sábado, 15 de junho de 2013

Violência policial muda tudo

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Renato Janine Ribeiro*
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Minha apreciação das manifestações em São Paulo mudou esta quinta-feira, após as cenas de violência da PM. A polícia mostrou-se totalmente incapaz de lidar com manifestações políticas duras, mas legítimas numa democracia. Para quem condena o movimento porque não tem líderes que controlem a massa, recomendo as análises de Manuel Castells sobre o assunto, em recentes palestras no Brasil. Quem não o conhece, saiba que é um sociólogo espanhol, amigo de FHC, estudioso atento das formas de sociabilidade no tempo da Internet. Pois Castells diz que hoje se protesta assim, no mundo árabe, na Turquia, em toda a parte: um rastilho de pólvora que se alastra sem líderes, sem pauta clara.
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Na democracia, essenciais são os métodos. Condeno quem queimou ônibus e quebrou janelas, mas jamais diria que “os manifestantes” fizeram isso, querendo dizer: “todos”. Não. Foram uma minoria, como se vê. Essa minoria está errada e deve pagar pelo que fez. Agora, a polícia tem de saber como lida com a divergência política, mesmo quando esta se radicaliza. O que a PM mostrou é que ela atua batendo. Depoimentos de dois jornalistas que testemunharam as agressões, Elio Gaspari e Armando Antenore, mostram o ataque que ela iniciou sem provocação – significativamente, na região da rua Maria Antônia, altamente simbólica tanto porque foi a “alma mater” dos grandes sociólogos paulistas, entre eles FHC, quanto porque ali, em 3 de outubro de 1968, um grupo paramilitar de extrema-direita atacou a Faculdade de Filosofia da USP, num dos graus finais da escalada que levaria ao Ato-5.
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A polícia trata descontentes tal como trataria bandidos perigosos, que estivessem atirando. Pelo menos sete jornalistas foram feridos, e alguns presos, no que anda perigosamente perto de fazer suspeitar de um, à primeira vista absurdo, plano determinado de intimidar a imprensa.
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Os governos estadual e municipal certamente precisam de dinheiro caso abram mão do reajuste das tarifas ou mesmo as zerem, mas, se vão usar os recursos públicos para isso ou para outros fins, é assunto a debater. Respeito a tese do transporte público urbano gratuito. É um desestímulo ao transporte individual e uma forma de transferência de renda para pessoas, pobres e uma causa nobre. Todos sabemos que os ônibus e trens suburbanos são péssimos no País, em termos de quantidade, conforto, frequência e rapidez. Muita gente gasta quatro horas por dia indo ou voltando do trabalho. Isso é inaceitável.
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Ora, ou se deixa claro aos governantes que o desrespeito a quem usa condução pública se tornou ele próprio inaceitável, ou os governos continuarão empurrando essas questões para o futuro. Esta é a grande questão de fundo.
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Mas há uma grande questão de método, também. É preciso que a polícia militar aprenda a viver na democracia. Testemunhei, estes anos, muitos casos em que admirei a ação da polícia, sobretudo a civil. Sei que tudo melhorou desde a ditadura. Mas o que choca é ver que, agora, se retrocede tanto. E choca, em especial, ver que o responsável pela polícia, o governador do Estado de S. Paulo, aceita esse tipo de conduta. O mínimo que deveria fazer era distinguir as coisas e, mesmo mantendo sua oposição à pauta de exigências dos manifestantes, garantir que a dignidade das pessoas seja respeitada. Porque estamos vivendo uma escalada de agressão. Quando um promotor usa de seu cargo para prometer impunidade a policiais que matem manifestantes, e até agora nada perdeu a não ser o emprego no Mackenzie, fica-se perigosamente – uso pela terceira vez esse advérbio ou adjetivo – perto demais da substituição dos princípios democráticos de convivência pelos ditatoriais. Estes parecem fáceis. Parecem assegurar a ordem, à custa da liberdade. Mas, quando se vai a liberdade, como diz Elio Gaspari nos seus livros sobre a ditadura e como bem sabe o Estadão, censurado por anos a fio após o Ato-5, cai-se na desordem armada. Isso, não podemos admitir.
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* Professor titular de Ética e Filosofia Política na Universidade de São Paulo, na qual se doutorou após defender mestrado na Sorbonne. Entre suas obras destacam-se "A sociedade contra o social: o alto custo da vida pública no Brasil" (2000, Prêmio Jabuti de 2001) e "A universidade e a vida atual - Fellini não via filmes" (2003). 
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2 comentários:

  1. Estou perfeitamente de acordo com esse artigo e penso que os esforcos de formacao da policia mas sobretudo da hierarquia das forcas de ordem deixam ainda muito a desejar.Nao podemos e nao devemos nos comparar a repressao Egipciana,Turca ou Tunisiana caso a nossa virada democratica e definitiva.A.Touraine em seu livro Revolucoes na Am. Latina dizia que os brasileiros esperavam a revolucao cair do ceu.Nunca estive de acordo com isso e tive a ocasiao de me manifestar na ocasiao da entrega do titulo de DHC na Universida de Genebra a esse professor.Nossa democracia nao caiu do ceu nao,ela foi desejada e conqistada por todas as formas de expressao possiveis.Passamos por mais essa prova e reagimos no nosso foro interior de maneira inteligente, e nos exprimimos que seja na telinha ,no telefone,no mundo do trabalho,no parque, nas ruas.BRAVO Brasileiros,continuemos a construir a nossa democracia que conquistamos.Nao quero nunca mais que tenhamos medo da policia que e paga pelos nossos impostos para nos proteger,nao para nos agredir.

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  2. Uma grande diferenca se impoe : O fio que liga as nacoes citadas no printemps arabe ou magrebin se distanciam do brasileiro pelo historico democratico antes e depois da ditadura.

    As manifestacoes no Brasil ocorrem em jovem democracia, dentro de um quadro de maus habitos dos dirigentes das atuais forcas armadas que ainda nao compreenderam o papel de forcas de ordem.

    Num quadro politico ainda muito oligarquico no que diz respeito a politica das provincias e ate mesmo das capitais que ainda elegem pela capacidade financeira do candidato de se pagar uma boa imagem de campanha.

    Num clima em que o medo de perder o adquirido impede os funcionarios e responsaveis de se pronunciarem sobre os ultimos acontecimentos.

    Nao fico impressionada si o governo federal ou estadual nao se posiociona de maneira clara.
    Meus amigos e companheiros de luta dos anos 70 que teem agora um misero carguinho nao se posicionam nesse momento.

    Mas e esse o caminho que nos promete que nao e uma gruta, e um tunel!



    Mas passaremos tambem por ai, incontornavelmente somos carro chefe e participantes desse novo movimento.

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