Por Cláudia Giúza
A agressão e as ameaças de morte feitas por um aluno de 15 anos à diretora de seu colégio trazem à tona a falta de segurança e a fragilidade do sistema de ensino brasileiro. O caso aconteceu recentemente em Contagem, na região metropolitana de Belo Horizonte, mas retrata a realidade de grande parte dos profissionais da educação no país. A tensão no ambiente de trabalho é um dos motivos que adoecem os professores e, muitas vezes, os forçam a deixar a sala de aula. Em Minas, dos 183.296 professores estaduais, 8.859 foram transferidos para outras funções e 9.017 aguardam perícia médica - são 17.876 docentes afetados. A situação se repete na capital, onde 786 dos 10.499 servidores deixaram as salas de aula.
Maria*, 54, deu aulas de biologia por 23 anos em João Monlevade, na região Central, mas parou de lecionar por problemas de saúde. "Perdi a minha voz completamente e tive depressão. Não aceitava a minha incapacidade de fazer o que sempre amei", conta. Além dos problemas físicos, ela diz que a readaptação também trouxe danos psicológicos. "Me jogaram em uma biblioteca empoeirada e mofada. Antes, tinha um problema de voz e, agora, me sinto emocionalmente incapaz de desenvolver qualquer tipo de trabalho na escola", explica.
Depressão. A depressão não atingiu apenas Maria. A doença é uma das principais reclamações dos professores e é causada por diversos fatores, como a falta de estrutura e desentendimentos com pais e alunos. Foi assim com a professora de inglês Carolina*, de Diamantina, no Alto Jequitinhonha. Além do cansaço da rotina de aulas em duas cidades diferentes, a frustração da falta de estrutura para trabalhar lhe rendeu uma depressão e a síndrome do pânico. "A readaptação só piorou meus problemas de saúde. Somos excluídos até mesmo pelos colegas de profissão".
No caso de Marta*, 32, professora de história, a indisciplina e a política educacional foram os problemas. Há seis anos afastada, ela conta que tudo começou quando percebeu o baixo desenvolvimento dos alunos. "Comecei a ficar angustiada e recebi o diagnóstico. É triste perceber que seu aluno não sabe nem escrever direito devido à política que impede a reprovação. Isso acabou gerando muita indisciplina e a situação está incontrolável", conta.
Retaliação. Um professor da região metropolitana da capital, que pediu para não ter o nome divulgado, conta que além da tristeza de deixar a sala de aula, os profissionais sofrem também pressão de seus superiores e até cortes salariais. No seu caso, a perseguição veio por parte da diretora da escola. "Eles não me falam nada e me colocam para fazer todo tipo de serviço. Já cheguei a repor papel higiênico nos banheiros. É muita humilhação". Ele ainda perdeu 20% do salário no chamado "pó de giz" e 5% de biênio, incentivos pagos apenas a professores que estão em sala de aula.
A mestre pela Universidade Braz Cubas, em São Paulo, Maria de Lourdes de Moraes Pezzuole desenvolveu uma tese sobre o assunto e confirmou que a depressão é muito comum entre os readaptados. Junto com ela estão problemas na voz e na coluna. A especialista afirma que, em boa parte dos casos, o problema poderia ser minimizado, o que não acontece porque é comum não haver qualquer acompanhamento médico e psicológico do profissional.
Maria de Lourdes é professora de educação física e também foi afastada. Após dois anos de tratamento, ela voltou para a escola, mas em outra função. No início do ano, após uma decisão judicial, ela conseguiu retornar à sala de aula. "Só estou dando aula porque o Estado teria que me pagar R$ 500 por dia fora de sala", conta.
Cansaço físico e mental atinge 93% dos profissionais da rede particular
Os professores da rede particular de Minas também são afetados por problemas relacionados à profissão. Uma pesquisa do Sindicato dos Professores do Estado de Minas Gerais (Sinpro Minas), em parceria com o Ministério do Trabalho, mostrou que, em 2009, 92,84% dos educadores reclamavam de cansaço físico e mental. Também conforme o estudo, 82,58% da categoria afirmou que a exigência do cumprimento de prazos é o principal motivo para tornar o ambiente institucional ameaçador. Já a principal causa de desgaste, segundo 40, 25% dos entrevistados, é a relação aluno/professor.
O sociólogo e pesquisador em educação Rudá Ricci não se assusta com o resultado e diz que a educação no Brasil está doente. Ele afirma que faltam políticas de incentivo à docência e que os governantes se omitem diante dos problemas. Ele aponta ainda outro problema: a pressão dos pais. "Os pais estão cada vez mais ausentes na criação de seus filhos. Eles pressionam psicologicamente os professores impondo que os profissionais supram a atenção e os limites que eles não conseguem colocar em casa", afirma Rudá Ricci. (CG)
* Os nomes dos entrevistados foram alterados para preservar suas identidades
* Os nomes dos entrevistados foram alterados para preservar suas identidades
Minientrevista: "É preciso que se invista em prevenção"
Waldeia Moreira Médica do trabalho
A rotina de trabalho adoece os professores? Sim, adoece. Além da carga horária, esses profissionais recebem pressão por parte de os alunos, pais e de suas chefias. O estresse diário acaba se transformando em problemas sérios, físicos e emocionais.
Quais são as doenças mais diagnosticadas nesses profissionais? Muitos professores acabam desenvolvendo estresse pós-traumático, causado pelas dificuldades do dia a dia e a falta de estrutura nas salas de aula. Eles chegam ao ponto de não conseguir entrar nas escolas. São tomados pela ansiedade e a depressão.
Como evitar que os problemas de saúde se agravem ao ponto de o professor ter que abandonar a sala de aula? É preciso que se invista em prevenção e que os profissionais que apresentem os primeiros sintomas de estresse tenham acompanhamento médico. Mas, infelizmente, essa não é a realidade. (CG)
Comentários dos leitores de "O Tempo"
Silvio Cesar Divino
Caros/as leitores/as: Apesar das informações aqui prestadas por inúmeras pessoas, reitero que os Professores do Estado de Minas Gerais, não estão pleiteando qualquer reivindicação. O fato é que se deva cumprir uma Lei Federal que não pode mais ser modificada por força de sua decisão; a Lei do Piso Nacional dos Professores. O Governo do Estado de Minas está na ilegalidade com a complacência dos poderes(des)constituídos e a conivência da esfera Federal. O Ministro Joaquim Barbosa STF, (relator da lei do Piso) declarou após de aprovada a referida lei que: "Não me comove, não me sensibiliza nem um pouco argumentos de ordens orçamentárias. O que me sensibiliza é a questão da desigualdade intrínseca que está envolvida. Duvido que não haja um grande número de categorias de servidores, que não esta, que tenha rendimentos de pelo menos 10, 12, até 15 vezes mais que esse piso". Ora, estamos vendo um descarado desrespeito de uma decisão do Supremo Tribunal Federal. Você leitor, ajude a conscientizar as demais pessoas quanto dessa batalha desigual travada pelos educadores contra os governantes que querem passar por cima de tudo e de todos! Lembrando o poema "A caminho com MAIAKOVSKI ( de Eduardo Alves da Costa): "Primeiro, eles vêm à noite, com passo furtivo arrancam uma flor e não dizemos nada. No dia seguinte, já não tomam precauções: entram no nosso jardim, pisam nossas flores, matam nosso cão e não dizemos nada. Até que um dia o mais débil dentre eles entra sozinho em nossa casa, rouba nossa luz, arranca a voz de nossa garganta e já não podemos dizer nada." Nossos filhos agradecerão!! Silvio César.
Elenice (Belo Horizonte)
A realidade é nua e crua. Além de termos um governo que não cumpre as leis e consegue colocar colegas de trabalho em situação precária de trabalho, pois a situação nas escolas é caótica. Minas sempre fala da qualidade da educação, mas os educadores não tem qualidade de vida. Muitas das vezes não temos dinheiro para comprar o remédio. Trabalhamos em duas ou três escolas para termos uma vida simples e pagarmos nossas contas. Vendemos produtos de revistas de beleza para ajudar no orçamento, fazesmo artesanato (uma terapia para a alma) também para ajudar no orçamento. Até quando MG vai deixar de valorizar o professor e oferecer a ele o mínimo que desejamos? (PISO) Até quando MG vai permitir humilhações aos bravos que lecionam? Até quando MG vai fingir e mentir sobre a realidade? Até quando MG vai tratar os professores apenas como NÚMEROS? Somos seres humanos e não máquinas...
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Janaíne do Socorro Costa - Diamantina MG
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Sou colaboradora dessa reportagem, meu nome esta ficitício como "Carolina" mas não tenho nenhum constrangimento em apresentar-me. Sou diamantinense com endereço fixo, desloco me para trabalhar na cidade do Serro e Santo Antônio do Itambé durante a semana, sou ajustada e atualmente de "greve" trabalhando atualmente na secretaria,há 4 anos luto por uma remoção, digo luto por que o descaso dessa SRE é visivel....estou ajustada ha 1 ano, não aguentei a pressão de deixar, filho, familia pra traz e cumprir uma rotina estressante e ainda por cima ouvir de colegas e superiores fofoquinhas....só quem , como eu é "forrasteiro" que vive de cidade a cidade, escola a escola se aventurando entre caronas, ônibus, estradas de péssimo estado, sem hora pra almoço, é que sabe o que estou falando... É claro que nessas horas encontramos alguns verdadeiros amigos, que nos ajudam e sensibilizam. Sou a única em minhas escolas a estar de greve, e nao tenho medo, pois acredito que esta é a hora e lutarei até o fim...este descaso tem que acabar...a luta continua companheiros....
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Flávio - Bhte
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Parabenizo o Jornal O Tempo pela maneira imparcial e responsablidade em relação aos fatos. Sugiro uma MATÉRIA ESPECIAL sobre o número considerável de servidores da educação "hospedados" na Casa Verde - ala do Hospital da Previdência que abriga pacientes com distúrbios diversos, entre eles professores, médicos e policiais -, definhados, em sua maioria, reféns de remédios tarja preta e largados à própria sorte. Anastazista, A JUSTIÇA É CEGA MAS A INJUSTIÇA PODEMOS VER! Todos de preto no dia 7 de setembro - "Grito dos excluídos" - às 09:00 na pça da estação, BH. O quiprocó vem aí. Aguardem! Todos firmes e de pé! "Prefiro morrer de pé que viver ajoelhado" - Emiliano Zapata.
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Everaldo Dornelas de Queiroz - Matipó
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Sou professor de Matemática da rede estadual de ensino de MG, pós-graduado em Matemática e Estatística pela UFLA e o governo anuncia que o meu salário, mesmo sendo pós-graduado, será de R$712,00. Que humilhação. Prefiro trabalhar nas lavouras de café aqui da região pois na colheita eles chegam a ganhar entre R$1500,00 e R$2000,00 por mês e fora da colheita o salário gira em torno de R$800,00 por jornada única. Os nossos alunos, mesmo sem concluirem o ensino médio, já ganham mais do que os professores e ainda riem da gente e dizem: Estudar para quê?ganhar esta migalha? prefiro panhar café. Como é possível estimular estes alunos a estudarem? De onde sairão os novos professores?
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