''Bullying'' confunde áreas de saúde e Educação
03 maio 2011
As consequências do assédio moral e físico sofrido por crianças e adolescentes dentro de escolas públicas e privadas - também conhecido pelo termo inglês bullying - já extrapolam os limites da Educação e avançam rapidamente sobre os setores de saúde, assistência social e segurança, mas o país ainda engatinha na formulação de políticas públicas de combate ao problema.
O bullying já envolve cerca de 30% dos estudantes brasileiros, de acordo com a última Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (Pense/IBGE 2009), e a falta de sintonia entre as áreas de saúde e Educação para lidar com a questão é tida como preocupante. Em geral, governos têm pouca informação sobre o assunto, entre médicos e psicólogos há divergências se o bullying é um problema de saúde ou não, o padrão de diagnóstico e tratamento no sistema de saúde não é claro e especialistas avaliam que educadores e funcionários de escolas precisam de melhor formação para identificar e restringir a prática.
O coordenador de saúde mental do Ministério da Saúde, Roberto Tykanori, admite que o país "está apagando fogo" no enfrentamento do bullying. "A verdade é que as políticas públicas não estão estruturadas." Segundo ele, o governo federal prepara para o fim do semestre uma ação nacional de treinamento de profissionais de saúde focada em abuso e violência entre crianças.
"É necessário aumentar a consciência para resolver ou minorar danos causados por fenômenos como o bullying. Começamos a nos reunir com especialistas da área infantil para propor uma inflexão na política de assistência de saúde mental a crianças e adolescentes", acrescenta Tykanori. Embora acreditem que os principais espaços para trabalhar a prevenção e a redução do bullying sejam a escola e a família, especialistas consideram grave o distanciamento da área de saúde do problema, uma vez que os males decorrentes dos assédios se manifestam em forma de patologias físicas e mentais.
É comum estudantes que sofrem abusos reclamarem de mal-estar ou febre, principalmente na hora de ir para a escola, e também há casos de depressão e surtos de agressividade. "Os pais não levam a criança no médico porque ela está sendo alvo de bullying, mas problemas decorrentes do ato acabam demandando serviços de saúde e cabe ao profissional do setor conhecê-lo para fazer o diagnóstico. O ideal seria orientar os pais e até entrar em contato com a escola", explica o médico-pediatra Aramis Lopes, especialista em bullying e dirigente da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).
"Infelizmente, esse profissional de saúde, na rede pública e privada, não tem consciência para o caso. O bullying não passa na cabeça, principalmente do pediatra", diz. Uma incompreensão generalizada sobre a responsabilidade pelo combate aos problemas derivados do bullying entre Educação e saúde e entre as três esferas de governo também prejudica a consolidação de políticas públicas.
A Secretaria Estadual da Saúde de São Paulo informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que tratar casos de bullying é atribuição do serviço municipal de saúde, onde estão estruturados os Centros de Atenção Psicossocial (Caps). Em Brasília, cujo índice de assédio escolar é o mais alto do país (35,6%), segundo a pesquisa do IBGE, a área de saúde disse que o bullying está relacionado à Educação, pois são "atitudes que referem-se mais a situações comportamentais do que a distúrbios relacionados à saúde".
A psicoterapeuta Maria Tereza Maldonado, autora do livro "Bullying e cyberbullying: o que fazemos com o que fazem conosco", observa que muitas leis estaduais e municipais estão em processo de elaboração, mas se concentram apenas no âmbito da Educação. "Parceria Educação-saúde praticamente não há. Quanto à responsabilização, infelizmente a regra é geral, não só para o bullying. Até hoje não sei se o mosquito da dengue é federal, estadual ou municipal, falta integrar ações", ilustra.
A psiquiatra especializada em criança e adolescente Maria Motta Palma, da área de saúde mental da Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo, diz que o serviço da prefeitura está preparado para atender a todos os quadros, embora não haja uma especialização em bullying. "Não dividimos nosso trabalho. O atendimento é individual. Se a criança tiver um problema relacionado à Educação, conversamos com a escola e a família, não atendemos por diagnóstico."
Maria Motta conta que recentemente foi iniciado um projeto-piloto entre saúde e Educaçãoenvolvendo um Caps e duas escolas públicas na periferia da capital paulista. "Nossos profissionais visitam as escolas, capacitam professores e fazem intervenções simples para identificar crianças em situação de vulnerabilidade. Política pública para o bullying passa pela escola, cuidamos da consequência. Se a escola identifica o problema e leva caso discutido fica mais fácil, senão fica tudo em cima da saúde."
De acordo com Roberto Tykanori, do Ministério da Saúde, a expansão da rede dos Caps, administrados pelos municípios dentro do Sistema Único de Saúde (SUS), faz parte do esforço governamental que está em discussão para ampliar a assistência mental no país, incluindo casos de bullying. Entre 2002 e 2010, o número de Caps no país saltou de 32 para 1.624, mas apenas 128 são especializados em crianças e adolescentes.
"A expansão deve continuar, mas com pontos de foco. Se disser que temos tudo detalhado vou estar mentindo. Estamos discutindo um plano estruturante, o que implicará inflexões no modo como a criança é acolhida no sistema e como ela é olhada na escola", diz Tykanori. Em Curitiba, onde 34% dos estudantes que participaram da pesquisa do IBGE responderam ter sido vítimas de algum tipo de violência na escola, a Secretaria Municipal de Saúde criou um programa chamado "Adolescente Saudável". A princípio a abordagem da ação era o consumo de álcool e drogas e sexualidade, mas recentemente o tema bullying começou a ser discutido.
"Colocamos o jovem como protagonista no seu ambiente. Recentemente algumas escolas organizaram peças de teatro destacando o bullying como tema, uma ação que é multiplicada para várias outras escolas, como participação da área de saúde,Educação e assistência social da prefeitura", destaca Luciana Elisabete Savaris, da prefeitura de Curitiba. Em Belo Horizonte, o tema violência escolar está na agenda da área educacional desde 1999. Em 2004, a Secretaria de Educação organizou um seminário específico sobre bullying para os servidores municipais.
De lá para cá, Ismayr Sérgio, gerente de coordenação dos projetos especiais da secretaria, diz que as ações para identificar e reduzir o problema se concentram na qualificação profissional, do porteiro ao diretor da escola. "Treinamos 10 mil na Educação. Agora estamos na primeira etapa do treinamento de guardas municipais que fazem a ronda escolar. O grande desafio é multiplicar isso para as famílias e outras áreas, como saúde", conta Sérgio.
Fonte: Valor Econômico (SP)
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