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Para Sandra
Durães com paciência
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Lúcio Alves de
Barros*
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Gostaria
de utilizar este espaço para falar um pouco de minha condição como portador do
vírus da dengue. Quem já passou por ele certamente não vai ver muitas coisas
novas por aqui, mas quem não passou, torço para não passar. O mosquito Aedes aegypti é um veneno, um tormento,
um destruidor de lares, bares e atividades mil. A praga é invejável em força e capacidade
de destruição. Todo cuidado com ele é pouco. E vou me ater aqui a somente
algumas considerações que acho relevantes, pois são tantas que não exagero em
dizer que o tronco comum de sintomas não chega perto do que o mosquito é capaz.
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Primeiramente,
é difícil acreditar que pode se estar com a dengue. Os médicos gostam de dizer
que se trata de uma infecção assintomática, mas quando aparecem as mudanças no
corpo e no espírito variam de febre alta (39° a 40°), dor de cabeça à prostração,
dores musculares nos braços, pernas e no pescoço. Além disso, é insuportável a
dor nos olhos, principalmente quando movimentamos as retinas para o lado
direito ou esquerdo. Dentro da cabeça algumas coisas parecem soltas e pelo
corpo uma vermelhidão (exantema) que
somente o outro tem a capacidade de enxergar. Um calor insuportável sobe pelas
pernas e toma todo o resto e as diarreias são fortes e não aparecem sem dores
abdominais. Uma sonolência sem fim e uma apatia de morte arrebenta o corpo já
debilitado. E tudo indica que um “Alien” vai sair de sua barriga a qualquer momento.
Esses são alguns dos sintomas que me tomaram de jeito e passo para o segundo
ponto.
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É
incrível a falta de paciência que nos toma. Um espirro, um telefone que toca, uma
conversa ao lado, um lápis que cai, um zumbido, um chamado já são o bastante
para você desejar a morte. Não estou exagerando. Uma amiga reclamou e acertou
em cheio quando se referiu à “coceira de arrebentar”. Vejam o que ela disse: “sinceramente
é inacreditável como um mosquitinho tão pequenininho consegue derrubar a gente
dessa forma. Fiquei internada dois dias no BIOCOR e falo com todos (que) foi um
pterodátilo que me atacou (risos)”. Longe do humor, vaticinou: “Sem querer te
desanimar quando você pensar que esta melhorando irá começar a coçar... aí sim,
você pede para morrer. Coça da cabeça ao dedinho do pé, 24 horas (principalmente
à noite), nada nessa vida alivia a coceira (os primeiros cinco dias são piores
depois vai aliviando). Coça em cima da unha, coça o fio de cabelo, até o dente
coça (é algo inacreditável, de perder a paciência)”. A verdade nua e crua de
minha amiga, entretanto, me trouxe até conforto porque achava que a doença só
agia desta forma em mim. Não, ela é violenta, amarga, terrível e mata. Os médicos
apontam para a existência de 4 tipos diferentes do vírus da doença e todos
podem aparecer de diferentes formas, inclusive, como dengue hemorrágica que pode
levar à morte.
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Um
terceiro ponto que vale tocar é a prostração física e psíquica que aparece de uma
hora para outra. No início é só cama, depois você ainda levanta para algumas
coisas, mas o que arrebenta o doente é a potente sensação de fragilidade. A
dengue nos lembra da humanidade. O Aedes
aegypti nos reduz à insignificância. Sua força e capacidade de jogar o
outro para qualquer canto é desproporcional ao seu tamanho. A dor psíquica é latente
e a corporal é manifesta que, inclusive, valeu alguns conselhos de minha amiga:
“Três conselhos: 1) - Peça a namorada, sobrinho, amigos para manterem uma distância
razoável. (A gente não consegue sequer ouvir vozes); 2) - Não fique longe de um
banheiro. Quando achar que está melhorando a dor de barriga volta com força
total e ai... (risos); 3 - Quando entrava em desespero devido à coceira e não
conseguia dormir colocava uma cadeira de plástico debaixo do chuveiro e ficava
sentada lá esperando um milagre divino (risos)”. Esta verdade ainda recebe
novas tinturas porque o paracetamol é paliativo. Tomar muita água ajuda, mas
não tem outro jeito, pois a coisa lhe toma por mais de 10 dias. Desconheço a
literatura médica, mas os médicos me falaram em 05 e 07 dias. Não é verdade, a
coisa tem maiores proporções. São no mínimo 15 dias de sofrimento que você não
consegue decifrar. Por vezes se tem vontade de chorar. Dói tudo e tudo está
meio tenso, desorganizado, desengonçado. Creio que até este texto esteja
também. Ele é fruto do desabado e das dores que invadem minha alma. A dengue te
deixa desinteressado do mundo. Perdem-se as referências: você quer ler e não
consegue, as letras tremem e embolam; quer ver filmes e TV, mas é impossível
porque não se é capaz de manter a atenção; quer estudar, mas não guarda nem a
primeira palavra e o primeiro conceito; quer ir trabalhar e tem medo. Não se
sabe o que fazer. E como a paciência é pouca vou terminando por aqui.
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Finalizo
pedindo paciência para os patrões que perdem os seus funcionários. A coisa é
feia mesmo e ninguém inventa sintomas nessa doença. Não tem saída, o mosquito
contaminado derruba mesmo. Também peço paciência aos amigos e colegas que não
tiveram a doença porque inimigos se fazem neste período. Atendentes e médicos tenham
mais paciência porque a fragilidade é tanta que deveria existir camas de espera
em ambulatórios, clínicas e hospitais. Por último, paciência ao Aedes aegypti que sabe que é no mínimo vergonhoso
que uma doença como esta tenha lugar em um país que se diz desenvolvido. Sabemos
que os Aedes aegypti se propaga
rapidamente em água parada, por vezes dentro de casa e em locais nos quais o
descuido é a regra. Paciência senhor mosquito porque o nosso povo é doente, inconsequente
e mal educado e lhe favorece no transporte da dengue e
outras doenças de arrepiar até o novo Papa. Ah, obrigado por mostrar minha
fragilidade e por ser democrático, pois ao contrário de nossa economia o senhor
está bem distribuído.
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*Professor na FAE (Faculdade de Educação) na UEMG (Universidade do
Estado de Minas Gerais)
Doutor Lúcio Barros
ResponderExcluirSua descrição é esclarecedora e fidedigna.
São muito relevantes suas palavras, que ao mesmo tempo em que se faz uso do seu bom humor, nós chama atenção para os transtornos existentes em nosso país e principalmente no nosso meio.
Obrigada por compartilhar de um texto original.
Abraços.
Michelle Muniz Trillo Rodriguez