sexta-feira, 23 de setembro de 2011

A humilhação dos professores em Minas Gerais



Lúcio Alves de Barros*

A greve dos professores de Minas Gerais que se arrasta por mais de 108 dias, além de grave já se tornou inaceitável. A leviandade, a irresponsabilidade e a despolitização do debate levada a efeito pelo Governo Anastasia (PSDB) criaram condições que são no mínimo humilhantes, cansativas, vexatórias e sérias para os professores, estudantes e pais. Digo professores porque estou falando de uma categoria que, por natureza, trabalha com a interação e cujo resultado é a formação do outro, sempre estranho e, por vezes hostil. Levanto, neste caso, três questões que não tarde produzirão efeitos perversos de grandes dimensões.
.
Em primeiro vale dizer do “jogo de palavras”: o governo diz que já paga o famoso piso salarial aos docentes. Os professores mais de uma vez, tal como fizeram os policiais em 1997, mostraram (até rasgaram) contracheques, falaram em jornais, televisão, blogs, sentaram-se à mesa e mostraram que não recebiam o piso (Lei 11.738, de 2008, que exige o pagamento do piso de R$ 1.187,97) fixado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O governo Anastasia simplesmente chamou os professores de mentirosos. Se é possível ser um bom professor sendo mentiroso e recebendo mais ou menos dois salários, ou não estamos no Brasil ou muitos acreditam na fala do governo. E é óbvio que não teríamos professores pesquisando nas universidades federais e estaduais. Além de chamar os docentes de mentirosos, o governo simplesmente tratou de deslegitimar, degradar, deteriorar e jogou ao chão a categoria que, para os tucanos, além de pedintes não sabem negociar. Essa humilhação dos mestres não vai sair impune. Todos nós vamos pagar amargamente e, sinceramente, não vejo o por que de toda retórica em torno da “educação como liberdade” ou “direito”, haja vista que o próprio governo já decretou o seu fim.
.
A segunda questão diz respeito à truculência, vigilância, crueldade e intransigência governamental. Além do recurso ostensivo de vigiar quem não tem nada a esconder, o governador e seus avatares armaram os policiais e bateram forte nos professores. A situação é e foi humilhante. Presenciei professores correndo como galinhas, gritando como loucos, chorando como irmãs de caridade e apanhando como ladrões em porta de viatura. Não era preciso todo aquele aparato na praça docemente chamada de “Liberdade”. Foi um exagero sem fim. O efeito perverso já é percebido: professores adoecendo, cansados (porque greve é coisa séria), ansiosos, deprimidos, ressentidos e podem esperar um bom tempo de educação em luto e sem significado. O governo foi de encontro a tudo que ensinamos e defendemos junto aos alunos, como a honestidade, a liberdade, o respeito à diferença, à diversidade, ao cuidado com o outro. O governo, definitivamente, esqueceu que a profissão docente é repleta de emoções e que lidamos constantemente com crianças e adolescentes em formação. O governo simplesmente desautorizou os professores e retirou a autoridade política da categoria, tratando-os como “casos de polícia”, marginais em desespero e pobres sofisticados capazes de manter o sacerdócio por mais ou menos dois salários mínimos.
.
Em terceiro e último é preciso apontar para outras consequências desse movimento. Alunos atrasados e pais enfurecidos eu acho difícil. Já se sabe que “só se ensina a quem deseja aprender”. Há tempos a comunidade não faz a mínima questão de participar dos rumos da educação e os seus filhos já estão mais do que entupidos de redes de relacionamento na internet e de baladas na calada da noite. Neste sentido, os professores estão solitários em um campo de batalha cujo rei aposta que o “vencedor ficará com as batatas”. Incrível e inacreditável tratar docentes como mecanismos de gestão que podem ser apertados quando as contas começam a ir para obras eleitoreiras. O gastar menos como justificativa não significa apostar os tostões na educação. Não é balela a ideia de que é na educação que se encontra a saída para as pequenas e grandes crises que perpassam, inclusive, países mais civilizados que o nosso. O governo, ao contrário, vem demonstrando com toda sua boniteza que não. Soltou os policiais que ele mesmo forjou nos moldes americanos e decidiu passar por cima do Supremo Tribunal Federal e da organização sindical dos trabalhadores da educação. Na covardia, ainda vem usando o nosso dinheiro na mídia e alardeado que as coisas estão como sempre estiveram. A consequência são professores atônitos, medrosos, enganados, humilhados... Forjamos uma educação com base na violência pura e simples, uma educação que dá vergonha e sem vergonha na cara. E podem esperar como efeito perverso uma categoria triste no trabalho, à deriva nos corredores escolares e, por ressonância, estudantes enfurecidos, pais amargurados e um governo ainda contente.
.
*- Professor da FAE/BH/UEMG, do curso de mestrado profissional da FEAD e doutor em Ciências Humanas: sociologia e política pela UFMG.

Um comentário:

  1. É difícil acreditar que após mais de 100 dias de greve, o governo não tenha se posicionado para resolver o problema.
    Está de parabéns pelo texto Lúcio, muito bom mesmo.

    ResponderExcluir