.
Analice Gigliotti*
.
A última entrevista de Chico Anysio, falecido em março, foi feita em sua
casa e não foi para nenhum jornal, rádio ou TV. Com cerca de 40 minutos de
duração, foi concedida ao psiquiatra Antônio Geraldo da Silva, presidente da
Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP).
.
Chico havia sido convidado para ser padrinho da campanha "A sociedade
contra o preconceito", da ABP, lançada no Congresso Brasileiro de
Psiquiatria, ano passado. Devido ao seu estado de saúde e com medo de não
comparecer ao evento, fez questão de deixar algumas palavras aos médicos na
abertura do congresso, onde seu depoimento foi exibido.
.
Como sua fala é de grande valia, divido com os leitores algumas de suas
últimas palavras. Paciente orgulhoso do psiquiatra Marcos Gebara por quase 25
anos, fez questão de explicitar a importância do tratamento psiquiátrico na sua
vida. "Sem os remédios da psiquiatria, eu não teria feito 20% do que
fiz." O grande Chico Anysio, que divertiu a vida de gerações de brasileiros,
sofreu de depressão por anos a fio.
.
"Depressão é um quadro que só se controla com remédio. O antidepressivo
acertou a minha vida. A psiquiatria é fundamental como o ar que eu
respiro." A depressão era "um demônio, um gás letal, ela entra e a
pessoa não sente que está deprimida. Os outros é que descobrem".
.
Chico definiu como "criminoso" o preconceito contra as doenças
mentais, traduzido pela palavra psicofobia. "Achar que ir ao psiquiatra
ainda é coisa de maluco é retrato do preconceito. Depressão é uma coisa,
maluquice é outra", comparou.
.
Chico se revoltou com o descaso com que governos e autoridades lidam com os
transtornos mentais e o fornecimento de medicamentos.
.
"Se é possível ajudar e curar pessoas e isso não é feito, é crime. O
governo tem esse dever. Não é favor colocar os remédios psiquiátricos ao
alcance dos pobres, é obrigação. É dever do governo. Remédios psiquiátricos
precisam ser gratuitos para quem precisa, assim como já acontece com os
soropositivos", propôs.
.
Ele afirmava que seu grande mal não era a depressão, mas o cigarro.
"Meu pulmão foi meu grande adversário. O grande criminoso da minha vida
foi o cigarro. Eu venci a depressão porque pude pagar remédios e psiquiatra. A
depressão é vencível, é controlável. É só ir ao psiquiatra e tomar os remédios.
O cigarro não."
.
Ele era categórico em afirmar que seu único arrependimento em quase 80 anos
de vida era o vício no cigarro. "Sou do tempo em que fumar era coisa de
macho. Cary Grant fumava, Humphrey Bogart fumava... Conseguir que uma pessoa
pare de fumar significa que ela volte a viver", afirmou emocionado. Ele foi capaz de um feito raro: parar de fumar sozinho. Mas, infelizmente,
já era tarde demais. Os danos ao pulmão e coração eram de tal ordem que muito
pouco poderia ser revertido. Antes de falecer, Chico andava com a ideia de
criar uma fundação com seu nome para apoiar os estudos de combate ao tabagismo.
Infelizmente, não teve tempo.
.
Ele tinha a dimensão do poder que suas palavras poderiam ter para as vítimas
de depressão e tabagismo.
.
"O humor só existe em países com problemas. Não existe humorista sueco
ou finlandês. Do problema nasce o humor. Como humorista, não tenho nenhum poder
de consertar uma coisa, mas tenho o dever de denunciá-la. É o que estou fazendo
aqui: denunciando a falta de socorro aos doentes mentais no Brasil".
.
Que o seu contundente relato alcance aqueles que ainda fumam ou questionam
os danos que os transtornos mentais não tratados podem causar na vida de quem
os sofre, seus familiares e amigos. Se Chico conseguiu diminuir a tristeza de
milhões de brasileiros com o sorriso, que ele possa agora diminuir o
preconceito contra as doenças psiquiátricas por meio de suas palavras.
.
ANALICE GIGLIOTTI, 48, mestre em psiquiatria pela
Unifesp, é medica e sobrinha de Chico Anysio
.
Fonte: debates@uol.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário