.
Maria Clara Bingemer*
.
Assim foi com ela. Caçula e ainda por cima temporã. E linda, engraçada e adoravelmente simpática. Mimada desde que abriu os olhos por avós, pais e irmãos, adentrou a vida construindo e reforçando o império que sua caçulice lhe deu, distribuindo charme, beleza e encanto em volta de si. Mas também, muitas vezes, manha, capricho e infantilidade, consequências da maneira como era tratada por todos e todas.
.
À sua caçulice se somava um coração altamente generoso e compassivo. Não havia desgraça – verdadeira ou falsa, pois muitas vezes foi enganada em sua boa-fé – que não a tocasse intimamente e não a fizesse mover céus e terras para ajudar. Isso teve impacto em sua vida amorosa. Às vezes, entre os rapazes que a cortejavam, escolhia o mais carente e não o que mais lhe agradava. Assim viveu amores decepcionantes e frustrantes. E as lágrimas que desciam sobre seu rostinho apertavam o coração dos pais e irmãos, que tentavam trazê-la de volta à serenidade perdida.
.
Foi no impulso de um desses amores que saiu do Rio de Janeiro e foi morar no exterior. Primeiro recusou-se a ir e manteve-se firme. Mas as lágrimas do rapaz do outro lado do oceano, suas juras de eterno amor acabaram por vencê-la. Vendeu o carro e, diante dos pais indignados, embarcou e lá se foi. Quando não deu certo, como já era de se prever, os pais suspiraram aliviados. Mas qual não foi a surpresa quando, em vez de voltar correndo pedindo colo, ela lhes comunicou ter encontrado outra pessoa que parecia ser o amor definitivo em sua vida. Ninguém acreditou nem deu muita importância. Mais uma de suas coisas de caçula. Mas a relação foi se firmando, solidificando, superando obstáculos inevitáveis, até que um dia ela comunicou que iria largar o trabalho, fechar o apartamento onde morava e casar-se com ele.
.
Os pais quase morreram de preocupação. Como, em uma época onde todo mundo anda louco atrás de trabalho, ela largava o excelente trabalho que conseguira? Como sua caçulinha ousava tomar estas decisões e fazer estas escolhas tão sérias longe deles e de sua sombra protetora? Ela respondeu candidamente que eles mesmos lhe haviam ensinado que o amor é a coisa mais importante do mundo e que deve passar na frente de tudo.
.
* Maria Clara Lucchetti Bingemer, professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio, é autora de 'A argila e o espírito - Ensaios sobre ética, mística e poética' (Ed. Garamond), entre outros livros.
.
Fonte: Jornal do Brasil
Nenhum comentário:
Postar um comentário