domingo, 13 de março de 2011

Educação inclusiva longe da realidade em JF (MG)

Por Kelly Scoralick - Repórter

A legislação garante: a educação é um direito de todos. A educação inclusiva, por sua vez, também faz parte da política oficial do Brasil, exigindo o acesso de todos, sem discriminação. Quem descumpre a lei está cometendo crime, mas, em escolas públicas e particulares de Juiz de Fora, há uma dificuldade para se lidar com a inclusão. No caso das públicas, falta qualificação profissional e equipamentos, restritos a poucas instituições. Já na rede privada, o custo de um aluno especial pode ser mais do que o dobro da mensalidade.

E., de 8 anos, tem a síndrome de Asperger, que provoca dificuldade de aprendizagem. Desde 2009, estava matriculado em uma escola particular da cidade e, por dois anos seguidos, cursou a primeira série do ensino fundamental. Segundo os pais, ao final do segundo ano, a escola sugeriu mudanças. "A diretora nos disse que a instituição tem como finalidade a busca da excelência acadêmica. Sendo assim, nosso filho, um aluno com dificuldade de aprendizagem, não se encaixaria na proposta do colégio", escreve a mãe em carta entregue à reportagem. Em seguida, de acordo com a carta, a diretora teria sugerido que o aluno fosse matriculado em outro colégio. Inconformados, os pais recorreram a outras escolas juiz-foranas e, em muitas, esbarraram no despreparo das instituições, até daquelas que se dizem inclusivas. "Foi decepção atrás de decepção", declara a mãe de E.

Para a pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Educação e Diversidade e professora da UFJF, Luciana Pacheco, a situação é delicada porque muitas instituições trabalham mais focadas na ideia do aluno-padrão. Este comportamento dificulta o cumprimento da lei que determina que crianças e adolescentes com deficiência não fiquem segregados nas escolas especiais e precisam estudar em unidades comuns. A mesma legislação determina que, caso seja necessário, os alunos com deficiência têm o direito de serem atendidos em horário diferenciado, com o objetivo de auxiliá-los na escola comum. Esse atendimento recebe o nome de educação especial.

Luciana Pacheco acredita que a inclusão ainda está longe de acontecer na sociedade como um todo. "Quanto mais a escola, seja pública ou privada, focar no ritmo igual de aprendizado do aluno, mais difíceis ficam os processos de inclusão, já que cada pessoa tem um tempo diferenciado." A pesquisadora avalia que o trabalho na rede pública ainda é muito centralizado. "É fato que a rede pública enfrenta a dificuldade de recursos materiais e humanos. E, por conta disso, o atendimento aos alunos com deficiência ainda é complicado, já que as escolas são distantes da casa deles." A pesquisadora esclarece que a formação dos docentes ainda é calcada na visão de normalidade e que algumas disciplinas na graduação têm procurado problematizar essas questões. Ainda segundo ela, algumas qualificações específicas são necessárias, como a Libras e o braile, pela especificidade da comunicação com surdos e cegos. "Se espera nas escolas e na sociedade que o professor esteja preparado para lidar com as diferenças. Mas o que é estar 'preparado para'? Temos condições de prever quais os afetamentos que experienciaremos nas relações com as diferenças?" A pesquisadora defende que as escolas adotem estratégias pedagógicas para tempos de aprendizagens diferenciados de cada aluno e conclui: "Só assim alcançaremos a inclusão de fato."

Pais têm dificuldade de arcar com altos custos

Além do caso de E., outras denúncias chegaram à Redação da Tribuna. Entre elas, a de que as instituições particulares recebem estes alunos com deficiência desde que acompanhados de estagiárias, que devem ser pagas pelos pais ou responsáveis, em trabalho a ser desenvolvido paralelamente ao realizado pelo colégio. Uma mãe de aluno disse à Tribuna que não tem como arcar com mais o custo de uma estagiária, além do valor da mensalidade da escola particular. Na cidade, de acordo com levantamento feito pelo jornal junto a instituições que oferecem este atendimento, o serviço pode chegar a custar R$ 700 mensais, dependendo da necessidade e da intensidade da assistência. Sobre esta exigência de a escola ter o acompanhamento próprio, a diretora de Educação Especial da Secretaria de Estado da Educação (SEE), Ana Regina de Carvalho, informou que a matéria ainda não foi normatizada no Conselho Estadual de Educação. Portanto, a prática ainda não está estabelecida como irregular. A diretora conclui: "O ideal é que toda escola seja inclusiva. E uma escola inclusiva é aquela onde cabe todo mundo."

Recusar, suspender, adiar, cancelar ou extinguir a matrícula de um estudante por causa de sua deficiência, em qualquer curso ou nível de ensino, seja ele público ou privado, é crime, previsto na lei 7.853/89. A pena pode variar de um a quatro anos de prisão, além de multa. Os casos devem ser acompanhados pelas secretarias de educação municipal e estadual nas redes públicas. Já na particular, a responsabilidade é da secretaria estadual, que credencia e acompanha os atos de tais escolas, como também do Sindicato dos Estabelecimentos Particulares de Ensino da Região Sudeste de Minas Gerais (Sinepe).

Projeto na rede estadual enfrenta problemas

Na Secretaria de Estado de Educação (SEE), a informação é de que a inclusão de alunos com deficiência e transtornos do desenvolvimento está sob a responsabilidade da Diretoria de Educação Especial (Desp). Desde 2005, a rede estadual desenvolve o projeto "Incluir", que objetiva preparar e adequar as escolas para receber os estudantes, com ações de acessibilidade arquitetônica e tecnológica, capacitação de educadores e formação de redes de apoio para os alunos. De acordo com a secretaria, no início do projeto, ao menos uma escola em cada município mineiro participava do projeto. Hoje, ela garante que todas as escolas da rede estadual recebem esses estudantes da educação especial. No estado, estariam sendo capacitados cerca de 14 mil professores. Apesar dos avanços divulgados pelo Estado, o Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais (Sind-UTE) contesta: "Eu, enquanto diretora do sindicato e professora, nunca fui convidada para nenhum curso de orientação para receber esses alunos com alguma deficiência na sala de aula. E a reclamação dos demais professores é frequente em relação a isso", informou a diretora da entidade, Victória de Fátima Mello.

Estrutura

De acordo com a SEE, entre as 49 instituições da rede estadual localizadas em Juiz de Fora, 29 recebem alunos com algum tipo de deficiência, totalizando 382 matriculados. O trabalho educacional é feito em sala de aula comum ou em sala de recursos existentes, estruturadas para receber este público estudantil, com máquinas de escrever e impressora em braile, mobiliário adaptado e fones de ouvido. Os materiais pedagógicos disponíveis na rede estadual são leitores de tela, sintetizadores de voz, programas de comando de voz para cegos ou com dificuldade de digitação, teclados e mouses especiais, entre outros.

Falta de capacitação dos profissionais

Novecentos e dois alunos com algum tipo de deficiência estão matriculados hoje nas 102 escolas da rede municipal, recebendo atendimento na própria instituição. Outros 450 estão nos três Núcleos Especializados de Atendimento à Criança Escolar (Neaces). É o que afirma a coordenadora de Atenção à Educação na Diversidade, Margareth Moreira. Com verba do Governo federal, 16 salas com recursos multifuncionais, como livros e impressoras em braile, lupas eletrônicas para alunos com baixa visão, mapa tátil, entre outros equipamentos, estão sendo utilizadas na cidade, em diferentes bairros, até mesmo na Zona Rural. Outras 20 devem ser inauguradas até agosto. "O objetivo é que toda escola venha a ter essas salas", afirma Margareth. A rede municipal de ensino trabalha com 102 estagiárias e 35 professores colaborativos, que auxiliam o docente na sala de aula. Além disso, 35 escolas utilizam a Língua Brasileira de Sinais (Libras) e 12 contam com trabalho de intérpretes em sala. Um dos estudantes atendidos é Carlos Alberto Pereira, que é cego. Ele cursa o oitavo ano do ensino fundamental na Escola Municipal Cosette de Alencar, no Bairro Santa Catarina, considerada referência no atendimento aos alunos com deficiência visual. Para os estudos, Carlos tem acesso aos materiais em braile, além do mapa tátil, que permite o aprendizado das dimensões planetárias nas aulas de geografia. "Eu estou satisfeito com o ensino."

Apesar da situação descrita por Margareth, o Sindicato dos Professores (Sinpro) tem outra visão. Segundo o coordenador-geral, Flávio Bitarello, a falta de treinamento de recursos humanos é uma realidade. O sindicalista diz que a reclamação está na pauta de reivindicação constante da classe por profissionais mais capacitados para atender esses alunos. "Não somos formados na licenciatura para trabalhar com essas situações. Todos os professores se desdobram para superar essa deficiência de formação acadêmica e estrutural no município", enfatiza Bitarello. Margareth reconhece que o espaço físico, sem acessibilidade a todos, ainda é um grande problema na rede escolar e, assim, a maioria das escolas precisa passar por adaptações, como rampas, banheiros e carteiras adaptadas, para receber esses estudantes, além da necessidade de qualificação profissional.

Cadastro escolar

Para atender melhor os alunos com deficiência, Margareth ressalta a importância do cadastro escolar, que toda criança da rede municipal deve fazer no mês de agosto. "Especialmente os pais de alunos com algum tipo de deficiência devem fazer esse cadastro para que o município ofereça a escola próxima da casa da criança e para que a instituição se prepare para recebê-la." Segundo ela, a prática é para eliminar a ideia de escolas-referência em determinados tipos de deficiência. Por exemplo, ao invés de apenas a Cosette de Alencar ser referência para alunos cegos, outras escolas também se preparam para recebê-los, assim como os demais estudantes da educação especial.

Assim como nas escolas municipais, os pais de alunos matriculados nos colégios estaduais precisam estar atentos ao cadastro. O formulário permite a informação sobre a deficiência do aluno e as condições de acessibilidade necessárias ao atendimento.
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Fonte: Jornal Tribuna de Minas - JF / http://www.tribunademinas.com.br/geral/geral10.php

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