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por Talita Bedinelli
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Depois de anunciar que o lema de seu novo mandato seria "Pátria Educadora", a presidenta Dilma Rousseff deu à educação um dos maiores cortes globais no anúncio do ajuste fiscal feito nesta sexta-feira. A área terá 9,4 bilhões de reais a menos para investir neste ano. A verba da área para as despesas discricionárias (que não são obrigatórias, como a folha de pagamento, por exemplo) caiu de 48,81 bilhões para 39,38 bilhões de reais -valor similar ao gasto no ano passado e 15 bilhões acima do mínimo constitucional obrigatório.
Se por um lado isso era esperado, já que a pasta tem o segundo maior Orçamento da União, por outro, a situação gera um grande incômodo: a falta de aumento nos investimentos pode representar uma ameaça ao cumprimento do Plano Nacional de Educação (PNE), aprovado no ano passado em meio a comemorações do próprio Governo e que tem algumas metas a vencer já no ano que vem.
"É preciso ver com atenção onde serão os cortes dentro da pasta. A preocupação é que os prazos do plano já estão chegando e isso exigirá um esforço adicional", afirma Alejandra Meraz Velasco, coordenadora-geral da ONG Todos pela Educação. O Governo ainda não anunciou ao certo o que será cortado em cada área, mas o mais provável é que as novas obras sejam as mais afetadas.
O problema é que esse "esforço adicional", ao qual Velasco se refere, também tem sido difícil, já que Estados e municípios, que injetam a outra parte do dinheiro necessário para a área, têm sofrido com a queda em suas próprias arrecadações. Por lei, eles são obrigados a gastar 25% das receitas em educação -quando as receitas caem, a verba aplicada na área também cai. Em muitos locais, o cenário já é composto por obras paradas, salários de professores atrasados (e docentes em greve) e até mesmo falta de verba para comprar papel higiênico ou cortar a grama com a mesma regularidade de sempre.
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“Desde o final do ano passado a arrecadação já começou a diminuir. Todo mundo teve que se reorganizar e fazer os primeiros cortes. Os municípios têm segurado seus investimentos, e, na maioria deles, obras novas não estão sendo feitas”, afirma Cleuza Repulho, secretária da Educação de São Bernardo do Campo (Grande SP) e presidenta da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime). Isso impacta, por exemplo, a construção de novas creches e coloca em risco o cumprimento da primeira meta do plano, que prevê que até o ano que vem todas as crianças de 4 e 5 anos e pelo menos metade das crianças de até três anos estejam na escola. “Como vou construir uma nova creche? Cada vez que uma nova unidade fica pronta há um aumento de quadro de funcionários. É um conjunto de profissionais que vai entrar na rede e não vai sair. A despesa com o custeio é uma grande preocupação”, diz a secretária.
A construção de novas creches é, geralmente, um investimento compartilhado entre municípios e o Governo federal. Por isso, bastaria apenas uma das partes fechar a torneira para os projetos demorarem mais para sair do papel. Foi o que aconteceu no município de São Paulo, que desde o início da gestão Fernando Haddad (PT) tem enfrentado dificuldades para aumentar a arrecadação como planejava, apesar de ter aumentado em 8% as receitas entre 2013 e 2014. Com menos dinheiro para arcar com sua parte nas obras, já anunciou, por exemplo, que dificilmente conseguirá construir todas as creches prometidas. No município, 106.000 crianças aguardam uma vaga nesta etapa de ensino, segundo os últimos dados oficiais. Das 243 unidades anunciadas, apenas 147 devem sair do papel até 2016. O município agora tentará parceria com entidades privadas para acelerar obras e garante que, mesmo sem todas as unidades, atenderá mais 100.000 crianças até o ano que vem -o mais provável é que coloque mais alunos por salas.
Na gestão estadual paulista, a verba de investimento para a educação também será reduzida em 5% neste ano, segundo o governador Geraldo Alckmin (PSDB), que anunciou um corte de 2 bilhões de reais no Orçamento global do Estado. “Há uma deterioração da economia nacional, nós temos que ter cautela”, justificou o governador à imprensa. No final do ano passado, a área já deixou de receber verbas para a compra de materiais de escritório e de limpeza, segundo os gestores. O Governo nega.
“O dinheiro que estava na conta da escola foi confiscado em 30 de outubro e, depois, não veio mais verba até o início do ano. Não tínhamos como comprar nem papel higiênico”, conta a diretora de uma escola na Grande São Paulo que não quer se identificar. “Também começamos o ano letivo com carteiras e cadeiras em número insuficiente porque não teve reposição e tivemos que buscar a sucata de escolas vizinhas para os alunos sentarem”, diz. Os recursos de manutenção voltaram a ser pagos nesse ano, mas em valor menor que no ano anterior. O Governo, que nega o atraso no ano passado, diz que reduziu em 16% as verbas de manutenção após "um gerenciamento eficiente dos gastos". "Todas as unidades têm verbas suficientes para a manutenção", disse, em nota. A Secretaria da Educação também diz que reduziu 11% dos cargos comissionados (sem concurso) e cessou as gratificações a professores em órgãos centrais (como coordenadorias, por exemplo), economizando mais 3 milhões ao ano.
As escolas estaduais paulistas também estão em greve desde 13 de março porque os professores pedem um reajuste de 75% para que o salário dos professores se equipare ao das demais categorias com nível superior, como determina a meta 17 do Plano Nacional de Educação, que vence em seis anos. Segundo eles, o Governo paulista propôs discutir os reajustes apenas em julho. A pasta disse que já reajustou os salários em 45% nos últimos quatro anos e, de acordo com o Plano Estadual de Educação, que divulgou na última sexta, afirma que vai equiparar os salários em tempo.
A falta de reajuste salarial também é motivo de greve em outros Estados e municípios, como Paraná, onde professores foram agredidos pela Polícia Militar, e Mato Grosso do Sul, onde os docentes aprovaram o início de greve para a próxima quarta. Na capital sul-matogrossense, Campo Grande, a gestão municipal também enfrenta problemas. Os professores devem entrar em paralisação na próxima segunda-feira. Procurado, o município não respondeu até a publicação desta reportagem.
No início de maio, a secretária de Educação do município, Angela Maria de Brito, pediu demissão ao lado de seu secretário-adjunto. “Houve cortes de 50% na carga horária de professores, o que limitou tecnicamente o trabalho. Tivemos que cancelar uma série de oficinas do programa que mantém as escolas abertas aos finais de semana. A gente tinha um carinho enorme por eles porque se comprovou que a criminalidade diminuiu nos bairros onde ele foi implementado", conta ela. "Também prejudicou o trabalho que tínhamos com crianças com dificuldade de aprendizado. Para trabalhar frustrada, preferi sair", diz.
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Queda livre
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“Se Estados e municípios investem 25% da arrecadação na educação, certamente a educação vai ser atingida em todos os níveis quando a arrecadação cai. Aqui no Amazonas, a arrecadação diminuiu 11%. A nossa economia é muito baseada na Zona Franca de Manaus, que sofre quando há a retração do consumo. Se diminui o poder de compra, as pessoas vão preferir pagar o aluguel e comer ou comprar televisão?”, explica Rossieli Soares da Silva, secretário estadual de Educação do Amazonas e vice-presidente do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed). “Nem na crise de 2009 tivemos diminuição no número de postos de trabalho. Neste primeiro trimestre tivemos não apenas isso como parada de produção. Tudo isso traz reflexos para o Estado.” Para mitigar os efeitos da queda da arrecadação, a secretaria refez a licitação de alguns serviços e diminuiu outros. “Fizemos coisas como deixar de capinar quatro, cinco vezes as escolas por ano, e vamos fazer três, duas. Estamos relicitando serviços com peso importante na folha, como vigilância e serviços gerais, para buscar no mercado quem faça o mesmo trabalho por menos”, explica. Mas, segundo ele, também houve a necessidade de reprogramar obras de novas escolas. “Temos obras que pararam em dezembro porque não veio recurso federal. Dez centros de educação de tempo integral inaugurariam no primeiro semestre, mas agora estamos reprogramando a abertura para o início do ano de 2016.” A meta seis do PNE prevê que os Estados e municípios ofereçam educação em tempo integral em pelo menos metade das escolas.
“O Plano Nacional de Educação foi discutido numa base de crescimento de financiamento e muito baseado nos recursos do pré-sal. O que vemos agora é desmoronar a queda do preço do barril do petróleo e é insustentável fazer a exploração com o preço atual”, afirma o secretário, em referência à lei aprovada em 2013 pela presidenta Dilma Rousseff (PT), que previa que metade dos recursos do pré-sal seriam destinados para a educação. “Não vamos conseguir cumprir as metas do PNE se não tivermos mais recursos. Como vou universalizar o atendimento no ensino médio até 2016 se a verba não aumentou?”
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Subfinanciada, área da saúde também terá menos verbas
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Maior investimento da União, a área da saúde, que já sofre com a falta de financiamento, também perdeu 11,77 bilhões de reais neste ano, valor quase exato ao que ganhou em emendas parlamentares quando o Orçamento foi votado no Congresso no início deste ano. Como não foram divulgados ainda quais programas serão os mais afetados, não é possível saber se a maior perda foi, de fato, nas propostas acrescentadas pelos deputados e senadores.
A área, foco das queixas mais recorrentes da população, terá 91,5 bilhões para investir. O valor deixou o Orçamento da área 3 bilhões de reais acima do mínimo constitucional obrigatório, formado pelo cálculo do valor empenhado no ano anterior mais a variação nominal do Produto Interno Bruto do país. O valor, entretanto, é considerado baixo para especialistas da área, que estimam que ao menos 50 bilhões a mais precisariam ser investidos.
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“O que é aplicado hoje é muito pouco. O volume dos recursos já não dá conta das demandas que o país tem. Qualquer corte é bastante problemático”, afirma Ronald dos Santos, coordenador nacional do Movimento Saúde Mais Dez, que reúne mais de cem entidades do setor e defende que o país gaste ao menos 10% das Receitas Correntes Brutas com o sistema. Entre 1995 e 2001, essa porcentagem chegava a 8,4%. De 2000 para 2009, caiu para 7,1% e, no ano passado, ficou em torno de 7,6%.
A proposta, entretanto, foi enterrada pelo Congresso, que aprovou há dois meses a Proposta de Emenda à Constituição do Orçamento Impositivo, que prevê que ao longo de cinco anos o Governo federal deverá que investir 15% da receita corrente líquida na área. No ano que vem, o valor chega a 14,1%. “Os cálculos que fizemos até agora mostram que essa nova regra trará um valor ainda inferior para a área”, completa o coordenador do movimento.
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