domingo, 19 de junho de 2011

PARAÍSO: UM TÉDIO UTOPICAMENTE DESEJADO


"Ainda que fôssemos surdos e mudos como uma pedra, a nossa própria passividade

seria uma forma de ação" (Jean-Paul Sartre)



Salomão Ferreira de Souza*



Tomando a felicidade como sensação de desejo saciado; considerando esse desejo uma busca constante, não um objeto em si; convencionando a falta do desejo saciado uma espécie de motor que nos impulsiona à busca da felicidade; considerando, também, que o ideal que almejamos é o paraíso, ou seja, um lugar de desejos saciados; inferimos que esse lugar, se existe, é um lugar de morte do humano, de repouso absoluto, o que prova a completa impossibilidade de sua realização. Considerando que somos parte do universo e nesse não há possibilidade de repouso absoluto, a ausência de conflitos geraria um descanso eterno impossível e mortal.


Sartre (2009) considera que o “ser” (ente), se faz na ação e que sua negação, ou seja, o “não-ser” se dá pela e na falta da ação, ou seja, aquele é a possibilidade de existência e esse a ausência do ente. Se pensarmos na ação desse sujeito como força vital que Freud convencionou chamar de pulsão de morte e pulsão de vida, pulsões essas tão bem ilustradas por Nelson (2011) como a dinâmica de uma usina, cujo funcionamento é a ação que sacia, mas que, ao mesmo tempo, provoca o esvaziamento da força vital e, por conseguinte, a necessidade de re-equilíbrio que se dá na dor, ou melhor, na falta do prazer saciado. Se, em nossas conjecturas, pudéssemos conceber uma usina perfeita, cuja fonte fosse eternamente abastecida por um “milagre divino”, um lugar de prazeres sem fim, um ponto final nos conflitos – como propõe a gênese cristã ao dizer do jardim do éden sem serpentes ou tentações -, podemos concluir que esse seria um lugar de tédio, lugar de morte do humano, do “não-ser” sartreano, dedução essa justificada pela falta de pulsão de morte, fenômeno que produz o vazio e impulsiona o sujeito à busca da felicidade e de desejos saciados.



Convém reforçar que esses desejos, quando encontrados, provocam o imediato esvaziamento da força vital retomando o ciclo. A ação de busca é o que, em Sartre, nos faz “ser” pela não nulidade e também na eterna incompletude e trânsito entre a vida e a morte, entre o prazer e a dor, entre a ação e o repouso, entre o trabalho e o ócio que afirmam nossa existência no mundo.


Pensamos, a partir das análises da ação e da falta de ação, do prazer e da dor, do desejo saciado e sua busca, que o paraíso tão propagado pelas religiões, se por um lado é um lugar de tédio, de morte, de completa nulidade, por outro é essa utopia necessária enquanto promotora das ações da eterna busca. Mesmo sabedor da impossibilidade do completo saciar de desejos e do tédio desse lugar de infinito gozo, precisamos criar utopias do paraíso para suportar a dor da busca, cientes de que a felicidade é apenas uma possibilidade instantânea que precede o vazio e esse, por sua vez, nos aponta o fenômeno imediatamente anterior ao qual convencionamos denominar felicidade.


O paraíso só existe no mundo das utopias, onde a felicidade é busca e não realização plena de desejos. Em suma, ela é construção subjetiva de ferramentas que nos impulsiona à busca do prazer, tão caro e tão necessária ao ser (ente) e sem o qual não há existência possível.

BIBLIOGRAFIA
SILVA, Nelson Luiz Ribeiro da. Aula inaugural do primeiro semestre de 2011. Professor da FAE (Faculdade de Educação/BH - UEMG. 09 de fevereeiro de 2011.
SARTRE, Jean-Paul. O Ser e o Nada. Petrópolis, Ed. Vozes, 2009.

*Salomão Ferreira de Souza - é escritor em BH, e estudante do curso de Pedagogia da FAE (faculdade de Educação) em Belo Horizonte da UEMG.

Nenhum comentário:

Postar um comentário