por ANNA VIRGINIA BALLOUSSIER - DE SÃO PAULO
Você abre a apostila de português de Caio*, 16, e o primeiro exercício é sobre a música "Fora da Ordem", de Caetano Veloso. A pergunta: "O que lhe parece estar fora de ordem ao seu redor?" Por onde começar? "Aqui não se chama escola, não. É Febem", compara Rita*, 12.
Ela diz, e os colegas ecoam, que "tá tudo errado" na Escola Estadual Bibliotecária Maria Antonieta Ferraz, em Cidade Tiradentes, no extremo da zona leste de São Paulo. Por lá, faltam segurança, professor, sala de informática. Carteiras estão quebradas e alguns banheiros não têm porta nem papel higiênico. O banheiro é apelidado de "chaminé" e "cracolândia". Segundo uma mãe de aluno, que não quis se identificar, o uso de drogas no colégio é uma preocupação.
Das 897 escolas avaliadas na cidade de São Paulo, a Bibliotecária ficou com a pior nota no Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) de 2010. Com 25% de participação dos alunos, a instituição teve média de 463 pontos na prova, contra 749 da campeã, a Vértice (85% de presença), localizada no Campo Belo, zona sul da cidade. Os estudantes da Bibliotecária querem ser advogados, dentistas, jornalistas. Por ora, não põem fé que isso vá acontecer. "A gente fica com vergonha de dizer que estuda aqui", diz Rebeca*, 16.
Vários são aprendizes no McDonald's. Eles se chamam de "McEscravos" e, por salários de até R$ 500, atendem clientes, fritam hambúrguer e digerem uma jornada dupla de escola + trabalho. Às vezes, o dia puxado desce mal. Foi o caso de Bia*, 16. "Já saí do trabalho às 22h. É difícil ter pique de manhã. Aí os professores falam que, assim, a gente nunca vai ser nada."
Certo dia, Rebeca foi dormir tarde e chegou "cansada, descabelada, às 7h" para a aula. "Mas o professor faltou, e outro colocou um vídeo do Pato Donald para a gente assistir."
Sim, eles pagam o pato pelas deficiências na escola. Os estudantes, contudo, admitem que não dão moleza para professores e direção.
"A gente bagunça mesmo", diz Caio*, 15. Na saída, é como em qualquer outro colégio. A maioria tem celular e curte grifes: pululam versões piratas de Adidas e Nike.
Ao escurecer, a porta da escola "parece um baile funk", diz Rebeca. Ela suplica: "Doe um fone para um funkeiro!".
Na Bibliotecária, a média é de quatro horas e meia de aula diárias-escolas de elite têm até o dobro disso, além de um intensivão para preparar o aluno para o vestibular. A posição na rabeira do Enem virou piada. Alunos riem dos dados. Dizem que lá "não é lugar de nerd". Para ser "cabeça" que nem o Igor*, 16, basta ter média acima de 6.
ESCOLA PASSARÁ POR REFORMA
O governo de São Paulo chama de "desinformação" comparar escolas pela nota do Enem. Diz que a prova não foi feita para isso, mas para avaliar cada aluno separadamente. Quanto à falta de professores na Bibliotecária, diz que há previsão para convocar mais docentes na próxima semana, que substituiriam profissionais em licença-saúde. Segundo a Secretaria de Educação, a escola deverá passar por reforma de R$ 385 mil.
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