domingo, 8 de maio de 2011

ALUNO ENTREVISTA*

Iniciando uma nova coluna ‒ Aluno entrevista ‒ o Pedagogia Informa abrirá espaço para que um estudante do curso de Pedagogia entreviste um professor.
Para inaugurar a coluna, a aluna Iara Ferreira, do NF IVA, escolheu o profo Lúcio Alves de Barros para ser o primeiro. Confira a entrevista a seguir.

Iara: De início, apresente-se à comunidade acadêmica da FaE, falando de sua formação profissional e de sua atuação acadêmica.
Prof Lúcio: Não tenho muito o que dizer: segui o que foi possível. Minha graduação foi em Ciências Sociais na UFJF (Universidade Federal de Juiz de Fora), na qual também andei fazendo muitas disciplinas de Filosofia. Lá pesquisei o movimento sindical, educação e trabalho com um grande Professor, Luiz Flávio Rainho. Por sorte, passei no mestrado em sociologia na UFMG e tive a orientação de outro grande professor, Vinicius Caldeira Brant. O doutorado foi em Ciências Humanas: sociologia e política na UFMG. Na graduação e no mestrado pesquisei as relações de trabalho enfocando as questões da educação com a qualificação e o que hoje os acadêmicos chamam de competência. Publiquei um livrinho e depois fui estudar a Polícia Militar e resolvi, com trabalhos etnográficos, ver o problema da violência e da educação. Recentemente eu e a Débora, aluna da FAE, terminamos um relatório e entregamos ao Centro de Pesquisa. Também andei publicando alguns livros de foram organizados por mim como "Mulher Política e sociedade", "Polícia em Movimento" e um de poesias. Dessas experiências, seguramente, o melhor foi conhecer e conviver com certas pessoas. O resto foram acontecimentos da vida.

Iara: O blog Educação Encarcerada (http://nepfhe-educacaoeviolencia.blogspot.com/), desenvolvido por integrantes do NEPFHE (Núcleo de Estudos e Pesquisas em Filosofia e História da Educação) e vinculado à pesquisa "O MEDO NOSSO DE CADA DIA: da violência entre professores e alunos às escolas fortificadas e desiguais", realizou uma enquete intitulada: O sucesso na segurança pública depende da educação? O resultado foi o seguinte: 93 votos - sim, 16 - não e 6 - não sabe. Em sua opinião, o sucesso na segurança pública depende da educação, por quê?
Prof Lúcio: Eu ainda acredito que a educação, tanto a formal quanto a informal é a saída para todos os infortúnios. Também acho que é a única relação verdadeira que nos divide dos animais e dos "meios humanos" que estão por aí. Os estudiosos do campo da violência gostam de falar que existe uma supervalorização da educação, porque, mesmo com mais escolaridade, assistimos ao aumento da criminalidade. Uma besteira: o problema é que não entendo a educação como algo normativo entre alunos e professores. Educação é postura, é um processo, é condição de caráter. Não sei se me fiz entender, mas educação é mais do que pensam as autoridades e os técnicos do MEC. Quanto à enquete, ela não supreendeu. E devemos olhar com cuidado, porque a meu ver são poucas as respostas. De qualquer forma, entendo que estaríamos melhores se construíssemos mais escolas do que penitenciárias.

Iara: Embora com 93 votos positivos, houve um significativo número de respostas negativas (16). Qual é o seu comentário sobre este resultado?
Prof Lúcio: A questão é simples. Ainda temos pessoas que não acreditam na educação e também aqueles que não acreditam que as duas esferas podem estar relacionadas. O que acho importante nesta questão é ressaltar o papel do agente educador. No campo da segurança pública, ainda mais nos dias de hoje, não vejo como importante o delegado, o promotor, o juiz ou o policial. Ainda vamos sofrer e muito para ver que o ator mais importante dessa história toda é o professor. E aproveito a oportunidade para mencionar que não é possível um professor ter o salário menor do que o de um juiz, um promotor, um delegado ou oficial da polícia. Ou nos colocamos como atores importantes na sociedade ou vamos continuar minimizando o nosso papel e perdendo alunos e alunas para outras esferas de sociabilidade.

Iara: A mídia, em especial os impressos populares e os jornais televisivos, exibe a cada dia um número maior de reportagens tidas como "sangrentas". Em sua opinião, até que ponto essas reportangens podem influenciar a sociedade, sobretudo as crianças, causando o medo e até incitando à própria violência?
Prof Lúcio: Eu não tenho dúvida quanto à interferência da mídia nos mecanismos da criminalidade e da violência. De todo modo, é importante não esquecer que não existe a violência, mas violências, com "s" no final. A mídia trabalha com qualquer coisa. O que é hoje o jornalismo: um bando de gente escondendo a verdade, vendendo o sensacionalismo, o espetáculo e fazendo conchavos com os "donos do poder". Nada mais. A ideia de uma comunicação social, voltada para a democracia, o bem estar da população, como mecanismo de controle e informação, já virou sonho e um monte de dissertação de mestrado e doutorado.

Iara: Ainda sobre a violência, os casos são alarmantes e aumentam cada vez mais dentro do espaço escolar. Como ilustração, temos o filme A onda, uma das indicações do blog, que retrata um professor delegado a dar aulas de autocracia. Para prender a atenção dos alunos, ele propõe um experimento disciplinar prático que os levaria a se sentir dentro de um regime fascista. O experimento toma proporções exageradas a ponto de fugir ao controle do professor. Até onde deve ir a ousadia de um professor para não exagerar na relação com o aluno e acabar promovendo a violência?
Prof Lúcio: Eu entendo aquele filme como uma aula de didática. Infelizmente, é impossível para um professor saber o que passa na cabeça de muitos alunos. Não encontro culpados naquela narrativa. Encontro pessoas com personalidades autoritárias. O filme supervaloriza o papel do professor e não revela, ou pelo menos não deixa clara a relação, que os alunos ainda estão em outras esferas de relações sociais como a família, amigos ‒ por sinal envolvidos em drogas e gangues ‒, esportes e neste mundo virtual no qual as pessoas passam por seres potentes e oniscientes. Mas o importante é frisar que o professor não pode abrir mão do seu poder discricionário. Abrir mão de sua autoridade e dos méritos que conseguiu. Hoje assistimos tudo pelo avesso. Professores apanhando, com medo de sala de aula, sendo processados, frequentando as delegacias, doentes e cansados. Um bom experimento seria aumentar o salário e melhorar as condições de trabalho.

Iara: Mudando um pouco de assunto e, para finalizar a entrevista, na perspectiva dos alunos, a universidade é um espaço de alta rotatividade, ou seja, estudantes entram, estudantes saem. O que fica, ou o que eles deixam?
Prof Lúcio: Eu creio que nossas universidades, principalmente as federais, são da elite. O que fica é a percepção que no aluno privilegiado está materializado a eterna concentração de renda. Os mesmos dos mesmos. A continuidade e o uso de relações pessoais para a manutenção de uma espécie de "feudo do saber". Neste caso, os que ficam e os que partem fazem parte de um jogo sádico e silencioso, no qual todos já sabemos quem será o vencedor. Posso estar sendo pessimista, mas é o que sinto neste momento e, mesmo assim, acho que isso é próprio da cultura brasileira. Logo, estudantes e nós professores ‒ que também somos estudantes ‒ deixamos sempre um pouco de saudade. No entanto, uma saudade que vai perdendo o romantismo quando você se depara com amigos cansados, arrebentados pela vida, maltratados no trabalho e digo amigos porque já tenho muitos ex-alunos que hoje são companheiros de trabalho e os vejo passar pelos mesmos problemas. E quais são esses problemas? Os mesmos de sempre: péssimas condições de trabalho, salários não condizentes para a efetuação de um bom trabalho, salas abarrotadas, notadamente nas faculdades particulares e escolas do estado, pouco tempo para estudar (porque a maioria hoje se desdobra em mais de um local de trabalho), doenças a chegar, reconhecimento a desejar e o eterno sonho de que um dia vamos realmente ‒ com segurança e otimismo ‒ ensinar.



(*) Publicado em: "Pedagogia Informa" ‒ informativo interno da Faculdade de Educação do Campus de Belo Horizonte da UEMG, Belo Horizonte, ano XXVI, n. 215/216, p. 8, abr./maio 2011.

Nenhum comentário:

Postar um comentário