domingo, 12 de junho de 2011

Édipo, eu e os outros

Salomão Ferreira de Souza*

Quando, aos nove meses de vida, resolvi romper as paredes de contenção que impediam meu crescimento e possibilidades de outras vivências, não pensei nas dificuldades e nos desafios presentes no novo mundo. Por isso tentei manter um forte vínculo com minha mãe e até acreditei na possibilidade de voltar a viver o conforto e ócio daqueles primeiros meses de vida.


Um dia percebi que não tinha mais jeito e resolvi encarar o mundo com todas as implicações desse enfrentamento. Ainda guardo comigo, bem no fundo de um velho baú, todos os medos e frustrações daquele tempo. Larguei o colo, ensaiei passos, levei tombos, me machuquei muito! Aqui e ali descobria um jeito de fazer melhor as coisas, de tirar proveito das expressões. Assim fui construindo, em segredo, um jeito próprio de enfrentar os desafios de construir caminhos.


O grande e o pequeno, o muito e o pouco foram as primeiras distinções que fiz desse mundo. Depois vieram outras como o tempo e as distâncias, o antigo e o novo, o perto e o longe. Essa última me cobrando um passo mais largo e acendendo na imaginação fixações por lugares ainda desconhecidos e distantes que só cabem nas representações imaginativas das fantasias. Pensava ser o centro das coisas, o centro do mundo. Foram tantas frustrações! Um dia descobri que não estava sozinho no mundo, por exemplo, na casa onde eu morava também moravam meu pai, minha mãe e meus irmãos. Meu pai, como chefe da família, me roubou esse prazer de ser o centro do universo. Foi ele que me impediu de voltar. Foi ele que colocou meus irmãos no mundo. Era um grande problema aceitar essa competição desigual. Essa foi minha primeira grande batalha entre as muitas que travei no mundo psicológico e real.


O tempo passou e acabei descobrindo outras armas de guerra. A ditadura paterna já não era meu maior problema. Quando compreendi que, na impossibilidade de reconquistar minha mãe, teria que buscar o paraíso em outra mulher, lancei a meu pai o grande desafio de novas conquistas na certeza de sua frustração e para maior vingança. Por substituição, imaginei minha mãe noutra pessoa sobre a qual meu pai não pudesse exercer sua autoridade. Frustrei, venci, substitui minhas construções edípicas por armas bem mais elaboradas. Nessa nova busca encontrei o outro. Não o meu pai ou meu irmão. Encontrei aquele que, como eu, também estava no mundo e, possivelmente, enfrentando os mesmos problemas que eu: lutar contra a tirania do pai para reconquistar o paraíso perdido.


Assim, quando pensei ter descoberto a estratégia perfeita, vi que não estava sozinho, existiam outros na arena.. Tentei aliar-me a eles, fazer acordo, inventar técnicas e desse jeito fui perdendo terreno aqui, ganhando algum ali, atravessando despenhadeiros, construindo pontes.


Não me considero herói. Aprendi que no mundo não tem ninguém que seja somente vencedor. Essa ideia me conformava um pouco nos momentos de derrota. Deu certo! Tanto assim que conquistei, em parte, o paraíso perdido. Sou pai e acredito que meus filhos devem lutar as mesmas batalhas que eu lutei. Se eu tivesse coragem contaria a eles aquilo que os outros não me contaram quando vim ao mundo. Mas, da mesma forma que meu pai, prefiro que eles descubram sozinhos as armadilhas que a psique coloca em nosso caminho. Elas nos conduzem à desesperada busca de infindáveis desejos. Desejos de um lugar de gozos.


Arqueado pela dor de muitas frustrações; feliz pelos pequenos instantes de prazer e ausência da dor de ser humano e estar no mundo; munido das mais diversas ferramentas, deixo aqui meu depoimento de vida, desvelo meu memorial psíquico cheio de segredos, muitos dos quais guardei tão bem que já não consigo mais distingui-los entre os retalhos. Primeiro escondi de minha mãe as frustrações e desejos inconfessáveis. Depois escondi de meu pai as armas afiadas que forjei para a grande batalha de reconquista do paraíso que ele me roubara. Trago comigo armaduras bem elaboradas e sofisticada tecnologia de guerra, algumas expostas no sótão e outras, bem mais sutis, escondida nos porões de meu inconsciente. Sempre que preciso, recorro a esse arsenal para enfrentar o outro e a mim mesmo, enquanto pessoa, na grande batalha que é viver uma existência cultural. Sempre desconfio do outro por acreditar na maior eficiência de suas ferramentas psíquicas.


É sob o peso da dúvida que coloco quase todas as armas sobre a mesa e, olhando-as longamente, penso nas razões que me fizeram acreditar que o humano é toda essa complexidade e mais alguma coisa que a técnica e o método ainda não descobriu: 1 - que somos definitivamente determinados pela distinção fálica do pensamento judaico freudiano; 2 - que estamos eternamente presos aos seios lacanianos do pensamento cristão; 3 - que somos afeitos a vínculos ordenadores dos rumos, das ações e da maneira pessoal de ser no mundo, conforme nos aponta MD Magno. Será que Freud estava certo ou Maturana apropriou-se da psique humana doando-a ao projeto primitivo da ameba com toda implicação de suas relações entre o inerte e a vida, o mineral e o orgânico?


*- Estudante do curso de Pedagogia da FAE (Faculdade de Educação) - BH / UEMG (Universidade do Estado de Minas Gerais).

Nenhum comentário:

Postar um comentário