Por LUIZ EDUARDO SOARES e RICARDO BALESTRERI
.
“Algo
está errado: temos a 3ª população carcerária, e só 8% dos homicídios
esclarecidos. Um dos erros foi reproduzir o modelo do Exército na polícia.”
.
A
situação da segurança pública no país permanece grave, a despeito de
respeitáveis esforços pontuais. Aconteceram avanços regionais, mas o resultado
nacional segue inalterado, pois os problemas se disseminaram para o interior e
a insegurança cresceu em algumas regiões.
.
Os
cerca de 50 mil homicídios dolosos por ano tornam o Brasil o segundo país mais
violento do mundo em números absolutos. Apenas 8% desses casos são esclarecidos
-ou seja, 92% ficam impunes. A
brutalidade de segmentos da polícia bate recordes. Por outro lado, temos a
terceira população carcerária do mundo e a que cresce mais rápido, pois prendemos
muito e mal.
.
Na
outra ponta, policiais não são valorizados. Em geral, os salários são
insuficientes. As condições de trabalho, inadequadas. A consequência é a adesão
ilegal ao segundo emprego na segurança privada informal.
.
Para
evitar o colapso do orçamento público, as autoridades se calam. Preferem
conviver com a ilegalidade na base do sistema. Resultado: os turnos de trabalho
irracionais não podem ser ajustados; a dupla lealdade obsta a execução das
rotinas; a disciplina interna é contaminada pela vinculação com o ilícito; e a
impunidade estimula a formação de grupos de interesse cuja expressão extrema
são as milícias.
.
Na
raiz dos problemas, está a arquitetura institucional da segurança pública
legada pela ditadura, que encontrou abrigo na Constituição.
.
O
artigo 144 atribui grande responsabilidade aos Estados e às suas polícias, cujo
ciclo de trabalho é, irracionalmente, dividido entre militares e civis. Ele
confere papel apenas coadjuvante à União e esquece os municípios, na contramão
do que ocorre com as demais políticas públicas -enquanto isso, as guardas
municipais estão em um limbo legal.
.
As
PMs são definidas como força reserva do Exército e forçadas a adotar um modelo
organizacional concebido à sua imagem e semelhança.
.
Ora,
sabemos que a boa forma de uma organização é aquela que melhor serve ao
cumprimento de suas funções. Pois a missão das polícias no Estado de Direito é
muito diferente daquela conferida ao Exército.
.
O
dever das polícias é prover segurança aos cidadãos, garantindo o cumprimento da
lei -ou seja, protegendo seus direitos e liberdades contra eventuais
transgressões.
.
O
funcionamento usual das instituições policiais, com presença fardada e
ostensiva nas ruas, cujos propósitos são sobretudo preventivos, requer, dados a
variedade e o dinamismo dos problemas, alguns atributos que hoje estão
excluídos pela rigidez da organização.
.
Exemplos:
descentralização, flexibilidade no processo decisório (nos limites da
legalidade), respeito aos direitos humanos e aos princípios internacionais que
regem o uso comedido da força, adaptação às especificidades locais, capacidade
de interlocução, mediação e diagnóstico, liberdade para adoção de iniciativas
que mobilizem outros segmentos da corporação e até mesmo outros setores
governamentais.
.
Idealmente,
o policial na esquina é um microgestor da segurança em escala territorial
limitada, com ampla comunicação com outras unidades e outras instituições
públicas.
.
Assim,
consideramos inadiável a inclusão da reforma institucional da segurança pública
na agenda política, em nome, sobretudo, da vida, mais do que partidos e
eleições.
.
LUIZ
EDUARDO SOARES, 58, é antropólogo.
RICARDO
BALESTRERI, 53, é educador especializado em direitos humanos. Ambos foram
secretários nacionais de Segurança Pública no governo Lula (2005 e 2008-2010,
respectivamente).
Nenhum comentário:
Postar um comentário