Trabalho infantil é desafio para governo e sociedade
Por Fernando Costa, 26 jun. 2010
Márcio Ferreira da Silva, o Marcinho, quer se tornar um grande astrônomo. Fascinado pelas estrelas, há poucos meses o menino de 12 anos não acreditava que poderia sonhar com a futura profissão. Ao invés de olhar para o céu e observar seus objetos de desejo, ele usava seu tempo para catar latinhas na rua e ajudar na renda de casa. Marcinho era mais um número que se somava a uma estatística que assusta: são mais de 4,5 milhões de crianças e adolescentes com idade entre 5 e 17 anos que trabalham no Brasil. O número, apontado pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), reforça uma necessidade de atenção maior à situação do trabalho infantil no país.
Marcinho hoje faz parte do programa Curumim, da Secretaria do Estado de Desenvolvimento Social (Sedese), que leva atividades de cultura e lazer para crianças de até 15 anos que um dia estiveram em situação de trabalho e rua. “Não sinto falta nenhuma do que eu fazia. Às vezes pegava um pouco do dinheiro que conseguia para mim, mas participar das atividades daqui compensa mais”, conta Marcinho. Quem também mudou de vida depois de integrar o Curumim foi Carlos Henrique Ramos de Medeiros, também de 12 anos. O garoto, que impressiona com seus ippons nas aulas de judô da unidade do programa no bairro Cidade Industrial, em Contagem, dividia seu tempo entre a escola, o trabalho como flanelinha e a busca por latinhas nas ruas. “Eu saía de casa de manhã e só voltava à noite. Além de trabalhar, ficava sem segurança e só olhando coisas erradas na rua”, conta o jovem.
O Curumin atende, atualmente, a 3.400 crianças e adolescentes em 14 núcleos espalhados em municípios da região metropolitana de Belo Horizonte. O objetivo do programa, que começa a ser municipalizado, é crescer mais. “É um trabalho que complementa as atividades escolares das crianças. Antes ou depois das aulas elas vêm para cá e têm aulas de reforço, praticam esportes e ficam longe do que pode ser prejudicial para elas do lado de fora”, explica Ana Paula Camargos Almeida, que há 11 anos administra o Curumim no bairro Cidade Industrial.
Um levantamento da Fundação João Pinheiro (FJP) mostrou em 2008 que cerca de 300 mil crianças e adolescentes mineiras trabalhavam. De lá pra cá, de acordo com a Sedese, 20 mil delas foram levadas para programas de apoio. O estudo da FJP culminou em um plano de erradicação do trabalho infantil no Estado, que desenvolve ações e repassa investimentos aos projetos de assistência social espalhados por toda Minas Gerais.
Problema tem histórico cultural
Mais do que um complemento para a renda familiar, o trabalho infantil pode ter fortes raízes históricas e familiares que dificultam no combate à prática no país. De acordo com a superintendente da Coordenadoria Especial de Política Pró-Criança e Adolescente (Cepcad) da Secretaria do Estado de Desenvolvimento Social (Sedese), a cultura que vem de gerações antigas e que diz que é melhor a criança trabalhar do que ficar “à toa” ainda impera em muitos lares do Brasil. “O pai que trabalhou quando criança acha que o filho tem que seguir o mesmo caminho, que isso vai ser bom para o futuro. Mudar essa idéia é um dos principais desafios dos nossos programas”, conta Eliana Siqueira. Em contato com pais de crianças e adolescentes do projeto Curumim, Ana Paula Camargos conta que criar nos pais a consciência de que os filhos não podem trabalhar é uma etapa complicada. “Um pai de um dos meninos atendidos pelo programa veio até aqui e disse que o filho renderia mais se levasse dinheiro para casa como flanelinha. Ameaçou tirar a criança das atividades”, conta Ana Paula.
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