José Francisco Soares*
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O Brasil acumulou, ao longo de sua história, um grande déficit educacional. Assim, a desigualdade educacional é tão prevalente em nosso país quanto a desigualdade de renda. O pagamento dessa dívida exige muitos investimentos em recursos humanos e materiais em todas as etapas da educação básica, geridos com o objetivo de cumprir a missão institucional dessas escolas, que é garantir o direito à educação, na forma prevista em nossa legislação.
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A pesquisa educacional internacional estabeleceu firmemente que três dimensões devem estar presentes concomitantemente para o bom funcionamento de uma escola: materiais, pessoas e pedagogia.
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Os recursos devem ser suficientes para garantir salários adequados e prover as materialidades necessárias, o que inclui merenda, horário de reforço, materiais educacionais de qualidade e quantidade suficientes, equipes de apoio técnico e afins.
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As pessoas que fazem a escola são seus professores, funcionários, alunos e respectivas famílias. Todos devem estar devem estar capacitados e comprometidos em fazer da escola um local de aquisição de aprendizados relevantes. E, finalmente, a pedagogia, a ciência da sala de aula, que para se materializar depende da existência dos outros meios.
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Em recente pesquisa que coordenei no Grupo de Avaliação e Medidas Educacionais da Faculdade de Educação da UFMG, foi possível medir o efeito das escolas municipais de educação básica no aprendizado de cada um de seus alunos, independentemente de suas características socialdemocráticas, que cristalizam vantagens ou desvantagens educacionais.
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Ou seja, medimos o quanto a escola em si, por meio de suas políticas e práticas internas, contribui para o aprendizado de seus alunos, depois de descontadas as diferenças socioeconômicas entre eles que estão fora do controle da escola. Ao se correlacionar este efeito com o gasto municipal por aluno, observamos uma associação muito baixa. Ou seja, há escolas de municípios que gastam muito pouco e têm ótimos resultados.
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O melhor exemplo é Cocal dos Alves, uma pequena e agora famosa cidade do Piauí que tem garantido a seus alunos excelentes resultados.
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No outro extremo está Brasília, onde o gasto por aluno é equivalente ao de um aluno em uma escola privada, mas onde há muitos alunos que não aprendem o necessário. Essas evidências e muitas outras, já obtidas no Brasil e no exterior, mostram que a mera alocação de mais recursos ao sistema brasileiro de educação básica, mantida sua forma atual de uso desses recursos, não produzirá as mudanças que o país necessita.
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A redução da complexa questão do atendimento dos direitos educacionais dos brasileiros a uma única dimensão coloca a sociedade diante de uma falsa decisão.
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O Plano Nacional de Educação tem 19 outras metas. Elas não foram adequadamente debatidas pela sociedade. A sua implementação exigirá decisões difíceis, cujos contornos ainda não são completamente conhecidos. Não há nenhuma evidência sólida de que atingir a meta de recursos levará automaticamente ao atingimento das outras metas.
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A educação brasileira precisa de mais recursos a serem usados para o pagamento da dívida educacional. No entanto, embora a evidência empírica aqui apresentada trate apenas da educação básica, alocar 10% do PIB à educação não deve ser obrigatório até que se tenha mais clareza e consenso sobre como os novos recursos serão gastos.
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JOSÉ FRANCISCO SOARES, 60, doutor em estatística pela Universidade de Wisconsin em Madison (EUA), é professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais
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