segunda-feira, 6 de junho de 2011

Preconceito prejudica desempenho de alunos na sala de aula

Por Antôniop Góis


Maria Helena Souza Patto, docente do Instituto de Psicologia da USP e pesquisadora na área de Psicologia Social da Educação Escolar, afirma que o preconceito de classe pode ser uma das razões que explicam a diferença de expectativas de sucesso entre os alunos mais pobres e os mais ricos na rede pública do ensino básico.

Leia abaixo a íntegra da entrevista.

Folha - Olhando para as estatísticas de hoje, os professores que projetam que muitos de seus alunos não chegarão ao final do ensino médio estão sendo até realistas. No entanto, não se trata de um caso de profecia que tem tudo para se realizar? Há evidências de que essa baixa expectativa do professor afeta o desempenho do aluno?

Maria Helena Souza Patto - Penso que pode haver uma dose de "realismo" nesta previsão, mas é preciso considerar também que ela pode conter outros determinantes mais implícitos e sutis. NesSa atitude "fatalista" pode estar presente uma "naturalização" do existente, quando vários intelectuais e pesquisadores brasileiros e estrangeiros já mostraram que não se pode entender a política educacional de um país sem entender o que se passa nos planos econômico, social, político e cultural. Pesquisas já realizadas com professores sobre as causas do fracasso escolar generalizado (salvo exceções que confirmam a regra), entre crianças e adolescentes que frequentam a rede pública de ensino fundamental e médio no país ( e que estão saindo desses níveis sem terem adquirido habilidades e conhecimentos que cabe à escola ensinar), mostram que um dos grandes determinantes desse resultado é a presença do preconceito de classe e étnico, que estrutura a vida cotidiana nesses estabelecimentos escolares, presente de modo claro nas falas de duas educadoras numa escola de um bairro periférico da cidade de São Paulo:

Professora: O principal é ter carinho em casa. Pode ter até um pouco de fome, mas precisa sentir que tem alguém interessado nela, que gosta dela. A mãe não tem aquela sensibilidade de um elogio. (...) Essas mães são umas coitadas, não têm sensibilidiade, não têm nada. (...) A diferença [entre mães sensíveis e insensívweis] já é de nascença, já nasce com a pessoa, é agressiva de nascença."

Orientadora pedagógica: É muito difícil para a criança da periferia. Escreve aí - pe-ri-fe-ria (enfatiza cada sílaba), porque a gente já sabe a bagagem que esta criança traz de casa.

Com essa visão negativa dos alunos e de suas famílias, educadores estão prontos a se relacionarem com essas crianças de modo a confirmar essas expectativas de que serão incapazes de aprender, por meio de vários comportamentos explícitos (agressões verbais e até físicas, como humilhações em sala de aula, arrancar e rasgar folhas de caderno que contèm erros etc.) ou mais sutis, como a frequência com que as atendem em suas dúvidas etc.

Assim sendo, eu diria que essa profecia se realiza permanentemente nas escolas brasileiras, pois estamos em um país em que a relação das classes que dominam com os que lhes são subalternos sempre foi marcada pela violência e no qual o preconceito de raça e de classe é uma realidade, desde a constituição do sistema nacional de ensino brasileiro, na primeira metade do século 20, quando o racismo científico fazia parte do discurso de nossos cientistas e de profissionais que atuavam na rede escolar procurando, por meio da educação, reverter a tendência à loucura e ao crime que seria característica de negros e mestiços.

Folha - O que fazer para reverter esse pré-conceito que os professores tem em relação a seus alunos?

Trata-se de investir na formação dos professores. Formação esta cada vez mais calamitosa desde os anos 70, quando a educação escolar foi invadida por uma mentalidade tecnicista e o cotidiano escolar foi invadido por uma segmentação do trabalho pedagógico que criou uma hierarquia entre especialistas e professores, e estes foram desqualificados e colocados em posição subalterna em relação a pedagogos, psicólogos, orientadores etc. Recentemente, o Ministro da Educação disse que "é preciso valorizar o professor". No entanto, essa valorização ainda não aconteceu como política educacional sustentada no país. Ao contrário, a proliferação nos últimos anos de cursos de pedagogia em instituições privadas de ensino superior de baixíssima qualidade só tem feito mascarar o problema da formação de professores. Numa política educacional oficial que se contenta com estatísticas, é cada vez maior o número de professores com nível superior, e isso parece bastar aos políticos. Para mim, educadores são trabalhadores intelectuais, ou seja, precisam de formação intelectual, precisam adquirir a capacidade de refletir sobre a realidade brasileira e o lugar que lhes é destinado na manutenção da desigualdade social e na sua justificação.

Florestan Fernandes insistia: a valorização dos professores deve incluir simultaneamente a boa formação, a boa remuneração e a participação ativa desses trabalhadores nas decisões que dizem respeito ao seu trabalho.

Folha - Pensando no outro extremo, também não seria irrealista cobrar do professor que seja capaz de fazer todos os alunos terem sucesso escolar, já que sabemos que condições alheias ao seu trabalho influenciam no rendimento escolar?

São poucas as crianças portadoras de problemas psíquicos e físicos que dificultam a aprendizagem escolar. Como afirma Maria Cristina Kupfer, uma psicanalista voltada para a reflexão e a pesquisa sobre a contribuição dos conhecimentos psicanalíticos para a educação, 98% das crianças estão aptas a aprender. Mas mesmo esses 2% têm direito a esse espaço da infância chamado escola. E são muitas as experiências de ensino, aqui e no exterior, que mostram que as condições de vida dos alunos são menos decisivas em sua capacidade de aprender quando eles frequentam uma escola que os respeita e os acolhe, que os vê como cidadãos e que conta com professores empenhados em exercer sua profissão com compromisso ético-político; e que sabem que cabe à escola realizar seus objetivos, em vez da desculpa muito frequente entre professores: "sem ajuda em casa, não vai".

Isso vem de uma boa formação educacional dos próprios professores. Um dos grandes problemas que temos hoje é que os professores são, eles próprios, produtos da falência do ensino escolar brasileiro.

Assim sendo, tenho recusado convites para participar, por exemplo, de Comissões do MEC de reforma do currículo do ensino fundamental. A meu ver, e como eu disse a eles, esse tipo de medida equivale a começar a construção de uma casa pelo telhado. O que está faltando é compromisso das autoridades com um ensino de qualidade a todas as crianças e jovens _um ensino voltado para a formação intelectual de um povo, e não um ensino limitado à pseudo-formação de um ensino meramente técnico. E para isso é preciso uma real vontade política de investir para valer na formação dos educadores.


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