terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Sem professores, notas são ruins

21 de fevereiro de 2011

Os dados históricos do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) são ao mesmo tempo escudo e arma da Secretaria Estadual da Educação para exigir o retorno dos professores às salas de aula. Reportagem publicada ontem no POPULAR mostrou que em cada grupo de 10 professores efetivos da rede estadual, 3,4 estão fora da sala de aula. Ao todo, são 11.750 professores em outras atividades. Enquanto isso, o ranking de desempenho da Educação Básica nacional revela que o Estado de Goiás, desde 2005, não conseguiu ganhar sequer uma posição em nenhuma das fases, seja nos anos iniciais (1º ao 5º) e finais (6º ao 9º) do Ensino Fundamental e mesmo no Ensino Médio (ver quadro). O secretário Thiago Peixoto carrega estes levantamentos debaixo do braço para mostrar a quem quer que seja os motivos para exigir que os professores voltem às salas de aula.

Em alguns casos, a nota média alcançada pelos alunos até teve uma variação positiva, mas isso não foi suficiente para que o Estado conseguisse melhorar sua posição no ranking. Há uma tendência de queda e, no máximo, de manutenção da posição. Pior ainda, conforme o aluno se aproxima dos anos finais da Educação Básica, a posição no ranking vai piorando (sai do 8º lugar nos anos iniciais do Ensino Fundamental, passando pelo 15º nos anos finais até chegar ao 16º no Ensino Médio). Para a Secretaria Estadual da Educação (Seduc) não há dúvida de que alguma coisa vai errada. "Os resultados mostram que o sistema está fracassando. O aluno passa 12 anos na escola e sai dela com menos de 25% do conhecimento necessário em Língua Portuguesa e com apenas 8% em Matemática. E Goiás tem caído no ranking. Isso exige mudanças que não são fáceis. E tais mudanças não virão com 30% dos professores fora das salas de aula", argumenta Thiago Peixoto.

Criado em 2007 pelo Ministério da Educação (MEC) como parte do Plano de Desenvolvimento da Educação, o Ideb é calculado com base na taxa de rendimento escolar (aprovação e evasão) e no desempenho dos alunos no Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb) e na Prova Brasil. Quanto maior for a nota no teste e quanto menos repetências e desistências forem registradas, melhor será a classificação, numa escala de zero a dez.

O secretário da Educação de Goiás não está preocupado em mexer na estrutura da escolas para tentar melhorar o índice de aprendizado dos alunos. Além da suspensão de projetos educacionais complementares (Praec´s), a Seduc exigiu que nas escolas em que há déficit de professores em determinadas disciplinas, que os educadores dessas áreas que estão integralmente ou em parte em outras atividades (como laboratórios e bibliotecas) dediquem o seu tempo às salas de aula. No Colégio Albert Sabin, no Jardim Petrópolis, em Goiânia, por exemplo, um professor de Língua Portuguesa e Inglês está trabalhando na biblioteca.

"É claro que eu sei que o laboratório é importante, que a biblioteca é importante. Mas, mais importante do que isso, é saber ler e escrever e saber Matemática. É uma simples questão de foco e de prioridade. Nosso foco tem de ser o aluno e nossa prioridade não vai ser a horta, nem o laboratório, nossa prioridade vai ser ensinar Língua Portuguesa, Matemática e Ciências", diz o secretário.

Mas não é todo mundo que pensa como o novo secretário. As críticas mais ferrenhas vêm dos professores. O POPULAR conversou com professores e diretores de escolas estaduais da capital e do interior e ouviu deles que Thiago Peixoto não se debruçou sobre a realidade de cada escola ao impor o retorno dos professores às salas de aula, sem dar oportunidade de contra-argumentação. "O laboratório de informática, por exemplo, é uma ferramenta pedagógica extraordinária. Nesse mundo tecnológico tão avançado é preciso preparar o nosso aluno para o futuro, deixá-lo mais próximo da realidade do mercado de trabalho. O mundo mudou e a escola precisa acompanhar isso", defende uma professora de Silvânia.

"Ao adotar essas medidas, o secretário não verificou o que ocorre em cada escola. Cada situação é diferente. Os alunos precisam do laboratório de informática para fazer pesquisas para trabalhos e outras atividades relacionadas com o projeto pedagógico. De que adianta ter investido antes na melhoria dos laboratórios se agora eles ficarão subutilizados? Para mim foi um retrocesso", ressalta uma professora de uma escola do interior.

Uma das justificativas dos defensores da presença de professores em laboratórios e bibliotecas é que eles estariam preparados para as funções. "Os professores foram preparados, fizeram curso para isso. Não é qualquer pessoa que pode assumir a função sem gerar impacto para a escola e para o aluno. Os professores que atuam como dinamizadores são essenciais nas atividades", diz uma diretora de uma escola do interior.

O POPULAR verificou que muitas escolas do Estado estão driblando a determinação da Seduc e fazendo os ajustes internos para que professores continuem fora das salas de aula. Ainda não se sabe como a Seduc irá tratar esses casos, mas há a possibilidade de controle das atividades através da folha de pagamento dos professores. "É possível saber cada atividade que está sendo desempenhada e se as determinações estão sendo cumpridas", avisa o secretário.

Sintego cobra valorização profissional

Se quer exigir a volta do professor à sala de aula e valorizar a presença dele no processo de desenvolvimento do aluno, a Seduc sabe que, por outro lado, chegará o momento em que o docente exigirá a contrapartida do poder público. Afinal, não é de hoje que o assunto valorização do educador é colocada em discussão. E ela sempre acaba passando pelo fator financeiro. "Como querem exigir tanto do professor se ele não é bem remunerado para isso", indaga uma professora.

O próprio Sindicato dos Trabalhadores na Educação em Goiás (Sintego) cobra uma política real de valorização. "O professor não tem medo de trabalhar. E não vai ser apenas colocá-lo na sala de aula que vai resolver os problemas. É preciso muito mais. É preciso estrutura. É preciso valorização dos profissionais da Educação. Ele precisa estar motivado", alerta a presidente do Sintego, Ieda Leal. Secretário licenciado da Educação, Thiago Peixoto dá indícios de que tem conhecimento dessa posição e, apesar de lembrar das dificuldades financeiras do Estado, diz que pretende implantar em Goiás o piso nacional dos professores (cerca de R$ 1 mil). "A médio prazo a gente quer até mesmo passar disso", promete.

De qualquer forma, com piso nacional ou não, Thiago Peixoto explica que criará um sistema de avaliação do desempenho dos professores, bem ao gosto da meritocracia que vem sendo tão propagandeada pelo chefe e governador Marconi Perillo. "Vamos criar uma avaliação aqui em Goiás nos moldes da Prova Brasil, na qual verificaremos o desempenho dos alunos. Com isso veremos como está sendo o processo de aprendizagem. A escola que registrar os melhores resultados irá receber bônus por desempenho para ser distribuído aos professores", destaca o secretário licenciado.

Atividades essenciais à educação

Para o educador Mozart Neves Ramos, conselheiro do movimento Todos Pela Educação, as medidas que vêm sendo adotadas pela Secretaria de Estado da Educação de Goiás (Seduc), das quais ele tem conhecimento e vem acompanhando, têm um objetivo central importante, mas necessitam de muito cuidado.

Ele fala principalmente sobre a exigência do retorno dos professores às salas de aula. "Se o professor estava em desvio de função, fora da educação, tudo bem que seja exigido o retorno imediato. No entanto, é preciso analisar que existem outras atividades, que não a docência, que também são essenciais para o processo educacional. Afinal, a Educação também exige elaboração de projetos e outras atividades semelhantes", opina o professor, que já foi reitor da Universidade Federal do Pernambuco (UFPE) e titular da Secretaria da Educação pernambucana nos anos 2000. Ele alerta que a Seduc goiana precisa se debruçar sobre os casos e avaliar cada um para não ter uma onda contrária de reclamações. "Cada escola tem o seu próprio projeto pedagógico. É preciso pensar nisso. É preciso separar o joio do trigo. Eu tomei medidas semelhantes às que estão sendo adotadas em Goiás quando fui secretário no Pernambuco, onde existia déficit de professores, e tive a preocupação de observar as situações existentes. No final, o resultado foi positivo", argumenta.

Sobrecarga de trabalho e queda da qualidade
Os professores estão na outra ponta da corda que é puxada de um lado pela Secretaria de Estado da Educação de Goiás (Seduc). As exigências feitas até agora para o retorno às salas de aula estão exigindo jogo de cintura e adaptações daqueles que já retornaram. E, se depender do secretário licenciado Thiago Peixoto, muitos ainda passarão pelo processo, já que o grosso dos mais de 11 mil professores ainda estão por retornar. Um dos casos para ilustrar o processo de mudança em andamento vem de Silvânia. Uma professora com mais de 25 anos na Educação e que estava há algum tempo na atividade principal de dinamizadora de laboratório, teve de retornar à docência nesse início de 2011. O processo não está sendo nada fácil.

Antes, ela dedicava todo o tempo a uma única escola, ainda que dividisse o período trabalhado entre o laboratório de informática (onde ficava mais da metade do tempo) e o complemento na sala de aula. Bióloga e professora de Ciências, Física e Química, ela agora tem de se desdobrar entre três colégios para cumprir a carga de 42 horas/aula semanais. "Foi uma modificação radical. Meus horários ficaram muito apertados. Avalio que o trabalho perde muito a qualidade. Não tenho como me dedicar e vestir a camisa de uma escola só. Isso prejudica demais a relação entre professor e aluno. A tendência é cair o rendimento dos dois lados. Eu fico até tarde e acordo de madrugada para preparar as aulas e nem assim tenho tempo suficiente", justifica.

Além desse caso, há as situações em que professores estavam morando em outras cidades e que foram convocados a retomar às atividades de docência no local em que foi lotado. E, nem sempre, o professor consegue logo de início a sua integração à cidade em que estava residindo. "É um transtorno para a gente. Não é fácil mudar a vida assim", explica uma professora que precisou mudar de cidade.

Questão ampla

O Sindicato dos Trabalhadores na Educação em Goiás (Sintego) considera que o retorno dos professores às salas de aula é uma decisão administrativa da Secretaria da Educação, mas entende que os problemas da educação são bem mais amplos do que isso. "Faltam condições de trabalho para os professores. Há uma sobrecarga de trabalho", salienta a presidente do sindicato, Ieda Leal. Ela salienta que, na verdade é preciso contratar uma quantidade maior de professores e realizar novos concursos para suprir o déficit, que ela não sabe estimar de quantos professores seria. "O que posso dizer é que há uma demanda muito grande na rede pública estadual que precisa ser suprida", completa a líder sindical.

Fonte: O Popular (GO)

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