segunda-feira, 13 de abril de 2015

Escola está fora da rota de 172 mil jovens

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por Joana Suarez
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Com a morte do pai, Lorraine Stephanie, na época com 15 anos, precisou sair da escola para trabalhar e ajudar a mãe em casa. Luiz Eduardo Costa, 19, largou a sala de aula há dois anos para complementar a renda da família, que está reformando a casa. Com apenas 13 anos, Eduarda Stefany Gonçalves vê alguns jovens conquistando a independência financeira e planeja fazer o mesmo para juntar dinheiro para sua festa de 15 anos. Histórias diferentes mostram a mesma realidade: 27,5% dos mineiros de 15 a 17 anos não conseguem conciliar trabalho e estudo.

Ao todo, 172 mil adolescentes mineiros estão longe das salas de aula. Em todo o país, o número chega a 1,7 milhão. Eles são os “invisíveis” na demanda por uma vaga no ensino médio – e nesse universo a necessidade de trabalhar está entre as principais causas da evasão escolar. A redução das vagas no período noturno é mais uma das formas de exclusão.

“A relação com o trabalho diz respeito à sobrevivência e à possibilidade de menino viver sua juventude, porque ele quer comprar uma roupa, sair com a namorada. É a escola que tem que se adaptar à realidade dele, e não o contrário”, destaca o doutor em Educação Juarez Dayrell. 

Segundo ele, em 2008, uma grande pesquisa sobre os motivos de evasão escolar constatou a falta de interesse como fator de desistência do aluno à época. “Quando falamos isso, parece que o problema é o aluno, mas quando a gente se aproxima do cotidiano escolar, nós vemos que há um conjunto de fatores que produzem essa falta de interesse: a aula chata, o professor, a dificuldade, o cansaço do aluno que trabalha”, diz Dayrell.

“Cheguei à 8ª série com 13 anos e tomei três bombas por causa das amizades na rua. Aí, desisti da escola. Eu não escutava ninguém. Quando olho para trás, penso quanto tempo perdi. Já podia ter formado há cinco anos”, desabafa Cláudio Vinicius Santos, 21, que hoje tenta concluir o ensino médio na modalidade de Educação de Jovens e Adultos (EJA).

Há que frisar que a responsabilidade pela evasão não é apenas da escola. Professores em instituições inseridas em comunidades carentes e violentas perdem muitos alunos para o crime – aí incluído o tráfico de drogas – e para a prostituição. “Ele quer ter renda, mas não consegue emprego. Daí ele procura o dinheiro fácil”, conta um docente.
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Fonte: Jornal O TEMPO (MG)

sexta-feira, 10 de abril de 2015

Estado Mascarado



Por 
 
Sábado fui no Rio de Janeiro, no protesto contra as mortes no Morro do Alemão. Querendo falar e desisto. Desesperança completa. A sensação mais viva é de que nada disso vai ter fim.
 
Política de drogas hipócrita, mas não só hipócrita, afinal é exatíssima no intento porque lucrativa demais pra gente poderosa demais e morte de quem não tem dinheiro tá tudo certo pra esse esquema aterrador. O Estado mata, a imprensa diz ok, a sociedade diz amém e seguimos como se nada. E, ironias da vida, nunca se falou tanto em Deus.
 
Uma criança leva um tiro de fuzil na nuca, disparado por um policial, na porta de casa. Como dizia um cartaz na caminhada “tiro na cabeça não é despreparo”. Minha cabeça rodando, o corpo dói de tristeza, nojo da forma como a gente se organiza pra viver, pra que uns vivam e outros não.
 
Sol de outono gritando, às 10:30 da manhã de 4 de abril, na entrada da Grota, pé do Morro do Alemão. Um microfone ligado no ponto de táxi. Muita gente vai lá e fala de dores coletivas, em discurso emocionado, poesia, música, enquanto outros grafitam uma parede, outros observam, uns com cartazes, outros não, todos com rostos cúmplices da mesma ideia. Gente do morro e do lado de baixo também. Todo mundo era irmão de algum jeito ali e só ali. Uma força coesa que dava até a ilusão de vitória. São bonitos demais esses momentos. Gente pedindo a mesma coisa, mesmo com pontos de vista diferentes, discursos diferente às vezes: PAZ. Não uma paz subjetiva, mas um pedido muito concreto, pela dor ainda vivíssima das mortes das últimas décadas, últimos anos, meses, dias, mortes sem fim, incluindo a de Eduardo de Jesus.
 
Alguém falava no microfone “bala perdida” e alguém gritava de longe “bala achada!”, alguém gritava “fora rede Globo!” e alguém gritava de volta “é importante todas as TVs estarem aqui!”…
E fomos nós no solão…
 
Às vezes fecho os olhos enquanto vou devagar nessas turbas de andada, em protestos por isso e aquilo, nessa cidade e naquela outra e na outra de lá. Faço isso faz tempo e sempre que abro os olhos me pegam de jeito os olhares dos policiais. Os olhares deles dizem em que parte da cidade você está. Eles olham te dando segurança (ou achando que te dão isso) ou te inspirando medo e apenas medo.
Um carro de apelido Caveirão já é por si uma aberração. E dentro da caveira o Estado mascarado, armado até os dentes, fuzis pra fora das janelas, imponentes, lataria com tinta bonita, preto fosco, pneus robustos e ameaçadores. Pra quem mora ali normal. Não poderia ser. Mas é. Normal.
 
O inimigo é a população numa praça, chorando seus mortos.
 
A última andada que tinha ido por morte foi na Vila Sabrina, São Paulo, a de Douglas, morto por um PM porque ouvia som alto no carro. “Douglinhas”, cantavam os amigos, com foto dele na camiseta e também gritavam “Luciano, assassino! Luciano, assassino!” olhando nos olhos dos policiais que acompanhavam o trajeto. Douglas foi aquele que olhou pro policial que tinha acabado de dar um tiro no peito dele e perguntou “por que o senhor atirou em mim?”.
 
E, do mesmo jeito do Rio, um monte de mães com foto de filho assassinado.
 
Dói o motivo da andada e mais ainda os olhares da grande maioria dos policiais ali naquela quebrada e naquela outra ali também. Em Recife, São Paulo, Rio, Salvador…Nossas favelas, nossas Palestinas. Nosso Quênia.
 
Dias antes moradores já tinham descido, querendo justiça, dizendo não pra essas mortes, querendo liberdade, ir e vir, querendo poder celebrar, nas suas próprias casas, no seu próprio bairro e receberam do Estado bombas de gás .
 
Muitos não vão. Medo justíssimo. Outros querem ir e são impedidos. Alguém no microfone, pouco antes da saída, falou que tinha polícia lá em cima com gás de pimenta, impedindo muita gente de descer.
 
No protesto de Douglas alguém, acho que da Anistia, ou da Secretaria de Direitos Humanos, não lembro bem agora, me falou que Emicida ia falar logo mais e me pediu pra falar também. Não consegui. Digo aqui o que falaria lá se não estivesse com o juízo tão tremido.
 
Emicida falou que estava ali porque aquilo podia ter acontecido com ele. Isso me deu mais certeza de não ir lá falar nada. Mas tive vontade de dizer que estava ali porque não poderia ter acontecido comigo e que isso me doía tão fundo e mais fundo…Os dois motivos nos ligavam e isso era importante. Queria falar que nós todos precisávamos estar juntos, que essa era a minha certeza na vida. Precisamos estar juntos, é a única saída possível. Mas não, eu não falei nada disso ali.
 
O pai de Douglas falava “meu filho estava com documentos! Eu sempre falava, Douglas, levou a identidade? E ele sempre levava. A identidade e o cpf…ele era um menino trabalhador, responsável”.
Eu queria gritar enquanto ouvia aquilo! Gritar que qualquer pessoa podia andar sem documento, ser mal aluno, não ser trabalhador, ser farrista, dormir na rua, ouvir o som mais alto do bairro. Gritaria também, na cara do PM que me olhava feio, que nem fumar ou vender maconha, cheirar ou vender pó (pra gente de bairro rico cheirar tranquilo, pra políticos cheirarem tranquilos…)…que nada disso, absolutamente, poderia servir de argumento pra um policial matar ninguém. Mas, claro, eu não disse. Lógico que eu não disse!! E eu não poderia falar nada depois daquele pai. Nada. Meu grito foi pra dentro mesmo, onde ele deveria ficar. Tudo certo. Tudo errado.
 
Um fotógrafo falou “segura  a faixa ali junto com eles, pra eu registrar?”. Não fui. Só queria andar junto, gritar junto. Que eles aparecessem na foto com a dor deles e só deles, dor que eu apenas projeto, que eu apenas desconfio de como seja e nem me imagino suportando. Eu que já chorei meus mortos de outra guerra, em outros morros, de outro alemão…
 
Com Eduardo de novo a mesma coisa, “ele era um bom aluno, um menino de ouro…estava na porta de casa com um caderninho da escola”. Quero gritar de novo. Mas o que eu posso falar depois dessa mãe? Nada. Engole aí. Nova náusea.
 
Não tem fim. Não tem fim, inclusive, porque não é que estamos estagnados, estamos indo no sentido completamente inverso à solução. Vamos reprimir mais em vez de desmilitarizar. Vamos reduzir a maioridade penal, em vez de transformar essa política de drogas hedionda. Vamos botar mais polícia repressora em vez de escola, saúde e diversão pras crianças.
 
Em protesto na periferia a polícia te olha com fome. A polícia te dá medo, muito mais medo do que daquele lado onde se tem dinheiro. Sem falar nos lugares onde ela mete medo nenhum, muito pelo contrário, onde quem protesta tira selfie com policiais sorridentes, fazendo o legal com o dedão e emoji de coração.
 
Em protesto na perifa, irmão, caso você de lá não seja e lá nunca tenha ido e, logo, disso nunca tenha sabido na pele, a polícia te olha como uma infecção. Sim, tem exceção. Ela só não dá conta dessa demanda. Os que descem o morro pra protestar são heróis e heroínas, corajosos no limite. Olhar nos olhos de quem te rouba a naturalidade do dia a dia, a leveza na vida, no mínimo…ou um parente, amigo, vizinho, quando chega no seu máximo de eficiência é para os fortes, muito fortes (vale lembrar que alguns policiais filmavam tudo com celular). Sua festa você não vai poder fazer, mas alguém vai poder matar seu filho e isso vai gerar uma nota de jornal, ou matérias tratando o assunto como corriqueiro.
 
Parênteses pra lembrar que nesse mesmo dia teve entrega de ovos de Páscoa e de gibis pelos guerreiros do Voz da Comunidade. Coisa linda danada que eles fazem.
 
Um tiro de fuzil na nuca de uma criança no Leblon, em Copacabana…dado por um agente do Estado, geraria jornais inteiros por meses, novelas e longas metragem, leis seriam mudadas, quem sabe a polícia desmilitarizada, a família pararia o trânsito da cidade inteira e seria aplaudida por toda sociedade emocionada e generosa. Seria uma Páscoa lembrada como um 11 de Setembro. Flores, fontes e monumentos. Nome de rua mudado, instituto com o sobrenome da criança, altar monetado na praça, o nome do personagem da nova minissérie.
 
No Morro a família e vizinhos descem pra protestar e levam bomba de gás na cara. Sim, já sabemos. Sim, isso é praxe. O tiro de fuzil tratado como um acidente de percurso, uma fatalidade no combate a o que mesmo? Ao mal?
 
Tinha uma criança bebê, no colo da mãe, com um riso tão aceso e que todo mundo ali queria que continuasse a existir sempre, querendo só “é ser feliz, andar tranquilamente na favela onde eu nasci e poder me orgulhar…”. E essa música, a mais bonita de todas naquela quentura fastiosa, a poesia maior de todas, o maior fundamento de liberdade.
 
E aquela coisica pequena, tão linda e aquele olharzinho tão olharzão, que eu cruzava hora e outra, no meio da multidão e que me dava gotinhas de alegria nesse dia de Rio tão choro.
 
As crianças ali todas certeiras, completas de vontades, com cartazes fortes e seguros. Olhavam pras câmeras, rostos sérios, encarando qualquer coisa que essas câmeras (às vezes câmeras abutres…) tivessem a dizer, a corresponder, nem que fosse só com dor dividida, nem que fosse só com culpa.
 
Saí de lá me sentindo estranhamente culpada, cabeça abaixada, desmerecedora de qualquer coisa que eu já tenha, até de verdade, merecido. Isso também passa e depois dá até pra fazer música amena.
Com a dúvida se fazemos tão pouco porque somos impotentes no sistema ou se somos impotentes no sistema justamente por fazermos tão pouco.
 
E a vida passa.
 
E o Rio, que semana passada não me deixou dormir de cachaça, no Sábado de Aleluia não me dorme de tristeza.
 
P. S. Depois de tantas mortes, o governador Pezão deu a notícia que a PM vai ~reocupar~ o Alemão. “Vamos entrar mais fortes, fazer uma reocupação. Segurança continua sendo nossa política mãe”.
Segurança de quem, governador?
 
A mãe de quem?
 

Política X Economia

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Por Lúcio Alves de Barros*
 
Início de governo deve ser um inferno para as autoridades que através do voto conquistaram o poder. Inferno também é para aqueles que os colocaram por lá. Digo isto devido ao clima de ansiedade e insegurança social que tomou as pessoas desde as recentes mudanças governamentais. Na “calada da noite” a senhora presidente Dilma levou a efeito as propostas do novo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, o qual - como tecnocrata que é – observa somente os números e não as pessoas.

As propostas governamentais, não discutidas nas eleições, buscam a famigerada austeridade fiscal. Esta nada mais é do que a ação de cortar gastos no intuito de evitar o déficit público. Assim, em uma tacada só o governo decidiu por lotar os bolsos e propôs - dentre outras medidas - o retorno da contribuição de intervenção no domínio econômico (CIDE) sobre os combustíveis, o aumento de impostos sobre as operações financeiras (IOF), o aumento do PIS/Cofins sobre produtos importados, mudanças  no abono salarial, seguro-desemprego, auxílio doença e pensão de morte. As mudanças para uns são necessárias e para outros deve o Estado continuar da forma que está, dado que toda política de austeridade tem como pano de fundo o corte de benefícios e de direitos daqueles que tem menos. Contudo, a questão não é somente econômica e deve muito à política. Três pontos merecem destaque neste contexto:

Em primeiro lugar, é notório que a atual presidente se rendeu aos ditames liberais. Não o liberalismo político, mas o econômico baseado no capital, na meritocracia e na guarda daqueles que tem mais. Logo, a presidente mentiu em plena campanha eleitoral. De fato, ela manteve (até o momento) os programas sociais, mas eles contam muito pouco no PIB e logo se preocupou muito mais com os ventos internacionais do que as nossas fronteiras. Na trincheira de Brasília, a presidente jogou o pacote em nossas costas, explicou pouco, repetiu velhas receitas e agradou empresários locais e o mercado internacional.

Em segundo lugar, é claro que a presidente tinha que seguir este caminho. Depois de quatro anos sem controle nos gastos e com a corrupção à solta, não haveria outra forma senão a de apertar os cintos, seguir as regras do FMI e resguardar o apoio político. Não por acaso ela manteve os 39 ministérios e rifou todo o governo dentre os partidos aliados. Contraditória iniciativa, dado que muitos ministérios demandam mais dinheiro, sem falar da disputa entre eles e do vazio político que se forja diante da compra das lideranças.

Em terceiro e último lugar, é sempre bom tomar cuidado com o hiper-poder do executivo. Deputados e senadores no Brasil sempre esperam o executivo opinar. Somente depois ambas as casas tentam fazer algo que não seja uma CPI que termina arquivada. O fato é que o legislativo é omisso, covarde e longe da representatividade nacional. Podendo se locomover na máquina pública sem constrangimentos o executivo nada de braçada em um lago onde inexiste o tubarão da oposição. Sem controle externo, inclusive do judiciário, o novo e “velho” governo vende a ideia de credibilidade e honestidade tapando o sol com a peneira e tentando não afundar o barco.

O Brasil é isto: um lugar da insegurança generalizada. Entre e sai governo a sensação de que “alguma coisa vai acontecer agora” para tirar o sossego é certa. Os mais velhos passam a sofrer taquicardias, uma espécie de transtorno pós-traumático devido o transtorno Sarney, a síndrome Collor e o vírus FHC. Os jovens, uma geração morta e que vai para rua sem saber para onde ir, andam perdendo tempo, esperando acontecimentos, repetindo os erros dos pais e se entregando ao hedonismo sem medida. Mas está tudo bem, a política é para poucos e a ralé brasileira - apesar de “forte” - sabe que vai sobreviver, apesar dos custos da insegurança social, da saúde em frangalhos e da educação incapaz de conscientizar e auxiliar na emancipação humana.
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* Professor da UEMG / FAE/ campus BH e Doutor em Ciências Humanas pela UFMG.

Escolas em BH têm um caso de agressão por dia

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As escolas públicas (estaduais e municipais) e privadas de Belo Horizonte tiveram, em média, mais de uma ocorrência de agressão por dia em 2014. Entre janeiro e novembro, foram 372 registros, de acordo com o último levantamento da Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds). A violência nas escolas foi tema de audiência pública, ontem, na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).
 
O secretário-adjunto de Educação do Estado, Antônio Carlos Pereira, diz reconhecer o problema e que uma das metas do governo é aumentar o tempo dos alunos na escola, não somente por meio do reforço escolar, mas também com ações de incentivo à cultura, cidadania e respeito à diversidade. Segundo ele, os projetos de segurança devem abranger todas as escolas para gerarem resultado. “Política pública que não é pensada para o coletivo é marketing”, afirmou.
 
Outra iniciativa contra a violência nas escolas é da Polícia Militar (PM) que, segundo o assessor de policiamento escolar e prevenção às drogas, major Hudson Ferraz, vai passar a direcionar estratégias de prevenção também a estudantes do ensino médio, a partir do segundo semestre. “Era uma preocupação nossa atender não apenas crianças, mas também os jovens”, disse. Atualmente, o Programa Educacional de Resistência às Drogas (Proerd), da PM, se destina à educação infantil e ao ensino fundamental. Segundo o major, cerca de 3% do efetivo da corporação atua no policiamento escolar.
 
Para a presidente do Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais (Sind-UTE), Beatriz Cerqueira, cursos e palestras são importantes, mas é preciso mais. Ela sugere, por exemplo, a criação de um protocolo de atendimento aos professores agredidos, para que episódios de violência possam ser investigados. “A violência gera ao professor humilhação, adoecimento e até vontade de desistir da profissão”, disse.
 
É o caso de Rosalina Amaral, diretora da Escola Estadual Bolívar de Freitas, na região Norte da capital, que foi agredida na nuca por um tripé de metal, por um aluno de 15 anos, no último mês. Ela está passando por tratamento psicológico e tomando antidepressivos, além de sentir dor de cabeça com frequência. “Tem dia que não consigo sair da cama”.
 
Patrimônio
 
Ocorrências de agressão em instituições de ensino:
Em 2013 (de agosto a dezembro)*:
1.964 em Minas Gerais (392,8 por mês) e 232 em Belo Horizonte (46,4 por mês).
Em 2014 (de janeiro a novembro):  3.374 em Minas Gerais (281 por mês), e 372 na capital (33,8 por mês).

*A Seds passou a registrar a partir de agosto de 2013.
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Fonte: Jornal O TEMPO

Só 0,37% dos adolescentes detidos chegou ao 3º ano do ensino médio

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Por Juliana Baeta

Uma análise do balanço divulgado pelo Centro Integrado de Atendimento ao Adolescente Autor de Ato Infracional de Belo Horizonte (CIA-BH), em relação aos adolescentes detidos no ano passado, mostra a possível relação entre o índice de criminalidade de adolescentes e a falta de acesso a educação.
 
Dos quase 10 mil adolescentes detidos na CIA-BH em 2014, apenas 0,37% chegou ao 3º ano do Ensino Médio. Por outro lado, mais de 72% não informou se estuda ou se está na escola.
 
O balanço é lançado no mesmo momento em que a discussão que tem tomado conta das notícias e também na Câmara dos Deputados é a redução da maioridade penal, de 18 anos para 16.
 
O argumento dos parlamentares que são a favor da redução, é que os adolescentes são mais propensos a cometer crimes violentos quando sabem que ficarão “impunes”. No entanto, o balanço da CIA-BH mostra que, dos 9.106 adolescentes que deram entrada na instituição em 2014, apenas 0,47% cometeram homicídio e 0,51% foram detidos por estupro, considerados crimes violentos.
 
O advogado e professor de Direito Constitucional da Fundação Dom Cabral Cláudio Pinho, explica que quando o adolescente comete ato infracional, ele é levado para a delegacia do mesmo jeito que um adulto que comete um crime. “A diferença é que se um maior, no caso os pais ou responsáveis por ele, comparecerem à delegacia, ele é liberado. Em casos de ninguém buscar esse menor ou de ele ser realmente condenado a alguns meses de reclusão, ele vai para um centro de menor infrator, mas ao fazer 18 anos, ele é novamente colocado na rua. Com isso, você acaba criando uma fábrica de criminosos”, diz.
 
 
Superlotação
 
Na última quarta-feira (8) foi instalada uma comissão especial na Câmara dos Deputados para discutir o tema. No mesmo dia, o presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ) sinalizou que a redução da responsabilização penal “parece ter grande aceitação na maioria do Parlamento”.
 
Enquanto isso, o sistema prisional de Minas Gerais enfrenta problemas de superlotação, que já causaram medidas como a proibição da entrada de novos detentos no Centro de Remanejamento do Sistema Prisional (Ceresp) Gameleira e a interdição de presídios em Ribeirão das Neves. Na noite da última terça-feira (7), por exemplo, 18 presos que foram levados ao presídio de Sabará, dormiram no chão do pátio, ao invés de irem para as celas.
 
“Existem prós e contras sobre a questão da redução da maioridade penal. Um dos contras é que o nosso sistema prisional já é precário e com problemas de superlotação. Talvez, uma solução, não só para menores, mas para os presidiários comuns, é o encarceramento mínimo, que é uma tendência moderna no Direito Penal. Estabelecer penas alternativas como elemento de ressocialização pode ser uma boa saída para o problema da superlotação e também para a saída desse preso da criminalidade. Encarcerado na prisão, sem fazer nada, não há muita chance de ressocialização. Como diz o ditado, ‘cabeça vazia, oficina do diabo’”, conclui o especialista.
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Fonte: Jornal O Tempo (MG)
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OBS: País complicado de viver e cada palavra em favor da diminuição da maioridade penal me enoja por saber que poucos - poucos mesmo - não percebem que estamos neganto a obrigatória proteção da vida das crianças e dos adolescentes. Não é possível que criamos pessoas que não acreditam na capacidade de regeneração do menores. Perdemos a capacidade de amar o outro em um país que se diz cristão (chegou a receber o Papa) e que, de quebra, já possui uma lei - o ECA - que penaliza criminosamente o menor. Essa guinada conservadora rumo ao Estado Penal é perigosa e em democracias jovens matam mais jovens. (LAB)

Uma triste nulidade

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Fábio Konder Comparato*
 
Uma triste nulidade
 
É impossível decifrar os objetivos atuais do Partido dos Trabalhadores
 
Hipócrates, o Pai da Medicina, denominou krisis o momento preciso em que o olhar experiente do médico observa uma mudança súbita no estado do paciente, o instante em que se declaram nitidamente os sintomas da moléstia, ensejando o diagnóstico e o prognóstico.
 
Seremos capazes de fazer um juízo hipocrático da recente piora apresentada no estado mórbido, no qual se encontra, há muito tempo, a vida política brasileira? Creio que o diagnóstico deve ser feito em razão da realidade substancial de nossa sociedade, caracterizada pela estrutura de poder e pela mentalidade coletiva predominante.
 
No Brasil, desde os tempos coloniais, o poder supremo sempre pertenceu a dois grupos intimamente associados: os potentados privados e os grandes agentes estatais. Cada um deles exerce um poder ao mesmo tempo, em seu próprio benefício e complementar ao do outro. Os agentes do Estado dispõem da competência oficial de mando. Os potentados privados, da dominação econômica, agora acrescida do poder ideológico, com base no controle dos principais veículos de comunicação de massa.
 
Trata-se da essência do regime capitalista, pois, como bem advertiu o grande historiador francês Fernand Braudel, “o capitalismo só triunfa quando se alia ao Estado; quando é o Estado”. Quanto à mentalidade coletiva predominante, isso é, o conjunto das convicções e preferências valorativas que influenciam decisivamente o comportamento social, ela foi entre nós moldada por quase quatro séculos de escravidão legal.
 
Essa herança maldita acarretou, em ambos os grupos soberanos acima nomeados, um status de completa irresponsabilidade política, pois desde sempre eles se acharam, tais como os senhores de escravos, superiores à lei e isentos de todo controle. De onde o fato de a corrupção, nas altas esferas do poder público e no setor paraestatal, ter sido até agora tacitamente aceita como costume consolidado e irreformável.
 
Quanto às classes pobres, o longo passado escravocrata nelas inculcou uma atitude de permanente submissão. O pobre não quer exercer poder algum, prefere, antes, ser bem tratado pelos poderosos. Na verdade, o conjunto dos pobres jamais teve consciência dos seus direitos, por eles confundidos com favores recebidos dos que mandam.
 
No tocante à classe média, seus integrantes procuram em regra atuar como clientes dos grandes empresários, proclamando-se, a todo o tempo, defensores da lei e da ordem. Eles sempre desprezaram a classe pobre, ou temeram sua ascensão na escala social.
 
Para completar esse triste quadro, e seguindo a velha prática do mundo capitalista, nossos grupos dominantes aqui forjaram, desde o início, uma duplicidade de ordenamentos jurídicos: o oficial e o real. No Brasil colônia, as ordenações do rei de Portugal mereciam respeito, mas não obediência. O direito efetivo era o que os administradores oriundos da metrópole combinavam com os senhores de engenho e grandes fazendeiros. A partir da Independência, as Constituições aqui promulgadas seguiram o modelo dos países culturalmente adiantados, para melhor dissimular a primitiva realidade oligárquica, vigorante na prática.
 
A Constituição de 1988 não faz exceção à regra. Ela declara solenemente, logo em seu primeiro artigo, que “todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos, ou diretamente”. Na prática, os ditos representantes do povo são eleitos, em sua quase totalidade, mediante financiamento empresarial. E o Congresso Nacional dispõe de competência exclusiva para “autorizar referendo e convocar plebiscito” (art. 49, inciso XV). Ou seja, o povo não exerce poder algum, nem direta nem indiretamente. Ele é simples figurante no teatro político.
 
Acontece que no centro da organização oficial do Estado brasileiro acha-se o seu chefe, isto é, o presidente da República. É de sua habilidade pessoal que depende o funcionamento, sem sobressaltos, desse sistema político de dupla face. Cabe-lhe manter, sob a aparência de respeito à Constituição e às leis, um bom relacionamento com os soberanos de fato, sem esquecer de agradar ao “povão”, dispensando-lhe módicas benesses.
 
Foi o que fez brilhantemente Lula durante oito anos. E é o que Dilma, por patente inabilidade, revelou-se incapaz de compreender e realizar, numa fase de prolongado desfalecimento da economia, no Brasil e no mundo. Ela entrou em choque com o Congresso Nacional, desconsiderou o Supremo Tribunal Federal (até hoje não nomeou o sucessor do Ministro Joaquim Barbosa, aposentado em 31 de julho de 2014) e acabou por se indispor com o empresariado, a baixa classe média e até a classe pobre, ao implementar a política de ajuste fiscal.
 
E o PT no bojo dessa crise?
 
Ele revelou-se uma triste nulidade política, decepcionando todos os que, como eu, se entusiasmaram com a sua fundação, em 1980. A nulidade é bem demonstrada pela leitura de seu atual estatuto, aprovado em 2013. Nele, por incrível que pareça, não há uma só palavra, ainda que de simples retórica, sobre os objetivos do partido. Todo o seu conteúdo diz respeito à organização interna, à qual, aliás, pode ser adotada por qualquer outra legenda.
 
Se esse diagnóstico é acertado, o que se há de fazer não é simplesmente aliviar a crise, mas atacar as causas profundas da moléstia.
 
Para tanto, a via cirúrgica, do tipo impeachment da presidenta ou golpe militar, não só é ineficaz como deletéria.
 
O que nos compete é iniciar desde logo a terapêutica adequada, consistente em quebrar a soberania oligárquica e reformar nossa mentalidade coletiva. Tudo à luz dos princípios da República (supremacia do bem comum do povo sobre os interesses particulares), da democracia autêntica (soberania do povo, fundada em crescente igualdade social), e do Estado de Direito, com o controle institucional de todos os poderes, inclusive o do povo soberano.
 
Bem sei que se trata de caminho longo e difícil. Não se pode esquecer que na vida política o essencial é fixar um objetivo claro para o bem da comunidade, e lutar por ele. Não é deixar as coisas como estão, para ver como ficam.
 
Fábio Konder Comparato é jurista e professor emérito da USP
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