quarta-feira, 15 de agosto de 2012

O tráfico ultrapassa os portões das escolas

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Por Marco Araújo
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O tráfico de drogas ronda as portas das escolas e já ultrapassa seus portões. A Tribuna acompanhou a rotina de alguns colégios e observou situações de tentativa de invasões, colhendo relatos de educadores e pais a respeito do medo da proximidade das drogas. Diversas instituições enfrentam o problema já nos primeiros dias de retomada das aulas neste segundo semestre letivo. Na última segunda-feira, uma ocorrência foi registrada próximo de uma escola no Santa Cândida. No local, um homem, 28, foi detido com nove buchas de maconha e R$ 80. Segundo a Polícia Militar, ele faria a venda do entorpecente perto do colégio.
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Este ano, oito escolas públicas solicitaram a seus órgãos competentes a ampliação e construção de muros a fim de melhorar a segurança. Na Superintendência Regional de Ensino (SRE), foram seis pedidos, enquanto na Secretaria de Educação foram dois. Quando as apurações desta reportagem tiveram início, em abril, um grupo de adolescentes foi visto debaixo de uma árvore, fumando uma substância que passava de mão em mão bem próximo do colégio Estadual Deputado Olavo Costa, no Monte Castelo, Zona Norte. A cena, que mostrava jovens, supostamente, consumindo maconha, foi observada em plena luz do dia, de dentro da instituição, uma vez que o muro do colégio, por ser baixo, não impedia a visão do grupo do lado de fora. A estrutura, que se mantém inalterada até hoje, não é obstáculo para que desconhecidos invadam o estabelecimento educacional.
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A mãe de um estudante de 13 anos da Deputado Olavo Costa avisou a direção, quando, por volta das 7h30, viu dois homens em atitude suspeita, na porta do colégio, com algo suspeito nas mãos como se quisessem oferecer aos alunos que chegavam para a aula. A dupla ainda teria entrado no estabelecimento, mesmo sem a permissão da direção. "Assim que vi, liguei para a PM. Mais tarde, por volta das 11h, quando fui buscar meu outro filho, vi que os mesmos continuavam no interior da escola. Eles transitam livremente dentro do estabelecimento, e a direção encontra problemas para contê-los", disse a dona de casa, 35. "Meu receio é que alguém ofereça alguma coisa para meu filho experimentar."
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Invasões
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O diretor da escola, André Avelar, confirma as invasões no pátio. Seriam jovens, com idades entre 18 e 20 anos, que não são alunos da instituição. "Temos informações de que eles possam estar ligados ao tráfico de drogas. Eles pulam o muro e invadem o colégio."No dia em que a Tribuna visitou o lugar, o diretor contou que precisou pedir para que alguns desses jovens deixassem a quadra, onde estavam sem permissão. "Nossa escola é muito vulnerável. Nossas condições de segurança, como o muro, não impedem que eles acessem o colégio." No mesmo dia, a reportagem flagrou jovens em cima do muro, comprovando a facilidade que encontram para entrar na instituição. O vandalismo também foi detectado, pois, no muro que fica ao lado da quadra de esportes, parte da tela de proteção foi danificada.
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Ocorrências comprovam vulnerabilidade - Não há números sobre a penetração das drogas nas escolas juiz-foranas. Entretanto, a impressão que se tem e os dados esparsos indicam que ela avança em todas as regiões do município. De todos os casos acompanhados pela reportagem, alguns merecem destaque. Como no dia 20 de março, quando 14 pedras de crack foram encontradas pela PM escondidas em um buraco feito em um muro próximo à Escola Municipal Marília de Dirceu, no Filgueiras, Zona Nordeste. A ocorrência foi registrada quando uma viatura se deparou com um homem, 23, e um adolescente, 17, em atitude suspeita em frente ao colégio, na hora da saída dos alunos. Um dos problemas enfrentados por essa escola é a aglomeração de adolescentes que não são estudantes do estabelecimento do lado de fora, na saída do período noturno. Segundo a vice-diretora, Raquel Lucindo, o colégio vem realizando ações de combate às drogas. "Procuramos orientar alunos e familiares a respeito do aliciamento de meninos mais novos por mais velhos. Também pedimos que pais sempre fiscalizem os horários de chegada dos filhos em casa, depois das aulas", afirmou Raquel, lembrando que também são feitas palestras e reuniões com o Conselho de Segurança Pública.
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Já no dia 17 de fevereiro, a Polícia Civil desmantelou um esquema de tráfico de drogas que utilizava "vapores" para vender entorpecente na porta da Escola Estadual Sebastião Patrus de Souza, no Santa Terezinha, Zona Nordeste, localizada a poucos metros da 1ª Delegacia Regional. Um homem, 37, que seria o proprietário do entorpecente, foi preso. Conforme o vice-diretor do colégio do período noturno, Rogério Villa Verde, o consumo de drogas do lado de fora vem acontecendo. "A rua é deserta e sem saída. Além disso, dois postes estão sem lâmpadas desde o início do ano, o que contribui ainda mais para a situação. Trabalho há oito anos nesta escola, e o consumo de drogas na parte exterior sempre existiu", afirmou o educador. Como forma de conscientizar os alunos, a escola já realizou reuniões com o Conselho de Segurança Pública e palestras sobre os malefícios causados pelo crack. Em 24 de abril, a Tribuna mostrou que, na Escola Estadual Professor Lindolfo Gomes, no São Benedito, Zona Leste, a quadra esportiva, localizada em uma área separada do prédio da instituição, era utilizada para o consumo de drogas e práticas sexuais. Na ocasião, a direção da escola informou que a Superintendência Regional de Ensino (SRE) teve ciência da situação, sendo solicitada urgência na construção do muro para minimizar os problemas.
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Superação depende de diversos atores sociais
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O problema é de âmbito nacional e já bateu às portas do primeiro escalão da educação pública no Brasil. Tanto que, deste mês até abril de 2013, cerca de 112 mil educadores inscritos de todo o país vão participar do Curso de Prevenção do Uso de Drogas para Educadores de Escolas Públicas, organizado pela Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad). Só de Minas Gerais, são 3.899 profissionais. A iniciativa faz parte da capacitação prevista no eixo de prevenção do programa "Crack, é possível vencer", lançado em dezembro de 2011 pelo Governo federal. Além de profissionais das redes de educação, o programa treinará agentes de segurança pública, justiça, saúde e assistência social e também conselheiros e lideranças comunitárias e religiosas. Na cidade, profissionais da área também buscam ações de combate e prevenção. Para a diretora de comunicação do Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação (Sind-UTE), Yara Aquino, a inserção das drogas no espaço escolar demonstra que é preciso haver intervenções. "Um local que era tido como santuário torna-se, a cada dia, mais vulnerável. E isso é inevitável, pois, a instituição, inserida em uma comunidade, não tem como ficar imune. A questão não é apenas de polícia, mas de toda a sociedade que precisa encontrar uma forma de superá-la".
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'Triste constatação'
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Conforme André Avelar, diretor da Escola Estadual Deputado Olavo Costa, a instituição já está tomando providências para combater as drogas. "Por meio de reuniões, queremos mostrar aos pais que eles têm papel fundamental no combate ao problema. Subir o muro hoje, para enfrentar a invasão, é importante, mas, a longo prazo, é isolar ainda mais a instituição. É fundamental a participação dos familiares em nossa rotina, pois temos relatos, inclusive, de pais envolvidos com o tráfico de drogas, assim como tios, primos e outros parentes", afirma André, ressaltando: "Na ordem do dia das escolas, atualmente, estão os muros e não a ampliação de instalações e implantação de salas multimeios. É uma triste constatação." A assessoria de comunicação da Secretaria de Estado da Educação (SEE) informou que, das seis escolas que, este ano, solicitaram obras de ampliação e construção de muros, quatro já foram contempladas e duas aguardam autorização. A pasta também realiza parcerias com a Polícia Militar, para coibir o tráfico de drogas ao redor das escolas e já estuda ações a serem implementadas com outros agentes sociais a fim de combater essa situação.
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Ações preventivas
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A partir deste semestre, as escolas municipais terão ações voltadas para Campanha Permanente de Orientação Preventiva Contra a Inserção das Drogas nas Escolas Públicas Municipais. A iniciativa foi proposta em projeto de lei do vereador Francisco Canalli (PMDB) e sancionada no dia 25 de junho. A lei prevê que a campanha será planejada, promovida e supervisionada pela Secretaria de Educação da Prefeitura, que informou que a orientação prevista pelo projeto já é realizada nos colégios, e faz parte do currículo dos estudantes. Assim, o projeto de Canalli reforçaria o trabalho desenvolvido atualmente.
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Em relação à Polícia Militar, o assessor de comunicação organizacional, major Sebastião Justino, disse que a corporação, ao longo dos anos, tem adotado ações preventivas, como o Programa Educacional de Resistência às Drogas e à Violência (Proerd) e Jovens Construindo a Cidadania (JCC). "Há ainda o patrulhamento escolar que orienta diretores, professores e funcionários das escolas a adotarem medidas de autoproteção", afirmou o assessor, acrescentando que operações são realizadas constantemente nos colégios com o objetivo de identificar autores de tráfico de drogas e de outros delitos, tendo sido apreendidas armas e drogas. "Ainda está em andamento, um projeto com as secretarias de Educação estadual e municipal para realização, em breve, de um curso de mediação de conflito escolar."
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A droga não escolhe classe social
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L., de 34 anos, portador do vírus HIV, está há cinco meses tratando sua dependência química na Clínica Boa Esperança. Sua vida foi atropelada pelas drogas ainda na fase escolar. Quando tinha 13 anos, ele teve o primeiro contato com a cola de sapateiro, depois a maconha, até conhecer a cocaína, quando abandonou seus estudos. "Comecei no colégio por influência de amizades malignas, que me apresentaram a droga. Fiquei viciado. Cheguei a cometer pequenos roubos e furtos para manter o vício. Comprava drogas na porta da escola. Quando não tinha dinheiro, trocava meu sapato ou meu tênis para conseguir o que queria," relatou, L., acrescentando que saiu de casa e passou a usar cocaína injetável. "Quando conheci o "canhão" (cocaína injetável), fui contaminado pelo vírus da Aids. A droga tirou a minha vida dos trilhos completamente", desabafa.
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Atualmente, L. enfrenta a dependência química, uma vez que se tornou usuário de crack. Ele já passou por nove clínicas de internação. "É uma luta, pois a recuperação é difícil. A dependência tira nosso foco, nosso juízo", afirma, completando: "Apesar de tudo, tive uma companheira, que não sabia que eu era soropositivo. Ela acabou sendo contaminada, mas, pela graça de Deus, tivemos uma filha, que hoje tem 7 anos, e não é soropositiva." O tráfico na porta da escola é uma situação que ele diz que conhece muito bem. "Não importa se a escola é pública ou privada. O fato é que as drogas estão em todo lugar. Sou de uma família de classe média em Juiz de Fora e só estudei em colégios caros. A droga não escolhe classe social. Ela pega qualquer um e estraga a vida da pessoa", alerta, avisando: "Os pais devem prestar a atenção nos filhos, saber sobre suas amizades, como é a atitude delas, pois elas influenciam a cabeça de um adolescente. Infelizmente, fui influenciado de maneira negativa."

Fonte: Tribuna de Minas (JF - MG)

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