terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Colégios contratam seguro contra o 'bullying'

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RIO - As escolas parecem ter uma nova preocupação em relação ao bullying: além de educar seus alunos para evitar esse tipo de violência física ou psicológica, as instituições de ensino agora querem se proteger de possíveis prejuízos financeiros causados por ações na Justiça movidas por famílias de vítimas. Vinte colégios já contrataram um seguro contra bullying, criado há quatro meses pela Ace Seguradora.

— O novo Código Civil entende que o colégio é responsável pela reparação civil de seus estudantes. Nosso objetivo é dar proteção ao patrimônio das instituições — explica Rodrigo Granetto, chefe de Responsabilidade Civil Profissional da Ace.
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O seguro pode ser contratado por universidades, colégios, escolas de idiomas, entre outros tipos de instituições de ensino. O dinheiro pode ser usado para garantir recursos financeiros na defesa jurídica de funcionários e também no pagamento de indenizações estabelecidas pela Justiça às vítimas em casos de bullying. A Ace não revela os nomes das escolas que fizeram o seguro.

Prêmio começa em R$ 100 mil e pode chegar a milhões

 De acordo com Granetto, o valor mínimo a ser pago ao segurado fica em torno de de R$ 100 mil, mas pode chegar a milhões de reais, dependendo do porte da escola, do perfil de seus estudantes e do valor escolhido pela instituição.

Mãe de uma vítima de bullying, Ellen Bianconi move uma ação contra o Colégio Nossa Senhora da Piedade, no Encantado. Até agora a indenização estabelecida é de R$ 100 mil, mas a escola apelou. Ela não aprova a ideia do seguro:

— Minha filha teve o cabelo cortado e foi agredida por três alunos. Eu já havia conversado com as professoras e a diretora sobre as agressões verbais, mas alegaram que não podiam fazer nada. Se fossem bem preparadas para lidar com o tema, nada disso teria acontecido. O seguro só deixa a instituição numa posição confortável, mas não vai mudar nada — opina Ellen.

A longo prazo, a Ace Seguradora quer mais do que vender apólices às instituições. O plano é criar um banco de dados sobre a ocorrência de violência nas escolas para ajudar os segurados com informações sobre os melhores procedimentos para combater o bullying.

— Com isso, vamos evitar as ações na Justiça, que podem obrigar o fechamento de escolas, que, com condenações recorrentes, ficarão com imagem arranhada — diz Granetto.

O próprio presidente do Sindicato dos Estabelecimentos de Educação Básica do Município do Rio de Janeiro (Sinepe Rio), Victor Nótrica, reconhece que a falta de conhecimento sobre o problema é uma das maiores falhas das escolas. Para ele, o seguro pode ser útil, mas a prevenção é mais eficaz.

— Se eu fosse proprietário de uma escola, não contrataria o seguro de jeito nenhum. Acho a melhor usar o dinheiro para investir na reeducação de alunos, na capacitação de professores e na aproximação dos pais com os colégios — comenta.

Granetto rebate esse tipo de crítica explicando que o seguro não foi criado como uma solução para a violência nas escolas.

— O seguro não tem a intenção de resolver o problema. É apenas uma das medidas a serem adotadas nas instituições. Deve haver treinamento de funcionários e professores e campanhas de conscientização dos estudantes, além da criação de um ambiente favorável ao diálogo nas escolas.

Segundo a Frente Parlamentar de Combate ao Bullying da Câmara dos Deputados, os números apontam que 45% de jovens se envolvem com o problema, seja como vítima ou agressor.

No Rio, uma lei de setembro de 2010 obriga professores e funcionários de escolas a denunciar violência contra estudantes a delegacias e conselhos tutelares, caso contrário o colégio poderia ser multado. Até hoje, no entanto, nenhuma escola foi condenada a pagar de três a 20 salários mínimos por não cumprir a regra.

Vítima tem pesadelos e precisa de psiquiatra

 Para Nótrica, a solução não é punir a escola. Ele, inclusive, faz críticas ao Código Civil, que responsabiliza os colégios por esse tipo de violência:

— A escola não deve ser condenada nos casos de bullying, mas, sim, o autor. O bullying pode acontecer em todo lugar — comenta o presidente do Sinepe Rio.

Ellen Bianconi discorda. Ela conta que a filha de 15 anos ficou traumatizada com o bullying e responsabiliza a escola. A mãe criou um blog para tratar do tema: http://bullyingnaoebrincadeiradcrianca.blogspot.com.

— Até hoje minha filha é acompanhada por um psiquiatra. Ela tem pesadelos e precisa tomar medicação para dormir. Minha luta é para que outras mães não passem pelo que passei. No blog, recebo uns 20 pedidos de ajuda de pais por mês.

Homofobia é tabu em sala de aula

Capacitação de professores e nova abordagem do tema, relacionando-o com ciências humanas, são necessárias para que o problema seja repensado

Fonte: Gazeta do Povo (PR)

Atos de homofobia por discriminação ou violência são uma realidade em salas de aula, o que reforça a importância de debates sobre a diversidade sexual nas escolas. O problema é que muitas vezes faltam capacitação e preparo para o profissional de Educação lidar com um assunto que já não é novidade, mas que para muitos continua um tabu.

A dificuldade de discutir a violência contra homossexuais em instituições de ensino foi objeto de estudo da tese de doutorado “O silêncio está gritando: a homofobia no ambiente escolar”, defendida recentemente pelo presidente da Associação Brasileira de Lés­­bicas, Gays, Travestis e Tran­se­xuais (ABGLT), Toni Reis, na Uni­versidad de la Empresa de Mon­tevidéu, no Uruguai.

Reis fez uma pesquisa qualitativa em quatro escolas de Curitiba que mostrou que há homofobia no sistema de ensino.

O acompanhamento de discussões em grupos de estudantes e professores e entrevistas com responsáveis pelas escolas levaram à conclusão de que há políticas públicas para lidar com a questão, mas elas não são colocadas em prática. “Falta formação e falta discussão sobre o tema. Os professores não têm uma Educação continuada e se sentem inseguros para lidar com a situação”, conta Reis.

Professora do Núcleo de Edu­ca­­ção da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Araci Asinelli da Luz considera que as escolas não têm trabalhado a sexualidade. “O que a escola faz é trazer a questão somente quando o problema aparece e mostra como ela não sabe lidar com o problema.”

Para ela, há ausência de políticas públicas claras para as salas de aula. “O desconhecimento é uma maneira das pessoas lidarem com a questão. Não ver ou não querer ver resolve o problema porque ele vai embora”, afirma.

Nova abordagem
O psiquiatra Lincoln César An­­drade, especialista em sexualidade humana, afirma que os professores precisam ter contato com seu próprio preconceito para poderem trabalhar o tema com os alunos. Andrade explica que para que o professor vivencie o assunto, o ideal é que o trabalho seja feito em grupo para que o docente se coloque no lugar do aluno que sofre a homofobia e veja como é agressivo ter de esconder sua orientação sexual.

Os especialistas concordam que a abordagem sobre a homossexualidade na escola não é a mais adequada. Para eles, o tema não devia estar ligado às áreas de Saúde e Biologia. “Esse é um tema de Direitos Humanos. As pessoas têm que ser respeitadas. É preciso fazer valer isso no cotidiano e aceitar a diversidade como nossa realidade”, explica Araci.

A Secretaria Municipal da Educação de Curitiba (SME) tem um plano de ação que irá tratar da homofobia em outros campos. A previsão é de que o projeto seja implantado ainda no primeiro semestre deste ano.

“Geralmente, se trabalha o assunto na aula de Ciências. Não queremos que ele seja estritamente biológico, mas também histórico, social e cultural”, explica Elaine Beatriz de Oliveira Smyl, coordenadora de Educação para as Relações Étnicorracias e de Gênero da SME.

Reis, que viveu e vive a homofobia no seu cotidiano, concorda que a nova abordagem é necessária. “Parece óbvio que a homossexualidade deve ser tratada como direito humano. Eu, com 47 anos, especialização, mestrado, sempre achava que devia estudar o tema para as pessoas me respeitarem”, conta.

“Mas, não. O respeito tem que ser para com o ser humano, não importando outras coisas. Não precisa saber o que faz a pessoa ser homossexual; isso já carrega um preconceito. O que precisa é respeito”, completa Reis.

Após polêmica, MEC engaveta projeto
Suspensos desde maio do ano passado, os kits do projeto “Escola sem Homofobia” não têm prazo para chegar às salas de aula. Com a recente posse de Aloizio Mercadante como ministro da Educação, o ministério (MEC) não sabe como fica a situação do polêmico kit.

Composto por um guia para professores do ensino médio e três vídeos para serem passados em sala de aula, o kit gerou polêmica na bancada religiosa do Con­­­gresso e chegou a ser chamado por alguns de “kit gay”. Para a professora do Núcleo de Educação da UFPR, Araci Asinelli da Luz, o nome dado já é preconceituoso. “Quando se coloca um estigma desses, o preconceito da sociedade vem junto, como se o assunto tivesse que ser engolido goela abaixo.”

Araci destaca que o kit serve como medida de emergência. “Há necessidade de abordagem imediata, de um material de apoio que dê conta de corrigir alguns conceitos. A discussão está chegando na escola e os professores precisam ter uma referência”, diz.

O presidente da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Tra­­vestis e Transexuais, Toni Reis, afirma que falta material didático para os professores trabalharem a questão. “Vamos ter que desenterrar esse material suspenso. Esperamos sensibilizar a presidente [Dilma Rousseff] para que cada município e estado tenha acesso a esse material.”

Para os dois, a resistência de alguns setores da sociedade ao tema dificulta a existência do kit. “Como o tema é polêmico, tentaram colocar uma dúvida sobre o material para tentar quebrar a confiabilidade dele. Ele precisava de revisões, mas já testei com alguns alunos de ensino médio e é um começo”, conta Araci.

Proibições
Reis também lembra que a suspensão do kit abriu precedente. “Em alguns lugares [como São José dos Campos, em São Paulo] surgiram projetos de lei que proíbem a discussão da diversidade sexual nas escolas”, lamenta.
Políticas públicas
Apesar de pouco abordado nas escolas, o combate à homofobia tem a ajuda de algumas políticas públicas. Veja quais são os programas da Secretaria de Estado da Educação:

Nome Social
Para estudantes travestis ou transexuais, acima dos 18 anos, o espelho do livro de registro de classe, o boletim e o edital de notas são redigidos com o nome social. As declarações e o histórico escolar ainda são feitos com o nome civil. No caso de profissionais da Educação, o nome social também é respeitado.

Encontro Estadual de Educação LGBT
O encontro promove o diálogo entre os educadores para torná-los qualificados para lidar com as diferentes temáticas referentes à homofobia. O evento é necessário, pois, com as diversas práticas discriminatórias, as crianças que sofrem diretamente com elas acabam desistindo dos estudos.

Saúde e Prevenção nas Escolas
Os cursos visam formar professores e profissionais da saúde para lidar com a promoção e a prevenção da saúde entre adolescentes e jovens. Entre os assuntos abordados estão conteúdos de gênero, diversidade sexual e direitos sexuais.

Protagonismo Juvenil
O programa procura desenvolver a Educação entre os alunos de escolas estaduais. São discutidos temas como uso de drogas, maternidade e paternidade responsável, racismo, gênero e diversidade sexual e prevenção de doenças sexualmente transmissíveis.

domingo, 29 de janeiro de 2012

CARTA do combativo professor Euler

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Blog comenta carta do governo para os pais de alunos
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O governo preparou uma carta para os pais ou responsáveis pelos estudantes. E obviamente que nós devemos dar a nossa versão sobre as afirmações do governo. Assim, vamos comentar o texto da carta do governo. A fonte cinza, é do texto do governo; a fonte vermelha, é o nosso comentário. Vamos lá?
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Belo Horizonte, 28 de dezembro de 2011

Cara Mãe, Pai ou Responsável,

É com alegria que nos dirigimos a vocês no inicio desse novo ano escolar. Temos muitas boas notícias para dividir com vocês.

Comentário: Com alegria? Boas notícias? Hummm, vamos saber os motivos desta euforia toda do governo.

No final do ano passado, avaliação realizada em todo o Estado comprovou que continua aumentando o número de crianças mineiras que leem e escrevem corretamente aos oito anos de idade. Já são 88,9% os alunos que dominam a leitura e a escrita. Este é um número muito bom. Mas só estaremos felizes quando atingirmos a meta de 100%. E os alunos mais velhos das escolas públicas de Minas continuam sendo avaliados nas primeiras posições nos exames nacionais.

Comentário: não dá para levar a sério estes resultados estatísticos do governo. Um número muito expressivo de alunos, quando chega nos anos finais do ensino fundamental, mal sabe ler ou escrever. E a culpa não é dos alunos. É do sistema, e dos governos, como o de Minas Gerais, que não investe adequadamente na Educação pública, na formação continuada do professor, na valorização dos profissionais da Educação, e nas condições adequadas de trabalho. Fazem muita propaganda, mas investem pouco na Educação e nas demais áreas sociais.

Tudo isso mostra o esforço dos professores, da comunidade escolar e, é claro, de nossos alunos e de seus familiares.

Comentário: os professores e demais educadores de fato se esforçam muito, mas se encontram desmotivados por conta das políticas deste governo, que corta direitos e não aplica as leis voltadas para a valorização dos profissionais da Educação.

Queremos ainda prestar alguns esclarecimentos sobre as paralisações de professores que ocorreram nos últimos anos e que, infelizmente, por mais que tenhamos tentado evitar, trouxeram transtornos não somente para o aprendizado dos alunos, mas, também, para a rotina familiar. Infelizmente, muitas informações falsas foram divulgadas sobre as razões que levaram às paralisações.

Comentário: O único ou principal culpado pela realização das greves tem sido o próprio governo, que aplicou uma política de arrocho salarial contra os educadores, cortou e reduziu os nossos salários, e fez aprovar uma lei estadual que destrói o plano de carreira dos profissionais da Educação de Minas. Ao invés de cumprir a lei federal 11.738/2008 e pagar o piso salarial nacional para os profissionais do magistério, o governo burlou a lei e alterou as regras do jogo para não investir o que a lei mandava investir. Por isso realizamos a greve: para cobrar um direito constitucional, que o governo se recusou e se recusa a cumprir, causando sérios prejuízos aos profissionais da Educação e aos alunos e pais de alunos, que são vítimas, também, da política do governo. Se tivesse cumprido a lei, não haveria greve. O governo foi, portanto, o principal responsável pelas paralisações.

Mas, compreendendo que a realidade da escola interessa a toda a sociedade, tomamos a liberdade de dividir com vocês algumas informações sobre o esforço que vem sendo feito pelo governo do Estado para melhorar a remuneração dos professores de Minas.

No final de 2011, a Assembleia Legislativa aprovou o projeto que cria um novo modelo de remuneração para os profissionais da educação, e garante vantagens para o professor e para a sociedade. O modelo assegura que todos os profissionais que têm direito ao piso nacional recebam salários acima do que é estabelecido pelo Ministério da Educação. Os professores da rede estadual de ensino com licenciatura plena ganham, no mínimo, R$ 1.320,00 para uma jornada de 24 horas semanais. A Lei do Piso Salarial Nacional estabelece o piso de R$1.187,00 para 40 horas semanais e define a proporcionalidade conforme a jornada de trabalho, por isso o valor pago aos professores em Minas é, proporcionalmente, 85% superior ao piso nacional.

Comentário: nesta passagem do texto, o governo falta com a verdade do começo ao fim. Vamos analisar ponto por ponto: a) o governo diz que a ALMG votou uma lei que trouxe vantagens para os professores com direito ao piso. Mentira. A Lei aprovada pelo legislativo de Minas criou o subsídio (remuneração total), que retira vantagens, confiscando os direitos adquiridos pelos professores, como quinquênios, biênios, pó de giz, entre outras gratificações. Além disso, o governo reduziu os percentuais de promoção (de 22% para 10%) que ocorre a cada cinco anos, e de progressão na carreira (de 3% para 2,5%), que ocorre a cada dois anos. Como se não bastasse, a referida lei congelou a carreira dos educadores até 2016, cancelando qualquer avanço na carreira; b) o governo diz ainda que paga, através desta lei estadual, um valor acima do que manda a Lei do Piso, chegando a citar um espalhafatoso índice de 85% a mais do que manda a lei federal. Contudo, a realidade é outra, e faz-se necessário explicar resumidamente o que é o piso salarial e o que o governo fez para não pagá-lo aos profissionais de Minas.

Vamos começar dizendo que o governo desinforma a população sobre os conceitos de piso e subsídio. Piso é vencimento básico, enquanto subsídio é soma total de salário, remuneração total. Logo, não se pode comparar estes dois conceitos, como grosseiramente faz o governo, usando de má fé, inclusive, já que as pessoas não envolvidas desconhecem essa realidade.

O piso salarial nacional dos profissionais do magistério consta da Constituição Federal, aprovada em 1988. Vinte anos depois, em 2008, o inciso VIII do artigo 206 da Carta Magna, que previa a criação do piso, foi regulamentado e instituído pela lei federal 11.738/2008. Esta lei estabelece claramente que: 1) o piso é o salário inicial, vencimento básico, sobre o qual devem ser aplicadas as gratificações adquiridas pelos educadores. O que fez o governo de Minas, espertamente? Ao invés de adaptar o vencimento básico existente no estado - que é o pior do Brasil -, ao valor do piso salarial nacional, e sobre este novo valor aplicar as gratificações, o governo simplesmente somou o vencimento básico e as gratificações e disse que este valor somado é maior do que o valor do piso. Ou seja, o governo aplicou um calote nos educadores de Minas.

É como se você, caro pai ou mãe de aluno, recebesse um salário de R$ 500,00 como vencimento básico, e tivesse direito a uma gratificação de 30% sobre este vencimento básico, num total de R$ 650,00. Mas aí, imagine-se, nesta nossa suposição, que uma lei federal tivesse exigido que você recebesse pelo menos R$ 600,00 de vencimento básico. O que deveria acontecer? O correto seria que lhe pagassem os R$ 600,00 de vencimento básico e aplicassem os 30% de gratificação sobre este novo vencimento, resultando em R$ 780,00. Contudo, imaginem então, senhores pais, que os seus patrões, ao invés de cumprir a lei, tivessem somado o seu vencimento de R$ 500,00 com a gratificação de 30% a que você teria direito (R$ 150,00) e dissesse que você, com esta soma (R$ 650,00), estaria ganhando até mais do que manda a lei? Foi exatamente isso o que fez o governo de Minas conosco. E isso nos causou sérios prejuízos. Os professores de Minas tiveram perdas mensais entre R$ 300,00 e 3.000,00 por conta dessa mágica feita pelo governo de Minas.

Aliás, cinco governadores questionaram a Lei do Piso junto ao STF, reivindicando o direito de pagar o piso enquanto remuneração total, e não enquanto vencimento básico. O STF, em abril de 2011, rejeitou esta tese, reafirmando que o piso dos educadores é vencimento básico, e não remuneração total. Mas, o governo de Minas, descumprindo a lei federal e desobedecendo a decisão do STF, somou o vencimento básico com as gratificações, transformando-os em remuneração total, e com isso escapou de pagar o piso, que é direito dos educadores, e ainda se dá ao luxo de dizer que paga até mais do que o piso, o que é um absurdo.

Esta vergonhosa manobra, que contou com o apoio de 51 deputados da base do governo, praticamente descaracterizou a lei federal do piso dos professores. A lei federal, que fora criada para valorizar o educador e proporcionar um ensino de qualidade, foi burlada, e quem perde com isso é toda a sociedade. Com este golpe, o governo economizou dinheiro que seria da Educação para aplicar os recursos em outras áreas de interesse do governo. Talvez em obras faraônicas, ou na Copa de 2014, ou em rodovias, ou em juros de bancos, ou em altos salários para os muitos assessores da alta esfera do governo.

E começará a ser implantado este ano o sistema de um terço da jornada semanal dos professores para atividades fora da classe, como, por exemplo, a preparação das aulas. Além disso, o novo modelo preserva os direitos adquiridos pelos professores e incorpora alguns que eram perdidos em caso de aposentadoria ou licença, como a gratificação de incentivo à docência, o chamado “pó de giz”.

Comentário: o terço de tempo extraclasse é uma conquista legal dos trabalhadores, que até o momento o governo de Minas não aplicou. Quanto ao pó de giz, trata-se de uma gratificação que é paga para o professor quando ele está em regência de turma - e é retirada quando ele sai de sala, seja para aposentadoria ou em licença médica. O governo poderia manter esta gratificação sem precisar destruir toda a carreira dos educadores, como fez.

O novo modelo também é bom para a sociedade porque agora a remuneração do professor fica mais transparente, mais fácil de ser conhecida.

Comentário: essa é outra grande inverdade. A remuneração dos professores era super transparente, sendo composta de um salário inicial (vencimento básico) e de gratificações que o profissional de carreira adquiria na sua vida profissional, como o quinquênio (10% sobre o salário inicial a cada cinco anos de serviço prestado), o biênio (5% a cada dois anos), pó de giz (gratificação de 20% para o professor em sala de aula), entre outras. A nova política remuneratória do governo é que não tem nenhuma transparência. Nela, o governo criou uma tabela fictícia, que servirá de base para um cálculo, cujo valor encontrado será parcelado em 4 vezes - uma parcela a cada ano - até completar o valor integral somente em 2015. Na essência, o governo confiscou o tempo de serviço, reduziu os percentuais de promoção e progressão, aboliu as gratificações, e com isso destruiu completamente a carreira dos educadores. Além disso, como se trata de uma remuneração total, o governo de Minas não precisará acompanhar os reajustes anuais do piso salarial nacional. Para se ter uma ideia, enquanto os profissionais da Educação de todo o Brasil terão, agora em janeiro, 22% de reajuste salarial aplicado ao piso nacional, os educadores de Minas terão apenas 5% de reajuste em abril de 2012.

Mas isso é apenas parte do trabalho que estamos fazendo com um objetivo principal: oferecer a seu filho ou filha a atenção e a educação de qualidade que merece.

Comentário: a realidade é exatamente a oposta da que afirma o governo: ao não pagar piso salarial a que os educadores têm direito; ao cortar e reduzir salários dos trabalhadores da Educação, como o governo fez em 2011, deixando os educadores em situação de total penúria, inclusive com contracheque zero durante dois meses, mesmo após o fim da greve; o governo, na verdade, não aposta numa Educação de qualidade para os alunos e sua família.

Esperamos continuar a contar, como temos contado, com o apoio de todos vocês. Estejam certos de que sua participação na vida escolar de seus filhos é fator decisivo para o bom andamento da formação de cada um deles.

Comentário: os profissionais da Educação de Minas e do Brasil esperam contar com a sua participação sim, mas não para apoiar o governo e seus deputados, que se negam a cumprir a lei e a pagar o piso, mas para que possamos cobrar, juntos, por uma educação de qualidade para todos. Para isso, é preciso que os governos levem a sério a Educação, valorizando o trabalho dos profissionais da Educação, oferecendo cursos de formação continuada, aplicando corretamente os recursos da Educação, investindo mais nas escolas, construindo laboratórios e espaços adequados para a aplicação das políticas pedagógicas, e com isso possibilitando que haja, de fato, um ensino público de qualidade. É importante dizer que, quando o governo deixa de investir corretamente na Educação, ou na saúde, ou na moradia popular, toda a população, principalmente as famílias de baixa renda, é prejudicada. E o governo de Minas, seus deputados e senadores, e a grande imprensa, que é comprada, dão um mau exemplo para os mineiros e para o Brasil. Nós, os educadores, esperamos contar com o seu apoio à luta pela Educação de qualidade e pela valorização do profissional da Educação.

Feliz 2012 a todos!

Secretaria de Estado de Educação
Governo do Estado de Minas Gerais

Um forte abraço a todos e força na luta! Até a nossa vitória!
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Foto de Petrus Assis

P.S.: Quero deixar aqui três registros e alguns abraços. Ao combativo FREI GILVANDER, que me ligou ontem à tarde diretamente de Ceará. Neste mundão pequeno ele estava ao lado de conhecidos meus de três décadas, uma turma combativa do Contra-a-corrente de Fortaleza, aos quais estendo o meu abraço. *** Um abraço também para o professor Wladmir Coelho, especialista em matéria de petróleo, e que deu entrevista hoje para o programa Tribuna do Trabalhador, na Rádio Favela. Pena que no domingo eu acordo mais tarde um pouco e só pude ouvir uma parte da entrevista, mas o colega Wladmir mostrou o que está por trás da novela do pré-sal.*** Finalmente, neste domingo, a partir das 10h, um combativo grupo do NDG continua a distribuição de panfletos na Feira Hippie, em BH. Ontem, eu e o comandante João Martinho, em horários diferentes, distribuímos o boletim da realidade da Educação em Minas na parte central de Vespasiano.

Educação e política

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

BRASIL: DADOS DO CENSO ESCOLAR DO MEC REFORÇAM CRISE DE EXCLUSÃO NA EDUCAÇÃO PÚBLICA!

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(MG) 1. A Educação Básica compreende Creche, Pré-Escola, Ensino Fundamental, Ensino Médio, Educação Profissional, Educação de Jovens e Adultos e Educação Especial. Em 201, tivemos 50.972.619 alunos matriculados em alguma destas etapas da Educação Básica. Vale destacar que quase 45,5% destes alunos estão na rede municipal, 38,5% na Rede Estadual, 0,5% na Rede Federal e 15,5% na rede privada. 84.5% dos estudantes no Brasil estudam na Rede Pública.

2. Destes mais de 50 milhões de alunos, a participação é esta: 4,5% estão na Creche (63% na Rede Municipal e 36% na Rede Privada) / 9,1% na pré-escola (74,6% na Rede Municipal e 24,1% na Rede Privada) / 59% no Ensino fundamental sendo que 32% nos anos iniciais e 27% nos anos finais. Anos Iniciais (17,6% na Rede Estadual, 68,1% Rede Municipal, e 14,3% rede Privada). Anos Finais (48,8% Rede Estadual, 38,5% rede Municipal, 12,6% Rede privada).

3. São 16% no Ensino Médio: (85,5% na Rede Estadual, 1% Rede Municipal, 12,2% Rede privada). / 5,2% estão na Educação de Jovens e Adultos sendo em nível do Supletivo Fundamental (36,8% Rede Estadual, 61,5% Rede Municipal, 1,7% Rede Privada). / 2,6% estão na Educação de Jovens e Adultos, sendo em nível do Supletivo do Ensino Médio (88,4% Rede Estadual, 3,2% Rede Municipal, 7,3% Rede Privada).

4. São 1,8% na Educação profissional (9,8% Rede Federal, 31,6% rede Estadual, 2,2% Rede Municipal, 56,3% Rede Privada) / São 1,4% na Educação Especial.

5. A curva declinante de alunos da primeira série do ensino fundamental até o ensino médio é muito preocupante. Se o aluno não foi para o Ensino Médio, ele evadiu? Repetiu? Não há vagas?

6. A Educação Profissional praticamente não existe no Brasil e isso é grave. 56,3% das vagas disponíveis estão na Rede privada. A Rede Pública não assumiu a Educação profissional no Brasil. / A Educação Especial também tem suas vagas concentradas na Rede privada (62%).

7. As matrículas na Educação Infantil estão em queda no Brasil desde 2007, mesmo com as matrículas em creche aumentando desde 2007. As matrículas no Ensino Fundamental estão caindo no Brasil desde 2007 (menos 1.763.633 vagas). Esse dado é grave e é sinal claro de um processo de exclusão na escola pública, com todos os riscos de adolescentes e jovens nas ruas.

8. Apenas 5,8% dos alunos do Ensino Fundamental estão matriculados em tempo integral na Escola. O debate sobre a Escola Integral vai parecendo uma utopia. Será que não podemos debater outro conceito de Educação Integral no território da Escola e não no prédio da Escola? O MEC considera tempo integral 7 horas diárias de atividades.

9. As matrículas no Ensino Médio desde 2007 aumentaram apenas em 31.320 vagas. / A Educação Profissional desde 2007 teve um aumento de 9,7% de matrículas, mas ainda é muito pouco. A rede Municipal atende apenas 2,6% das vagas de Educação Municipal. Mesmo defendendo a qualidade do ensino precisamos ter atenção com a queda de alunos na Escola. As matrículas estão diminuindo.

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PREFEITURA DO RIO: SECRETARIA TENTA EXPLICAR A EVASÃO RECORDE DA REDE ESCOLAR! FRACASSO DA PRIVATIZAÇÃO QUE ELA IMPLANTOU!

1. (Ex-Blog) Buscando uma desculpa para a evasão recorde de alunos da rede municipal de escolas do Rio-capital, a secretaria de educação da prefeitura do Rio tentou justificar, dizendo que isso se explica pela taxa de fecundidade. Está precisando de uma aula de matemática. Os alunos na rede de ensino fundamental nasceram 6, 7, 8..., 14 anos atrás. Se ela observar bem, a evasão escolar, em sua gestão privatizante, ocorre até no programa de jovens e adultos que nasceram 20, 30..., 50 anos atrás. Assim como no ensino médio estadual do mesmo PMDB de sua prefeitura. É o fracasso da privatização da educação pública.

2. (Ancelmo – Globo, 23) Veja o efeito da queda da fecundidade da mulher brasileira na rede de ensino fundamental. Em 2012, não é diferente. Por ano, desde 2001, cai em torno de 1.000 o número de alunos na rede municipal do Rio, com 1.064 escolas e cerca de 600 mil crianças. “O fenômeno ocorre, inclusive, nos colégios de lugares mais pobres”, diz Cláudia Constin, secretária de Educação.

Fonte: BLOG César Mais -  blogdocesarmaia@gmail.com 

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

A polícia política e faxineira em Pinheirinho

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Por Lúcio Alves de Barros*

"O país que não passa pelo momento de verdade em seu trânsito para a reconciliação e a democracia, lega ao futuro a permanência da barbárie do Estado" (Luiz Eduardo Soares).
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É a mesma história de sempre neste Brasil de poucos. Poucos, inclusive, conscientes das crueldades que o Estado historicamente fez por aqui. Não é tampouco necessário remover toda história para delinear as falcatruas, crueldades, violências e leviandades que o Estado – pirateado de direito – fez e anda fazendo. Um livro didático é o suficiente para qualquer um tomar um pouco de ciência de muitas histórias obscuras e mal contadas. O que não deixa de ser curioso e paradoxal é a ação da polícia militar no caso de Pinheirinho (SP).
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Neste sentido, nem vou discutir que o terreno pertence ao famigerado especulador financeiro Naji Nahas, o banqueiro investigado e temporariamente preso pela Polícia Federal naquela operação chamada Satiagraha. Até aí poucos problemas, mas o que teria acendido o estopim foi a necessidade do território para pagar dívidas e mais dívidas aos credores do criminoso endinheirado. Estes são alguns fatos que ainda não ficaram tão claros porque nada justifica uma ação policial depois de 08 anos de ocupação em que talvez meses de negociações resolvessem.
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O inacreditável e paradoxal é a ação policial que já tomou repercussão internacional. No dia 22, domingo, pela manhã, a região de Pinherinho foi tomada pelo exército privado do Governador Geraldo Alckiman (PSDB) (lembrou Canudos). Dito de outra forma, a polícia militar de São Paulo colocou em desenvolvimento a operação de reintegração de posse com respaldo do judiciário e dos que comandam a força policial militar. No debate que se abriu, três pontos me parecem oportuno lembrar:
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Em primeiro, o paradoxo em que nos metemos nos últimos anos. “Nunca na história deste país” se investiu tanto em segurança pública. Desde o final dos anos de 1980 vemos projetos e mais projetos de uma polícia chamada hoje de cidadã. O argumento é claro: com a democratização, materializada com a constituição de 1988, não caberia uma polícia violenta, autoritária e arbitrária. Ao contrário, abriu-se espaço para uma polícia comunitária, “de resultados”, “de solução de problemas” e que fosse capaz de aproximar da comunidade. Muitos projetos foram feitos, inclusive, o de integração das polícias militar e civil em certos estados. Aos poucos os intelectuais - até os denominados de "esquerda" - foram se vendendo e esqueceram que não existe esta ideia estapafúrdia de uma polícia tradicional e outra de polícia comunitária. A polícia é uma só e no Brasil ela reage no conforme “pode quem manda” e no "obedece quem tem juízo”. A verdade está aí, nua e crua. Tanto palavreado e dinheiro jogado fora, porque na hora do pau, a polícia deixa de ser comunitária, de proximidade, de amizade e de proteção e parte é para a porrada. Esta é a polícia que forjamos e é esta que aparece em casos nos quais deveria agir justamente ao contrário.
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Um segundo ponto é o uso da Polícia Militar como faxineira social ou exército privado do Governador. Não era possível que depois de 08 anos outra possibilidade de negociação fosse levantada? A questão neste caso é política. A polícia é acionada ao sabor dos “donos do poder” e dos interesses em vigor. O Governador manda porque sabe da importância de um banqueiro em uma eleição e a polícia abaixa a cabeça e vai. Soltos, como sempre, eles atuam na discricionariedade e dá-lhe bala de borracha, bala sem borracha, bombas de gás e pancadas e prisões. Tudo isso por debaixo do manto da justiça “cega” que tem operado em um campo normativo que não suporta e parece desconhecer outras interpretações. A não ser aquela que a elite deseja fazer. Tal como o antigo ditado: “aos amigos tudo, aos inimigos a lei”.
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Por último, é inaceitável que nossa democracia não passe pelo privilégio do amadurecimento. Talvez nem seja possível chamar este estado de coisas de democracia. Já não sofremos tanto? A truculência, a impiedade, a violência da retomada de posse do território foi vexatória, arrogante, humilhante, sádica e perversa. Naquela manhã de domingo milhares de mulheres e homens (crianças, jovens e adultos), muitos nascidos em Pinheirinho, foram tomados de surpresa por carros blindados, helicópteros blindados e vários policiais armados da PMSP. A operação, revelada em tempo real por redes de TV e internet, mostrou a ação policial interditando as ruas, ferindo as pessoas, arrastando, batendo e maltratando homens e mulheres como se fossem animais e, por último aprisionado uma parte deles. A mídia se fartou, mas não deixou de veicular outros requintes da operação como o corte de água, de luz e telefone na região. Mais que isso, um cerco feroz foi formado e um campo de concentração de pessoas foi aberto para aqueles que não suportaram a repressão policial. O resultado foi dramático: as pessoas ficaram à deriva, estão vivendo de doações, humilhadas, cansadas e desesperadas. E tudo por uma ordem efêmera na qual a lei falou mais alto. Esta aí a polícia da “comunidade”, a “justiça cega”, célere e certa e o governo de resultados do PSDB.
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Chega a ser inacreditável o rumo que tomou a retirada da população de Pinheirinho. É claro que casos mais ou menos parecidos acontecem por este Brasil de poucos. Mas quando ocorre em São Paulo o fenômeno toma uma ressonância que nos permite pelo menos indagar e ver a que ponto este país é desigual, grotesco e tenebroso. Já se sabe que a democracia é um longo caminho e que estamos a passos lentos. Mas ela não é possível em um estado de guerra que produz medo, barbárie, corrupção, incerteza, insegurança e mal-estar. A polícia, principalmente a militar, é a face visível do Estado e por isso passível de maiores críticas, mas é ela que vem mostrando o estado de barbárie em que nos encontramos. O Estado, tantas vezes leviano, mostra sua competência justamente contra as pessoas que mais precisam e, historicamente, nesse campo estão não somente os “invasores de terra”, mas os “sem terá”, os desviantes de toda hora, os denominados delinquentes, os usuários de crack ou simplesmente a gente pobre, negra e indefesa que faz parte da maioria da população deste país.
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*Professor na Faculdade de Educação (FAE/BH) da UEMG (Universidade do Estado de Minas Gerais), doutor em ciências humanas pela UFMG e organizador dos livros, “Polícia em Movimento”. Belo Horizonte: Ed. ASPRA, 2006 e “Mulher, política e sociedade”. Belo Horizonte / Brumadinho: Ed. ASA, 2009.

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Polícia faxineira


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Por Lúcio Alves de Barros*
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Em tempos de liberação de possibilidades de estupro em plena TV é melancólico ver passar em branco debates sérios e muito mais complexos que vem ocorrendo há anos nesse país. A ostensividade do crack em todo território nacional só pode ser comparado com sua antítese, a força repressiva do Estado. Um triste paradoxo, haja vista que o crack, apesar dos olhos tortos das autoridades, já se tornou uma epidemia.
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Sabemos que o governo federal somente há poucos meses liberou verbas para a implantação de um “plano nacional” no intuito de enfrentar o avanço do crack. O pacote governamental chega a prever (sempre previsões) investimentos de R$ 4 bilhões. No papel as velhas e conhecidas indicações: investimento na saúde, na justiça e na educação. Como já se sabe: da teoria à prática existe um longo caminho e no cansaço do caminhar volta-se para a penalização das práticas “desviantes”. Penalização sem muita sofisticação: solta-se a polícia e deixe que ela faça o “trabalho” de costume. O tiro no pé é inevitável e com ele os equívocos.
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Em primeiro, o caso de São Paulo é emblemático. Na tentativa de conter o desenvolvimento da chamada cracolândia, o governador Geraldo Alckiman (PSDB), chefe maior das polícias militar e civil determinou “operações” nos locais nos quais se percebam “aglomerados” de dependentes. A primeira ação repressiva teve requintes de crueldade e violência com balas de borracha e bombas de efeito moral. O objetivo aparentemente era muito claro: “limpar a área”, “dispersar os usuários”, “reprimir o consumo e o tráfico”. A operação de ridícula passou a ser dramática, pois as imagens não deixam dúvida. Policiais atiram, os usuários correm, até tentam alguma reação e depois se aglomeram em outro lugar. É o velho conto já famoso na história da polícia: diante dos desviados, delinquentes e “criminosos” nada como chamar a polícia, notadamente a militar, para solucionar o problema a priori sem solução.
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A questão, por natureza, é mais complexa e tenho certeza que as autoridades sabem disso. Estão lidando com verdadeiros “zumbis”. Já se sabe que o crack atua rapidamente no sistema nervoso central e libera no cérebro a dopamina, uma substância neurotransmissora de prazer e que leva a maior parte dos usuários a uma dependência aguda e severa. Neste caso é burrice levar a polícia a cumprir ações de repressão. O que se passou na ocupação de “território” paulista foi a velha novela de viaturas e policiais atirando em um grupo de “mortos vivos” que corriam sem saber para onde. No meio deste, obviamente, quem deveria ser preso não foi encontrado, o traficante. Muitos traficantes também são usuários. O crack é uma droga barata (cerca de 5 a 10 reais dependendo do tamanho) e fácil de encontrar, mas neste episódio valeria à pena ações investigativas no intuito de buscar o verdadeiro infrator. No mercado das drogas, qualquer uma delas, é necessária a demanda e - por definição - a oferta. Neste sentido, as armas governamentais seriam muito mais eficazes na investigação do que na repressão pura e simples.
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Um segundo ponto a ser levantado é se realmente o caso pode ser considerado de polícia ostensiva. O uso de alguns entorpecentes é crime. Logo, compete ao policial militar apreender o cidadão e levá-lo à delegacia. Uma ação quase pedagógica, comunitária e certamente sem conflitos. São mínimas as possibilidades de um usuário de crack ser violento diante da força física de quatro ou mais policiais. Os acontecimentos, entretanto, seguiram outro caminho. A polícia novamente foi utilizada como “faxineira social” e, apesar de todos os projetos (a maioria paga com dinheiro público) - sobre polícia comunitária, de proximidade, de solução de problemas - ela apareceu como historicamente aparece no teatro de operações: como a polícia de costumes, repressiva e onipotente. A ação na cracolândia de São Paulo e que não deve demorar muito para ser repetida em outras cidades é problema de segurança pública, mas não de segurança nacional. O inimigo neste caso já está abatido e espera-se que a polícia faça por onde no intuito de ser digna de ser denominada polícia cidadã.
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Por último, para não viciar o leitor, é necessário frisar que o problema passa longe de ser policial. Em maltrapilhos, se arrastando pelas ruas, em farrapos, solitários e jogados pelas calçadas vemos os usuários de crack desde o final da década de 1980 e início do decênio de 1990. As leis se afrouxaram, mas a cocaína em pasta base entra pelo país pelos mesmos lugares, a saúde pública continua em crise e a educação é um caos. Duas saídas são possíveis: ao invés de formação jurídica, defendida nas academias de polícia pelo país afora, seria bom policiais capacitados nas artes médicas no intuito de fazer o que os órgãos governamentais ligados ao Ministério da Saúde historicamente deixaram de fazer. Neste caso teríamos policiais atendendo gente como gente, como humanos e não como zumbis em filmes norte americanos. A segunda é clara e talvez custe muito mais barato ao governo: uma polícia pedagógica, assessorada por assistentes sociais, professores, pesquisadores, profissionais da saúde comprometidos com a solução ou amenização do problema.
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O debate é amplo e carrega uma certeza: o crack é problema de justiça e sua amplitude é de difícil mensuração, visto que toca a esfera da justiça social. Os filhos do crack nasceram e cresceram ao lado do descaso do poder público. Vimos a criança nascer, aprender e amadurecer. A repressão e a punição não foram suficientes e não vão ser porque outrora já foram tentadas. A hora é de cuidado e proteção do usuário. É preciso recusar a entendê-lo como lixo, como problema de polícia e criminal e é de causar estranheza as autoridades e pessoas influentes bradando nos meios de comunicação a necessidade de castigos sem mesmo saber que o sofrimento imposto produz mais sofrimento. O problema do crack é de política pública e isso envolve interesses e medidas que vão além daquelas que o governo está tomando, pois sequer temos a ciência do número exato de usuários (dependentes e ocasionais). A polícia militar tem sua responsabilidade e lugar, como também tem a polícia civil, as autoridades que compõem o judiciário, o covarde do poder legislativo, o Ministério Público e todos aqueles que fazem do seu “ganha pão” estudos no campo da segurança pública. Finalmente, mais do que policiais em campo atirando no “inimigo” precisamos de vergonha na cara, seriedade, cuidado com o dinheiro público e investimentos e medidas certeiras em favor do dependente, pois ele não espera. Ele necessita e não é do “braço armado” do Estado, mas de mãos que possam pelo menos lhe apontar outro caminho.
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*Professor na Faculdade de Educação (FAE/BH) da UEMG (Universidade do Estado de Minas Gerais), doutor em ciências humanas pela UFMG e organizador dos livros, “Polícia em Movimento”. Belo Horizonte: Ed. ASPRA, 2006 e “Mulher, política e sociedade”. Belo Horizonte / Brumadinho: Ed. ASA, 2009.