Amanda Ribeiro Barbosa*
“O ser humano se diferencia dos outros animais pelo telencéfalo altamente desenvolvido, pelo polegar opositor e por ser livre. `Livre é o estado daquele que tem liberdade. Liberdade é uma palavra que o sonho humano alimenta, que não há ninguém que explique e ninguém que não entenda`” (Jorge Furtado em Ilha das Flores, 1989).
Um tema frequentemente em pauta nas discussões de âmbito mundial é o modo de como a sociedade lida com o que é imposto pelo modelo econômico vigente, o capitalismo ou a famigerada economia de mercado. O modo como ele interfere na cultura reflete nos valores e no comportamento das pessoas, fazendo com que muitas delas abdiquem da única coisa que é sua de direito: sua identidade. Mais do que um modelo econômico, o capitalismo se tornou um modelo de vida, um “way of life” ocidental difundido pelo mundo no qual poucos povos estão imunes.
No modelo de produção baseado no mercado, no qual homens e mulheres alienados vendem a força de trabalho, o Homo Sapiens (trabalhador e saudável) passa a viver em função do ganho, do lucro e da luta para economizar e acumular bens que julga serem fundamentais para se sentir um ser humano. No entanto, quanto mais ele vive em busca de um sentido para sua existência, mais ele se distancia disso; deixa de existir, dando lugar a uma máquina. Talvez, em sua visão, ele possa estar satisfeito por ter conseguido o que queria, apesar da ilusão e da miragem dessa conquista.
O termo “indústria cultural” representa com acuidade a estreita relação entre o que chamamos de cultura e o que é produzido em massa. A “cultura industrializada” massifica, banaliza e destrói a cultura produzida por relações sociais. Diante da comunicação (também de massa), a qual “mastiga” as informações para facilitar a percepção e o entendimento do consumidor – de uma forma que a mercadoria possa ser consumida rapidamente – o homem se torna um reprodutor de sua própria mediocridade. A mídia utiliza vários métodos de sedução e persuasão para levar o consumidor a crer que tal produto é indispensável, quando na maioria das vezes é supérfluo.
O grande paradoxo desse processo de industrialização da cultura é que, ao mesmo tempo em que o avanço tecnológico permite que as distâncias sejam encurtadas e o intercâmbio cultural seja maior, há o crescimento da exclusão e da discriminação para com aqueles que não têm acesso a tais tecnologias – que não são poucos. Essa condição leva a uma uniformização, estandardização dos homens, contribuindo para o aparecimento da “unidade psíquica das massas”, e, simultaneamente, à marginalização dos que não podem – ou dos ainda resistem a – fazer parte do jogo.
Paulatinamente, aqui e ali, lá e acolá, são perceptíveis seres humanos se transformando em potentes máquinas, programados para “cumprir ordens” e aceitar estereótipos impostos, alienados a críticas e resistentes a mudanças. O ser humano perde (ou mesmo abre mão de) sua cultura em função do luxo, do lucro, da representatividade, aceitando como verdadeiro tudo o que a cultura dominante lhe apresenta como realidade. Conforme lido em algum lugar, "quanto mais dura e complicada é a vida moderna, mais as pessoas se sentem tentadas a agarrar-se a clichês que parecem conferir uma certa ordem ao seu mundo privado (inconsciente) e público". Neste sentido, a individualidade passa a ser banalizada, descartada, pois ninguém quer seguir o fluxo contrário do rio.
As discussões acerca do consumo exacerbado não se limitam a textos acadêmicos e jornalísticos. Carlos Drummond de Andrade, em seu poema Eu, etiqueta, critica a “coisificação” do homem – ou personificação das coisas – quando descreve um homem que se enxerga como um objeto, imerso em etiquetas com nomes de grifes da cabeça aos pés. “Em minha calça está grudado um nome / Que não é meu de batismo ou de cartório / Um nome... estranho (...) / Peço que meu nome retifiquem. / Já não me convém o título de homem. / Meu nome novo é Coisa. / Eu sou a Coisa, coisamente”. Partindo de uma visão semelhante, em 3ª do plural, música dos "Engenheiros do Hawaii", cabeça serve “para usar boné e professar a fé de quem patrocina”.
Jorge Furtado, no premiado curta metragem Ilha das Flores, baseia-se na ironia para enfatizar seu tom de denúncia contra a sociedade de consumo. O homem é um ser evoluído – no sentido de melhoria – por ter “um telencéfalo altamente desenvolvido e um polegar opositor”. No entanto, este sentido de evolução é desmistificado quando se percebe que o homem não sabe utilizar de maneira sábia e sadia suas vantagens inatas. Quando nos deparamos com o triste e assombroso fato de um homem estar atrás de um porco numa lista de prioridades feita por outro homem, nos perguntamos até que ponto a liberdade é algo inerente a todos. Quem tem direito a escolhas? Na sociedade do consumo a escolha é privilégio para os donos do capital, o que também não significa ter liberdade.
A grande questão é: se vivemos em função dos comandos de uma indústria cultural, se é esta quem dita as regras e os costumes, não somos livres. Enquanto seguirmos os padrões impostos como doutrinas, não podemos falar nessa maravilhosa palavra, liberdade. O ser humano será digno de SER HUMANO e de usufruir de sua liberdade quando pensar por si e para o outro.
* Aluna do terceiro período do Curso de Pedagogia da Faculdade de Educação (FAE) da UEMG (Universidade do Estado de Minas Gerais). Trabalho apresentado à disciplina Antropologia Cultural. 05 de outubro de 2010.
Obrigada novamente, professor Lúcio, pela oportunidade e confiança. Fico muito honrada de ver meu texto no blog!
ResponderExcluirAmanda Ribeiro
Ótimo texto! Descreve muito bem o paradoxo enfrentado pelo homem no modo de produção capitalista: -Se humaniza na medida que se relaciona com a natureza produzindo os seus próprios meios de vida, reiventando constantemente as suas necessidades.
ResponderExcluir-Se desumaniza na medida que seu modo de produção econômica é baseado no lucro obtido pela exploração do homem pelo homem.
De fato, qualquer discussão que envolva a palavra liberdade deve levar em consideração o sistema econômico em que vivemos.