segunda-feira, 4 de julho de 2011

CARTA A UM AMIGO


CARTA A UM AMIGO*

“Quem obedecer a natureza e não às vãs opiniões, a si próprio se basta em todas as coisas. Com efeito, para o que é suficiente por natureza, toda aquisição é riqueza, mas, por comparação com o infinito dos desejos, até a maior riqueza é pobreza...” (Epicuro)

Meu companheiro e irmão,

Digo companheiro por ser daqueles que pisam o mesmo terreno que eu; digo irmão por comungar comigo algumas utopias e inquietações.

Justificado o tratamento, compartilho com o irmão umas ideias sobre a mídia e o mercado de consumo tentando relacioná-los à violência contra si próprio e contra o outro.

A palavra mídia é uma apropriação anglo-saxônica do latim media (os medias), cujo sentido é mediação ou mediador, ou a preparação necessária para construir uma ponte que ligue um desejo ao objeto desejado, um projeto de ação que possa conduzir a sua efetiva realização. Creio, analisando essa compreensão da mídia e fazendo uma rasa leitura de seus objetivos, que o estreitamento buscado pela mídia nas sociedades de consumo e acumulação capitalista, não leva em conta qualquer sujeito mediador.

Essa construção midiática tem como fim principal eliminar, subjetivamente, qualquer possibilidade do outro. A ligação fica direta: imagem-desejo, desejo-aquisição. Todo o resto se torna um lugar de impossibilidade, de não aceitação. O sujeito vê o objeto e imediatamente o deseja; deseja e imediatamente adquire, mesmo que isso nada acrescente em sua vida. Logo a seguir a imagem do mesmo produto, levemente modificado, é apresentada ao mesmo consumidor que, num atma o deseja e adquire, descartando o anterior. A isso podemos chamar alienação, ou seja, a ausência de mediação, de um distanciamento necessário à visão ampla do produto desejado e das implicações reais de sua aquisição no projeto de vida de seu consumidor.

O problema da violência contra o outro e contra si, na minha compreensão, surge nas sociedades de consumo, pelo dilema dessa falta de sentido suspensa no vazio frio dos produtos que consumimos e que nunca são suficientemente mediados, por isso se tornam desprovidos de significado. O vazio criado por essa incompletude e a angústia de conquistar, sem mediação alguma, todos os prazeres prometidos pela estreiteza proposta na mídia - e aqui convoco novamente o sentido pleno dessa palavra -, além de eliminar a possibilidade de socializar com o outro os nossos desejos, nossos projetos, nossas mediações, elimina qualquer obstáculo entre aquilo que desejo e o objeto desejado.

Nesse lugar dos desejos imediatos o sujeito perde o direito de opinar sobre suas vontades, de socializar com o outro esses projetos e até mesmo suas angústias pela impossibilidade de aquisição de alguns deles. Sem esse direito e no isolamento das mediações impossíveis e inaceitáveis, o sujeito se vê só, tem medos e é capaz de matar ou se matar em nome dos desejos que a mídia plantou em seu inconsciente e que, uma vez frustrados, provoca a explosão violenta ou o completo afundamento na lama das drogas de prazeres perversos.

Enfim, é essencial compreender as armadilhas que a mídia planta no inconsciente coletivo das sociedades de consumo; ler criticamente suas entrelinhas para, uma vez compreendido seus mecanismos, construir antídotos. Enquanto pregam a estreiteza dos espaços, busquemos as longas mediações, socializando e construindo, com o outro, nossos projetos, objetivos e desejos. É preciso, antes de tudo, reconstruir o tecido social que a mídia tão bem sabe desfazer.
Abraços e boas férias!

Salomão Ferreira de Souza
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* Resposta ao correio eletrônico (e-mail) recebido do amigo e companheiro da FaE/CBH-UEMG, Wellington Bernardino cujo título “Americanos: Efeitos das drogas pesadas (cocaína, crack e oxi) já revela o teor das imagens anexas naquela mensagem.

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