Octavio Amorim Neto (EBAPE/FGV-Rio)
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Na madrugada de 17 de agosto de 2012, faleceu, no Rio de Janeiro, Amaury de Souza. Um dos líderes do “esquadrão de ouro” que fundou o IUPERJ e criou a moderna ciência política brasileira – em pleno regime militar –, Amaury deixou inúmeras contribuições à disciplina e à profissão. Fiel à marca da sua geração, nunca abandonou a militância política, vendo nesta o irmão siamês do labor acadêmico. Foi pioneiro em tudo que fez, seja no doutoramento em instituições de elite dos EUA (Amaury foi Ph.D. pelo MIT), na adoção de métodos quantitativos, na análise de pesquisas de opinião, no estudo do planejamento urbano, no uso da computação, como no estabelecimento da atividade de consultor político profissional.
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O pioneirismo de Amaury é um produto nobre do pioneirismo da Faculdade de Ciências Econômicas da UFMG, em que, apesar da precariedade dos meios, buscou-se consolidar o ensino das ciências sociais em nível universitário, algo incipiente no país à época. Entre seus colegas dos tempos de graduação que viriam a colaborar decisivamente no estabelecimento da ciência política acadêmica no Brasil estavam Antônio Octávio Cintra (Ph.D. pelo MIT), Bolívar Lamounier (Ph.D. pela UCLA), Fábio Wanderley Reis (Ph.D. por Harvard), José Murilo de Carvalho (Ph.D. por Stanford) e Simon Schwartzman (Ph.D. por Berkeley).
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Amaury não foi apenas politólogo. Além de bacharel em sociologia política, obteve também o diploma de administração, ambos os títulos pela UFMG. Daí ter-se tornado também especialista em consultoria empresarial, atividade a que viria dedicar-se intensamente após desligar-se do IUPERJ em 1987.
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Amaury era, pois, um homem polivalente e, como acadêmico, multitemático. Suas dezenas de artigos e livros versam sobre os mais variados assuntos: política local, sindicalismo, eleições, sistemas eleitorais, sistemas partidários, Congresso, elites, presidencialismo, cultura política, burocracias, consolidação democrática, desenvolvimento político, economia política, política urbana, demografia, reforma política, política externa, política comercial, e a nova classe média.
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Esse rol impressionante de temas é, na verdade, a melhor expressão do que foi a grande vocação de Amaury: a atividade acadêmica. Apesar de ter deixado de ser professor em tempo integral relativamente cedo e passado a dedicar-se à consultoria política e empresarial, Amaury nunca deixou de ser um grande scholar, impecável no seu profissionalismo e na adesão ao estilo de trabalho universitário que aprendera no MIT. Prova disso eram sua insaciável sede por ler tudo de relevante sobre todo assunto que entrava em seu radar, seu interesse por obras clássicas e pelo que escreviam os mais verdes autores, pela atenção aguda a detalhes, pela análise isenta dos dados empíricos apesar das intensas paixões políticas que o animavam, e o fato de estar sempre atualizado com os debates acadêmicos. Não obstante sua pesada agenda de compromissos empresariais e políticos, Amaury sempre impressionava por dominar todas as vertentes que marcavam as áreas de pesquisa que porventura estudasse, como se ainda fosse um recém-doutor cheio de ardor pelo assunto da sua tese. Foi assim até o último dia de vida.
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Evidência eloquente de que Amaury foi sempre um acadêmico é o fato de seus últimos dois livros terem sido publicados há pouquíssimo tempo: A Agenda Internacional do Brasil: A Política Externa de FHC a Lula (Campus, 2009) e A Classe Média Brasileira: Ambições, Valores e Novos Projetos de Sociedade(Campus, 2010), este escrito juntamente com Bolívar Lamounier. De maneira coerente com o que Amaury fez ao longo de sua carreira, essas duas obras já são referências obrigatórias para os principais debates sobre o novo Brasil que nasceu no começo do século XXI.
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O que permitiu uma carreira tão polivalente, multitemática e produtiva? O fato de Amaury combinar uma grande inteligência com um trabalho obsessivo e incansável. Essa foi sua segunda grande marca. Todos aqueles que foram seus alunos ou assistentes aprenderam não apenas a substância do que ele ensinava ou pesquisava, mas também o amor ao trabalho, que transmitia com muito orgulho e carisma. Amaury podia ser também um mestre duro e abrasivo, mas sua generosidade sempre foi muito maior do que suas idiossincrasias. Há hoje uma legião de cientistas sociais que muito deve ao coração de Amaury, entre eles o autor destas linhas.
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Amaury se dedicou de corpo e alma a várias causas. A sua defesa intelectual da democracia representativa, do parlamentarismo, do voto distrital, da economia de mercado e da redução de impostos ficará também como mais uma das suas contribuições à ciência política nacional e à vida política do país.
Infatigável em sua vocação acadêmica, Amaury deu o ponto final ao seu último artigo dois dias antes de partir. Aliás, só se permitiu partir depois de fazê-lo.
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Valeu, Mestre!
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