quarta-feira, 22 de junho de 2011

Detectores miram alvo errado


22 de junho de 2011


Considerada pelo próprio prefeito de BH ineficaz, lei que obriga instalação de sensores de metais em escolas ignora realidade das instituições e prioridades de seus diretores

Uma lei que nasce polêmica, expõe a falta de conhecimento do poder público sobre a realidade de parte das escolas de Belo Horizonte e fura a fila de projetos considerados prioritários pela Secretaria Municipal de Educação (Smed).

A instalação de detectores de metais em unidades de ensino municipais com mais de 500 alunos por turno transformou-se em obrigação legal ao ser sancionada pelo prefeito da capital, Marcio Lacerda (PSB), no fim da última semana, apesar de ele mesmo reconhecer a fragilidade da norma e de o equipamento aparecer em quinto e último lugar em uma escala de prioridades para a segurança escolar, segundo pesquisa com diretores das instituições. Ontem, o Estado de Minas percorreu algumas das 41 unidades de ensino que vão receber detectores de metais (veja lista completa ao lado) e ouviu diretores, professores e alunos, além de especialistas em segurança pública e representantes de entidades de classe sobre o assunto.

De autoria do vereador Cabo Júlio (PMDB), o projeto foi aprovado pela Câmara Municipal no mês passado, ainda sob influência da tragédia na Escola Municipal Tasso da Silveira, em Realengo, no Rio de Janeiro, em 7 de abril, quando 12 alunos foram mortos por um ex-estudante que entrou armado na instituição. Na mesma onda de comoção, o texto foi sancionado por Marcio Lacerda e os equipamentos devem ser instalados nas escolas até o fim deste ano. A decisão do prefeito vai na contramão de declaração dada por ele próprio no mês passado, quando reconheceu a vulnerabilidade das escolas e os possíveis transtornos decorrentes da instalação dos detectores.

“A escola não é como um prédio, com uma única porta. Ela é cercada de muro ou de tela. Introduzir uma arma ali é muito fácil. Os detectores vão criar fila na porta e um estresse a mais para um risco que é baixíssimo”, disse Lacerda, em entrevista ao EM em 30 de maio.

A Secretaria Municipal de Educação também avalia que os detectores “não são eficientes por si só para garantir a segurança nas escolas” e vão apenas integrar uma série de ações preventivas. “Fizemos uma pesquisa em que apontamos cinco ações para os diretores enumerarem em ordem de importância. Em primeiro, aparece a necessidade de ter vigilantes e porteiros qualificados. Em seguida, vêm a presença da Guarda Municipal na escola, a instalação de câmeras de monitoramento e os programas de aproximação entre instituições de ensino e comunidades.

Em quinto lugar aparece a instalação de detectores. Nesse contexto, entendemos que os equipamentos são bem-vindos, desde que associados às demais ações que já estamos implantando”, explicou o gerente de Projetos Especiais da secretaria, Ismair Sérgio Cláudio. Mesmo com tantas ponderações, a prefeitura deu aval ao projeto. No entanto, ainda não sabe informar os detalhes da instalação dos equipamentos nas escolas.

Em nota, a Secretaria Municipal de Segurança Urbana e Patrimonial se limita a esclarecer que “estão sendo avaliados modelos, custos, portabilidade e como se dará o emprego operacional” dos aparelhos, que custam entre R$ 2 mil e R$ 3 mil cada, segundo empresas de segurança consultadas pelo EM. Com base nesse orçamento, a implantação dos detectores nas 41 escolas pode custar até R$ 120 mil aos cofres públicos.

INFRAESTRUTURA


Com muros de um metro e meio de altura e sem guardas municipais para fazer a ronda no turno da noite, a Escola Municipal Senador Levindo Coelho, no Bairro Serra, na Região Centro-Sul, é uma das instituições que vão receber os detectores de metais. Para o diretor Eduardo César Baccarine, os problemas operacionais e de infraestrutura física podem tornar ineficaz o esforço para instalação dos equipamentos.

“Os muros são muito baixos e qualquer um entra na escola quando quer. Por isso, um detector de metal na portaria seria pouco eficiente. Talvez câmeras de filmagem, mais porteiros e guardas municipais seriam soluções mais simples e com resultados melhores”, afirmou Eduardo, responsável por 1,7 mil alunos matriculados do 1º ao 9º anos do ensino fundamental.

Na Escola Municipal Pedro Aleixo, no Bairro Flávio Marques Lisboa, no Barreiro, a notícia da instalação é bem-vinda, mas não deixa de despertar desconfiança na direção. “Toda medida para ajudar a conter a violência é boa, mas resta saber como será a implantação desses aparelhos. A escola é muito vulnerável, com apenas um vigilante para controlar dois portões, e tem muros baixos. A segurança é uma das nossas prioridades, mas temos outras também urgentes, como mais áreas de lazer e a reforma do parque infantil, que poderiam ser beneficiadas com essa verba”, disse a diretora Ana Lúcia de Oliveira.

Escola transformada em fortaleza


Muros de mais de três metros de altura cercam a Escola Municipal Santos Dumont, no Bairro Santa Efigênia, na Região Leste de Belo Horizonte. Nos pátios e quadras da instituição, toda a movimentação é registrada por duas câmeras e por funcionários equipados com radiocomunicadores. E, na portaria, um agente registra a entrada de todos os visitantes. Até o fim do ano, a unidade de ensino ainda vai receber detectores de metais, graças à lei sancionada na última semana pelo prefeito Marcio Lacerda. Apesar de todo o aparato, o clima não é de segurança no local.

“Sentimos falta de um profissional treinado e especializado para abordar os alunos. Não dá para pensar na escola como um aeroporto ou um banco, onde as pessoas são revistadas. É preciso um tratamento mais educativo, com foco pedagógico”, diz o diretor Carlos Lúcio Generoso.

Os episódios de violência são narrados por alunos e professores da escola que, amedrontados, apoiam a instalação de detectores. “Já vi colegas com estilete na mochila e até boatos de que havia armas. Sempre presencio brigas na saída da aula e acho que tudo o que vier para dar mais segurança será muito bom”, conta a aluna do 9º ano do ensino fundamental Camila Teixeira Lopes, de 15 anos.

A professora de inglês Carla Brandão, que já foi agredida na porta da escola, também recebe bem a medida e ainda cobra mais ações do poder público. “Na nossa escola não há arma, há indisciplina. E falta uma providência efetiva do governo para solucionar os casos e evitar que eles se agravem. Os pais não assumem a responsabilidade deles, os órgãos da Justiça não se posicionam e o poder público faz o quê? Manda um detector de metal? Confesso que acho pouco.” Preocupado com as estatísticas de violência nos ambientes de ensino – a Polícia Militar atuou em 4,3 mil ocorrências em escolas mineiras entre 2008 a 2010 –, a Federação das Associações de Pais e Alunos das Escolas Públicas de Minas Gerais (Fapaemg) é favorável aos detectores.

“Lamentamos a necessidade desses equipamentos, mas apoiamos a instalação. Sabemos que eles não vão resolver 100% o problema, mas já é um início. Precisamos deixar de lado a hipocrisia e reconhecer que a situação é grave e que não há escola imune à violência”, diz o presidente da entidade, Mário de Assis.

Com opiniões contrárias, especialistas em segurança pública e o Sindicato dos Trabalhadores em Educação da Rede Pública Municipal de Belo Horizonte (Sind-Rede/BH) criticam a lei. “A medida é absurda, inoportuna e inadequada. Trata-se de uma típica legislação de pânico, que pretende isolar a escola da comunidade. O problema da violência na escola não envolve armas, e sim agressão físicas, verbais e depredação do patrimônio”, defende Luiz Flávio Sapori, professor do curso de ciências sociais da PUC Minas.

Para o Sind-Rede/BH, a medida é “marqueteira” e vai trazer transtornos. “A entrada nas portarias será feita de maneira individual, o que vai gerar filas imensas. Quem vai garantir a segurança dos jovens do lado de fora das escolas? E quem vai manusear esses equipamentos e revistar os alunos em caso de problema? Não temos servidores para essas tarefas. Essa lei é apenas uma resposta ao massacre de Realengo”, declara critica a diretora-administrativa do sindicato, Andréa Carla Ferreira.

Fonte: Estado de Minas

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