Jovem é espancado por gangue dentro do Caic
por Renata Brum, repórter
Um jovem de 18 anos foi espancado, pisoteado e apedrejado na noite de terça-feira, nas dependências da Escola Municipal Núbia Pereira Magalhães, o Caic do Bairro Santa Cruz, na Zona Norte. O crime, que chocou professores e pais de alunos da instituição, foi praticado por rapazes que seriam integrantes de uma gangue. Levantamento do 27º Batalhão da Polícia Militar, unidade que atende a região, mostra que esta violência não é um fato isolado. De 1º de janeiro até 1º de agosto, ou seja, em sete meses, foram registradas dez ocorrências no Caic. No dia 8 de abril, por exemplo, militares foram acionados após um disparo de arma de fogo. Ainda há outras oito ocorrências de ameaça, lesão corporal e agressão, além de um registro de dano ao patrimônio. Até mesmo um guarda municipal teria sido ameaçado de morte por adolescentes no Caic.
Na última terça-feira, segundo o registro da Polícia Militar (PM), por volta das 21h, o jovem, morador do São Judas Tadeu, jogava bola na quadra de esporte, quando foi surpreendido e cercado por um grupo rival formado por vários moradores do São Damião. Ele desmaiou após ser atingido por uma pedrada na cabeça e receber pisões na face, além de socos e chutes. A vítima foi socorrida pelo Resgate e permanece internada em observação no Hospital de Pronto Socorro (HPS), mas está lúcida e seu estado de saúde é considerado estável. A Tribuna conseguiu conversar com o jovem, ainda no hospital, e com sua mãe, uma dona de casa de 34 anos. Ele contou que já havia sido ameaçado pelo grupo e que não se lembrava do que havia acontecido. “Fui jogar bola na quadra com meus amigos, mas, quando estava saindo, fui atingido nas costas, caí no chão e depois já veio o resto. Eram uns 15 moleques, mas não lembro de mais nada.” O jovem que deixou o Centro Socioeducativo no último dia 11, onde ficou acautelado por um ano e três meses, segundo a Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds), ainda contou que o enfrentamento entre os moradores do São Judas e São Damião é coisa antiga. “Já brigamos outras vezes.”
A própria comunidade denuncia a rixa. “Ele foi espancado no colégio por cerca de 15 adolescentes que se dizem do ‘Bonde do Scooby’, do São Damião. Estamos com medo e já pedimos que os guardas municipais fiquem na parte da noite, mas eles alegam que não têm armamento para isso”, contou um professor, 37, que não trabalha no Caic, mas possui uma filha matriculada na instituição. Já um funcionário da escola, que preferiu não se identificar, ressaltou as falhas na segurança. “Só temos um vigia, e ele não pôde fazer nada, porque veio um monte de gente para cima do rapaz, dando paulada, pedrada e chute. O medo é porque a maioria desses jovens anda armada, e as gangues estão no entorno da escola.”
A diretora do Caic, Maria Aparecida Fernandes, confirma o duelo dos grupos na instituição. “Os meninos do Santa Cruz e São Damião têm o Caic como deles. E não aceitam o estranho. Ao perceberem a presença do jovem do São Judas, partiram para a briga. Toda a escola ficou mobilizada e em alerta, pois estávamos em aula normal no momento.” Responsável pelo patrulhamento na área, o tenente da PM Luciano Fontainha disse que foi realizado rastreamento na busca dos responsáveis. “A diretora do Caic nos comunicou o fato, e, imediatamente, a equipe do Tático Móvel foi empenhada. Quatro pessoas foram identificadas, e continuamos em rastreamento para encontrá-las”, garantiu o comandante do setor II da 173ª Companhia da PM, lembrando ainda que “o policiamento é reforçado no entorno do Caic, que fica a cerca de 500 metros de um posto policial.
Professores apedrejados e funcionários ameaçados
A Tribuna já havia recebido outras denúncias sobre a questão da insegurança no Caic e esteve no colégio no início de agosto. As demarcações de território estão grafadas nos banheiros e nos muros da quadra poliesportiva. “Quartel criminoso” é uma das pichações assinadas pelo Bonde do Scooby, do São Damião. Algumas delas fazem menção à facção criminosa do Rio de Janeiro Amigos dos Amigos (ADA). Até mesmo recados de ameaças de morte estão pelos muros. Mas, se de um lado estão os adolescentes tentando mostrar poder na comunidade escolar, de outro, estão professores, funcionários e até guardas municipais acuados.
Um dos guardas municipais que trabalhou na instituição chegou a ser ameaçado por um adolescente de 14 anos armado dentro do Caic. “Ele me disse: ‘Você não tem peito de aço, você vai deitar hoje’. Fiquei muito assustado e cheguei a pedir transferência. Infelizmente sou uma figura de segurança pública, mas eu mesmo me sinto inseguro. Não usamos arma de fogo, e a escola não tem muros, é escura e há briga de gangues lá dentro”, relatou o guarda, que vem sofrendo de insônia e problemas de ansiedade. Outro guarda também tem relatos da violência. “Eles estavam entrando e ameaçando os alunos e professores e roubavam a merenda das crianças.” Uma auxiliar de serviços gerais, que preferiu não se identificar, confirma as ameaças. “Isso acontece sim. E nós também não sabemos como agir. Às vezes, nos xingam, somos ameaçadas e temos que deixá-los entrar. Já ouvi até ‘eu vou te deitar tia’”, contou.
Há alguns meses, uma professora de 54 anos foi apedrejada pelos adolescentes. “Eles não gostam que utilizemos a quadra. Chegam a ir para o morro e tampam pedras. Uma atingiu minha barriga e a outra meu braço.” A situação não é nova. Em outubro de 2008, outra professora foi atingida por pedras que atravessaram a janela da sala. A ocorrência foi registrada na Polícia Militar. Outra educadora completou: “Há dias de não podermos dar aula. No turno da noite, já encontraram adolescentes armados.” Para a diretora Maria Aparecida Fernandes, a falta de um muro cercando a unidade escolar facilita o acesso ao colégio. Toda a grade, que é bem baixa, está com remendos ou novos buracos. “Na parte de trás, a grade fica a apenas 1,20m acima do piso da quadra. E, para esses meninos, o pátio é o terreiro da casa deles. Há brigas entre grupos de bairros diferentes, e, infelizmente, a escola está neste contexto.”
Escola vigiada diariamente por guardas
Além de roubos e ameaças, a presença de drogas no colégio foi confirmada pela diretora Maria Aparecida Fernandes. “Como não há muro, sabemos que o Caic é usado por jovens que fogem da polícia e que serve como esconderijo de drogas. Já encontramos até crack. Tive também problemas com alunos que não queriam ir embora, pois falavam que teriam que pagar pedágio na rua.” Segundo ela, com a presença dos guardas, registros de casos deste tipo foram reduzidos. De acordo com o comandante da Guarda Municipal, major José Mendes da Silva, dois homens são escalados diariamente para o Caic, única escola municipal a ter patrulhamento diário. “O ponto é preocupante, mas temos feito de tudo para manter dois guardas na escola desde o ano passado. Contamos, quando necessário, com apoio do 27º Batalhão da PM.” Recentemente, a Guarda Municipal sofreu 14 exonerações, mas, conforme o major, em entrevista à Tribuna, em 22 de julho, “nenhum dos que saíram foi por ameaças. Todos passaram em outro concurso.”
Maria Aparecida destaca que a questão extrapola o âmbito da educação e da segurança. “Não é fácil conviver com este quadro, resultado de uma problemática social grave que precisa da ação de outras instâncias. De alguma forma, estes meninos estão sofrendo. Gostaria que a escola estivesse aberta a todos, mas, infelizmente, por questões de segurança de nossos alunos e professores, precisamos de um muro para cercar a escola. Cerca de 1.500 pessoas circulam por dia na escola, considerada a maior da rede pública municipal. No total, contando as oficinas, são 2.300 alunos. Tento explicar para estes adolescentes que a escola também é deles, mas que preciso preservar a vida das crianças, explicou a diretora, que aposta no muro para reduzir a violência.
“Levei a demanda à Secretaria de Educação, e a secretária nos prometeu a construção. Sei que a obra não sai de uma hora para outra, mas o projeto está pronto e assinado, e, agora, o processo está em tramitação na Comissão Permanente de Licitação. Espero que, até outubro, o muro comece a ser erguido.” A secretária de Educação, Eleuza Barboza, informou, por meio da assessoria, ter pedido prioridade para o muro, embora precisem ser cumpridas as etapas da licitação. De acordo com ela, a estrutura deve ter cerca de 4m de altura e possui custo estimado de R$ 143 mil. Embora não tenha definido prazos, a expectativa é de que a construção seja iniciada em breve. A titular da pasta disse, ainda, que um código de conduta relacionado à violência nas escolas deverá ser distribuído entre a comunidade escolar.
‘A escola não consegue educar sozinha’
Assessor de comunicação do 27º Batalhão da PM, capitão Paulo Alex Moreira, diz que a situação do Caic vem sendo acompanhada pela corporação. “Este ano, tivemos dez ocorrências e poderíamos ter tido até mais se não houvesse lá projetos sociais, como o Proerd (Programa Educacional de Resistência às Drogas), que atua na prevenção da violência e dos entorpecentes.” Para o capitão, porém, somente a união dos poderes resolverá a questão. “A escola pode envolver Judiciário, Vara da Infância, Ministério Público, psicólogos e polícias para tentar resolver a questão. Mas é fundamental que a família também participe e aja, para que seus filhos não cheguem nas mãos da segurança pública, pois, a partir desta etapa, só caberão as medidas legais.”
A avaliação do policial é de que muitos dos problemas diagnosticados estão relacionados à idade dos infratores. “Os adolescentes se sentem imbatíveis. Eles se vangloriam de terem sido apreendidos dez vezes, é como um prêmio. Só perceberão que agiram errado com a maturidade. A formação de grupos e de brigas entre ‘gangues’ rivais sempre vai acontecer, pois envolve a cultura repassada por seus pseudo-heróis.” A diretora do Caic ressalta a importância da família. “Houve mudança de valores para esses jovens. A família perdeu a estrutura, perdeu o valor, e a escola não consegue educar sozinha.” Segundo a titular da 3ª Delegacia Distrital, responsável pela Zona Norte, delegada Mariana Veiga Preste, já foi determinada diligência preliminar para a identificação dos supostos responsáveis pela agressão ao jovem na última terça. “Dois já estão identificados e já foram intimados em outros inquéritos dessa natureza.” A delegada também adiantou que está realizando o mapeamento das gangues da região Norte. “Duas na região do Santa Cruz e uma em Benfica foram mapeadas. Sabendo quem são os envolvidos, se são adolescentes ou maiores de 18 anos, para encaminharmos os casos à Vara da Infância e Juventude ou tomarmos as medidas cabíveis.”
Colaborou Eduardo Vanini
Fonte: [02 set. 2010] http://www.tribunademinas.com.br/geral/geral10.php
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