sábado, 8 de dezembro de 2012

Cerimônia do Adeus

Pablo Capistrano*
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“Deve ser muito embaraçoso ser ateu e materialista e ainda assim falar português”.
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Essa talvez seja a mais evidente conclusão a que a gente chega quando lê Adeus a Emmanuel Lévinas. O livro é constituído pelo discurso pronunciado por Jaques Derrida no cemitério de Pantin, no dia 27 de dezembro de 1995, por ocasião da morte de Lévinas; junto com o texto A palavra acolhimento, lido pelo próprio Derrida um ano depois da morte do amigo em um encontro acadêmico.
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Não se trata apenas de um elogio fúnebre de um dos maiores pensadores judeus do século XX para outro igualmente grande pensador judeu. Filósofos também aproveitam a hora da morte para praticar o seu esporte preferido, que é levar o pensamento a seus limites, sempre que algo ou alguém oferece uma abertura para que a imaginação e a linguagem possam se libertar de suas cadeias cotidianas.
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Por isso Derrida pensa a palavra a-Deus, com todo o constrangimento que ela contém. Como é possível, diante da morte de um amigo, dizer “até logo”, quando se assume a crença metafísica de que só há este mundo, de que só temos esta vida, de que só há esta experiência radical de existir? E como dizer “a-Deus” se essa despedida definitiva, em nossas línguas neolatinas, implica o traço de uma entrega, de um abandonar, de um direcionar o morto a um Deus em que não se acredita? Derrida escreve: “Antes e para além da ‘existência’ de Deus, fora de sua provável improbabilidade, até no ateísmo mais vigilante, senão no mais desesperado, o ‘mais sóbrio’, o dizer a-Deus significaria essa hospitalidade”.
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Hospitalidade, recolhimento, entrega. Despedir-se é, de um modo ou de outro, apostar nessa entrega, nessa hospitalidade, nesse acolhimento. Saber-se estranho nesse mundo, estrangeiro nessa terra, exilado nesse tempo. A gente entrega a Deus os nossos mortos porque não há como fugir do paradoxo de que o definitivo é sempre um campo de morada, um lugar para se estar, um espaço de pertencimento.
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Pela epifania dos rostos humanos, o sujeito que pensa e fala, que anda pelo mundo como se tivesse uma seiva, como se carregasse uma luz, como se fosse um mistério do mundo em sua irredutível complexidade, é sempre um hóspede. Sempre um passageiro que atravessa a vida com o ritmo das estações, com a marcação dos momentos.
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O tempo das nossas palavras é muito estranho, amigo velho, para que a gente possa sonhar em com um sistema que nos liberte de Deus. Ele anda conosco, mesmo por entre as brechas das palavras que nós usamos quando tentamos escapar da Sua presença.
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Publicado em 04/12/2012
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Escritor, professor de Filosofia do IFRN
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Diretora de escola infantil é indiciada por maus-tratos

Um grupo de orientadoras da Escola Berçário Trenzinho Feliz, na Vila Clementino, zona sul de São Paulo, procurou a polícia para denunciar crimes de maus-tratos que, segundo elas, foram praticados pela diretora enquanto as crianças almoçavam.
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As orientadoras levaram um vídeo com imagens feitas com uma câmera escondida. Conceição Tomaz Cruz, de 52 anos, foi indiciada ontem por maus-tratos. Ela responderá o processo em liberdade. O advogado dela não foi localizado pelo Estado para comentar o assunto.
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A delegada Lisandrea Zonzini Salvariego Colabuono, titular da 2.ª Delegacia de Defesa da Mulher, do 16.º Distrito Policial (Vila Clementino), diz que o vídeo não deixa dúvidas. "Ela (Conceição) dá um tapa em uma criança de 2 anos que não queria comer", afirma. A cena foi registrada no refeitório do estabelecimento, que chega a atender bebês no período da tarde. A polícia afirma que as professoras, antes de apresentarem o vídeo, pediram demissão da escola.
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"Depois disso, apareceram mais 15 mães aqui na delegacia reclamando da escola, mas só consegui comprovar que três crianças foram agredidas", afirma a delegada. Segundo Lisandrea, inicialmente Conceição negou que tivesse batido em uma das crianças da escola. Mas, após assistir ao vídeo, teria confessado. "Ela não explicou os motivos para fazer aquilo."
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A delegada abriu inquérito para apurar o caso, mas pretende provar que houve uma eventual tortura. "Só assim poderemos prender a diretora. Por lei, ela não pode ficar presa por maus-tratos", explica.
Segundo a policial, os maus-tratos não foram os únicos problemas constatados. Ela diz que insetos foram vistos dentro da unidade de ensino. "Eu nunca tive um caso parecido aqui na delegacia", revela. Algumas mães ainda reclamaram de picadas de mosquito no corpo das crianças.
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A mensalidade dos alunos da unidade de ensino varia de R$ 500 a R$ 800. O valor foi divulgado pelos pais dos alunos que estiveram ontem no Distrito Policial. A dona de casa Adalgisa de Souza, de 39 anos, é mãe de uma criança de 3 anos e garante que não irá mandar mais o filho para o estabelecimento. "Ele não sofreu agressão física, mas tem tido comportamento estranho. Aponta o dedo para a gente, grita e diz 'cala a boca'. Nós não temos essa conduta em casa", diz. Preocupada, Adalgisa questionou a escola, mas como resposta ouviu que o problema no comportamento do aluno poderia estar relacionado à televisão. "Só que não deixamos ele ver nada na TV depois das18h", explica.
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Na Escola Berçário Trenzinho Feliz, na Rua Jureia, as portas ficaram fechadas o dia todo. Apenas um cartaz informava sobre o fechamento da unidade. Protesto. Pais de alunos da escola prometem realizar um protesto hoje, a partir das 14 horas. Eles irão organizar uma reunião de manhã para tentar impedir que a escola volte a funcionar. A delegada Lisandrea comentou que um advogado da escola chegou a comparecer na delegacia ao longo do dia de ontem, mas teria abandonado o caso.
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Fonte: Estado de São Paulo

Câmera escondida flagra dona de escola agredindo crianças em SP

A dona de uma Escola infantil na Saúde, bairro da zona sul de São Paulo, foi acusada de maus-tratos contra crianças após funcionárias do local filmarem, com uma câmera escondida, agressões sofridas por Alunos.Dona de Escola infantil é indiciada por maus tratos a crianças.
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Nas imagens divulgadas, a mulher, apontada pela Polícia Civil como Conceição Tomaz Cruz, 52, dona e diretora da Escola Trenzinho Feliz, grita e dá um tapa no rosto de uma menina de dois anos que não queria comer.
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Ela aparece, de acordo com a polícia, também empurrando um garoto de apenas um ano e oito meses.
"Uma vez um menino vomitou e ela [Conceição] o fez comer tudo", afirma uma Professora que fez a filmagem e denunciou o caso à polícia. Ela pediu para não ter o seu nome publicado.
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Fonte: Folha de São Paulo

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Sem bons professores não há futuro

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Editorial
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Países como Coreia do Sul, Finlândia, Cingapura, Canadá e Japão, que estão no topo da Educação mundial, têm pelo menos uma coisa em comum: ser Professor nesses países é objeto de desejo. Os jovens se sentem atraídos pela carreira do magistério. No Brasil, eles têm fugido da carreira. País sem bons Professores não tem futuro. Não é à toa que a qualidade de nosso Ensino médio está estagnada há mais de 10 anos.
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Muitos jovens não conseguem terminar essa etapa, ficando pelo meio do caminho, e a grande maioria dos que o concluem sai com baixo nível de aprendizagem. Por exemplo, em matemática, 89% dos concluintes não aprenderam o que seria esperado ao término da última etapa da Educação básica. Por isso, a oferta de um Ensino médio de qualidade, capaz de motivar nossa juventude, é o grande desafio da Educação brasileira.
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Para que isso aconteça, um pré-requisito essencial é ter bons Professores — em quantidade suficiente para atender à atual demanda. Por exemplo, dos que ensinam física, 61% não tiveram formação na disciplina ou em outra da mesma área de conhecimento; em química, o percentual é de 44%. Soma-se a isso um currículo pouco atraente numa Escola de tempo parcial. Como gostar do Ensino médio nessas circunstâncias?
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Estudo da Professora Bernadete Gatti, da Fundação Carlos Chagas, mostrou que tanto a formação inicial dos nossos Professores quanto a continuada estão longe das atuais necessidades da Escola pública. Não dialogam com a sala de aula. A formação é muito teórica. Não há propriamente projeto ou plano de estágio, nem sinalizações sobre o campo de prática ou a atividade de supervisão.
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Raras instituições especificam em que consistem os estágios e sob que forma de orientação são realizados, ou se há convênio com Escolas das redes. A Escola, como instituição social e de Ensino, é elemento quase sempre ausente nas ementas, o que leva a pensar numa formação pouco integrada com a ação profissional do Professor.
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Na maior parte dos ementários analisados, não foi observada articulação entre as disciplinas de formação específica (conteúdos da área disciplinar) e as de formação pedagógica (conteúdos da docência). Na prática, o que se observa é que a licenciatura não tem identidade própria, é um híbrido mal-estruturado entre o bacharelado e disciplinas do campo pedagógico.
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Sem bons Professores não teremos um bom e atraente Ensino médio. Aqui é preciso um pacto entre governos – nas esferas estadual e federal – e instituições formadoras. Aí voltamos ao primeiro trecho deste artigo: por que nos países citados os jovens são atraídos pela carreira do magistério? Essencialmente quatro fatores respondem à questão: salário inicial atraente, plano de carreira motivador, pautado no desempenho em sala de aula e na formação continuada, formação inicial sólida com foco na prática Docente e Escolas bem-estruturadas e organizadas.
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Isso é a parte que cabe ao futuro empregador: o governo estadual em colaboração com o governo federal. Há um movimento interessante em prol de criar uma carreira federal para os estados, com certificação Docente. Às instituições formadoras, por sua vez, cabem mudanças profundas na formação Docente. E aqui proponho algumas iniciativas.
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Primeiro, é preciso dar identidade às licenciaturas, integrá-las por área de conhecimento, com Professores dedicados em tempo integral à Educação básica com foco no Ensino médio. A esses se juntariam os que poderíamos chamar de “Professores-pontes”, Professores do Ensino médio que teriam parte do tempo dedicado a esse espaço próprio de formação de Professores. Eles trariam o “cheiro de Escola”. Um terceiro grupo seria o dos Professores visitantes, que oxigenariam o sistema com novas práticas Docentes. Além do grupo dos respectivos bacharelados, que seriam colaboradores no processo de formação.
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Como os Alunos das licenciaturas em geral chegam do Ensino médio com formação muito precária, seria dada a eles atenção especial já nessa etapa da Educação básica – ou seja, os futuros Alunos que quisessem ingressar nos cursos de licenciatura deveriam estudar preferencialmente em Escolas de tempo integral, e, motivados por nova carreira, teriam atenção especial das instituições formadoras já no Ensino médio. Os Alunos de licenciatura, nessa nova roupagem de formação, teriam todos bolsa de iniciação à docência, com plano de trabalho bem definido.
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Por fim, o currículo da nova licenciatura teria como características o foco na prática Docente e na formação interdisciplinar, a forte inclusão das novas tecnologias e de espaços de aprendizagem e a residência Docente em Escolas de tempo integral. Quanto custa isso? Certamente menos do que se gasta para recuperar os jovens que estão nas ruas, afastados das Escolas e sem perspectivas futuras. Como disse Derek Bok, ex-reitor de Harvard, se você acha a Educação cara, experimente a ignorância.
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Fonte: Correio Braziliense (DF)

Nuvens no horizonte neoliberal

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Por Frei Betto *
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Passei agradável fim de semana de novembro em companhia de Boaventura de Sousa Santos e outros amigos. Em sua fecunda reflexão, o cientista social português apontou as carregadas nuvens que pesam sobre a conjuntura mundial.
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Há uma flagrante desconstrução da democracia. Desde o século XVI a Europa tem a sua história manchada de sangue, devido à incidência de guerras. Nos últimos 50 anos, acreditou ter conquistado a paz consolidada pela democracia fundada em direitos econômicos e sociais.
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De fato, tais conquistas funcionavam como antídoto à ameaça representada pelo socialismo que abarcara a metade leste do continente europeu. Com a queda do Muro de Berlim, o capitalismo rasgou a fantasia e mostrou sua face diabólica (etimologicamente, desagregadora). Os direitos sociais passaram a ser eliminados, e os países, antes administrados por políticos democraticamente eleitos, são governados, agora, pela troika FMI, BCE (Banco Central Europeu) e agências de risco estadunidenses.
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Nenhum dirigente dessas instituições foi eleito democraticamente. E qual a credibilidade das agências de risco se na véspera da quebra do banco Lehman Brothers, a 15 de setembro de 2008, as agências atribuíram a seus papéis a nota mais alta – triplo A?
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Hoje, o único espaço ainda não controlado é a rua. Mesmo assim, há crescente criminalização das manifestações populares. A TV exibe, todos os dias, multidões inconformadas reprimidas violentamente pela polícia. Dos dois lados do Mediterrâneo o povo protesta. As mobilizações, contudo, têm efeito limitado. A indignação não resulta em proposição. O grito não se consubstancia em projeto. Wall Street (Rua do Muro) é ocupada, não derrubada, como o Muro de Berlim. Não são sinalizados “outros mundos possíveis”.
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O bem estar que se procura assegurar, hoje, é o do mercado financeiro. O Estado deixou de ser financiado somente pelos impostos pagos por empresas e cidadãos. Outrora os mais ricos pagavam mais impostos (nos países nórdicos, ainda hoje chegam a 75% dos ganhos), de modo a redistribuir a renda através dos serviços oferecidos pelo Estado à população.
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A partir do momento em que a elite começou a grita pelo Estado mínimo e por pagar cada vez menos impostos (como vimos proposto na campanha presidencial dos EUA), os Estados viram crescer suas dívidas e se socorreram junto aos bancos que, fartos em liquidez, emprestavam a juros reduzidos. Assim, muitos países se tornaram reféns dos bancos.
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Caso típico é a relação da Alemanha com seus pares na União Europeia. Os bancos alemães emprestavam dinheiro à Espanha – desde que ela adquirisse produtos alemães. Agora, a Alemanha é credora de metade da Europa. Isso dissemina uma nova onda de antigermanismo no continente europeu. No século XX, duas vezes a Alemanha tentou dominar a Europa, o que resultou em duas grandes guerras, nas quais foi derrotada. Agora, no entanto, ela ameaça consegui-lo por meio da guerra econômica. Mais uma vez a pedra no sapato é a França de Hollande que, contrariando todas as expectativas, escapou este ano da maré recessiva que assola a Europa.
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Países da América Latina e da África resistem à crise através da exploração e exportação da natureza – minérios, produtos agrícolas, combustíveis fosseis etc. Porém, quem fixa o preço das commodities são os EUA, a China e a Europa. Cada vez pagam menos dinheiro por maior volume de mercadorias. O mercado futuro já fixa preços para as colheitas de 2016! Tal especulação fez subir, nos últimos anos, o número de famintos crônicos, de 800 milhões para 1,2 bilhão!
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Infla, assustadoramente, o preço de mercado dos dois principais bens da natureza: terra e água. Empresas transnacionais investem pesado na compra de terra e fontes de água potável na América Latina, Ásia e África. Nossos países se desnacionalizam pela desapropriação de nossos territórios. A grilagem é desenfreada. O curioso é que as terras são adquiridas com os habitantes que nela se encontram... como se fizessem parte da paisagem.
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Há uma progressiva desmaterialização do trabalho. A atividade humana cede lugar à robotização. Nos setores em que não há robotização, campeiam a terceirização e o trabalho escravo, como a mão de obra boliviana e asiática usadas em confecções brasileiras. Já não há distinção entre trabalho pago e não pago. Quem remunera o trabalho que você faz via equipamentos eletrônicos ao deixar o local físico em que está empregado?
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Outrora se brigava pela remuneração de horas extras e do tempo gasto entre o local de trabalho e a moradia. Hoje, via computador, o trabalho invade o lar e sonega o espaço familiar. A relação das pessoas com a máquina tende a superar o contato com seus semelhantes. O real cede lugar ao virtual. Suprime-se a fronteira entre trabalho e domicílio.
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O conhecimento é mercantilizado. Nas universidades tem importância a pesquisa capaz de gerar patentes com valor comercial. O conhecimento é aferido por seu valor de mercado, como nas áreas de biologia e engenharia genética. O professor trancado em seu laboratório não está preocupado com o avanço da ciência, e sim com seu saldo bancário a ser engordado pela empresa que lhe banca a pesquisa.
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Essa mercantilização do conhecimento reduz, nas universidades, os departamentos considerados não produtivos, como os de ciências humanas. Decreta-se, assim, o fim do pensamento crítico. E, de quebra, o do conhecimento científico inventivo, que nasce da curiosidade de desvendar os mistérios da natureza, e não da sua manipulação lucrativa, como é o caso dos transgênicos.
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A esperança reside, pois, nas ruas, na mobilização organizada de todos aqueles que, de olho nas nuvens, são capazes de evitar a borrasca por transformar a esperança em projetos viáveis.
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* - É escritor e teólogo
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