGV) e doutora pela USP, Silvia Viana leva a sério o aparente escárnio da designação “reality show” em Rituais de sofrimento, novo livro da coleção Estado de Sítio a ser publicado pela Boitempo.
.
“Não lidamos aqui com um ritual como outro qualquer, não se trata de uma festa ou do consumo, ambos cerimoniais oferecidos aos deuses do prazer. Trata-se de algo mais perturbador, pois o que se vê nos reality shows é a proliferação de rituais de sofrimento”, afirma a pesquisadora no primeiro capítulo.
.
Silvia Viana analisa tais rituais e mecanismos de dominação em vários produtos televisivos da indústria cultural brasileira, com especial atenção ao maior deles, o Big Brother Brasil, no ar há treze anos. O estudo também abrange programas e filmes de Hollywood que perpetuam a mesma lógica brutal. Assim como no BBB, o assassino Jigsaw da franquia Jogos Mortais, por exemplo, não almeja a morte/eliminação de suas vítimas: ele quer que elas sobrevivam. Mais que isso, que sobrevivam a qualquer preço.
.
Quais são as molas que movem esse lado fake e nem por isso menos real do mundo em que vivemos? Onde estão as roldanas que dirigem as cordas, quem são as figuras que elas agitam, como o conjunto se fecha sobre si mesmo sem deixar lacunas? Silvia reflete sobre essas questões em um relato clínico, com traços firmes e finos, sem poupar nada nem ninguém. Segundo o sociólogo e professor da USP Gabriel Cohn, a fatura desse livro parece seguir uma regra básica: quanto mais o tema se revela repugnante, tanto mais refinada deve ser a sua exposição. O resultado é uma escrita em que não cabe o gesto banal da indignação moral nem a repulsa à má qualidade estética – ambas provocações já programadas no espetáculo –, mas algo mais fundo. Apesar de permanecer na sociedade o debate em torno de um de seus discursos de origem, o mote do espetáculo da realidade e seu maior apelo junto aos telespectadores é a concorrência, não o voyeurismo. “É esse o fundamento que atrai o nosso olhar, pois é o fundamento de nossa reprodução social”, afirma Silvia.
.
Para além dos inúmeros recordes acumulados pelo programa Big Brother Brasil, é digno de atenção o espírito que, ao longo de três meses anuais, toma o público. A disputa hipnotiza as cidades como um espectro: sem entender como, sabemos nomes e acontecidos, o programa toma o ar e sufoca. É onipresente; está em todas as mídias e em todas as conversas; suscita contendas nos ônibus e táxis. Mas é na internet que o comprometimento do público toma corpo: sites, grupos de debate, blogs, salas de bate-papo, tuitagens, comunidades virtuais e campanhas inflamadas para a eliminação de fulano ou beltrano proliferam e deixam o rastro do dinheiro, trabalho e tempo oferecidos gratuitamente ao show de horror. Em espaços de reclusão, que pela própria dimensão já inspiram pesquisas acadêmicas, é unânime o desejo do embate feroz entre os aprisionados. Neles, impera o princípio muito bem formulado pelo organizador da rinha: importa muito mais a queda que a salvação.
.
O princípio violento do BBB não é oculto, pelo contrário, o próprio programa faz questão de afirmá-lo constantemente – e funciona inúmeras vezes como propaganda – ao enfatizar o caráter eliminatório e cruel do jogo. Cada edição impõe a seus participantes situações mais árduas. “Não é um jogo de quem ganha. É um jogo de eliminação. Esse saber generalizado, no entanto, não impede que uns se submetam e outros castiguem, nem que aqueles que se submetem também castiguem. Pelo contrário, a participação é a pedra fundamental do espetáculo. Mais que a aceitação passiva desse princípio nem um pouco subjacente, o programa conquista o engajamento ativo, frequentemente maníaco, nessa engrenagem de fazer sofrer”, afirma Silvia. Dividido em quatro partes, “Show de horror”, “Das regras”, “Dos jogadores” e “Das provas”, o livro conta também com o posfácio “Breve história da realidade: sofrimento, cultura e dominação”, do professor-adjunto de filosofia da Universidade Federal de Juiz de Fora Pedro Rocha de Oliveira, e com texto de orelha assinado por Gabriel Cohn.
.
Trecho do livro
.
“A dificuldade de se escrever a respeito da ideologia hoje é que para o juízo bastaria a descrição, mas essa já não o (co)move. Se uma pessoa se mostra crítica ou mesmo condoída diante do sofrimento que se avoluma nesse tipo de programa de TV, a ela caberá a pecha de idiota (ou invejosa!). A dominação se mostra a céu aberto em dia claro, sem que se renuncie à sua prática. Todo discurso a respeito de justiça, liberdade, igualdade e até mesmo bondade é descartado com virilidade em nome de uma dura realidade. [...] Não são poucas as vezes em que coloco o problema do sofrimento ao qual são submetidos os participantes e a resposta é: “Mas foram eles que se voluntariaram”. Uma das ideias centrais que sustentam o estado de direito é a da inalienabilidade: não se pode abrir mão da dignidade, por exemplo, mesmo que se queira. Em tese, nenhum contrato assinado pelos participantes de reality shows poderia ser válido em qualquer lugar no qual a democracia e os direitos humanos vigoram. E o problema jurídico posto por essas produções não responde sequer ao paradoxo dos direitos humanos colocado por Hannah Arendt, segundo a qual tais direitos só podem ter vigência quando levados a cabo pelos estados nacionais, ou seja, os apátridas não os têm. Os participantes são cidadãos brasileiros, alemães, norte-americanos, holandeses, argentinos e um longo etc. A vida à disposição da produção de entretenimento a que se assiste em reality shows é um índice mais do que transparente de que vivemos em um estado de exceção permanente, pulverizado e onipresente.”
.
Sobre a autora  - Silvia Viana possui graduação em ciências sociais, mestrado e doutorado em sociologia pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP). Suas áreas de estudos são sociologia, crítica cultural e filosofia, com ênfase em teoria crítica contemporânea, teoria sociológica e sociologia da cultura e nos temas ideologia, indústria cultural, consumo, trabalho e subjetividade.
.
Fonte: Blog da boitempo - http://boitempoeditorial.wordpress.com/

Escola pública 'vira' galinheiro

Com cerca de 1,8 mil metros quadrados e capacidade para 350 Alunos, uma Escola municipal em Tapurah (distante 415 quilômetros da Capital) está abandonada há quase três anos. No lugar dos estudantes, dezenas de galinhas habitam o prédio.
.
A unidade, que deveria ser mantida pelo município, conta com 16 salas de aula, refeitório, biblioteca e um amplo pátio. Em 2007, passou por uma reforma, mas os Alunos aproveitaram os benefícios apenas até maio de 2010. Segundo o atual prefeito, Luiz Humberto Bickhoff, a Escola, que leva o nome do compositor brasileiro Vinícius de Moraes, parou de funcionar devido à distância do centro da cidade, cerca de 13 quilômetros.
.
“Havia o gasto com o transporte dos Alunos e funcionários diariamente. Então, a gestão antiga encontrou um local mais perto e fechou a unidade. Mas hoje nós já sentimos que aquelas vagas fazem falta na cidade”, diz.
.
Outro motivo para a interdição é a existência de um lixão ao lado da antiga Escola. Já as galinhas chegaram junto com a família que hoje mora dentro do prédio abandonado. Além disso, a Vinícius de Moraes nunca serviu ao propósito pelo qual foi criada, segundo o prefeito: ser uma Escola técnica. “Durante todo o tempo que ela funcionou havia apenas o Ensino regular com Alunos de quinta a oitava série”, explica.
.
Bickhoff afirma, no entanto, que a reabertura está sendo trabalhada. Uma vistoria foi feita para estabelecer o que precisa ser reformado.
.
O problema do lixo, o prefeito garante que já está sendo resolvido. Parte dos resíduos produzido na cidade tem sido levada para um aterro sanitário em Sorriso. Bickhoff pretende implantar ainda a coleta seletiva, como medida para reduzir o volume de material depositado nas proximidades da Escola.
.
“Vamos fazer uma limpeza, providenciar um local para a família que vive lá dentro e tentar uma parceria com o governo federal para conseguir recursos e fazer dela uma Escola agrícola”, sustenta.
A previsão do prefeito é que as aulas na Vinícius de Moraes sejam retomadas em 2014.
.
Fonte: Diário de Cuiabá (MT)

Pais enfrentam luta pela inclusão de filhos com Down na escola

Simone Rodrigues Trigo, 45 anos, começou 2011 com uma missão: encontrar uma escola inclusiva para o filho, Lucca, que tem Síndrome de Down. Na época, ele cursava o 5º ano do ensino fundamental na Amora Centro Educacional, no Rio de Janeiro (RJ) - a última série oferecida pela instituição. Após percorrer mais de dez escolas nos bairros do Catete, Botafogo, Flamengo e da Glória, ela matriculou o filho no Centro Educacional Boechat. Não foi por falta de vagas que se deu a demora. Simone insistiu na busca porque as escolas que analisava ainda têm dificuldades para receber estudantes com necessidades especiais.
.
A situação de Simone não é recente. Desde que Lucca completou dois anos, ela passou a correr atrás de meios para que o filho pudesse estudar. Nesses 12 anos, nunca conseguiu matriculá-lo na rede pública: seja porque a escola não aceitava, seja porque não havia estrutura adequada e pessoal capacitado para atendê-lo da melhor forma. Da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae), ela espera uma resposta sobre vaga há oito anos. "Eu não tenho coragem de colocar meu filho numa escola estadual, com 40 alunos para um professor. Ele não vai aprender", frisa. Como sempre recorreu a profissionais da rede particular, a economista que saiu do mercado de trabalho quando teve a segunda filha, Maria Eduarda (hoje com oito anos), sente a necessidade financeira de retornar as suas atividades. Mas a rotina de estudos e os compromissos com os dois filhos - incluindo visitas a museus e ao Planetário, uma forma de reforçar o que é aprendido em sala de aula - são uma barreira importante.
.
Após um ano de experiência na nova escola, Simone destaca os esforços dos professores em não só ensinar Lucca, hoje com 14 anos, mas também aprender com ele. Lá, ele frequenta uma turma reduzida, com mais oito crianças, e tem acesso a provas diferenciadas. Com a cognição mais apurada, ele se entende melhor com fotos do que com temas pré-estabelecidos para escrever uma redação. Na matemática, evita-se contas com números muito grandes. Para fatos históricos, tudo bem perguntar quem foi o presidente assassinado durante uma peça no Teatro Ford, mas não vale o mesmo para datas. "Eu peço para não cobrar isso. É complicado. Dá para ver pelas nossas próprias dificuldades", diz Simone. Além disso, as provas costumam ser de múltipla escolha, para que o estudante possa visualizar o que ele aprendeu e marcar a resposta correta. Essa realidade, no entanto, não se aplica a todas as instituições.
.
Em todo o Brasil, o número de matrículas de alunos especiais em classes regulares da educação básica em 2011 foi de 558.423 - equivalente a 74% das matrículas de alunos com esse perfil em instituições de ensino (o restante está em classes ou escolas exclusivamente especiais). O número fornecido pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa Anísio Teixeira (Inep) é muito próximo à população de Cuiabá, capital do Mato Grosso, mas quase nada comparado às mais de 50 milhões de matrículas da educação básica no País. Em 2003, esse índice era ainda menor: 145.141 matrículas. Apesar do crescimento de 285%, o sistema educacional brasileiro ainda tem muito a trilhar em relação à educação especial. Especialistas reconhecem algumas iniciativas do Ministério da Educação (MEC), como a oferta do Atendimento Educacional Especializado e a implantação de salas com recursos multifuncionais (37,8 mil entre 2005 e 2011, de acordo com o MEC), mas ressaltam a necessidade de aumentar os investimentos para tornar as escolas de fato inclusivas. O principal problema, segundo a professora Enicéia Gonçalves Mendes, do Programa de Pós-Graduação em Educação Especial da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), está na formação dos professores. "Os cursos de graduação não mudaram. Poucos contêm a temática de ensino especial. Falta uma política de formação para esses profissionais", afirma.
.
Lei que prevê condições no ensino regular não é cumprida
.
 O Decreto nº. 7.611/11 prevê condições e estímulo ao acesso de crianças com necessidades especiais ao ensino regular. Ele substituiu o Decreto nº. 6.571/08 (que previa a escolarização dessas crianças apenas na rede convencional) e incluiu a possibilidade de dupla matrícula, para que os alunos possam frequentar também o atendimento especializado. Além da flexibilização, a nova política freou a ideia de transformar as escolas especiais em centros de apoio. Na prática, porém, a lei não é sinônimo de direitos e nem por isso transformou as escolas atuais em inclusivas. "A escola comum ainda não deseja essas crianças lá", sustenta Enicéia, que também coordena o Observatório Nacional de Educação Especial.
.
Para Enicéia, a política atual de inclusão é muito simplista. Ainda que haja a oferta de serviço de apoio no contraturno, o aluno fica exposto, na maior parte do tempo, a um ensino que não é personalizado e de baixa qualidade. É uma gangorra em que não há equilíbrio, já que duas horas (ou menos) não são suficientes para recuperar o que a outra instituição deixou de oferecer. Na visão de Simone, mãe de Lucca, falta ação do governo e informação para a sociedade. Com isso, o desconhecimento se torna um dos grandes combustíveis para o preconceito. Mas, ainda mais importante do que isso, ela destaca que aceitar o aluno não é suficiente: é preciso estar preparado para atender suas necessidades e possibilitar o aprendizado. "Escola inclusiva é difícil demais de achar. Isso é uma falha. Não tem suporte", protesta Simone.
.
Escolas especiais também sofrem com falta de pessoal capacitado
.
Restituída como uma alternativa pelo decreto de 2011, a escola especial é encarada pela professora doutora em Educação Cláudia Rodrigues de Freitas, integrante do Núcleo de Estudos em Políticas de Inclusão Escolar (Nipie) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), como um apoio transitório para as políticas de inclusão. "Eu acredito na escola única. Mas, nesse momento, o governo entende que esse processo de transição é necessário", considera. Ainda assim, as instituições voltadas exclusivamente para alunos especiais não são mais a principal via de educação para essas pessoas. "Ainda é uma opção para uma minoria de alunos que não consegue acompanhar o ensino regular. São crianças que precisam de uma série de recursos", explica Enicéia. Essas escolas, contudo, acabam sofrendo com os mesmos problemas das demais, como falta de recursos e de pessoal capacitado.
.
Ainda que veja a possibilidade de mantê-las como uma opção, a professora da UFSCar acredita que o melhor é investir na inclusão. "Entre 80% e 90% podem e devem estar na escola comum", frisa. A ideia é compartilhada por Simone, que busca escolas inclusivas na ideia de, no futuro, ver Lucca no mercado de trabalho. "Eu não sei até onde ele vai, se ele vai fazer uma faculdade... Mas eu sei o que ele está conseguindo. Ele tem que aprender a conviver com essas pessoas", diz a mãe. Além disso, ela observa que o aprendizado também serve para as outras crianças, que lidam com o diferente e trabalham diariamente a cidadania.
.
No Centro Educacional Boechat, Lucca já conquistou algumas adaptações do ensino a seu favor. Apesar de seus tropeços ao conjugar verbos no "tu" e no "vós", Simone se mostra satisfeita com os resultados que o filho vem obtendo e, principalmente, com a dedicação da escola. Mas, mesmo que as turmas pequenas e as provas diferenciadas sirvam de exemplo, a conduta não pode nem deve ser tomada como um modelo absoluto para outras instituições. "Não se imagina que todos vão ter o mesmo padrão final. O aluno tem que ser a referência dele mesmo", destaca a professora Cláudia. O nível de cobrança deve ser o mesmo para todos, mas a escola deve estar preparada para avaliar a situação do estudante individualmente e verificar se ele tem condições ou não de passar de ano.
.
Rede municipal absorveu mais alunos especiais
.
 Na visão da professora da UFRGS, a educação brasileira vem trilhando, a passos miúdos, um grande percurso. Ela aponta o aumento do número de matrículas na rede regular como um ponto positivo. "Se os alunos estão lá, é porque uma mudança está acontecendo", entende. Saltam na frente as escolas municipais. Sozinhas, elas acumularam 346.299 matrículas em 2009 - 62% do total nas escolas regulares. Isso acontece porque, na visão de Cláudia, as ações são mais efetivas do que nas redes estaduais de ensino. Além disso, as prefeituras têm mais facilidade para trabalhar com recursos financeiros e humanos, sem falar na própria diferença na remuneração dos professores. Até que se chegue a uma educação totalmente inclusiva, Cláudia reconhece que o sistema ainda prescinde de muitos investimentos na área. Com sua visão de mãe, Simone mantém o mesmo posicionamento. "O número de crianças ditas normais é maior, mas os especiais também são obrigação do governo", enfatiza. Enquanto isso, Lucca ainda tem três anos no ensino fundamental. Quando o filho estiver assistindo à primeira aula do 9º ano, Simone já saberá que rotina seguir. "Ensino médio? Não me pergunte... vou ter que ir à caça".
.
Fonte: Terra (on line)

O que não se pode saber

Por Roberto Damatta*
.
Ser humano é não poder saber. Quem nasce onça sabe que morre onça. Quem nasce homem não sabe como morre. Francis Duval
.
Houve um tempo em que eu convidava pessoas para palestrar nas instituições em que trabalhava e eventualmente dirigia. Fiz muitas vezes o papel de anfitrião no Museu Nacional e quando ensinei nos Estados Unidos. A distância imposta pela língua inglesa e por uma audiência pontual e com um comportamento exemplar sempre causava nervosismo nos apresentadores latino-americanos, os quais, como norma, iam perdendo o inglês irreprochável usado no início da conferência e, na medida em que a palestra se desenrolava, acabavam falando com um pitoresco sotaque espanhol ou luso-brasileiro.
.
Observei isso muitas vezes e eu mesmo sofri dessa agonia quando tive como ouvintes antropólogos famosos, que eu estudava até as pestanas queimarem e admirava extremamente. Tais disposições psicocoloniais promoviam um nervosismo geral, que se manifestava na pronúncia, no esquecimento das palavras a serem usadas em inglês (ou francês) e, em alguns casos, em acessos de uma indesejável tremura nas mãos, a ponto de impedir a leitura da conferência ou, como se diz metonicamente em inglês, do "paper".
.
Lembro-me de um caso exemplar. Um dos meus convidados brasileiros para proferir uma aula em Notre Dame tremia tanto que desistiu da leitura, abandonou as notas e passou a falar de improviso, gaguejando assustadoramente. Mas a despeito dessas agruras, as ideias que apresentou sobre o tema A Impossibilidade Cultural do Conceito de Cultura - tão a gosto da antropologia social, essa disciplina que adora messianismos e carisma -, na palestra despertou uma apaixonada discussão abafada tarde da noite, num bar.
.
Ali, num ambiente mais relaxado, ele me perguntou se tudo havia corrido bem. Disse-lhe que sim, que o encontro havia sido um sucesso, exceto pelo tremor de suas mãos. "Tremor? Que tremor?", reagiu meu colega em voz alta, visivelmente irritado. "Não houve tremor nenhum!", exclamou, encerrando o assunto e pegando com mão firme um pesado caneco de cerveja.
.
Assustou-me a inconsciência. Esse não saber periférico (senão não teria havido reação) que faz parte de todos os seres vivos, atacando sobremaneira os humanos. Essas vítimas perenes do fazer sem querer ou, melhor ainda, do fazer e não poder saber. Passei pela mesma coisa inúmeras vezes e talvez os homens conheçam mais claramente o vexame de ter um pedaço do corpo fora de controle do que as mulheres, mas o fato é que há coisas que não sabemos.
.
Ou que não podemos saber. A vida está em outro lugar tanto quanto o tremor do meu colega. Se soubesse como seria minha vida quando tinha 20 e poucos anos não teria vivido, diz-me um velho companheiro das trincheiras magras. Viver é muito perigoso, afirmava Guimarães Rosa. É a inocência do não saber que permite viver a vida, digo eu.
.
A negação faz parte da vida humana. Um leão não dorme se pressente uma ameaça, mas um homem dorme feliz mesmo sabendo que cada noite bem dormida o aproxima da morte. A consciência foca em alguma coisa com intensidade e, com a mesma força, reduz tudo o mais a um resíduo a ser esquecido. O foco tem como contrapartida a alienação. Ademais, a vida contém a ignorância que vira destino ou carma justamente porque ela tem um fim. O mundo continua, mas eu sei que vou partir. Quando os sinais se invertem surge um sonho de onipotência próximo da loucura dos crentes.
.
A consciência do início e do fim atrapalha, mas sem ela não teríamos a obrigação de inventar biografias e de não poder ver certas coisas. O final fabrica a origem.
.
Num país moderno, as estatísticas surgem como tremores não convidados. O governo diz uma coisa, mas os números, que são prova do nosso mais concreto inconsciente comunitário, revelam uma outra. Os acusados proclamam suas inocências. Ninguém, nem mesmo aqueles com um faro mais possante do que o de um perdigueiro, sem o qual não se chega às altas esferas do poder, diz que sabia. Mas quando a promotoria reúne os fatos e constrói a narrativa acusatória, temos um manual de crimes.
.
Surgem então o "pibinho" de dona Dilma, a gerentona; o mensalão da casta petista; e o caso de Rosemary Noronha. Em cada um desses episódios, algo de fora despe algo de dentro. Há um hiato desagradável e, nos casos em pauta, surpreendente, a se julgar pelo quadro de valores de um partido que ia mudar o Brasil e liquidar a corrupção.
.
Na democracia, a imprensa faz esse papel. Como os tremores e as meias furadas, ela coloca em foco aquilo que os projetos de poder e o populismo seboso escondem. O "fato" é a pista. É o objeto fora do lugar que leva ao criminoso, porque o bandido tomou todas as precauções, mas mesmo nas consciências mais abrangentes sempre falta algo. O criminoso usa luvas, mas não olha onde pisa. O conferencista controlava tudo, menos as mãos que tremiam orgulhosamente como uma bandeira nacional acariciada pelo vento.
.
* é professor e antropólogo
.
Fonte:  O Estado de S.Paulo (SP)

Escolas rejeitam matrículas de estudantes com deficiência





Por Fernanda Viegas.
.
Mesmo obrigadas por lei, instituições de ensino dificultam e até recusam matrículas de crianças e adolescentes com necessidades especiais, como síndrome de down, autismo e cegueira. Há relatos de pais que já passaram, sem sucesso, por 12 escolas em busca de um lugar para o filho. E, quando aceitam o estudante, as instituições pedem aos responsáveis que custeiem a contratação de pessoal especializado.
.
O sindicato das escolas particulares nega que haja recusa de alunos, mas confirma a cobrança de adicionais. O Estado e a Prefeitura de Belo Horizonte garantem que não recusam matrículas. "Elas (escolas) não negam matrícula, mas dificultam o máximo possível, dizendo que não têm condições de receber, que as salas estão cheias ou que o percentual de crianças com deficiência está completo. Há muitas leis, faltam ser colocadas em prática", denunciou a coordenadora do Fórum de Inclusão Escolar de Belo Horizonte, a psicopedagoga e psicanalista infantil Cristina Silveira. Resta aos pais uma peregrinação em busca de escolas. Essa é a realidade atual da empresária Katia Maia, 47, que tem um filho de 7 anos com síndrome de down. "Eu já estive em 12 escolas particulares e ainda não consegui matricular o meu filho para o ano que vai começar."
.
Katia conta que está sendo obrigada a trocar o filho de escola porque a instituição em que ele estudava o teria aprovado para o ensino fundamental, mesmo sem preparo. "Eles não o deixaram ficar no jardim. Mas ele não fala e não lê, como vai poder estar com crianças que já leem e escrevem?". Situação parecida vivenciou a funcionária pública Ruth Mara de Oliveira Gomes, 48, ao tentar matricular o filho de 13 anos, que tem síndrome de Asperger (autismo leve, que não afeta o desenvolvimento intelectual) no sexto ano do ensino fundamental, no ano passado. Segundo Ruth, o filho fez uma prova de seleção e tirou nota suficiente para passar, mas, por causa da síndrome, a instituição informou que não tinha vaga para ele - eles disseram que as duas matrículas por turma reservadas a alunos especiais já estavam preenchidas.
.
A família ameaçou entrar na Justiça, e a escola resolveu aceitar o aluno na condição de os pais assinarem um documento, declarando que arcariam com o custo da contratação de um profissional especializado, caso a escola percebesse essa necessidade. "Assinamos porque sabíamos que nosso menino não ia precisar disso, mas ele sofreu muito bullying", contou.
.
O outro lado. Para o Sindicato das Escolas Particulares de Minas Gerais (Sinep-MG), é legal os colégios cobrarem adicionais para contratar profissional ou adquirir equipamentos para alunos especiais. "Se for provado que o aluno tem tratamento especial, é justo que a escola cobre mais pior isso", confirmou o advogado constitucionalista Alexander Barroso. As secretarias municipal e estadual de Educação informaram que todas as escolas públicas estão aptas a receber estudantes com necessidades especiais.



.
Convivência é benéfica para todos os lados
.
A convivência entre alunos com e sem deficiências é benéfica para todos, segundo especialistas. Além de ser essencial para os estudantes aprenderem a conviver em sociedade, o contato com o "diferente" é importante para seu desenvolvimento. "Para aqueles que têm necessidades especiais, é preciso tirá-los do confinamento. O convívio com os colegas é um degrau para seu desenvolvimento. Já os outros estudantes precisam aprender a aceitar a todos", explica a vice-diretora do centro pedagógico da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Selma Moura.
.
Por outro lado, a consultora em educação inclusiva Priscila Lima chama a atenção para a necessidade de capacitação de profissionais. "O Estado e a prefeitura têm oferecido cursos de capacitação, mas não podem ser esporádicos porque uma criança com síndrome de down há dez anos é muito diferente de uma de hoje". (FV)
.


.
Fonte: O Tempo (MG)

sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

Professores e gestores querem mudar índice que define piso nacional

.
O reajuste de 7,97% no piso salarial nacional dos professores da educação básica anunciado pelo Ministério da Educação nesta quinta-feira (10) já era esperado pelos especialistas e entidades, sindicatos e confederação de professores e gestores da educação no país. Segundo eles, a expectativa era a de que o governo seguiria ao pé da letra a lei que define o piso e, portanto, o reajuste seria bem menor do que o estimado no início do ano. Mesmo assim, muitos criticaram o indicador vinculado ao cálculo do reajuste anual, que atualmente leva em conta apenas a variação do valor anual por aluno do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb).
.
Com o aumento, o piso salarial para os professores passa de R$ 1.451 para R$ 1.567 a partir de janeiro de 2013. No ano passado, o reajuste do piso salarial dos professores de educação básica e que cumprem 40 horas semanais foi de 22,22%. Portanto, o reajuste deste ano representa quase um terço do aumento ocorrido em 2012. A Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) divulgou nota em seu site oficial afirmando que, pelos cálculos da entidade, "o piso não deveria ficar abaixo de R$ 1.817,35, valor este que compreende a diferença efetiva entre o per capita do Fundeb de 2008 a 2013".
.
A confederação, defendeu, no comunicado, que a União cubra "eventuais rebaixamentos do valor mínimo do Fundeb ao longo dos anos – pois a educação não deve sofrer retração de investimentos e cabe aos órgãos públicos federais zelar pela estimativa do Fundeb e seu cumprimento integral".
.
 Já Cleuza Rodrigues Repulho, presidente da União dos Dirigentes Municipais da Educação (Undime), classificou o aumento como "bom". Ela afirmou ao G1 que "algumas pessoas estavam esperando um desastre maior", mas que, apesar de o ganho real do aumento ter ficado acima da inflação, o reajuste, "por outro lado, mostra que faltou recursos para a educação", disse ela.
.
Para Cleuza, que também ocupa o cargo de secretária municipal de Educação de São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo, apesar de o piso ainda estar abaixo do desejado, muitas prefeituras terão dificuldades de cumpri-lo. "Em mais de 80% das prefeituras, a principal fonte de recursos da educação são os repasses do Fundeb."
.
Política econômica e direitos sociais
.
Daniel Cara, coordenador geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, explica que o reajuste menor neste ano, em comparação com o ano anterior, se deve à queda na arrecadação de impostos pelo governo federal. Isso aconteceu, segundo ele, porque o governo, na tentativa de estimular o crescimento econômico, decidiu reduzir impostos como o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI).
.
"O governo tem feito a desoneração, mas ela não tem gerado crescimento econômico na medida do que é necessário, e ainda diminui o patamar de investimento em direitos sociais", disse Cara. Segundo ele, "quem perde com a menor arrecadação de impostos é a população de baixa renda que precisa de serviços públicos como a educação e a saúde", já que o Tesouro não reduz a defasagem de recursos destinados às áreas sociais. "Está prejudicando quem é sempre prejudicado. Esse é o ponto que a gente tem que frisar e se preocupar."
.
Para a CNTE, o governo não está agindo "com prodência" ao prever que, no ano que vem, o reajuste será de 20,16%, segundo portaria divulgada no fim de dezembro. "Em 2012, mesmo ciente dos efeitos da crise mundial, a STN/Fazenda [Secretaria do Tesouro Nacional, do Ministério da Fazenda] estimou o crescimento do Fundeb em 21,24%, porém no dia 31 de dezembro, através de simples portaria, o órgão rebaixou a estimativa para 7,97%. E tudo indica que em 2013 o mesmo acontecerá", disse a entidade, em nota.
.
Valorização do professor
.
Cleuza, da Undime, afirma que, embora o reajuste tenha sido maior que a inflação, o salário-base do professor de educação do ensino básico com carga horária de 40 horas semanais ainda é muito baixo.
De acordo com ela, se o piso girasse em torno de R$ 2.500 mensais, não seria tão difícil contratar novos profissionais. Cleuza diz que o salário tem peso significativo para os jovens fugirem da carreira docente. "Mesmo nos grandes centros temos problema para conseguir professores, imagina em regiões mais afastadas como na região Norte do país. Temos de aliar o reajuste real, o ganho real ao plano de carreira para atrair os jovens. O professor tem de ganhar bem não só no fim da carreira, perto da aposentadoria, mas também no início. Temos melhorado, porém não avançamos como deveríamos."
.
Mudança do índice
.
 A vinculação do reajuste automático anual do piso de professores à variação do valor por aluno do Fundeb sofre críticas de todas as entidades por sua instabilidade. De acordo com Eduardo Deschamps, secretário de Educação de Santa Catarina e um dos vice-presidentes do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), além de depender da arrecadação de impostos, que é variável, principalmente em tempos de crise, o reajuste é calculado com base nos resultados até dezembro do ano anterior, e o reajuste é aplicado a partir de 1º de janeiro. Porém, em abril, o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) divulga o balanço consolidado do Fundeb do ano anterior.
.
Em 2011, o balanço final incluiu um ajuste de R$ 2,7 bilhões e elevou o valor por aluno de R$ 1.729,28 (valor usado no cálculo do piso) para R$ 1.846,56.
.
"Tem uma variação muito brusca de ano para ano, o reajuste foi de 22% no ano passado e quase 8% nesse ano. É um índice não muito estável, gera problemas na aplicação da lei", afirmou Deschamps. O vice-presidente do Consed ainda criticou o fato de o índice usar duas variáveis do Fundeb: o valor da arrecadação e o valor anual por aluno. Como a cada ano o Censo Escolar se torna mais preciso e elimina matrículas duplicadas, o valor por aluno tende a aumentar também pela divisão do valor global pelo número de matrículas, que é cada ano menor. Pelos cálculos do Consed, o valor global do Fundeb cresceu menos de 7%, mas, com a divisão, o valor por aluno aumentou quase 8%, e foi essa a porcentagem considerada no reajuste de 2013.
.
Porém, as entidades ainda não entraram em consenso sobre uma alternativa ao regime atual de reajustes do piso. A proposta defendida pela CNTE calcularia a variação a partir de dois índices: o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) somado a 50% da variação global do Fundeb nos dois anos anteriores, considerando o valor consolidado de abril de cada ano vigente. Por esses cálculos, defendidos em um projeto de lei atualmente em tramitação no Congresso, o reajuste de 2013 seria de 9,05%. Essa proposta, porém, não encontra respaldo no Consed --os secretários de Educação afirmam que esse indicador levaria em conta duas vezes a inflação (no INPC e na variação do Fundeb). Uma contraproposta descontando a inflação da variação do Fundeb também não tem unanimidade, pois alguns secretários dizem, segundo Deschamps, que "qualquer reajuste automático só poderia levar em consideração indicadores de inflação, não de ganho real".
.
O ministro Aloizio Mercadante afirmou, na quinta-feira, que o MEC pretende aproveitar o ano de 2013 para tentar chegar a um consenso entre todas as partes interessadas para que um novo índice seja definido e aplicado já em 2014.
.
Fonte: GI - on line

Publicidade danosa para as crianças

.
 
Por Dalmo de Abreu Dallari*
.
Um dos graves efeitos da busca desenfreada de proveito econômico, sem respeitar as limitações éticas e jurídicas, efeito já amplamente comprovado no Brasil e em muitos outros países, é o envolvimento das crianças nas mensagens publicitárias e promocionais, para estimular a venda de produtos e serviços, acarretando muitas consequências negativas, entre as quais o sério prejuízo à saúde de crianças e adolescentes. Com efeito, já foi registrado o aumento muito significativo da obesidade, gravemente prejudicial ao desenvolvimento físico e à integração social da criança, em decorrência do grande consumo de produtos sabidamente danosos por sua natureza e composição. Visando, antes de tudo, a ampliação dos negócios, esses produtos são apresentados de modo a seduzir as crianças, sem qualquer advertência quanto aos possíveis efeitos negativos do consumo e, muitas vezes, ocultando ou disfarçando esses efeitos.
.
A publicidade e as promoções desempenham um papel de grande importância nesse processo de envolvimento e sedução das crianças, razão pela qual devem ser objeto de expressa e rigorosa regulamentação legal. Com efeito, muitas vezes as mensagens publicitárias e as promoções, revestidas de imagens bonitas e atraentes, estimulando a busca desenfreada de delícias para o paladar ou de atividades recreativas mas danosas, ou ainda provocando a competição entre crianças e adolescentes na obtenção dessas armadilhas, são o ponto de partida para a degradação física e a deterioração do processo educativo. E quando se denuncia o malefício dessas mensagens e se fala na necessidade da implantação de regras legais limitadoras vem logo uma reação vigorosa do mundo dos negócios, aí incluídas as empresas vendedoras de bens e serviços e as que cuidam da publicidade e divulgação, alegando que tais limitações iriam ofender a liberdade de expressão, que é direito fundamental garantido pela Constituição. Haveria realmente essa ofensa? Essas mensagens estão efetivamente enquadradas no direito à liberdade de expressão?
.
Precisamente a esse respeito, tem excepcional importância uma decisão recente da Corte Constitucional da Colômbia, que já está sendo objeto de atenta consideração em outros países e que vem sendo referida como importante marco da jurisprudência internacional. Tendo em conta os gravíssimos danos decorrentes do uso de produtos que têm por base o tabaco, o Legislativo colombiano aprovou legislação regulamentadora, estabelecendo severas limitações à publicidade e às promoções, diretas ou indiretas, ostensivas ou disfarçadas, de tais produtos. Em magistral e muito bem fundamentada decisão, considerando os aspectos teóricos, os tratados de Direitos Humanos assim como as disposições jurídicas relativas ao comércio internacional e também os princípios e as normas constitucionais, a Corte Constitucional da Colômbia concluiu pela legalidade das restrições regulamentadoras. Na fundamentação dessa importante decisão, a Corte Constitucional ressaltou que a publicidade e a promoção de produtos como o tabaco e outros que possam ser prejudiciais à pessoa humana e à sociedade está vinculada à liberdade de comércio e não à liberdade de expressão. Com efeito, essas mensagens não transmitem ou defendem ideias e convicções, mas apenas propõem o uso ou o consumo de produtos, bens ou serviços. Nada a ver com o direito à liberdade de expressão.
.
Por tudo isso, e em defesa das crianças e dos adolescentes, é juridicamente possível e socialmente recomendável uma legislação regulamentadora da publicidade e das promoções, o que, entre outros efeitos, contribuiria para evitar o aumento da obesidade infantil e de outros males que já estão evidentes na sociedade brasileira.
.
* Dalmo de Abreu Dallari é jurista. - dallari@noos.fr
.
Fonte: Jornal do Brasil, on line.

Piso dos professores do ensino básico será de R$ 1.567

.
O novo piso salarial dos professores do ensino básico das escolas públicas brasileiras será de R$ 1.567,00. É um aumento de 7,97% em relação ao piso do ano passado, que era de R$ 1.451 00. O anúncio foi feito na tarde desta quinta-feira (10) pelo ministro da Educação, Aloizio Mercadante.
.
Em entrevista, o ministro disse que esse reajuste do salário dos professores está previsto em lei e leva em conta o crescimento do valor gasto pelo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) por aluno.
.
Mercadante afirmou que entidades que representam prefeituras já avisaram que o aumento deste ano terá um impacto na receita total dos municípios de R$ 2,1 bilhões em 2013. O ministro observou, no entanto, que o Fundeb (que conta com recursos da União, Estados e municípios) terá R$ 8,9 bilhões a mais que em 2012. No ano passado, o reajuste chegou a 21%. Em 2014, segundo Mercadante, o aumento será maior que o deste ano.
.
Fonte: O Tempo (MG)

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

O fim da infância?

Contardo Calligaris*
.
Quando as notícias comunicam o número de mortos e feridos num atentado, numa catástrofe ou numa chacina, nunca falta o número de crianças. Podemos não saber se morreram mais homens ou mulheres, mas, se houve crianças entre as vítimas, seremos informados. E, das imagens que a reportagem nos mostrará, a mais tocante será a de um pai ou de uma mãe, carregando o corpo inerte do filho ou da filha.
.
Menos de dois séculos atrás, a frase "houve 12 vítimas, entre as quais quatro crianças" produziria provavelmente um pequeno alívio, como se a perda das crianças fosse menos deplorável do que a dos adultos. Hoje, é o inverso. Da mesma forma, hoje, se a imprensa escrevesse que houve, entre as vítimas, cinco idosos, reagiríamos pensando que é uma pena, claro, mas, menos mal: eles já estavam de saída. Ora, um hipotético leitor de dois séculos atrás pensaria que os idosos são a perda irreparável: afinal, uma criança, ninguém sabe no que ela vai dar, enquanto um idoso é patrimônio consolidado. Num incêndio, você prefere que queime um caderno quase virgem ou o outro, no qual você anota seu diário há décadas?
.
A mostra "The Century of the Child" (o século da criança), no Museum of Modern Art, de Nova York, fechou em 5 de novembro. Mas o catálogo (com o mesmo título, publicado pelo próprio museu) é melhor que a mostra: os documentos que foram expostos são todos reproduzidos e acompanhados por uma coletânea de ensaios excelentes.
.
A tese geral é que, de 1900 a 2000, foi inventado e construído um mundo especificamente destinado às crianças e a suas necessidades presumidas, na sala de aula e na casa, na hora de aprender, de brincar e de se divertir. Ao longo desse século, as crianças deixaram de ser consideradas como adultos em miniatura ou incompletos para se tornar uma espécie autônoma e, supostamente, melhor do que a nossa - em tese, sem as más influências dos adultos, elas poderiam ser geniais, inocentes e puras como o bom selvagem.
.
Pouco importa se perguntar o que é realmente uma criança e de qual barbárie ela seria capaz sem a ajuda dos adultos. A invenção da especificidade da infância não diz nada sobre as crianças em si, mas revela algo sobre os adultos. Pois essas crianças, tão diferentes de nós, encarnam o que gostaríamos de ser. Dois exemplos.
.
1) O quarto de criança de classe média (o habitat infantil idealizado) é dominado pela estética do fofo. Os adultos se livram do desconforto da arte e das incertezas do gosto para "apreciar' sem culpa patinhos de madeira, bonecos, florzinhas e estrelinhas no teto. Eles também se livram da história: nenhum móvel e nenhum objeto antigos (a higiene é a desculpa). Com esse interior atemporal, de conto de fada, o adulto moderno, atormentado por um irremediável desamparo existencial (falta de pátria, de classe, de tradição, se não de família), inventa, para a criança, a caricatura do amparo que ele deseja para si.
.
2) Quase no meio do século da criança, em 1938, Johan Huizinga publicou "Homo Ludens" (o homem que joga - ed. Perspectiva) --o clássico, que, como se sabe, situa o jogo como atividade humana por excelência. Vale a pena lê-lo ou relê-lo pelo prazer, e também para entender quanto e como a proposta de Huizinga foi, por assim dizer, extraviada --resultando numa massa de escritos em favor do divertimento, do ócio, das férias, do brincar e do infantil como atividades muito mais humanas, produtivas e interessantes do que o trabalho, a concentração, a reflexão e a maturidade.
Entende-se que crescer tenha se tornado difícil para as crianças, pois elas não podem parar de brincar, ou seja, de encenar a "virtude" do jogo, que nós, supostamente, perdemos.
.
No começo do catálogo que citei, Juliet Kinchin, curadora, escreve: "Falando solenemente para a câmera em 1995, como parte do documentário ficcionalizado 'Children´s Video Collective', um menino faz a predição seguinte: 'No futuro, as crianças não existirão mais. Minha geração é provavelmente a última geração de crianças. Ou melhor, a última geração a ter a experiência da infância. Isso não significa necessariamente que chegou o momento de guardar as coisas da infância. Ao contrário, isso pode significar que o uso das coisas da infância talvez acabe sendo prolongado indefinidamente, até a morte'".
.
Ou seja, a infância não vai acabar, mas os adultos já estão em extinção.
.
*Contardo Calligaris é psicanalista, doutor em psicologia clínica e escritor.
.
Fonte: Fiolha de São Paulo (06/12/2012)