Fonte Jornal O TEMPO.
Lúcio Alves de Barros*
Se existe um fato vergonhoso
e que faz a corrupção desenfreada no país parecer brincadeira de criança é a
política criminal. Entendo política criminal como todo aparato repressivo que
levam ao final homens e mulheres ao encarceramento. Não faz muito tempo
apareceu nos meios acadêmicos a questão da configuração de “Estados penais” ou
“Estado policiais”. Tratava-se de uma leitura bastante ousada na qual se
assentava análises de políticas públicas voltadas ao encarceramento intenso de
boa parte da população. Essa tese tinha como exemplo países como os EUA, a
Rússia ou a China. Aos poucos a turma foi colocando o Brasil no meio. E não era
para menos. As informações disponíveis apontam que no Brasil temos cerca de 622.202
pessoas presas e que este número – proveniente do Levantamento Nacional de
Informações Penitenciárias, Ministério da Justiça, 26 de abril de 2016 – dobrou
foi nos últimos 14 anos. As razões são diversas e no pouco espaço teço algumas
considerações:
Em primeiro lugar, não
é preciso ir longe para dizer que toda política de encarceramento tende a
mostrar um país que não sabe, não pretende e não deseja fazer valer os direitos
humanos. A privação de liberdade como mecanismo de dissuasão de crimes há muito
é política falida, não valeu à pena no passado e não vai muito longe nos dias
atuais, a não ser se continuarmos com essa de prender todos aqueles que carregam
o estigma do “indesejável”, do “inimigo”, do “desviado” ou “diferente”. É claro
que temos os criminosos, inclusive os de colarinho branco que estão recheando
as manchetes de jornais. Mas como as coisas estão andando não creio que vamos muito
longe. O nosso sistema ainda nos dias atuais tem como protagonista o
ladrãozinho de galinha.
Em
segundo lugar, vale chover no molhado e apontar que nossa cultura é autoritária
e que tem por natureza pregar na cruz as pessoas negras, jovens e pobres. O
leitor pode mencionar que o fenômeno é histórico. O que, na verdade, não tem
valor nenhum quando atrás das grades não estão os filhos da “classe média alta”
ou da “classe alta”. Fato é que a maioria da população encarcerada é de pessoas
pretas e
pardas (61,6%). No conjunto da população brasileira elas aparecem com 53,6%.
Logo, a cadeia é negra e, como se não bastasse, de baixa escolaridade. Os dados
do Ministério da Justiça apontam que os encarcerados possuem menos escolaridade
que a média da população. Uma grande parte dos presos (75%) sequer concluiu o
ensino fundamental e somente 9,5% chegou a terminar o ensino médio. Como se vê,
presos e presas perdem na condição étnica e na possibilidade de agregar um
mínimo de capital cultural necessário para pelo menos tentar uma medíocre
defesa.
Em terceiro e último lugar, é
lícito afirmar que algo está errado pois, apesar da onda “Lava Jato”, menos de 1%
dos presos brasileiros estão atrás das grades por crimes relacionados à
corrupção. A maioria está presa por roubo (21%), furto (11%), ações
relacionados às drogas, como o tráfico (27%) e crimes contra a pessoa, o
homicídio, por exemplo (14%). Cumpre verificar que o tráfico de entorpecentes
lidera a quantidade de crimes que a moçada encarcerada andou cometendo. A
situação é vergonhosa e passamos da hora de debater a liberação da maconha e
outros mecanismos de identificação de criminalidade nos casos do “mundo das
drogas”. Como se sabe a questão aqui também é seletiva: uma coisa é um jovem negro
pobre com três ou quatro bolinhas de crack ou de maconha, outra é um jovem de
classe média, branco e morador da zona sul. A droga se tornou no sistema
criminal um forte mecanismo de distinção e posterior aprisionamento daqueles
que por ora ou outrora estavam incomodando. Não pode ser por acaso que a
maioria das pessoas aprisionadas é negra, jovem, com baixa ou sem escolaridade e
muito pobre. Não se fazem masmorras com ricos. Ao contrário de grades, aos
estudados temos prisões domiciliares, especiais, ou mesmo penas alternativas. O
uso de tornozeleira eletrônica não parece cair bem na favela ou no bairro
pobre. Longe das políticas públicas de segurança o sistema penitenciário há
anos vem agonizando - em um equilíbrio tênue próximo a um controle consentido –
e, como ele trata de uma população que fica do “lado de lá”, é bom nos
acostumar com dados que revelam que no Brasil existem 306 presos para cada 100
mil habitantes. É muita gente presa para uma taxa mundial (que acho alta) de 144
pessoas presas por 100 mil habitantes.
* Professor na FAE (Faculdade de Educação) - Belo Horizonte - UEMG (Universidade do Estado de Minas Gerais)